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Passada a Sofia, a primeira coisa notável que se encontra é o velho mosteiro de Santa Cruz, fundação do nosso D. Afonso Henriques. Da primitiva obra nada ou mui pouco resta. – Consta que o antigo mosteiro era um edifício cercado e torreado, como um castelo: o templo tinha três naves; os claustros eram três, as celas oitenta e quatro. Hoje é mui diverso o estado das cousas. Porventura as celas são mais numerosas, os corredores mais elegantes, as oficinas mais acomodadas, os claustros mais magníficos; mas a igreja pareceu-nos acanhada, mesquinha, mal traçada, e de mau gosto, porque a vimos depois de ter lido pomposas descrições dela. O que ainda se conhece que realmente foi bom, é o portal lavrado de laçarias, e vultos, e mil invenções curiosas. Cremos que infelizmente entalharam esta obra em pedra de Ançã, em lugar de pedra canto; e por isso está tudo estragado e carcomido.
Mosteiro de Santa Cruz, pormenor da planta de Magne
No corpo da igreja há muitas sepulturas de venerável antiguidade, e inscrições mortuárias que falam de nomes gloriosos: mas os mais notáveis sepulcros são os dos dois primeiros reis portugueses, D. Afonso e D. Sancho, colocados aos lados da capela-mor. Estes monumentos preciosos foram mandados fazer por el-rei D. Manuel, e aí se conservaram até o ano de 1832, em que D. Miguel os mandou arrombar, para ver o que continham: ainda no ano seguinte vimos as pedras quebradas, e os mal apagados sinais deste ato de barbárie.
As duas coisas mais importantes que havia no convento eram a livraria e o santuário: as preciosidades de um e de outro foram levadas para a cidade do Porto. Entre os quadros que adornavam o santuário dizem que estava uma «transfiguração» de Rafael, e a «adoração dos reis» de Rubens. Aí se mostrava uma espada, que se dizia ter sido de D. Afonso Henriques, e que se acha reunida á do moderno Afonso, o duque de Bragança, no museu do Porto, para onde também foi levada a escrivaninha e a pena com que assignaram os decretos do concilio tridentino, monumentos curiosos doados a Santa Cruz por D. Fr. Bartolomeu dos Mártires.
A quinta ou cerca de Santa Cruz é uma das mais extensas e maravilhosas de Portugal. Descrevê-la fora impossível na brevidade do nosso quadro. O lago é obra magnifica: mas as árvores que a rodeiam, cortadas em colunas e obeliscos, são apenas um dos mil exemplos de mau gosto dos antigos jardins.
Sé Velha, antes do arranjo
A paroquia de S. Cristóvão, ou Sé Velha, é o monumento de Coimbra mais digno de atenção, porque é porventura o único que resta em Portugal do tempo dos godos. A sua arquitetura não se parece, portanto, com a de outro algum edifício conhecido. As suas paredes, vistas exteriormente, assemelham-se às de um castelo; é talvez o que resta da primitiva, e um escritor moderno se enganou inteiramente, supondo os lavores da porta lateral do templo obra de arquitetos godos, quando basta vê-los para conhecer que foram lavrados no 13.º ou 14.º século. Posterior ainda a esta época é o interior da igreja.
No alto da cidade, onde estão os fundamentos do observatório novo, começado pelo marquês de Pombal, e nunca levado a cabo, jazia o antigo castelo, que foi demolido, e de que restam apenas alguns fragmentos. Este castelo era célebre pela ação heroica do leal Martim de Freitas,
A universidade está onde antigamente eram os paços reais, chamados das alcáçovas; neste edifício ainda existem muitos vestígios da sua origem remota. Nada diremos aqui acerca desse estabelecimento literário, que tantos homens ilustres tem dado a Portugal, porque o guardamos para um artigo especial.
A Sé Nova era a igreja dos jesuítas: ampla, e ao primeiro aspeto majestosa, um exame mais miúdo faz descobrir nela o ferrete de todos os edifícios daquela ordem – mau gosto de arquitetura.
Muitos outros monumentos notáveis se encontram na antiga capital dos portugueses, mas a brevidade necessária nos veda falar deles. Entretanto há aí uma cousa curiosa, de que ninguém tratou ainda, e que vale a pena de se mencionar. É esta a inquisição. Ela ainda está em pé com os seus corredores escuros, os seus carceres medonhos, as suas «espreitadeiras». Ainda aí se vê a casa dos tratos, com as paredes cheias de arranhaduras, e de manchas escuras, que porventura são de sangue! - E não se deveria conservar este monumento de fanatismo para os vindouros, a quem parecerão impossíveis os horrores que se contam acerca da inquisição!
