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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 17.12.24

Coimbra: Igreja de S. Cristóvão 1

Terceira e última entrada dedicada à obra de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulado Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.

Quando pensei nos objetivos que o blogue “A´Cerca de Coimbra” pretenderia atingir coloquei em primeiro lugar o de avivar a memória dos Conimbricenses para a história e para o património da sua Cidade. Coimbra tem de ter memória e orgulho naquilo que atualmente é e que resultou de uma evolução longa de milénios.

Recentemente voltou a falar-se da igreja de S. Cristóvão e daí resultou a prioridade que damos a uma entrada sobre este templo, um dos mais antigos da Urbe.

Fazemo-lo na esperança de que ele possa servir aos decisores municipais como motivo de reflexão sobre o destino a dar ao espaço onde este local de culto esteve erigido.

Há dez anos que transformaram num teatro a velha igreja de S. Cristóvão de Coimbra. De sua veneranda fábrica não ficou patente um só vestígio. Foi completo o sacrifício. À voz imperiosa das necessidades da moderna civilização, um monumento perfeito da arquitetura cristã cedeu o lugar a um edifício acanhado e defeituoso da alvenaria contemporânea. Aquelas paredes esmaltadas de hera e de musgo, aquelas pedras tisnadas pelos soes de muitos séculos, aquelas formosas esculturas, em que a firmeza do cinzel exprimia a força da nação pareceram velharias inúteis. As recordações gloriosas do reinado de D. Afonso Henriques deviam sumir-se para deixar em todo o esplendor as pinturas, a cola e os ouropéis do Teatro de D. Luiz.

Todavia, o desamor das artes, o desprezo das tradições históricas, a estúpida indiferença para com as memórias do passado não chegaram ainda a tal ponto que nos tornasse impossível dar hoje por meio do desenho, uma ideia clara e exata do que foi aquela igreja. O sr. conde da Graciosa, coletor diligente de curiosidades artísticas e naturais, recolheu com louvável empenho em suas propriedades de Luso e da Graciosa alguns capiteis e outros ornatos que estariam provavelmente destinados para avolumar as paredes do teatro. O sr. Luiz Augusto Pereira Bastos, à primeira noticia da demolição, correu pressuroso a desenhar o frontispício da igreja antes que a pusesse por terra o camartelo destruidor.

Captura de ecrã 2024-12-02 185524.png

Igreja de S. Cristóvão. Desenho de Luiz Augusto Pereira Bastos. Estampa 2, pormenor 1. Op. cit., pg. 15

 O sr. António Francisco Barata, dedicado cultor da poesia do passado, guardou com veneração a planta do edifício.

Igreja de S. Cristóvão, pormenor 3.png

Igreja de S. Cristóvão. Estampa 2, pormenor 2. Op. cit., pg. 15

Ao amoroso cuidado destes três homens e ainda ao santo zelo com que o sr. Joaquim de Mariz Júnior, fervoroso devoto das coisas da nossa terra, foi em piedosa peregrinação a quatro léguas de Coimbra desenhar os capiteis, devemos a estampa 2, sem a qual menos completo ficaria este trabalho.

Captura de ecrã 2024-12-02 185626.png

Igreja de S. Cristóvão. Desenho de Joaquim de Mariz Júnior. Estampa 2, pormenor 3. Op. cit., pg. 15

Igreja de S. Cristóvão 14.jpg

Igreja de S. Cristóvão. Estampa 2. Frontispício, capiteis e planta da igreja de S. Cristóvão de Coimbra. Op. Cit., pg. 15

Os mais antigos documentos que se conhecem, além da carta citada em nota, respetivos à igreja de S. Cristóvão, são uma inscrição em que se memora a morte de D. João Pater, presbítero, em 21 de dezembro do ano 1169, uma doação de certas casas que lhe foi feita por Martim Anaia e sua mulher Elvira no mês de fevereiro da era de 1211 (ano de 1173)  e uma inscrição sepulcral achada na base do cunhal da frontaria, ao lado esquerdo, quando em 1838 se principiou a obra do teatro. Nesta inscrição decifrou o sr. Aires de Campos algumas letras avulsas e a data: E : M : CC : XVIII : correspondente ao ano de 1180.

