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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 22.10.24

Coimbra: Abastecimento de água ao domicílio 1

O Professor Doutor José Amado Mendes dedicou a sua vida, nomeadamente, ao estudo de questões de temática coimbrã. O trabalho que agora divulgamos é uma síntese da investigação profunda que realizou sobre a história do fornecimento de água à nossa Cidade.

A cidade de Coimbra marca a transição entre o Alto e o Baixo Mondego, como já foi salientado: “Situada na margem direita do rio, no contraforte comprehendido entre os valles da Arregaça e Cozellas, Coimbra marca approximadamente a linha de separação entre a bacia alta e o estuário inferior” … que se prolonga até à sua foz, precisamente na cidade da Figueira da Foz.

Em finais do século xix, a população de Coimbra rondaria os cerca de 20 000 a 25 000 habitantes … que, até 1889, para se abastecerem de água tinham de recorrer ao rio Mondego e a vários sítios da cidade, onde se localizavam, em 1863, dez fontes, dois poços e duas cisternas.

Mulher de Coimbra com cântaros.jpg

Imagem extraída do livro Estampas Coimbrãs

Largo da Feira. Fonte dos Bicos 01.jpgLargo da Feira. Fonte dos Bicos

Este procedimento não garantia a qualidade da água para consumo humano, pelo que, em muitos casos, era responsável por surtos endémicos ou epidémicos e vários outros tipos de doenças.

…. A situação acabada de referir ia-se agravando por vários fatores, como a dificuldade de acesso ao rio Mondego, com a abertura da ligação ferroviária de Coimbra B ao centro da cidade (1885). Por outro lado, também o crescimento demográfico e a expansão da área urbana, simultaneamente com o desenvolvimento industrial da cidade, nas primeiras décadas de Oitocentos e primeiras de Novecentos …  exigiram a instalação e ampliação dos sistemas de água ao domicílio, bem como de saneamento básico.

Quanto ao crescimento demográfico, a população residente em Coimbra duplicou desde finais do século XIX até 1950 (de c. 24 000 a 25 000 para c. de 48 000) … Também a área urbana se foi alargando. Com efeito, às quatro freguesias existentes na cidade em finais do século XIX e inícios do século XX – Santa Cruz, São Bartolomeu, São Cristóvão e Sé Nova –, vieram acrescentar-se as de Santo António dos Olivais e de Santa Clara, as quais anteriormente eram consideradas periféricas.

…. A máquina a vapor foi igualmente determinante no processo de abastecimento domiciliário de água, aos grandes centros urbanos, nos inícios e posteriormente de forma generalizada. As primeiras experiências foram igualmente efetuadas em Inglaterra, na cidade de Sheffield que, em 1830, tinha um reservatório para onde a água era bombeada e, em seguida, distribuída por aquele centro urbano.

….  Tratando-se de um processo inovador e que, entre nós, dava os primeiros passos, em Portugal não existia tecnologia nem know-how disponíveis, pelo que foi necessário recorrer a empresas e técnicos estrangeiros.

Costa Simões, monmento Mealhada.jpgMonumento a Costa Simões, na Mealhada, autor João Augusto Machado Júnior. Imagem acedida em: https://www.culturacentro.gov.pt/pt/museus/museu-virtual-de-arte-publica ...

…. No caso de Coimbra, as primeiras iniciativas ficaram a dever-se a uma figura que muito se empenhou para que a cidade dispusesse deste extraordinário benefício, que era o de a água poder chegar, sem esforço e em permanência, ao domicílio das pessoas. Refiro-me a António Augusto da Costa Simões (1819-1903) … Para benefício da cidade e dos seus habitantes, desempenhou funções de relevância, pois foi professor catedrático da Faculdade de Medicina, reitor da Universidade, administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra e presidente da respetiva Câmara Municipal.