Nos arredores de Coimbra, pode-se dizer que cada pedra, cada campo, cada bosquezinho é um monumento histórico. – A fonte do Cidral e o Penedo da Saudade, quem os não conhece? – Atravessando a ponte para o lado de Lisboa, encontram-se à esquerda umas ruínas, e atrás delas um campo coberto de arvoredos e de hortas. Aqui houve um mosteiro ilustre: este foi o de Santa Clara, fundado por S. Isabel, e que o rio fez desaparecer. D. João 4.º edificou o novo no monte ao ocidente de onde em perspetiva se descobre a cidade.
Naquela margem do Mondego está também a Quinta das Lágrimas, e a Fonte dos Amores. No palácio pertencente à quinta sucedeu, segundo dizem alguns, o trágico sucesso da morte de D. Inês de Castro. A Fonte dos Amores, rica de recordações e pobre de adornos, lá corre ainda caudal para um tanque meio entulhado. Descrita por poetas, viajantes, e historiadores, calará acerca dela a nossa mal aparada pena, e só faremos um voto para que a mão do homem não derrube os últimos cedros que a assombram, e que são testemunhas das memórias de muitos séculos.
O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 122-123
O sanguinolento e ominoso tribunal teve seu começo em Coimbra em 1541 ... principiaram a exercer as suas funções de roubo e infâmia no dia 15 de Outubro do apontado ano. Em 1572 começaram a ocupar os colégios de Todos os Santos e de S. Miguel, na rua da Sofia, onde persistiu aquela mansão tenebrosa durante duzentos e oitenta anos, pois foi abolida por decreto de 31 de Março de 1821.
Planta das instalações da Inquisição
A trinta e um de Maio deste último ano, foram abertas as portas do edifício, e toda agente pode invadi-lo e penetrar nesses calabouços horrivelmente infectos, onde faziam apodrecer os desgraçados, quando não eram conduzidos através dos negros corredores à sala da tortura, para aí serem deslocados os membros na «polé» ou por outro semelhante meio, para lhes rasgarem as carnes com dentes de ferro, para lhes quebrar os ossos das pernas a maço e cunha, para lhes queimar os pés a fogo lento, ou para os conduzir à praça pública, para servirem de espetáculo à multidão embrutecida, ardendo como pinhas inflamadas, à maneira dos cristãos que serviam de fachos para iluminar os banquetes e os jardins do execrável filho da segunda Agripina.
"No quintal do prédio ... situado entre e a Rua da Sofia e o Pátio da Inquisição, ainda hoje existem, do lado norte e parte do nascente ... dois corredores (do antigo edifício), com as arcadas.
A primeira ordem, ou andar de carceres estava ao nível do quintal ... O segundo andar dos carceres foi transformado em dois espaçosos celeiros, ambos com entrada pelo Pátio da Inquisição. Em seguida à casa dos «tratos» havia um outro carcere, mais baixo, para o qual se descia por uma escada. Era de todos o mais escuro e apertado, sem luz, nem ventilação alguma. Passava-lhe por baixo um cano de água, que o conservava em continua humidade. Chamavam-lhe o carcere do «Inferno» ... Os carceres do andar superior eram chamados da «Judia». Segundo as informações dos que em 1826 arremataram o prédio da inquisição havia ali para cima de 100 carceres, distribuídos em dois pavimentos.
Sala dos tratos e argola da polé
A já referida casa dos «tratos» estava colocada no fim de um corredor, tendo 4,44 m de largo, por 4,11 m de fundo. Era de abobada, com cimalha, rosetas e florões pintados, num mesmo gosto dos carceres: isto é, a preto e branco. Nos florões do teto dos carceres achavam-se disfarçadas algumas espreitadeiras, por onde os presos eram vigiados. Contigua à casa dos «tratos», e dividida apenas por um arco de volta redonda, estava outra casa mais pequena, com uma janela gradeada, onde se colocava a mesa dos inquiridores e notário, que assistiam á tortura. No teto desta última casa achavam-se pintadas as conhecidas armas da inquisição.“ (O Conimbricense, n.º 3.967, de 29 de Agosto de 1885).
... O edifício da inquisição da cidade de Coimbra tinha três entradas: pelo Pátio da Inquisição em Montarroio; pelo pátio de S. Miguel que abria sobre a praça de Sansão; e pela porta da Bica, na rua da Sofia.
