Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Hotel Astória, projetado em 1925-1929 por Francisco de Oliveira Ferreira, na Avenida Navarro, número 21, debruando a sul a malha medieva da antiga Baixinha ... funciona ainda como “hotel de charme”... de um autor de formação portuense, remete para a evocação de uma arquitetura de desenho eclético, de gosto parisiense, com desejado efeito mundano e cosmopolita (tema cujos ressaibos Arte Nova ou, mais tardios, de tipo «Art Déco» confirmam em termos decorativos).
Hotel Astória
... O Astória, «ao modo portuense, parisino, urbano e burguês» ... alinhado com a recente avenida, virado para o desenho de expressão linear, vagamente Arte Nova, emergia dos cânones classicizantes da época, simplificando-os, como se fazia um pouco por toda a Europa.
... Articulando ambos os alçados ou frentes, um torreão cilíndrico rematado por zimbório esférico pontua, de modo monumental, o conjunto edificado, como o seu signo identificador e emblemático.
Hotel Astória planta
... Mais sóbrio e de espaço mais “trabalhado” é o exterior do Hotel Astória ... Mas em todo o caso, mais luxuoso o hotel, pelo menos varandins do quarto piso, ladeados por duplas colunatas clássicas, e no duplo balcão amansardado, com frontão de remate cimeiro, no piso superior.
Fernandes, J.M. Duas obras do início do século XX na entrada de Coimbra: do Hotel Astória à Casa Ângelo da Fonseca. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 164-169
A Companhia de Seguros “A Nacional” ocupou ou seu edifício-sede até finais de outubro ou inícios de novembro de 1925 altura em que Alexandre de Almeida assina uma escritura de arrendamento com a seguradora, a fim de ali vir a instalar um luxuoso hotel. O contrato, com início no dia 1 de janeiro do ano seguinte, prolongava-se por 19 anos com a renda mensal de quatro mil escudos, reservando, a seguradora, três divisões no primeiro andar, a fim de lhe servirem de sede.
O jornal “O Despertar” escrevia na sua edição de 11 de novembro desse ano que “Coimbra fica agora ricamente servida de bons hotéis, nenhuma outra cidade havendo, além de Lisboa e Porto, que os possua em melhores condições de luxo e conforto”.
O conhecido empresário, a fim de “fazer a aquisição de mobiliário e outros artigos para o referido hotel” deslocou-se à Alemanha, embora tenha encomendado no Porto, à Casa Venâncio do Nascimento as cadeiras e as mesas e adquirido na mesma cidade os revestimentos de madeira das paredes, os apliques e o pavimento.
Mas a verdade é que o interior de um edifício que fora construído para servir de escritório não podia acolher, sem adaptações vultuosas, um hotel e, além disso, o espaço disponível não se mostrava suficiente para responder às necessidades.
Espaço a ser anexado ao Hotel Astória
O arrendatário recorreu, então, aos serviços do conhecido arquiteto portuense Francisco de Oliveira Ferreira, a fim de organizar e ampliar o futuro hotel que pretendia vir a colocar à disposição do público mondeguino, e não só.
Oliveira Ferreira nasceu no Porto em 1885 e faleceu em Miramar no ano de 1957. Diplomou-se em arquitetura na Academia Portuense de Belas Artes e exerceu uma intensa atividade naquela área ao mesmo tempo que se interessava por assuntos de arte e de arqueologia. Viajava frequentemente pela Europa, a fim de aprofundar os seus conhecimentos e marcou significativamente, com alguns dos trabalhos saídos do seu lápis, principalmente, as cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia. O artista “ficará, certamente, na história da nossa arquitetura como um caso de coerência no ofício e na arte de ser arquiteto em Portugal”.
Edifício do Hotel Astória depois da intervenção de Oliveira Ferreira
Obviamente que, para responder ao desafio de Alexandre de Almeida, não passou pela cabeça, nem pela mão de Oliveira Ferreira imitar, no exterior e na zona que ia acoplar ao edifício de “A Nacional”, o gosto eclético do pré-existente, mas conseguiu, utilizando embora uma linguagem completamente diferente, que o todo se mostrasse harmonioso e não chocasse.
A 28 de março de 1926 o Hotel Astória foi, finalmente, inaugurado e, tal como “O Despertar” noticiara podia considerar-se, “na altura como a catedral dos hotéis nacionais e internacionais”, porque a existência de uma central telefónica, do elevador, do aquecimento central ou do requintado e luxuoso mobiliário, o permitiam.