0 autor da Coimbra Gloriosa descreveu a igreja de S. Cristóvão nos termos seguintes: «Tem a capela-mor ao nascente, porta principal ao poente, travessa ao sul. Tem o templo 60 palmos de alto, 113 de comprimento e 58 de largo, obra toscana e de três naves, fabricada de pedra e cal e de abobada, a qual se segura sobre três colunas de cada parle e por todas são seis. Tem o coro quatorze cadeiras com suficiente claridade provinda de oito frestas, entre elas cinco que foram abertas no ano de 1754…. também lhe foi posta no mesmo ano uma cruz de pedra no teto da igreja ficando arvorada para o poente. Neste tempo foram extraídas do frontispício várias carrancas de pedra.»

Segundo uma comunicação do sr. prior M. da C. Pereira Coutinho, bem conhecido por seus estudos arqueológicos, as colunas de S. Cristóvão eram de um só corpo e coroadas por capiteis modelados pelos da Sé Velha. A cada uma das três naves correspondia um altar em forma de semicírculo que parecia da construção primitiva. Finalmente as paredes eram guarnecidas de ameias como as daquele templo.

Quando se fez a demolição apareceu pela parte anterior, junto da porta um subterrâneo com forma análoga à da igreja, porém em ponto mais pequeno. Nas paredes deste subterrâneo viam-se vestígios de pinturas a fresco. Dois grandes pedestais de alvenaria, quadrangulares e não afeiçoados serviam de apoio ás duas colunas do templo que a esta parle correspondiam. Na planta da estampa 2.a vê-se indicada com pontos esta construção inferior. Pelo lugar que ocupava, por sua forma e pintura, bem se conhece ter sido uma cripta. Convém saber que na Sé de Lisboa apareceu também um subterrâneo em lugar correspondente junto da porta principal.

No capítulo seguinte mostraremos como as semelhanças da arquitetura da igreja de S. Cristóvão e da Sé Velha, autorizam a supor que foram obra do mesmo arquiteto, ou pelo menos de artistas contemporâneos e da mesma escola.

À transcrição apresentada permitimo-nos acrescentar que são pertinentes e aplicáveis à realidade atual as reflexões do Autor, publicadas em meados do século XIX.

Importa, também, sublinhar aqui o meritório trabalho que Isabel Anjinho e Rúben Vilas-Boas têm vindo a concretizar no seu blogue “Coimbra Medieval”, onde apresentaram uma reconstituição do que seria a igreja de S. Cristóvão. Encontra-se disponível em: https://coimbramedieval.wixsite.com/coimbramedieval/post/igreja-colegiada-de-s-crist%C3%B3v%C3%A3o-ii.

Igreja de S. Cristóvão 2.jpg

Reconstituição do exterior da igreja de S. Cristóvão, disponível no blogue “Coimbra Medieval”

Igreja de S. Cristóvão 3.webp

Reconstituição do interior da igreja de S. Cristóvão, disponível no blogue “Coimbra Medieval”

NOTA FINAL:

Ousamos perguntar se não será o espaço que ora regressa à posse da Cidade, o local ideal para a instalação de um núcleo museológico dedicado não só à igreja de S. Cristóvão e à sua história, mas também um local destinado a contar aos vindouros e aos nossos visitantes a história milenar de Coimbra?

Pedimos aos nossos leitores que reflitam sobre esta questão.

Simões, A. F. Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1879. Typographia Portugueza, Lisboa.

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por Rodrigues Costa às 11:00

Terça-feira, 10.12.24

Coimbra: Cristianização de Coimbra e do seu aro 1

Na série de entradas que agora iniciamos, iremos abordar um trabalho de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulado Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.

Reliquias. capa.jpgOp. Cit., capa

Reliquias. augustofilipesimoes-2.jpgAugusto Filipe Simões. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/searchview=detailV2&ccid=71m%2FVdQs&idFbad.pt%2Fwpcontent%2Fuploads%2F2023%2F09%2Faugustofilipesimoes

Utilizando uma linguagem romântica própria da sua época, em 6 de junho de 1870, o autor dedica o referido livro “À Cidade de Coimbra”, acrescentando que o mesma ilustra uma das épocas mais remotas e obscuras da sua história; persuade com as provas irrefragáveis, deduzidas do adiantamento das artes, que serviu de berço á civilização portuguesa; patenteia, enfim, que esses homens esforçados, que alevantaram o glorioso edifício da independência nacional, foram, a vários respeitos, muito menos bárbaros que certos apologistas do presente, que assim os reputam.

