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A' Cerca de Coimbra


Quarta-feira, 20.11.19

Coimbra: Igreja de S. Bartolomeu

É a igreja de S. Bartolomeu talvez a de mais antiga história na cidade. Já existia em 957, pois, em 2 de novembro desse ano, foi doada ao mosteiro de Lorvão pelo presbítero Samuel, por mando do presbítero Pedro, em risco de morrer. Antes tinha sido dedicada a S. Cristóvão. A doação incluía também a igreja de S. Cucufate, com todas as suas vinhas e hortas que se encontravam em redor. O grande chefe mouro Almançor conquistou e arrasou Coimbra em 987. A igreja de S. Bartolomeu não deve ter sido poupada, pois que a vemos novamente doada a Lorvão em 1109, o que indica reconstrução. A doação de 1 de janeiro de 1109 é feita pelo presbítero Aires e nela são citados os ornamentos, móveis e imóveis.
Estas primitivas igrejas, cujos vestígios arqueológicos se encontram sob o pavimento da atual, depois de escavações levadas a cabo em 1979 e 1980, mas nunca publicadas, tinham entrada para poente e não para o lado da praça. No século XVIII a igreja ameaçava ruir, pelo que em 5 de junho de 1755 se fez a trasladação do SS. e das imagens de Cristo e Nossa Senhora para o antigo Hospital Real, donde passaram para a Misericórdia, iniciando-se de imediato a demolição do velho edifício românico. A primeira pedra da igreja atual foi lançada em 16 de julho de 1756, sendo arquiteto Manuel Alves Macomboa.

Igreja de S. Bartolomeu, vista aérea.jpg

Igreja de S. Bartolomeu, vista aérea

A planta do novo edifício é de grande simplicidade, articulando em retângulo a nave com a capela mor. Amplas janelas inundam e unificam o interior de uma luz homogénea, bem característica da época rococó em que se fez a reedificação.

Igreja de S. Bartolomeu. torre sineira.jpg

Igreja de S. Bartolomeu, torre sineira

A fachada enobrece o topo da praça, com suas duas torres sineiras coroadas de fogaréus e cúpula bolbosa. No século XIX construíram a casa da esquina com a rua dos Esteireiros, que lhe rouba parte da monumentalidade. O portal é ladeado por colunas dóricas onde assenta uma varanda de balaústres em forma de vaso chinês, diferentes dos da balaustrada que une as duas torres.

Igreja S. Bartolomeu, capela-mor e retábulos lateIgreja de S. Bartolomeu, capela-mor e retábulos laterais

O interior é sóbrio apenas se destacando as cantarias dos púlpitos, portas, janelas e arcos das capelas. O arco da capela-mor é em asa de cesto, sobre entablamento peraltado, assentando em pilastras mais cuidadas. O retábulo-mor domina todo o espaço, captando a atenção. Foi executado pelo notável entalhador de Coimbra João Ferreira Quaresma, contratado em 20 de dezembro de 1760, com a obrigação de consultar o arquiteto Gaspar Ferreira, para que ficasse como o de Santa Cruz. A fortíssima impressão causada pelo retábulo de Santa Cruz fez dele o pai de imensa prole que se estendeu de Coimbra a todas as Beiras, originado o estilo do rococó coimbrão. O mesmo João Ferreira Quaresma executou as cadeiras do coro e os arcazes da sacristia. O retábulo tem dois pares de colunas por banda, sobre alto embasamento. O coroamento, em frontão interrompido, de elaboradas formas, abriga glória solar ladeada de anjos com palmas. Marmoreados e dourados dão realce a todo o conjunto e emolduram a boca da tribuna, preenchida com uma tela de Pascoal Parente, representado o martírio de S. Bartolomeu.

Igreja de S. Bartolomeu. capela lateral do SagradoIgreja de S. Bartolomeu, capela lateral

Os retábulos colaterais seguem o mesmo estilo, simplificado. Duas capelas laterais apresentam retábulos recuperados da igreja antiga. O do lado nascente é ainda maneirista, dos finais do século XVI, adaptado ao espaço. Conservou, além da estrutura, duas pequenas pinturas sobre tábua. A capela fronteira tem um retábulo de colunas salomónicas de finais do século XVII, época de D. Pedro II.
A igreja tem ainda no seu espólio belas sanefas de concheados, das melhores peças da cidade, feitas por Bento José Monteiro, mas certamente com desenho de Gaspar Ferreira. Salientam-se ainda outras pinturas de Pascoal Parente com Cristo crucificado e Anunciação.

Igreja de S. Bartolomeu. lustre  e órgão.jpg

Igreja de S. Bartolomeu, lustre e órgão

O templo é indissociável da praça onde se insere, outrora chamada praça de S. Bartolomeu. Nesta praça se fez durante séculos, até 1867, o mercado. Aqui se correram touros. Aqui se situou o paço dos tabeliães. Aqui funcionou a junta dos vinte e quatro dos mesteres e o paço do concelho. S. Bartolomeu é o patrono dos açougueiros e magarefes, cujos talhos estavam na praça e ruas confinantes, isto é, junto da igreja do seu santo padroeiro: principal justificação para a sua edificação neste local.