Da festa inaugurativa, abrilhantada pelo sexteto "Jazz Band César Magliano", constava um banquete (almoço) e um chá dançante (jantar). O evento foi considerado um verdadeiro acontecimento social.
O Hotel Astória que ainda na atualidade conserva o aspeto romântico da época da abertura e contém no recheio artístico e arquitetónico verdadeiras relíquias tornou-se, quase desde a sua inauguração, num ex-líbris de Coimbra e o edifício projetado a duas mãos, saiu, comprovadamente do lápis de Francisco Oliveira Ferreira e, com grande margem de segurança, do de Adães Bermudes.
Lisboa. Monumento aos Restauradores. “Génio da Independência”. Alberto Nunes
Ao longo dos tempos conheceu diversas campanhas de obras, com destaque para as realizadas em 1945, 1980, 1990 e 2002, esta última a contemplar também o exterior do hotel.
As intervenções de 1990 foram levadas a cabo na sequência da escolha do hotel para albergar Mário Soares, então Presidente da República, e a sua comitiva durante a “Presidência Aberta” que aconteceu na cidade; é que, durante 10 dias “a Presidência da República ficou instalada na Reitoria da Universidade de Coimbra (instituição a comemorar 700 anos)”, enquanto a comitiva pernoitou no Hotel Astória, então chamado pela população citadina de «Palácio de Belém da Portagem».
O “Génio da Independência”, emblema da Companhia de Seguros “A Nacional” decorou durante quase cem anos a fachada do Hotel Astória, mas sumiu…
A Companhia de Seguros “A Nacional” tinha por emblema o “Génio da Independência”, escultura que se pode observar no monumento da Praça dos Restauradores, em Lisboa. O padrão, inaugurado a 28 de abril de 1886, consagra a Revolução de 1640 e Eça de Queirós, em «Os Maias», descreve-o como sendo “um traço cor de açúcar na vibração fina da manhã de Inverno”.
O “Génio da Independência”, esculpido por Alberto Nunes (1838-1912) representa um jovem alado a quebrar as cadeias que o manietavam e a transportar a bandeira; a peça bastava, por si só, para fazer a reputação de um artista.
Durante quase um século, uma réplica em bronze do “Génio da Independência”, símbolo da companhia seguradora, ornamentou a fachada do conimbricense Hotel Astória, mas aquando de uma das obras de conservação, provavelmente das de 2002, levou sumiço, ou porque incomodava os donos do imóvel, ou porque a sua venda tornava passível minorar os custos da intervenção! Seria interessante conhecer o seu paradeiro…
Em 2011 o edifício do Hotel Astória passou a integrar a lista de monumentos de interesse público, classificados pelo Ministério da Cultura e foi-lhe fixada uma Zona Especial de Proteção.
Bibliografia:
ANACLETO, Regina, Neoclassicismo e romantismo, em História da arte em Portugal, vol. 10, Lisboa, Alfa, 1986.
Arquitectura, pintura, escultura, desenho. Património da Escola Superior de Belas Artes do Porto e da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, Universidade do Porto, 1987.
BAIRRADA, Eduardo Martins, Prémio Valmor (1902-1952), Lisboa, Manuela R. de A. Martins Bairrada, 1988.
Construcção Moderna (A), Ano VII, 20, Lisboa, 212, 1907.02.01.
Despertar (O), 882, Coimbra, 1925.11.11.
Gazeta de Coimbra, 1823, Coimbra, 1925.11.19.
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/hotel-astoria-em-coimbra.html
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/companhia-de-seguros-nacional.html
Tendo, ultimamente, surgido nas redes sociais algumas notícias menos corretas sobre o edifício do Hotel Astória, iniciámos a publicação de uma série de 2 entradas que procuraram fazer luz sobre o mesmo.
O Largo da Portagem, bem como as atuais ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz nem sempre se apresentaram como atualmente as visualizamos. Já em 1813, Joaquim José de Miranda, arquiteto da Universidade, riscara algumas alterações destinadas a transformar o Largo (as mudanças deste espaço foram uma constante ao longo do tempo) e, anos depois, em 1857, o arquiteto João Ribeiro da Silva projeta a retificação da Calçada e da Rua de Coruche.
O Banco de Portugal, no âmbito dos princípios que norteavam aquela instituição, criara em Coimbra, a 03 de fevereiro de 1891, uma agência, mas pretendia fazer construir de raiz, a fim de a instalar, um edifício condigno.