O Pátio de S: Miguel tinha duas frentes, uma para o largo de Sansão e outra para Rua da Sofia ... Foram neste recinto celebrados alguns autos de fé, e lá se fizeram também muitas publicações das sentenças menos solenes do maldito Ofício.
Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 28-33
A Casa da Câmara não foi sempre no mesmo sítio, e à Casa do Concelho medieval não se lhe conhece local exato, avançando alguns autores várias hipóteses, junto da alcáçova, ou da Sé Velha.
Desde o século XIV está seguramente documentado que a Vereação reunia na Torre de Almedina, também designada por Torre da Relação. Aí se manterá até ao século XIX.
Todavia, teve outros locais esporádicos, nomeadamente durante as épocas de peste, quando a cidade ficava impedida. Os vereadores reuniam fora de portas, no Convento de São Francisco da Ponte, em Condeixa, ou nas casas e quintas dos membros da vereação.
A Casa da Cidade, na Praça de São Bartolomeu, durante o final do século XVII e XVIII, foi um espaço muito apreciado, pois permitia também assistir, das suas varandas, às festas e touradas, que se desenrolavam na Praça Velha, (atual Praça do Comércio). As Invasões Francesas incendeiam e destroem este espaço em 1810. E a Vereação retorna à velha Torre.
A extinção do Tribunal da Inquisição, no espaço da cidade que ainda hoje mantém a designação de Pátio da Inquisição, fornecer-lhe-á um novo local para reuniões. Mas não é o adequado.
Em 1834, surge uma nova oportunidade: com a extinção das ordens religiosas, a Câmara solicita parte do Mosteiro de Santa Cruz, que lhe será concedido. Durante vários anos decorreram obras de adaptação do espaço conventual a Paço do Concelho, endividando-se o município por causa dessa obra.
O edifício será finalmente inaugurado em 13 de Agosto de 1879. Além deste espaço físico, sede do poder e cartório do município, existe toda a vasta região envolvente, o chamado “arrabalde” que mais tarde é designado por “termo da cidade de Coimbra”, composto por muitos concelhos e povoações que estavam submetidos à jurisdição da cidade.
Em tempos mais recuados, a cidade assegurava a todas essas populações a defesa e proteção das suas muralhas, recebendo em troca a prestação de serviços e tributos diversos. Este espaço envolvente foi-se modificando e reduzindo ao longo do tempo, fruto de variadas reformas administrativas e fiscais, estando hoje limitado às 31 freguesias do atual concelho de Coimbra.
França, P. 2011. O Poder, o Local e a Memória, 1111-2011. Catálogo da Exposição. Coimbra, Arquivo Histórico Municipal de Coimbra/ Câmara Municipal de Coimbra . Pg. 7-8
Nota: Na leitura deste texto deve ser, nomeadamente, considerado que: a letra u, em muitas palavras escritas, substituía o atual v; o mesmo acontece na utilização do i em vez de j; muitas palavras eram abreviadas.
… Aos 13 dias do mês de Janro do dito Anno (1612) ueio a Cabido hum recado dos Inquisidores desta Cidade en q pediaõ por merce ao Cabido desse licença ao Dor Gabriel da Costa para hir assistir alguas tardes ao despacho do Santo officio.
… Aos. 8. de Abril de 612 (1612) … sendo chamado pa Cabido … se leõ huã carta … q o Conigo Joaõ Roiz Banha trattaua renunciar a sua conesia e (em) certa pessoa da naçaõ cujo pai, E may forã presos por hereges no santo officio, E auia (havia) pouco forã soltos por o perdaõ geral.
… Aos 26, de Setembro de 618 sendo pro Chamado pa Cabido … Considerada a Prizaõ q nella se fez de Antonio Dias da Cunha pello Santo offiçio, E o geral Escandalo q della se seguio naõ som.te nesta Cid.e mas Em todo o Rejno, E o mujto q se deue obuiar a semelhantes cazos … Se assentou q acerca da Confirmaçaõ do dito statuto se fizesse de nouo á Sua Sde
… Aos 19, de Março 1619 … sendo chamado o cabido … se tratou largamte nelle, como o dia de antes 2.a a noute prenderaõ ao nosso prebendro frco domez pelo sto off.o
… Aos 24 de Nouembro de 1619 … foi prezo á ordem do S.to Officio o Conego Doutoral Antonio Homem. q foi processado, e sahio no Auto da Fé.
… Aos 8. de 8bro (8 de Outubro de 1621) tratandosse em Cabido de como era preso pello sto officio o lecenceado Andre Vas cabaco procurador q foi do Cabido.
