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«… E vendo quão necessária coisa era, em a dita cidade, haver um bom hospital, segundo o requer a nobreza dela e a grande passagem que por ela fazem as gentes de todas as partes e, muito principalmente, nos tempos do Jubileu de Santiago e como os pobres e miseráveis não acham na dita cidade, nos hospitais que nela havia tal recolhimento…».
Através destas palavras, ficamos a conhecer a origem do Hospital Real de Coimbra, instituição assistencial hoje quase ignorada na cidade, mas que foi o porto de abrigo de tantos peregrinos, pobres e doentes. A sua fundação surge integrada num processo de revitalização da assistência médica, levada a cabo por D. Manuel.
D. Manuel I
Atendendo à dispersão de pequenas unidades hospitalares que funcionavam, mais como asilos para pobres, do que para assistência aos doentes, o rei entendeu por bem fazer a sua reunião e anexação em um só hospital.
Foi, isso mesmo, que se passou também em Lisboa, com a extinção de dezenas de albergarias e a sua anexação ao Hospital de Todos os Santos que recebeu Regimento em 1504, apesar de as medidas de unificação já terem sido encetadas por D. João II. Em Coimbra, foi também em 1504 que se iniciou a construção do novo Hospital, tendo-lhe sido anexados, em 1508, os antigos hospitais e albergarias da cidade. Por sua vez, em Évora, a reunificação de doze pequenos hospitais ocorreu em 1515.
Hospital Real de Coimbra
O ritmo de vida da instituição era marcado pelo som da sua campa, que era tangida para dar início à visitação dos professores da Faculdade de Medicina (das cadeiras de Prima, Tertia e Avicena) e seus alunos, logo pelas seis horas e meia da manhã (no verão) e pelas sete horas e meia (no inverno).
Enquanto a Universidade não teve o seu próprio hospital, o que só viria a acontecer depois da Reforma Pombalina, em 1772, a prática médica era exercida no hospital da cidade.
A visita diária aos doentes, nas enfermarias, demorava três quartos de hora, sendo obrigatória para todos os alunos da Faculdade de Medicina. Tinha lugar na presença do administrador do hospital e de seus enfermeiros, decorrendo desta visita a observação dos doentes, aos quais os médicos prescreviam as receitas necessárias, que eram escritas pelos enfermeiros, em tábuas engessadas de branco.
Depois desta primeira visita, seguia-se uma outra, numa sala à parte das enfermarias, para receber todos os enfermos da cidade que ali acudissem, em busca de lenitivo para os seus males. Se se verificasse que havia necessidade de internamento de algum destes doentes pobres, o professor determinaria esse internamento, mas se houvesse oposição do médico da instituição “o lente se conformará sempre com o regimento do próprio hospital”.
Desenho inserido no Regimento manuelino do Hospital Real de Coimbra (1508),
apresentando as armas reais, testemunhando a fundação régia da instituição. (PT/AUC/HOSP/HRC/02/001).
Data de 1704, o livro mais antigo de registo de entrada de doentes que hoje existe. Estes livros são testemunhos da maior relevância para o conhecimento de quem eram estes doentes e de onde vinham. Seguramente, terão existido para datas muito anteriores, sendo de lamentar que não tenham sobrevivido.
Os professores visitavam ainda, diariamente, os designados doentes de cirurgia, observando todos “os feridos e chagados” e dependia também da opinião dos professores a manutenção do boticário e do sangrador do Hospital, se estes não cumprissem as suas obrigações. O mesmo se diga quanto aos boticários da cidade que forneciam “as mezinhas” necessárias ao curativo dos doentes.
Assim se revela a estreita relação entre o Hospital Real de Coimbra e a Universidade, unindo-se na assistência e na boa formação dos futuros médicos.
Folha de rosto do Livro de receituário médico (cirurgia) de 1622 (PT/AUC/HOSP/HRC/13/133)
… Foi neste hospital que se iniciou, em Coimbra, a prática da anatomia, em casa apropriada para esse fim, assistindo os alunos da Faculdade de Medicina a duas “anatomias universais”, anualmente, de acordo com o que ficou estabelecido em Estatutos da Universidade, de 1559. Alonso Rodrigues de Guevara foi o primeiro professor de Anatomia, na Universidade de Coimbra, a partir de 1556, tendo sido convidado por D. João III. Pouco tempo residiu em Coimbra, tendo-se ausentando, por descontentamento, segundo se tem afirmado, por ainda não serem permitidas as anatomias em corpos humanos, o que de facto só mais tarde veio a acontecer.
Bandeira, A.M.L. O Hospital Real de Coimbra: acervo documental de uma instituição assistencial (1504-1772). In: Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Volume XXVIII. 2015. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra. Acedido em 2019.01.29 em
https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/37775/1/O%20Hospital%20Real%20de%20Coimbra.pdf
O hospital de Coimbra, hospital de D. Manuel, hospital real, hospital novo, hospital d’el-rei, hospital geral, hospital público, hospital da Praça, hospital de Nossa Senhora da Conceição ou hospital da Conceição, aparece fundado, ou pelo menos profundamente reformado, por el-rei D. Manuel, em 1508 ou poucos anos antes, na praça de S. Bartolomeu, hoje Praça do Comércio, num edifício que este monarca mandou construir à sua custa ... Faz esquina com a rua das Azeiteiras, e compreende aquele grupo de casas até ao largo do Romal.
Hospital Real
... o primeiro «regimento» deste hospital, de 22 de Outubro de 1508, onde se vê a expressa declaração de D. Manuel, de que tinha mandado construir o edifício à sua custa; e que o havia dotado com as rendas de pequenos hospitais existentes na cidade, e com cem mil réis da sua fazenda.
... o primeiro hospital da cidade ou primeiro do estado em Coimbra (excluindo as gafarias) teria sido a pequena albergaria dos «Miléos», que já existia muito antes de 1468.(1)
... o «Conimbricense» ... tinha publicado uma relação dos hospitais e albergarias incorporados no hospital real ... em 26 de Dezembro de 1866 e 2 de Janeiro de 1867. É a seguinte: «Hospital de Santa isabel da Hungria (paços de Santa Clara); de Nossa Senhora da Vitória (rua do Corpo de Deus); dos Mirléos (defronte da porta principal da igreja de S. Pedro, junto ao paço das Alcáçovas); de S. Lourenço (próximo da capela do Senhor do Arnado); de S. Marcos (ao cimo do beco de S. Marcos); de Santa Maria de S. Bartolomeu (na freguesia de S. bartolomeu); de Montarroio (em Montarroio); albergarias e hospitais de S. Gião (rua das Azeiteiras); de Santa Maria da Vera Cruz (proximo da igreja de S. João); de S. Cristóvaão (perrto da igreja de S. Cristovaão=; de S.Nicolau; de Santa Maria da Graça; da Mercê; e de Santa Luzia.»
... apesar do seu carater de obra real, nem por isso tomou grande vulto, porque foi aberto e conservou-se por muitos anos com 17 camas somente, 12 para homens e 5 para mulheres; não entrando nesse número de camas para alojamento dos transeuntes ou da albergaria propriamente dita.
... Supondo que o hospital da Conceição ou primitivo hospital de D. Manuel fora fundado na praça de S. Bartolomeu em 1508, tudo leva a crer que, sem interrupção, ali se conservasse até à sua mudança em 19 de Março de 1779, para o edifício dos Jesuítas, no angulo N.O., com entrada pela Couraça dos Apóstolos.
Simões, A.A.C. 1882. Dos Hospitaes da Universidade de Coimbra. Coimbra. Imprensa da Universidade, pg. 16-20, 73-74
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