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O investigador Pedro Miguel Ferrão publicou no Boletim da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, um interessante trabalho intitulado A Casa da Livraria da Universidade de Coimbra ao tempo de D. João V, no qual relembra o caminho que levou à construção da hoje tão conhecida e admirada Biblioteca Joanina.
No séc. XVIII, a biblioteca universitária conimbricense seria transferida para um novo edifício, construído de raiz por iniciativa de D. João V. Vários foram os motivos que contribuíram para a renovação da Casa da Livraria. Desde logo, as obras de remodelação da ala escolar dos Gerais – projetadas nos finais do séc. XVII e concluídas nos começos do século seguinte … os fundos bibliográficos encontravam-se acondicionados numa sala situada no átrio dos Gerais … Ao mexer na antiga construção arquitetónica, afetaram parte da estrutura desta sala, obrigando à transferência em 1705 dos livros para o piso superior, onde se encontrava localizado o cartório. Esta situação tornou-se insustentável, pelo que, em 1716, o novo reitor – D. Nuno da Silva Teles, o segundo deste nome – redige uma carta a D. João V esclarecendo que a Universidade não possuía instalações condignas para albergar os fundos bibliográficos.
…. A resposta do monarca – enviada a 31 de Outubro desse mesmo ano – confirma não só as pretensões do reitor, como autoriza ainda a construção de um edifício próprio no espaço universitário.
…. A escolha recairá numa parcela contígua à Capela de S. Miguel, local onde se encontravam as ruínas do antigo cárcere palatino de finais do séc. XIV, ao tempo de D. João I. Trata-se de um terreno desnivelado que prolongará o anterior terreiro universitário … o arranque da obra acontece … no dia 17 de Julho de 1717, concluída apenas em 1728. Durante os onze anos em que decorrerá este empreendimento, mestres-de-obras, canteiros, entalhadores, pintores, latoeiros, carpinteiros, marceneiros, vidraceiros e outros artífices vão conferindo forma a um projeto que se consubstancia numa das mais sumptuosas e elegantes arquiteturas do período barroco.
…. Um dos enigmas que o edifício encerra reporta-se ao nome do arquiteto que o projetou … É provável que o autor do projeto seja o escultor francês Claude Laprade.
Fachada da Biblioteca Joanina. Op. cit., pg. 64
…. Delineada tendo em consideração o desnível do terreno em que se implanta – com o acesso exterior sul a ser efetuado pelas escadas de Minerva, uma obra construída a partir de 1724 por Gaspar Ferreira – a Casa da Livraria projeta um sóbrio e sólido paralelepípedo, dividido em três andares. O primeiro integra as preexistências do séc. XIV com a função de depósito, enquanto o intermédio se destinava a albergar os gabinetes dos docentes, ao mesmo tempo que cumpria a função de suporte do andar nobre. Este abria-se sobre o pátio universitário, projetado para acondicionar o espólio bibliográfico e para a sua consulta pública.
A fachada sul é animada por duas séries de seis janelas pequenas de vão quadrangular, ao nível do piso intermédio e superior, sobrepujadas por igual número de altas janelas com arco de volta perfeita.
São rematadas por saliente cornija misulada e coroadas por pares de urnas ovadas. A face oeste é rasgada por três janelas cegas de vão semicircular, tendo outras mais pequenas e de formato retangular no seu alinhamento vertical. A fachada virada a norte é formada por quatro janelas e mantém-se original.
…. Na fachada principal sobressai o imponente portal traçando um arco de triunfo, apoiado em mísulas terminais bastante decoradas, e ladeado por dupla e grandiosa colunata jónica, sobrepujado pelo volumoso brasão de armas de D. João V.
Interior da Biblioteca Joanina. Op. cit. 65
…. O esquema do interior é simples: um comprido retângulo subdividido em três salas retangulares que comunicam entre si através de arcos de volta perfeita, repetindo a composição do portal nobre.
Esta sequência de arcos comunicantes vai traçar uma linha axial que nos conduz até à última sala, dirigida ao retrato de D. João V, pintura atribuída a Domenico Duprá (cerca de 1725).