Depois de analisados diversos locais onde o imóvel poderia ser erguido, a que se seguiu a costumeira polémica, os responsáveis optaram pelo Largo Príncipe D. Carlos, batizado, após a implantação da República, com o nome de Miguel Bombarda, para, finalmente, em 1942 virar definitivamente (espera-se) Largo da Portagem.
De riscar o projeto da sucursal bancária encarregou-se, em torno de 1907, o arquiteto Arnaldo Redondo Adães Bermudes (1864-1948) mais conhecido por Adães Bermudes, artista e que já apusera a sua assinatura na conimbricense escola de Santa Cruz construída, a partir de 1905, na Avenida Sá da Bandeira.
Não cabe, nesta entrada, analisar a problemática da construção nem a arquitetura da agência do Banco de Portugal. Fica para outra ocasião; e se a elas aludimos é porque pensamos que o arquiteto deste imóvel e o de parte do edifício onde se encontra instalado o Hotel Astória poderá ser o mesmo, como vamos tentar provar. Estamos a referir-nos à zona que ocupa a esquina da Avenida Emídio Navarro com a Rua da Sota, o mesmo que, num primeiro momento, foi construído para servir de sede à Companhia de Seguros “A Nacional”.
Largo da Portagem. Banco de Portugal e antiga Companhia de Seguros “A Nacional”
A conhecida associação mutualista, apenas nacionalizada em 1975, foi fundada a 17 de abril de 1906 e tinha como objetivo principal fomentar a adesão aos seguros de vida. Com sede em Lisboa, primeiro na esquina da Rua do Alecrim com a Praça Duque da Terceire e, depois, na Avenida da Liberdade, iniciou em 1919 a construção da sua filial na cidade do Porto, na Avenida dos Aliados, com projeto do arquiteto José Marques da Silva.
A filial aeminiense julgamos que se ergueu um pouco antes, no Largo da Portagem, quase paredes meias com o Banco de Portugal.
Não conhecemos qualquer notícia relacionada com a construção do imóvel, nem com a sua inauguração, mas parece (e apenas apontamos a data, porque não a podemos fundamentar) que a sucursal conimbricense da Companhia de Seguros foi construída entre 1915 e 1919.
Analisando sumariamente a vastíssima produção artística de Adães Bermudes concluímos que este riscou, em 1907, para o dr. Guilherme Augusto Coelho, o projeto de um prédio construído em Lisboa, no ângulo da Avenida D. Amélia (atual Almirante Reis) com o Largo do Intendente; o edifício mereceu mesmo ser reconhecido com o prestigiado Prémio Valmor de 1908.
Lisboa. Confluência da Avenida Almirante Reis com o Largo do Intendente. Adães Bermudes. Prémio Valmor 1908
Coimbra. Confluência da Avenida Emídio Navarro com a Rua da Sota. Antiga sede da Companhia de Seguros “A Nacional”
Ao compararmos a sede conimbricense da Companhia de Seguros “A Nacional” e o referido imóvel constatamos analogias irrefutáveis e não se torna credível que, estando ainda Adães Bermudes vivo qualquer outro artista, arquiteto ou não, se tenha atrevido a apor o seu nome num projeto que, obviamente, viria a ser considerado um plágio.
Atrevemo-nos, dadas as semelhanças existentes entre os dois imóveis, o lisboeta e o mondeguino, e pensando quer na vizinhança do Banco de Portugal, quer na escolha de renomados arquitetos para riscar as filiais da Companhia de Seguros, a atribuir a paternidade de uma parte do atual Hotel Astória a Adães Bermudes. Mas não passamos da atribuição, embora fundamentada.
Bibliografia:
ANACLETO, Regina, Neoclassicismo e romantismo, em História da arte em Portugal, vol. 10, Lisboa, Alfa, 1986.
Arquitectura, pintura, escultura, desenho. Património da Escola Superior de Belas Artes do Porto e da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, Universidade do Porto, 1987.
BAIRRADA, Eduardo Martins, Prémio Valmor (1902-1952), Lisboa, Manuela R. de A. Martins Bairrada, 1988.
Construcção Moderna (A), Ano VII, 20, Lisboa, 212, 1907.02.01.
Despertar (O), 882, Coimbra, 1925.11.11.
Gazeta de Coimbra, 1823, Coimbra, 1925.11.19.
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/hotel-astoria-em-coimbra.html
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/companhia-de-seguros-nacional.html
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.