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Coimbra, nos finais do século passado (XIX) e inícios deste (XX), apenas saía da pacatez que a envolvia, quando festejava qualquer santo da sua devoção, quando se realizavam as tradicionais feiras ou quando aqui se deslocavam personalidades, quase sempre, do foro político ou cultural. Nessa altura, o quotidiano das gentes do burgo sofria alterações.
Na urbe, grosso modo, intelectuais e artífices movimentavam-se em quadrantes espaciais diferentes e, enquanto os primeiros gravitavam em torno da velha alcáçova, os segundos haviam-se instalado na zona baixa, já fora de portas, em ruas estreitas, que se desenrolavam circularmente em torno dos já inexistentes muros, apenas a adivinharem-se no perímetro urbano da cidade.
Mas, em Coimbra, o desenvolvimento industrial era lento e penoso, até porque se tratava de uma terra quase provinciana, de parcos recursos económicos, onde muito pouco havia para investir.
Mesmo assim, nos finais de Oitocentos, existiam na cidade fábricas de fiação e tecelagem, de sabão, de lanifícios e de cerâmica e, para além destas, O Conimbricense, ainda referia as de massas, as de moagem e as padarias.
A fundição e a serralharia apresentavam então um certo desenvolvimento, não só porque os estabelecimentos existiam em número considerável, como eram credenciados, uma vez que recebiam “numerosas encomendas para esta cidade, e para fora d’ellla”. Contudo, parece-me que estas oficinas gravitavam em torno de trabalhos que se relacionavam, essencialmente, com as necessidades do quotidiano, com a lavoura e com os transportes.
... A tradição artística coimbrã assentava as suas bases na pedra, não no ferro. Deste, nos alvores do nosso século, e, pese embora, a existência de vários estabelecimentos ‘industriais’ deste ramo.
Palácio da Justiça. pórtico
... a Exposição Universal de Paris atraía sobre si as atenções de todo o mundo civilizado. António Augusto Gonçalves não podia ficar indiferente a esta manifestação... A secção de serralharia fascinou-o!
...No regresso, questionava-se acerca do caminho a trilhar, a fim de modificar este estado de coisas e sonhava desenvolver, em Coimbra e com o ferro, uma arte que atingisse nível similar ao da pedra; acabou por confiar o desejo ao Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o bom Quim Martins, que tanto ajudou, com a pena e com a amizade, os artistas mondeguinos e transmitiu-o também a João Machado, o burilador para quem a pedra não tinha segredos.
A ideia foi germinando e o artista, um belo dia, com quatro pedras, improvisou, ao canto da sua oficina, uma incipiente forja, a fim de tentar manufaturar um florão, destinado a servir de puxador de gaveta. O ferreiro a quem pedira emprestados os utensílios necessários, veio ver e ensinou-o a bater o ferro. Machado entusiasmou-se e pôs de parte, durante algum tempo, o seu amor pela pedra; chegou mesmo a debuxar e a forjar algumas peças.
Assim ressurgiu, em Coimbra e acalentada pela Escola Livre das Artes do Desenho, uma arte que, durante longos anos, sofrera as consequências do desprestígio; a sua certidão de batismo, que não a de nascimento, foi passada quando Manuel Pedro de Jesus bateu, segundo um desenho e com direção de António Augusto Gonçalves, uma grade para o monumento funerário que então se erigiu no cemitério da Conchada em memória de Olímpio Nicolau Rui Fernandes.
Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do Ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 1, 4, 7-9
… Coimbra encontrava-se em 1884 – como aliás tem sucedido geralmente ao, longo da sua história – impregnada pelo setor terciário, o qual lhe emprestava uma fácies muito peculiar. Contudo, também o setor secundário não estava ausente, pois eram ali exercidas múltiplas atividades artesanais e mesmo algumas industriais. Entre as primeiras contavam-se as seguintes: cordoaria, correaria, caldeiraria, funilaria, chapelaria, marcenaria, alfaiataria, sapataria e artes gráficas (tipografia e encadernação). Das segundas destacavam-se: algumas indústrias alimentares (moagem, massas alimentícias e bolachas), metalurgia e metalomecânica, carpintaria mecânica e cerâmica.
… As primeiras atividades artesanais referidas (cordoaria, correaria, caldeiraria, funilaria e ourivesaria) como que haviam chegado ao fim do seu ciclo, aparecendo escassamente representadas … começava já em 1884 a esboçar-se uma tendência que o futuro se limitaria a acentuar: «que a ourivesaria d’esta cidade é mais um commercio do que uma arte nobre!» … Tendência similar – isto é, a crescente preferência dada à distribuição relativamente à produção – vamos encontrá-la também na marcenaria, na sapataria e na alfaiataria.
… Além das cerca de 10 tipografias … e de um número considerável de minúsculas oficinas de diversos ramos, localizam-se na «Lusa Atenas», em 1884, 40 estabelecimentos industriais … O maior número de estabelecimentos pertencia à metalurgia/metalomecânica e à cerâmica, com 14 unidades cada, seguindo-se a indústria alimentar, com 6, os transportes (fabrico) com 3 e os ramos do sabão, das madeiras e misto (moagem de cereais e de vidrado, para a cerâmica), com 1 cada. Trata-se ainda, na maioria dos casos, de manufaturas e até, provavelmente, de algumas oficinas.
… Considerada, globalmente, pode dizer-se que a indústria coimbrã, a par de alguns ramos tradicionais que definhavam, apresentava outros em desenvolvimento, como os das indústrias alimentares, metalurgia/metalomecânica e madeiras.
Mendes, J.M.A. A Indústria no distrito de Coimbra na Época da Exposição de 1884. In 1.º Centenário da Exposição Distrital de 1884. Coimbra. Simpósio. 30 de Junho e 1 de Julho de 1984. Coimbra, Edição do Secretariado das Comemorações, p. 12 a 16
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