…. Com efeito, na Casa da Livraria reside, de forma indelével, o espírito da esclarecida ação mecenática de D. João V – consagrado mais tarde na nomenclatura adotada que a passará a designar por Biblioteca Joanina –, lugar privilegiado em que a Arte, Cultura e Ciência se conjugam em perfeita harmonia. Autêntico Palácio do Saber, o seu aparatoso cenário traduz uma certa cosmovisão do Homem e da Cultura Barroca do séc. XVIII.
Ferrão, P. M. A Casa da Livraria da Universidade de Coimbra ao tempo de D. João V. In: Boletim da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, vol. 46/47 (2015/2016), pg. 63-72. Acedido em https://impactum-journals.uc.pt/bbguc/issue/view/2184-7681_46_47/156
Alguns anos vão já passados depois que o notável historiador de Arte Robert C. Smith deu a conhecer a autoria dos retábulos gémeos da capela da Universidade de Coimbra … na opinião deste autor, a talha coimbrã da segunda metade do século XVIII não passou de um mero decalque de “modelos pombalinos de Lisboa”
… Ora, como já tivemos ocasião de escrever, embora a talha de Coimbra desta época siga um estilo aparentado com o pombalino de Lisboa, apresenta, no entanto, características próprias que lhe conferem a personalidade suficiente para poderem assumir o papel de família regional. Os retábulos colaterais da capela da Universidade de Coimbra, como excelentes exemplares desse estilo regional, merecem, por isso, o destaque que a sua importância lhes confere.
A história dos retábulos remonta a tempos anteriores à sua execução, já que eles são ao atuais representantes de outros que os antecederam.
É de crer que a dedicação dos altares colaterais do cruzeiro a Nossa Senhora da Luz e a Santa Catarina se tenha efetuado com a instalação da Universidade nos paços reais, já que a Senhora da Luz era padroeira da confraria dos lentes e estudantes da mesma invocação e Santa Catarina de Alexandria é, como se sabe, patrona dos estudantes, particularmente dos de Filosofia
… A atual imagem de Nossa Senhora da Luz foi esculpida em 1598, havendo notícias de uma anterior. Em data ainda não conhecida ter-lhe-ia sido feito um novo retábulo. Do outro lado, o da Epístola, erguia-se o altar de Santa Catarina que devia ser modesto e destoar, pelo que … Em 22 de Abril de 1690 lavrou-se o contrato com Manuel Ferreira, escultor em Leiria … para “fazer o Retabello da capella de santa catherina da d.ª un.de ma forma e feitio do de nossa senhora da luz com nicho da mesma sorte”. Da nova imagem foi encarregado Frei Cipriano da Cruz … o trabalho de dourar o retábulo e estofar a imagem foi contratado por Luís de Oliveira, de Lisboa
… Porém, volvido pouco mais de meio século, um novo gosto se implantara na cidade … Os retábulos seiscentistas … pareceram assim “incapazes” ao visitador em 16 de Abril de 1758 … determinou “que p.ª os altares colaterais de N. Sr.ª da Lus, e Santa Catherina se fassão novos retabolos todos de madeyra de castanho ao moderno com toda a perfeição e primor da arte …”
… Para fazer a traça ao moderno … escolheu-se o entalhador Domingos Moreira em 6 de Março de 1759 … se deram de empreitada ao carpinteiro Alexandre Simões Ferreira e ao entalhador João Ferreira Quaresma … Os apontamentos foram feitos pelo entalhador e mestre-de-obras da Universidade, Gaspar Ferreira … foram encarregados da pintura e douramento José Botelho e Bento de Miranda.
Assim nasceram e se conservam – salvo ligeiras agressões na sua integridade – os dois retábulos gémeos, apenas diferentes entre si em pequenos pormenores alusivos aos santos que albergam.
Borges, N.C. 1991. Os Retábulos Gémeos da Capela da Universidade de Coimbra. Separata das Actas do Congresso “História da Universidade (no 7.º Centenário da Sua Fundação. Vol. 2.º. Coimbra. Universidade de Coimbra. Pg. 305 a 307
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