Inicia a obra com uma longa Introdução, na qual procura explicar o enquadramento histórico da evolução arquitetónica religiosa até ao século XI, no espaço que hoje é Portugal.

Dedica o Capítulo I a Coimbra que analisa até ao final dos séc. XII. No primeiro tema «A imperfeição da arquitetura cristã … o templo … o conimbricense até ao século XI», destaca a relevância atribuída a D. Sesnando, referido como o «povoador e edificador». Dessa parte inicial transcrevemos os primeiros parágrafos.

Raiou muito cedo na cidade de Coimbra a luz do cristianismo. Seus bispos autênticos principiam a ser conhecidos no meado do século VI; já, porém, antecedentemente tinha Sé anexa à de Mérida.

Nessa antiguidade tão remota diminutíssimo deveria ser o número das igrejas pertencentes á diocese conimbricense.

Primeiro que a nova religião se fortalecesse, teve de sustentar porfiosas lutas, resistindo á violência com que reciprocamente se combatiam os povos bárbaros, afrontando suas seitas e heresias, conquistando, enfim, palmo a palmo, o terreno, onde por tantos séculos obtiveram culto geral os deuses dos romanos.

No Capítulo II aborda, especificamente, as igrejas de S. Tiago, de S. Salvador e de S. Cristóvão, textos que serão objeto de entradas próprias, tal como acontecerá com o Capítulo seguinte, dedicado unicamente à Sé Velha de Coimbra.

A problemática das edificações religiosas do norte do País, consequentemente já fora da área de Coimbra, é estudada no Capítulo IV.

Em nota de rodapé à transcrição que acima fazemos de parte do Capítulo I, seja-nos permitido acrescentar, a fim de exemplificar o que seria a religiosidade dos povos então a integrar o aro de Coimbra antes da emergência do cristianismo, um pequeno excerto da nossa publicação, Murtede. O concelho que foi, a freguesia que é.

Referimo-nos, especificamente, à descoberta, em 1957, junto à igreja de Murtede (atualmente uma freguesia do concelho de Cantanhede), de uma ara erigida por Caius Fabius, consagrada a Tadudicus, divindade lusitano-romana.

Reliquia. ara votiva. Imagem cedida por José Enca

Trata-se de uma ara votiva erigida por aquele cidadão romano, descrita por José Rodrigues como sendo uma coluna de 80 cm. de altura, de base quadrada e fuste cilíndrico cingido a meio, por uma grinalda airosamente esculpida, que apresenta a seguinte inscrição:

TADVDICO

FABIVS VIATOR

LA DD

O Doutor José d’Encarnação apresentou a seguinte leitura da epígrafe:

A Tadudico.

O viajante Caius Fabius

Consagra fervorosamente ao Deus Senhor

O mesmo Autor explica, ainda, que se trata de um interessante monumento religioso mandado erigir por um cidadão romano desta região que metido em aventurosa viagem fez um voto à divindade venerada na sua terra, para o caso de sair são e salvo.

Acrescentamos, como refere a Professora Doutora Regina Anacleto, que, frequentemente, as igrejas primitivas cristãs eram edificadas em locais onde, anteriormente, já era praticado algum tipo de culto.

Terá sido esse fator que interferiu na localização das igrejas primitivas de Coimbra?

Rodrigues Costa

Simões, A. F. Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1870. Typographia Portugueza, Lisboa.

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por Rodrigues Costa às 11:05

Quinta-feira, 07.11.24

Coimbra: Ordem Terceira de S. Francisco 2 

Segunda entrada dedicada ao trabalho da Doutora Ana Margarida Dias da Silva, intitulado Inventário do Arquivo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco da Cidade de Coimbra (1659-2008).

