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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 03.04.25

Coimbra: Manuscritos jesuíticos escondidos na Sé Nova 2

Segunda e última entrada extraída da obra das Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, intitulada Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra.

Sé Nova. Retábulo da vida da virgem.JPGSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA

Sé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor daSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem, pormenor. Acervo RA

Sé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor daSé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor da predela. Acervo RA

 A origem do tesouro.

O tesouro deixado por António de Vasconcelos inclui as suas memórias pessoais e as memórias da Companhia, ameaçada de extinção. Para o salvar, o jesuíta teria subido ao altar da Coroação e Assunção da Virgem e ali depositado o conjunto, certamente na esperança de um dia regressar e poder reaver aquilo que era por todos os meios impedido de levar consigo.

…. as cartas reunidas no macete eram mais do que um objeto de devoção pessoal. Eram cartas com mais de duzentos anos, escritas por Santo Inácio, S. Francisco Xavier, e João de Polanco.

Além das cartas, o jesuíta conservou dois volumes manuscritos: um de controvérsia filosófica e teológica e outro do Padre António Vieira; e por fim uma bolsa de serapilheira contendo um conjunto de pequenos embrulhos bem fechados, cinco ao todo: um único embrulho de papel identificado com o monograma AV e quatro de pano, identificados com o nome de Ant. de Vasconcelos e com as designações “Apontam, e Nom.”; “Cartas mhs e alh”; “Matrim.”

Sé Nova, frontão.jpgSé Nova, frontão. Acervo RA

 Descrição do corpus

Descrevemos agora de forma sumária o conteúdo das cerca de 1000 páginas que constituem o corpus, agrupando-o em quatro secções distintas:

Documentos fundacionais: o macete de cartas atadas por cordel corresponde a um conjunto de documentos fundacionais de elevado poder simbólico. O interesse do investigador aumenta com a inscrição que se lê na face superior, sob o cordel: “Somente o Superior deve ter estas cartas em Coimbra” (Soli supri/õ[m]nes hae epistolae cohimbricaé). São cartas dos fundadores, na sua maioria enviadas de Roma pelo Governo central, por Santo Inácio de Loyola e por João de Polanco, seu assistente e secretário pessoal, mas também enviadas de Cochim, na índia, por S. Francisco Xavier, ou enviadas de Lisboa para Roma, como alguns textos de Dom João III. O monarca responsável pelo bom acolhimento da Companhia no reino antes mesmo da sua confirmação pela Sé Apostólica, escreve para diferentes destinatários, acerca do P. Luís Gonçalves da Câmara e das obras da Companhia de Jesus que em 1553 ele deveria representar em Roma.

De Santo Inácio conservam-se pelo menos sete cartas diferentes: duas dirigidas a Simão Rodrigues, de 1542 e 1545; a célebre carta sobre a obediência como” virtude mais necessária e mais especial que nenhuma outra na Companhia”, de 1552; e ainda quatro cartas do ano de 1555: uma dirigida ao P. João Nunes Barreto que fora nomeado patriarca da Etiópia; outra a D. João III, sobre assuntos relacionados com Dom Teodósio de Bragança; uma carta a Diogo de Mirão, provincial, sobre as relações entre o Patriarca eleito, o Provincial da índia e o Visitador [da Companhia] e as obrigações de obediência de cada um; e por fim uma carta dirigida ao P. Francisco [Boija?] e aos Provinciais e Reitores dos Colégios da Companhia de Jesus, em Espanha e Portugal.

…. Numa segunda secção, o volume de controvérsia filosófica e religiosa traz consigo o nome de Francisco Soares [Lusitano] e a data de 1652. Corresponde a um conjunto daquilo que se designava Conclusiones mas que também podia designar-se por theses, quaestiones, controuersiae, propositiones, ou no singular, dissertado ou disputado.

…. Como terceira secção temos um manuscrito da Clavis Prophetarum do P. António Vieira, que chegou até nós em excelente estado de conservação. Compõe-se de uma junção de seis cadernos cosidos, num total de 495 páginas de texto, para além de 11 páginas de índice e uma página de título.

…. A quarta e última secção corresponde aos documentos coevos da expulsão, nomeadamente um caderno de matéria hagiográfica e o espólio pessoal de António de Vasconcelos.

Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.

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por Rodrigues Costa às 17:11

Terça-feira, 01.04.25

Coimbra: Manuscritos jesuíticos escondidos na Sé Nova

As Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, investigadoras do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra publicaram um muito interessante trabalho intitulado Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra, sobre o achado de documentos jesuíticos escondidos na Sé Nova.

Desse trabalho destacamos o texto que ora se apresenta.

O Altar da Coroação, um esconderijo com mais de 250 anos.

