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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 16.05.19

Coimbra: Hospital Real 2

Quem, hoje, passar em Coimbra, pela Praça do Comércio, não vislumbra nada que denote o edifício do hospital.
Poucos saberão que o espaço que acolhe uma típica loja de comércio oriental revela, ainda, no seu interior, arcadas e colunas manuelinas.

Hospital real de Coimbra 02.jpg

Hospital Real de Coimbra, pormenor da abóbada da entrada na capela

Mas, pouco adiante, podem ver-se pedras que falam…

Reprodução fotográfica das iniciais HRC,.JPG

Reprodução fotográfica das iniciais HRC, a seguir às quais foi colocada, posteriormente, a identificação do sequente proprietário - V.DE – a Universidade de Coimbra, herdeira dos bens do Hospital, após a sua extinção, em 1772. (Foto gentilmente cedida pelo Prof. Doutor Henrique Carmona da Mota).

Sobre o umbral da porta de uma casa, na rua Direita da baixa coimbrã, que na verga tem o número 73, está [estava] o registo epigráfico com a sigla HRC, formada pelas iniciais do nome da instituição, com as quais se identificava a posse de seus bens, sendo usadas também nos marcos de demarcação de propriedades rústicas.

Sinete do Hospital Real de Coimbra.JPG

O sinete da instituição apresentava também as armas reais. Atente-se na marca do sinete
que se encontra aposto na capa do livro de entrada e saída de doentes
(1711-1713) (PT/AUC/HOSP/HRC/17/003).

O Hospital era administrado de acordo com o seu Regimento, sendo gerido por um provedor e um almoxarife, fazendo, ainda, parte do seu número de funcionários o recebedor dos enfermos, o hospitaleiro, o escrivão, o porteiro, o capelão, o solicitador, etc.
Dentro das suas instalações os espaços dividiam-se por duas enfermarias (de homens e de mulheres), capela, casa do despacho, hospedaria, refeitório, despensa, adega e cozinha, tendo recebido, inicialmente, apenas 17 doentes.
A botica hospitalar não existiu, logo, desde o início da sua fundação, sendo feito contrato com boticários da cidade para fornecimento do que fosse necessário. No entanto, pelo Alvará de 24 de junho de 1548, pelo qual se ordena ao físico que dê, da botica, todas as mezinhas necessárias para a cura dos colegiais da Ordem de São Jerónimo, fica-se a saber que ela existe a partir dessa data, pelo menos.
Havia, ainda, casas de hospedaria, para receber “pessoas de bem” que estivessem de passagem, assim religiosos, como “mulheres honradas” e alguns estrangeiros que de caminho passavam pela cidade.
Um outro espaço existente era o designado “hospital dos andantes” ou “casa dos pedintes andantes” destinado a acolher os peregrinos passantes pela cidade ou pessoas indigentes que não tinham onde se albergar.
Os pedintes andantes poderiam ali ficar um dia e uma noite, existindo para seu conforto, de acordo com inventários de 1523 e 1659, mantas velhas “com que se cobriam os andantes”, um candeeiro e candeias de azeite, uma caldeirinha de barro para água. As instruções dadas em Almeirim, em 4 de maio de 1508, referem já a existência da “casa dos andantes”, com leitos para os andantes pobres, tendo cada leito o seu enxergão de palha, um almadraque de lã, um cabeçal de lã, cabeceira e dois cobertores de burel. Também o mobiliário das enfermarias era muito simples e, de acordo com o Regimento, de 22 de outubro de 1508, cada cama tinha: um enxergão, um almadraque, um colchão, um par de lençóis, um cabeçal e uma manta ou um cobertor.
Informação adicional.

Nota
Deslocamo-nos ao local e fotografamos o espaço. Assinalando que alguns dos capiteis foram mutilados, deixo à consideração dos leitores as imagens que então recolhi.

IMG_8383.JPGHospital Real. Vista exterior na atualidade

IMG_8376.JPGHospital Real. Loja chinesa 1

IMG_8379.JPGHospital Real. Loja chinesa 2

IMG_0735.JPG

Hospital Real. Loja fechada

Bandeira, A.M.L. O Hospital Real de Coimbra: acervo documental de uma instituição assistencial (1504-1772). In: Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Volume XXVIII. 2015. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra. Acedido em 2019.01.29 em
https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/37775/1/O%20Hospital%20Real%20de%20Coimbra.pdf

 

 

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por Rodrigues Costa às 11:39

Terça-feira, 14.05.19

Coimbra: Hospital Real 1

«… E vendo quão necessária coisa era, em a dita cidade, haver um bom hospital, segundo o requer a nobreza dela e a grande passagem que por ela fazem as gentes de todas as partes e, muito principalmente, nos tempos do Jubileu de Santiago e como os pobres e miseráveis não acham na dita cidade, nos hospitais que nela havia tal recolhimento…».
Através destas palavras, ficamos a conhecer a origem do Hospital Real de Coimbra, instituição assistencial hoje quase ignorada na cidade, mas que foi o porto de abrigo de tantos peregrinos, pobres e doentes. A sua fundação surge integrada num processo de revitalização da assistência médica, levada a cabo por D. Manuel.