Adolfo Loureiro.webpAdolfo Loureiro. Imagem acedida em: https://pianc.pt/congressos-e-eventos/premios-e-distincoes

…. A propósito, informou o conselheiro Adolpho Loureiro, reputado especialista de questões relacionadas com a gestão da água:

«Datam de 1865 as primeiras tentativas do illustre professor para trazer á cidade de Coimbra a vantagem de um serviço regular de fornecimento e distribuição d´aguas. Achava-se então sua exc.ª em Paris, encarregado de uma missão scientifica. Á testa da administração municipal estava o fallecido conde das Canas. A este cavalheiro se dirigiu de Paris o sr. Dr. Costa Simões, lembrando-lhe a conveniencia de se emprehender o abastecimento da cidade com aguas elevadas do Mondego, e oferecendo n’aqella cidade os seus serviços».

…. Seguiu-se um longo período de mais de duas décadas de frequentes contactos de Costa Simões com dirigentes do Município, cuja presidência entretanto também ocuparia, e com técnicos e responsáveis autárquicos de Paris e Londres. A recetividade dos responsáveis pela autarquia foi variando, consonante a composição do Executivo.

…. Costa Simões chegou a constituir uma empresa, com Cândido Xavier Cordeiro (1807-1881), para a instalação do abastecimento de água … Também estabeleceu contacto com a importante casa industrial James Easton, de Londres, com a qual chegou a ser firmado um pré-contrato para a instalação do

referido sistema. Entretanto, surgiram divergências com a Câmara Municipal, entre outros motivos pelo facto de o referido empresário propor a instalação do sistema de saneamento conjuntamente com o de abastecimento de água – o que, aliás, fazia todo o sentido –, mas que a edilidade recusou.

Mendes, J.A. 2024. Abastecimento de água ao domicílio a Coimbra: “o milagre da torneira”1, 1889-2019. In: La gestión del agua en la Península Ibérica (siglos XIX y XX). Madrid. Pg. 353-379.

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por Rodrigues Costa às 11:38

Terça-feira, 19.09.23

Coimbra: Abastecimento de água 1

Começamos hoje a divulgar um texto do Professor Doutor Amado Mendes, inserido numa pequena, e muito interessante, brochura editada pelas, hoje, Águas de Coimbra, Empresa Municipal. O texto está dividido em duas partes, a que conta, de forma breve, a história do abastecimento de Água, em Coimbra e outra dedicada ao Reservatório do Botânico.

RB. capa.jpg

Op. cit., capa

Entre os maiores benefícios para o bem-estar das populações conta-se precisamente o abastecimento de água ao domicílio e, bem assim, a implantação do saneamento básico. Na sequência da invenção da máquina a vapor … viria a expandir-se por diversos países ao longo dos séculos XIX-XX, beneficiando não só a indústria, os transportes e comunicações e outro tipo de serviços como também o abastecimento de água ao domicílio.

Esta inovação, adotada por algumas grandes cidades nos anos de 1830-1850, viria depois a beneficiar muitos centros urbanos, inclusive em Portugal. Assim, Lisboa, teve acesso a esse melhoramento excecional em 1880, o Porto em 1886 e, Coimbra, pouco depois, ou seja, em 1889.

… A população da cidade, em1863, para se abastecer de água tinha que recorrer aos meios tradicionais. Nessa altura existiam em Coimbra 10 fontes, 2 poços e 2 cisternas. A situação era muito difícil, agravando-se com o desenvolvimento com o desenvolvimento urbano, espacialmente na parte alta da cidade e no verão, quando era mais frequente a ocorrência de incêndios. Por isso o abastecimento de água passou a ser um assunto prioritário, como se pode constar pelas notícias da imprensa local, com destaque para as de «O Conimbricense». Com efeito, neste podia ler-se, na sua edição de 05 de setembro de 1867:

“A primeira e, incontestavelmente, a mais urgente necessidade que há em Coimbra é a do abastecimento de águas. Pode-se mais ou menos suportar uma rua mal calçada; pode-se tolerar uma casa de residência municipal mais ou menos luxuosa e confortável – o que não se pode adiar, o que de forma nenhuma se pode sofrer é a falta de água.

E Coimbra está a esse respeito cada vez pior. Havia antigamente só no bairro baixo três chafarizes, um na Praça de S. Bartolomeu, hoje do Comércio, outro na Calçada e outro em Sansão, hoje Praça 8 de Maio; e até em épocas antigas, houve neste último local dois chafarizes. Atualmente não há nenhum, porque esse mesmo que se vê na Praça do Comércio é como se não existira, porque quase nunca tem água.