Nelson Correia Borges

Publicado em Correio de Coimbra, n.º 4761, de 7 de novembro de 2019, p. 8.

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por Rodrigues Costa às 10:22

Quinta-feira, 23.03.17

Coimbra: O retábulo-mor de Santa Cruz

Tem a igreja de Santa Cruz de Coimbra um impressionante acervo de obras artísticas marcantes na História da Arte em Portugal: restos do vasto legado daquela que foi uma das mais importantes casas monásticas portuguesas. São merecidamente famosos os túmulos reais, o púlpito, o cadeiral, a sacristia, o claustro... Mas há uma obra a que não se tem dado o devido realce e que teve uma importância enorme pela definição de um estilo que se espalhou por toda a Beira até ao Douro: o retábulo-mor.

Santa Cruz a.jpg

A igreja de Santa Cruz já não apresenta hoje o aspeto que os frades crúzios lhe deram até ao tempo da extinção. A primeira metade do século XVIII fora de grandes mudanças arquitetónicas, devidas à ação de D. Fr. Gaspar da Encarnação, a quem se deve o Santuário, o Jardim de Santa Cruz e a transformação da igreja. As modificações que então se operaram tinham como objetivo dar-lhe uma feição mais moderna, num gosto que pode considerar-se vanguardista, um barroco moderado, mais classicista, em que são peças marcantes os retábulos. Desta reforma restam a Santa Cruz sobre o arco cruzeiro e os retábulos. Retiraram-se as grades conventuais que separavam a igreja dos fiéis do espaço clausurado; demoliram-se as pilastras de dourados capitéis que encobriam os elementos manuelinos, substituíram-se os retábulos colaterais de talha barroca por outros de pedra ao estilo neorrenascença.

Três fatores estão na origem desta inovação: a ação de Fr. Gaspar da Encarnação, a existência no mosteiro de livros com gravuras de retábulos, vindos de países germânicos (agora na Biblioteca do Porto) e os desenhos esclarecidos do Dr. António de Andrade, arquiteto com realizações de vulto, como o coro do mosteiro de Lorvão e a igreja do mosteiro de Salzedas.

O retábulo-mor causou grande impressão nos meios artísticos da cidade. Em breve foi imitado na capela da Ordem Terceira de S. Francisco, na igreja de S. Bartolomeu e em inúmeras outras realizações. Foi o pai de uma imensa prole espalhada pelo centro de Portugal. Se o riscador foi o Dr. António de Andrade, quem poderia ter sido o entalhador? Talvez Gaspar Ferreira, notável artista estabelecido em Coimbra e com outras obras em Santa Cruz. Mas não faltavam em Coimbra entalhadores de igual mérito, como João Ferreira Quaresma e Domingos Moreira.

Anterior ao estilo pombalino de Lisboa, com ele se relaciona, embora com características próprias que lhe conferem o direito de ser considerado estilo regional, justamente designado por rococó coimbrão. Apresenta um embasamento de linhas direitas, sobre o qual se erguem colunas de fuste liso, pintadas a imitar mármores raros. Esta visão classicista altera-se quando se chega ao remate superior. Aí a arquitetura movimenta-se de recortes e curvas e sobre os lados sentam-se figura alegóricas ou de anjos, em atitudes gesticulantes.

O retábulo crúzio é enriquecido com quatro anjos de grande porte e de muito bom nível escultórico: dois laterais e dois sentadas nos acrotérios. As roupagens esvoaçantes vinculam-se ainda ao barroco, mas as expressões são suaves e dulcificadas, características do rococó. A mensagem iconográfica que o retábulo pretende transmitir é evidente e acessível: a exaltação da Santa Cruz. No painel que tapava o camarim do trono, uma figura feminina mostrava aos crentes a Santa Cruz, envolta em anjos, tendo, na parte inferior, outras figuras da humanidade, em adoração. Os anjos laterais exibem o cálix e a lança; o acroterial esquerdo, o martelo e os cravos das mãos; o da direita, o cravo dos pés e a torquês. Rematando esta exibição ostensiva dos instrumentos da Paixão, o dístico da cruz, INRI, circundado pela coroa de espinhos, “explode”, no cume, em enorme glória solar, qual girândola de raios dourados e cabecinhas aladas de querubins.

Atualmente encontra-se a descoberto o trono eucarístico, outrora só visível em certas solenidades. É muito belo, mas, sem a tela que o ocultava, o programa iconográfico que presidiu à conceção do retábulo fica adulterado.

Borges, N.C. 2016. O retábulo-mor de Santa Cruz de Coimbra, In Correio de Coimbra, n.º 4634, de 23.02.2016.

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por Rodrigues Costa às 09:19


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