Sé Nova, altar da Coroação 1.jpgSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA

Já ninguém imaginava que segredo algum pudesse subsistir nos espaços que outrora pertenceram aos religiosos exilados. A Fábrica da Sé Nova também não podia imaginar que a limpeza e restauro da sua talha dourada pudesse revelar bem mais do que o brilho original do ouro; mas ciente do elevado património que tem à sua guarda, o Cónego Sertório Baptista Martins, confiou a missão a uma equipa de profissionais. E eis que o Altar da Coroação e Assunção da Virgem, no transepto do lado do Evangelho (ou seja, à esquerda da Capela Mor), guardava um inesperado tesouro.

… A Técnica de restauro aspirava o interior das quatro colunas quando encontrou um objeto em forma de cunha, colocado no interior de uma das colunas do lado direito do altar.

Sé Nova anjos músicos.jpgSé Nova, colunas. Pormenor. Acervo RA

Na face posterior da coluna encontrava-se uma caixa de madeira, em forma de cunha, que continha um pequeno crucifixo de marfim envolvido em estopa de linho. Nessa mesma coluna (a coluna interior do lado direito do altar) encontrava-se ainda um saco cilíndrico, de pano branco muito escurecido pelo tempo. O seu interior guardava um grosso volume manuscrito e dentro dele um caderno de menor dimensão.

Surpreendida pelo sucedido, a Técnica que procedia à limpeza, a senhora Fernanda Monteiro Vouga, decidiu examinar as restantes colunas dos espaços congéneres da igreja, para se certificar de que nada ficava esquecido. E acabou por encontrar um novo conjunto. Na coluna interior, à esquerda do mesmo altar, encontravam-se mais dois objetos: um códice enrolado em cilindro (de modo a caber no interior da coluna) contendo um macete de cartas atadas por um cordel; e uma bolsa de serapilheira identificada pelo nome António de Vasconcelos, contendo vários embrulhos de pano (de 12-14 cm) cuidadosamente fechados a ponto de costura e identificados por fora; e ainda um último embrulho com o mesmo formato, mas em papel.

…. À medida que procedíamos no inventário, tornava-se cada vez mais clara a origem daquele pequeno tesouro. O recorte temporal dos documentos examinados dava-nos desde logo a sua chave: se os mais antigos remontam ao século XVI (a carta mais antiga é de Santo Inácio, escrita em 18 de Março de 1542), os textos mais recentes têm a data de Setembro de 1759, ou seja, são contemporâneos do decreto de expulsão dos Jesuítas (de 3 de Setembro de 1759) e dos acontecimentos que precederam a partida dos últimos jesuítas de Coimbra, no dia 24 de Outubro daquele ano. Ou seja, pouco antes da partida, um jesuíta teve a coragem de salvar da destruição um conjunto de documentos que considerava preciosos, na expectativa certamente de que um dia eles fossem resgatados por alguém que soubesse apreciá-los mais do que o poder persecutório instituído, ou, quem sabe, na esperança de um dia regressar a casa e de os recuperar.

Sé Nova vista aérea.jpgSé Nova. Fotografia aérea, inícios do século XX. Acervo RA

 A expulsão do Colégio de Coimbra

De acordo com o relato do Padre José Caeiro, o colégio de Coimbra foi cercado por soldados na noite que precedeu o dia 15 de Fevereiro de 1759. Os jesuítas tinham tomado conhecimento da Carta Régia que determinava o cerco, três dias antes. Desde a manhã de 15 de Fevereiro, quando entraram no Colégio as forças militares, até ao dia da partida dos últimos, os jesuítas viveram um rigoroso isolamento do exterior. Nenhuma notícia do que se passava no exterior podia chegar aos jesuítas. Não lhes era permitido receber cartas nem presentes. Quando em Julho foram autorizados a descer à cerca do colégio e demorar-se algum tempo nos quintais, a vigilância foi reforçada, bem como o número de sentinelas.

…. A ofensiva do cerco ia muito além do isolamento. A parte do edifício destinada às aulas foi totalmente ocupada pela infantaria, que nele praticava tudo quanto se faz habitualmente num quartel. Mas nem assim os estudos foram interrompidos.

…. Para reforçar o isolamento dos padres, estes eram cuidadosamente separados dos soldados, a fim de evitar qualquer fuga de informação. Cerraram-se portas com trancas de madeira, com cal e cimento. Uma vigilância especial foi reservada à igreja do Colégio - onde o tesouro seria escondido. Era aí que as entradas eram mais restritas e sumamente vigiadas …No dia 30 de Setembro os jesuítas tomaram conhecimento de que os mais velhos … partiriam nessa mesma noite …  Finalmente, no dia 24 de Outubro de 1759, também eles [os membros da comunidade, mais novos] foram forçados a partir do Colégio.

Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.

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por Rodrigues Costa às 11:50


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