Manuel_I1.jpg

D. Manuel I

Atendendo à dispersão de pequenas unidades hospitalares que funcionavam, mais como asilos para pobres, do que para assistência aos doentes, o rei entendeu por bem fazer a sua reunião e anexação em um só hospital.
Foi, isso mesmo, que se passou também em Lisboa, com a extinção de dezenas de albergarias e a sua anexação ao Hospital de Todos os Santos que recebeu Regimento em 1504, apesar de as medidas de unificação já terem sido encetadas por D. João II. Em Coimbra, foi também em 1504 que se iniciou a construção do novo Hospital, tendo-lhe sido anexados, em 1508, os antigos hospitais e albergarias da cidade. Por sua vez, em Évora, a reunificação de doze pequenos hospitais ocorreu em 1515.

Hospital Real de Coimbra. Foto mais antiga.JPG

Hospital Real de Coimbra

O ritmo de vida da instituição era marcado pelo som da sua campa, que era tangida para dar início à visitação dos professores da Faculdade de Medicina (das cadeiras de Prima, Tertia e Avicena) e seus alunos, logo pelas seis horas e meia da manhã (no verão) e pelas sete horas e meia (no inverno).
Enquanto a Universidade não teve o seu próprio hospital, o que só viria a acontecer depois da Reforma Pombalina, em 1772, a prática médica era exercida no hospital da cidade.
A visita diária aos doentes, nas enfermarias, demorava três quartos de hora, sendo obrigatória para todos os alunos da Faculdade de Medicina. Tinha lugar na presença do administrador do hospital e de seus enfermeiros, decorrendo desta visita a observação dos doentes, aos quais os médicos prescreviam as receitas necessárias, que eram escritas pelos enfermeiros, em tábuas engessadas de branco.
Depois desta primeira visita, seguia-se uma outra, numa sala à parte das enfermarias, para receber todos os enfermos da cidade que ali acudissem, em busca de lenitivo para os seus males. Se se verificasse que havia necessidade de internamento de algum destes doentes pobres, o professor determinaria esse internamento, mas se houvesse oposição do médico da instituição “o lente se conformará sempre com o regimento do próprio hospital”.

Desenho inserido no Regimento manuelino.JPG

Desenho inserido no Regimento manuelino do Hospital Real de Coimbra (1508),
apresentando as armas reais, testemunhando a fundação régia da instituição. (PT/AUC/HOSP/HRC/02/001).

Data de 1704, o livro mais antigo de registo de entrada de doentes que hoje existe. Estes livros são testemunhos da maior relevância para o conhecimento de quem eram estes doentes e de onde vinham. Seguramente, terão existido para datas muito anteriores, sendo de lamentar que não tenham sobrevivido.
Os professores visitavam ainda, diariamente, os designados doentes de cirurgia, observando todos “os feridos e chagados” e dependia também da opinião dos professores a manutenção do boticário e do sangrador do Hospital, se estes não cumprissem as suas obrigações. O mesmo se diga quanto aos boticários da cidade que forneciam “as mezinhas” necessárias ao curativo dos doentes.
Assim se revela a estreita relação entre o Hospital Real de Coimbra e a Universidade, unindo-se na assistência e na boa formação dos futuros médicos.

Livro de receituário médico.jpg

Folha de rosto do Livro de receituário médico (cirurgia) de 1622 (PT/AUC/HOSP/HRC/13/133)

… Foi neste hospital que se iniciou, em Coimbra, a prática da anatomia, em casa apropriada para esse fim, assistindo os alunos da Faculdade de Medicina a duas “anatomias universais”, anualmente, de acordo com o que ficou estabelecido em Estatutos da Universidade, de 1559. Alonso Rodrigues de Guevara foi o primeiro professor de Anatomia, na Universidade de Coimbra, a partir de 1556, tendo sido convidado por D. João III. Pouco tempo residiu em Coimbra, tendo-se ausentando, por descontentamento, segundo se tem afirmado, por ainda não serem permitidas as anatomias em corpos humanos, o que de facto só mais tarde veio a acontecer.

Bandeira, A.M.L. O Hospital Real de Coimbra: acervo documental de uma instituição assistencial (1504-1772). In: Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Volume XXVIII. 2015. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra. Acedido em 2019.01.29 em
https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/37775/1/O%20Hospital%20Real%20de%20Coimbra.pdf 

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por Rodrigues Costa às 10:55


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