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Beneficiando da sua posição estratégica como cidade-fronteira – de relevância tal que a própria marca inferior («al-Tagr al Gharb») chegaria a ser designada de «al-Tagr-al-qulumriyya»; da vantagem que, em pleno «al-andalus», representava um clima atlântico e, por conseguinte, de rico alfoz proporcionado pelos campos do Mondego cujas «diferentes bondades» as várias descrições não deixariam de exaltar …; dominando uma extensa região … Coimbra mesmo que sem contabilizar, talvez, o avultado número de 5.000 habitantes que lhe tem sido atribuído, configurava, certamente, «a cidade mediterrânica implantada mais a norte no Garbe». Ao mesmo tempo e integrada embora num contexto de acelerada islamização, em particular depois da «submissão» das fronteiras levada a cabo nas primeiras décadas do século IX, a urbe parecia conservar o seu estatuto de luzeiro do moçarabismo no mundo muçulmano, como atesta, já no século X, o episódio relatado por al-Razi, a respeito de uma inscrição latina incorporada na muralha da alcáçova de Mérida e da incapacidade dos habitantes (e sua) para a decifrarem, bem como da convicção geral de que «apenas um clérigo que se encontrava em Coimbra a saberia ler». Porém, volvido um século sobre a conquista cristã, o «Gharb-al-Andalus» e, em particular, o troço que lhe correspondia da antiga «marca inferior», protagonizada por Coimbra, adquiririam uma importância súbita nos desígnios «omíadas», com a ascensão, a partir de 976, de Muhamad Ibn Abi’Amir, o poderoso «hayib» de Hisham II, no quadro da ofensiva contra os «infiéis» por ele delineada. De facto, é nesse contexto de «djihad» ou «guerra santa» que se opera a recuperação da cidade pelas forças muçulmanas, em 1 de Julho de 987 … Conquistada em três dias, segundo as crónicas, ao que parece com a cumplicidade da própria família condal, seria a urbe de novo destruída, presos (uma vez mais) os habitantes e deixada «deserta» pelo espaço de «sete anos». Contudo, a mais-valia que representava a sua situação, em pleno território de «entre Tejo e Douro», como base de apoio para novas incursões, ditaria o seu «repovoamento» (em 994?) à custa de moçárabes e muladis. Converter-se-ia então, nas palavras de Christophe Picard, na “grande place militaire musulmane d’où partaient les razias”.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg.163, 164
… na vigência do Emirato cordovês … fontes muçulmanas referem um certo Abu I-Fath al-Sadfuri, asceta de origem berbere, cuja tribo se estabelecera no ocidente de al-Andalus e que se dedicava a fazer a guerra santa na região de Coimbra. Que a cidade persistia indómita, face ao poder omíada, prova-o a punição levada a efeito, c. 794/795, por Abd al-Malik b. Mughit, reportada também pelos textos árabes, segundo os quais de regresso de uma expedição à Galiza, contra Afonso II, este invadira a urbe, pondo-a a ferro e fogo, matando os homens e apresando as mulheres e crianças, desse modo demonstrando afinal, que, por ora ao menos, não era esta ainda absolutamente inexpugnável …
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A pacificação do vasto território, o regresso da fronteira ao Douro e, particularmente, a recuperação de Emínio ocorreriam apenas dez anos mais tarde, em 808/809, no quadro de uma nova expedição, comandada pelo príncipe Hisham, filho de al-Hakam I e destinada a reprimir as dissidências levadas a cabo por berberes, árabes e muladis, nas três marcas fronteiriças, superior, média e inferior. É a partir de então, na verdade, que a urbe, referida agora, por vezes, como capital da região noroeste, se integra, embora por pouco tempo, na organização administrativa e militar do Estado omíada, com a nomeação de governadores, documentando-se mesmo a sua utilização, em 825, como plataforma para incursões em território cristão.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg.163 e 164
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