Se isto sucede no bairro baixo, no bairro alto é a situação dos habitantes muito mais deplorável. É certo que há um chafariz no Largo da Feira e outro na Sé Velha;

RB. Largo da Feira. Fonte dos Bicos 01.jpg

“Mãe" de água e chafariz do Largo da Feira

RB. Sé Velha. Archivo Pittoresco. 1866.09.jpg

Fonte da Sé Velha, in “Arquivo Pitoresco”. Col. RA

RB. Igreja de  Santa Cruz.jpg

Fontes do Largo de Sansão. “Estampas Coimbrãs.”, pormenor

mas de ano para ano vão cada vez mais diminuindo na porção de água que deitam; e; assim; aquele bairro, que se abastece quase exclusivamente de água as fontes, sofre das maiores inclemências pela falta deste género, indispensável à vida. As criadas aglomeram-se em número extraordinário junto dos dois chafarizes e ali se demoram longo tempo, até que possa achar vez para

encher os potes».

RB. Mulher de Coimbra com cântaros.jpg

“Estampas Coimbrãs. Mulher de Coimbra conduzindo água da fonte ou do Mondego”

… O primeiro projeto de abastecimento de água à cidade, cujo contrato, entre a Câmara Municipal de Coimbra e a dita empresa. [empresa londrina da especialidade, representada pelo Eng.º James Easton] foi publicado no «Diário do Governo» de 09 de agosto de 1982.

RB. pg. 4 e 5.jpg

Op. cit,, pg. 4-5

 Todavia, o projeto não se concretizou, pois houve atrasos sucessivos quanto ao início das obras. Entre outros entraves, verificava-se uma divergência relativamente ao avanço simultâneo do processo de abastecimento de água ao domicílio e do saneamento (“canalização dos esgotos”), defendido pela empresa, mas não aprovado pela Câmara Municipal. Não tendo sido possível ultrapassar o impasse, na sessão camarária de 21 de setembro de 1887, foi apresentada a escritura de rescisão do contrato.

Logo no mês seguinte (outubro de 1887) foi publicado edital para abertura do concurso para o abastecimento de água a Coimbra (O Conimbricense, de 29-10-1887), bem como o respetivo regulamento.

… A proposta mais baixa foi a de Albert Nillus & C. (83 700$000 réis), pelo que as obras lhe foram adjudicadas.

Como previsto no contrato as obras terão começado no primeiro semestre de 1888, prolongando-se por cerca de ano e meio … até que «provavelmente na segunda quinzena de maio de 1889, Coimbra vê chegar o extraordinário melhoramento, que é o abastecimento de água por métodos modernos». O fenómeno é de tal relevância para a qualidade de vidas das confinidades que até já foi designado como “o Milagre da Torneira".

Op. cit. imagem do contrarosto.jpg

Op. ct., pg. de contra rosto

 … o abastecimento é suportado por uma estrutura bastante complexa, da qual fazem parte, fundamentalmente, os seguintes pilares:

. Processo da captação da água no rio Mondego (junto ao Parque Dr. Manuel Braga, de 1889 a 1956-58 e, desde então, na Boavista), sua adução e respetivo tratamento;

. Estação elevatória (instalada na Rua da Alegria, de 1889 a 1924, no Parque da Cidade, de 1924 a meados dos anos de 1950 e, desde então, na Boavista), que tem por função conduzir a água para os reservatórios, distribuídos por locais estratégicos da cidade;

. Sua distribuição, por força da gravidade, através de uma vasta rede de canalizações, pelos numerosos locais de abastecimento (doméstico, público, industrial, institucional, etc.);

- O apertado controlo de qualidade é efetuado em laboratório e por meio de tecnologia adequada, enquanto a medição da água captada, consumida ou desperdiçada é realizada por equipamento apropriado e, obviamente pelos conhecidos contadores de água que, ao longo do tempo, têm registados sucessivos aperfeiçoamentos.

 Mendes, J.A. Abastecimento de água a Coimbra: Reservatório do Botânico. Sem data. Coimbra, Águas de Coimbra E.M.

 

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por Rodrigues Costa às 22:17


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