… Aos 14 de Feuereiro de 622 sendo primeiro chamado pera Cabido … pera se tratar das bullas do sor Frco da silua … E por serem as primeiras q se passaraõ depois da concessaõ do breue, de q sua sanctidade fez mce a esta Igreija. e Cabido, pera efeito da gente da nacaõ (pessoas de ascendência judaica) em algu tempo nam poder entrar nelle … determinaram … se elegessem pessoas abes, q fossem tirar as «prouanças de puritate sanguinis.
… Aos 15 dias do mês de Agosto de 631 por occasiaõ de huã peticaõ q fes Diogo fra cantor que era desta Sé e fora preso por judeu nos carceres do sto offº desta cidade … imaginando q por sair sem sambenito, e iurar só de uehementi sospeito na fé, saira bem… assentou o Cabido q de nehuã manra se admittisse o tal Diogo.
Almeida, M.L. 1973. Acordos do Cabido de Coimbra. 1580-1640. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XXVI. Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra. Pg. 137, 139, 221, 224, 229, 236, 238, 299
Entre os documentos do antigo cartório da Sé de Coimbra, desde há muito integrados no Arquivo da Universidade, contam-se os «Livros dos Acordos do Cabido» … 1451 a 1866. Quer dizer, mais de quatro séculos, dos dias de D. Afonso V até ao reinado de D. Luís, a vida interna da corporação capitular como os atos mais variados e relevantes da sua vida de relações públicas ali ficaram testemunhados, denunciando o valimento e a influência da instituição eclesiástica no âmbito nacional.
… Cartório riquíssimo era o do Cabido, de que nos resta em Coimbra um acerbo importante, mesmo opulento na sua qualidade e variedade, mas não a parcela mais valiosa para os estudos medievais, que essa no-la levou Alexandre Herculano para o Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
… A leitura destas numerosas atas capitulares, e a reflexão conjuntiva que por ela se faça com as linhas gerais da história nacional, permitem surpreender o reflexo de sucessos importantes na decisão colaborante do Cabido de Coimbra, sobretudo quando em momentos difíceis superiormente se lhe requere ajuda material e valimento constante.
… Não vamos aqui especializar qualquer grupo de factos que se possam conjuntar com a história geral do país, o que implicaria mais do que um capítulo particularizado, todavia estão vivíssimos nestas páginas alguns sucessos bem dramáticos, entre eles, por escasso exemplo, a questão dos incriminados de revivescência judaica que atingiu duramente o cabido no primeiro quartel do século XVII.
Almeida, M.L. 1973. Acordos do Cabido de Coimbra. 1580-1640. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XXVI. Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra. Pg. 1 a 8
… aos Crúzios iria acontecer mais uma surpresa. Morto D. João III, o Cardeal D. Henrique institui em Coimbra o Tribunal do Santo Ofício, ordenando que os seus primeiros inquiridores se alojassem no Mosteiro de Santa Cruz.
… Após a morte do Rei, os Crúzios fizeram chegar à corte reivindicações pedindo a restituição dos Colégios usurpados
… A reivindicação dos Crúzios não teve eco na Corte … É o Cardeal D. Henrique … que em carta de 6 de Outubro de 1565 dá ordem à Companhia de Jesus para largarem os Colégios da Sofia e se mudarem para as novas instalações, na vizinhança da Universidade.
… Para cúmulo de opróbrio os Crúzios, como Ordem rica que era, foram convidados a contribuir com quinhentos cruzados para as despesas com a mudança dos Jesuítas … Naquele convite … dizia … “por no Colégio das escolas velhas com a sua serventia e mais aposentos e casas que cercavam o dito pátio (Pátio de São Miguel, ou da Bica, dada a fonte que ali existia) assim da parte do Mosteiro de Santa Cruz como da Rua de Santa Sofia para cárcere dos penitenciados (pela Inquisição) e outros usos que não podiam escusar e assim todo o mais chão que nestes aposentos havia …”
… estavam incluídos os novos edifícios que entretanto haviam sido construídos para aquele Tribunal, como as celas e salas de tormentos, prisões, e outras semelhantes. Com frente para a Rua da Sofia ainda existe, transformado, um bom edifício com colunatas e gárgulas, onde estiveram os serviços administrativos daquela instituição.
Silva, A.C. 1992. A Criação e Levantamento do Colégio da Sapiência (vulgo Colégio Novo). Coimbra, Santa Casa da Misericórdia de Coimbra. Pg. 13 a 15
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