Além da santificação pessoal, os irmãos terceiros dedicaram-se a tarefas diversificadas, muitas de cariz social. A ação piedosa e de beneficência da Ordem Terceira esteve sempre patente ao longo dos séculos manifestando-se de diversas formas, como por exemplo, a decisão em Mesa de 3 de maio de 1832 de dar esmola de bacalhau, arroz, pão, laranjas e dinheiro a todos os presos das cadeias da Portagem, Universidade e Aljube e a todos os irmãos pobres da Ordem; com a fundação do Hospital e Asilo, inaugurado em 1851 e 1852,

OT 16.jpg

Pormenor da fachada principal do edifício do Carmo, hoje sede da Ordem Terceira de Coimbra, sito na rua da Sofia, n.º 114, Coimbra. Op. cit. 68

 com o Patronato Masculino de Santo António e, mais recentemente, com a criação da Casa Abrigo Padre Américo (fundada em 1994).

Casa Abrigo Padre Américo.pngCasa abrigo Padre Américo, sita na Azinhaga Carmo. Imagem acedida em https://entenderosemabrigo.webnode.pt/products/casa-abrigo-padre-americo/

Situando-se primitivamente no Convento de S. Francisco da Ponte da mesma cidade,

Convento de S. Francisco, adaptado a fábrica. RA.Convento de S. Francisco, já adaptado a fábrica. Acervo RA

em 5 de janeiro de 1659 foi feita a primeira eleição com os oficiais na forma estipulada pelo Papa Nicolau IV, estando presentes D. Frei António de Trejo, bispo de Cartagena e vigário geral da Ordem, e o padre frei Jerónimo da Cruz, comissário da Ordem, e com assistência e votos dos irmãos terceiros. Os primeiros Estatutos da Ordem Terceira de São Francisco de Coimbra determinam que esta seja governada por um Ministro, um Secretário, seis ou oito Definidores, um Síndico, um Vigário do Culto Divino, os Zeladores em número dependente da cidade, vila ou lugar ou o número de irmãos, seis Sacristães e um Vice visitador.

Em 1740 iniciou-se a construção da capela de Nossa Senhora da Conceição da Ponte e Casa do Despacho onde se reunia a Mesa do Conselho. O novo edifício foi construído em terreno anexo ao convento de S. Francisco da Ponte e ainda hoje é propriedade da Ordem Terceira de Coimbra. Em 1784 a Mesa da Venerável Ordem Terceira reuniu na igreja paroquial e colegiada de S. Cristóvão, uma vez que fora expulsa da Casa do Despacho e capela ereta no convento de S. Francisco da Ponte e em novembro de 1785 reuniu pela primeira vez na Sé Velha.

Convento de S- Francisco e capela.jpgCapela de Nossa Senhora da Conceição, contigua ao Mosteiro de S. Francisco. Acervo RA

Silva, A.M.D. 2013. Inventário do Arquivo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco da Cidade de Coimbra (1659-2008). Fotografias Ana Margarida Dias da Silva e Sérgio Azenha. Lisboa. Edição do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa - Lisboa e da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco.

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por Rodrigues Costa às 10:47

Sexta-feira, 05.06.15

Coimbra, igrejas primitivas

No ano de 915, foi feita a certo presbítero doação da igreja de S. Salvador, na rua do mesmo nome. Pouco se sabe da fundação desta igreja.
… a 2 de Março do ano de 933, o rei Ramiro II fez doação de metade de igreja de Santa Cristina, à Porta de Almedina.
… Em 2 de Novembro do ano de 957, em uma doação feita ao mosteiro do Lorvão, compreenderam-se duas igrejas, sendo uma delas a de S. Bartolomeu, que anteriormente fora da invocação de S. Cristóvão.
… Da igreja de S. Cucufate nada se sabe ao certo, parecendo que ficaria à beira do rio, possivelmente no terreno em que mais tarde teve o seu assento o mosteiro de S. Domingos-o-Velho.
… O testamento em que se refere a igreja de S. Vicente do arrabalde de Coimbra, é datado de 972

Loureiro, J.P. 1964. Coimbra no Passado, Volume I. Coimbra, Edição da Câmara Municipal, pg. 30, 31

 

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por Rodrigues Costa às 12:04


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