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De volta à Portagem, após o pagamento dos devidos direitos, um viajante recém-chegado à cidade certamente optaria, ou seria recomendado, a seguir em direção às freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. Em um decreto de D. Fernando, datado de 1377, o rei acatava um pedido do concelho – decerto dando continuidade a um costume já existente – de que as estalagens se localizassem na área destas duas paróquias.
Dissertação. Imagem nº 4 e 5: Igreja de S. Bartolomeu localizada em uma vista de Coimbra, de 1855/ Provável representação da igreja de São Bartolomeu na vista de Coimbra de Pier Maria Baldi, 1669, pg. 38.
Uma rota possível em direção ao centro destas freguesias seria pela Ribeira – denominação medieval da área beira-rio situada na margem esquerda do Mondego – ladeando o famoso Arnado. Uma visão inevitável para quem por ali passasse seria a dos barcos ali estacionados. Sabemos, por exemplo, que na segunda metade do séc. XIV, os barqueiros Estácio Martins e André Vicente tinham propriedades nas proximidades, assim como, provavelmente, o pescador Vasco Paiola. André Vicente, especificamente, recebera de emprazamento um cortinhal na Ribeira ao qual Lourenço Martins, “Desbarbado” de alcunha, tinha renunciado. “Nom podia manter o dicto cortinhal porque era ja homem velho e pobre”, alegava.
Também próximo ao rio Mondego, abundariam os estabelecimentos mecânicos. Em toda zona da Ribeira e na Rua da Ponte, temos notícia da existência de lagares de azeite, pelames e alcaçarias, algumas destas últimas pertencentes à confraria dos Sapateiros.
Dissertação. Imagem nº 11: Em preto, o traçado presumido para a Rua da Ponte, em azul o para a “rua que vai para a ponte”, pg. 48.
Trabalhos duros e sujos, por vezes exalando cheiros incómodos, estariam situados junto ao Mondego não somente dada à necessidade ocasional do uso da água como força motriz, assim como pela facilidade de escoamento das impurezas geradas por tais atividades. Isto, conjugado com a proximidade à sota – canal de esgoto que atravessava a Ribeira de S. Bartolomeu, rumo ao rio, correndo provavelmente em vala aberta – e a natural imundície das ruas medievais resultaria, certamente, em um local desagradável e insalubre.
Tal situação, porém, não impedia que figuras de diversas camadas da população habitassem e fossem proprietários na região limítrofe ao rio. Sabemos que, próximo de uns lagares de azeite na Rua da Ponte, estavam as casas de Afonso Peres, porteiro do bispo. Confrontando com uma estrutura não identificada designada de Pedernedo, situada nesta via, estavam as casas de João de Alpoim e, na Rua da Sota, morou Vasco Martins, porteiro do concelho. Por fim, Martim Domingues, senhor do Hospital de Ceira, e Vasco Garcia, escudeiro, também detinham ali propriedades.
A Rua da Sota, segundo a hipótese que avançámos em nossa dissertação de mestrado, corresponderia, na Idade Média, à atual Rua dos Esteireiros e, portanto, desembocaria no adro da igreja de S. Bartolomeu. Centro nevrálgico da freguesia, aqui também encontrar-se-ia, caminhando por entre as campas que rodeavam o templo, entrando e saindo da igreja, ou simplesmente à porta de suas casas, indivíduos de extratos sociais diversificados. Em finais do séc. XII, temos notícia que ali teria propriedades o moedeiro e alvazil D. Telo, enquanto que, para o século XIV, chegam-nos testemunhos de clérigos ali residentes, como Gonçalo Peres, prior de Ceira e raçoeiro de S. Bartolomeu, assim como homens do rei, caso de Estácio Anes e Diogo Peres.
Porém, a maioria dos que habitavam nas imediações do adro parecem ser mesteirais, com a presença de alguns mercadores. Sobre os primeiros, as fontes falam-nos, para os séculos XIV e XV, sobretudo, em sapateiros, alfaiates e carpinteiros. Encontramos também uma oleira, Maria Peres, que deixou em testamento, à colegiada de S. Bartolomeu, as casas em que morava, situadas no local. Teria criado junto de si uma rapariga, de nome Catarina Carnes, a quem recompensou, juntamente com uma tal Constança, com uma casa em Cabo de Cavaleiros, “com esta condiçom que a dicta Costança ensigne a tecer a dicta Cathelina Carnes”. Por fim, fazendo jus a determinação outorgada por D. Fernando décadas antes, convém citar Gonçalo Seco, “estalageiro”, presente como testemunha, em finais de trezentos, em dois atos celebrados na igreja de S. Bartolomeu, indício de que talvez seu estabelecimento ficasse por perto.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
As posturas do município não obrigavam os ofícios mecânicos a arruamentos. Mas disciplinavam, em nome do bem público, a localização de certas atividades. … Sendo o produtor ao mesmo tempo vendedor, os mesteres não deixariam de disputar os sítios mais favoráveis ao desenvolvimento económico … Livreiros e impressores, alfaiates, sapateiros, taberneiros e recoveiros, contam-se entre a população da Alta que contribuiu para as fintas das sisas. Os livreiros deviam ter subido a colina depois de 1567. Com efeito, no livro das sisas deste ano, é possível identificar seis. Mas cinco pertencem à freguesia de Santiago. Dos catorze livreiros conhecidos em 1613, moravam 9 em S. Cristóvão e apenas três em Santiago.
… Pelas freguesias da Baixa distribuía-se a maior parte do artesanato e da riqueza que lhe podia estar associada. Mais de três quartos dos ofícios mecânicos identificados em 1567 situavam-se nesta zona. Em 1617 pertenciam-lhe pelo menos 74%. A freguesia de Santa Cruz detinha o maior número de unidades artesanais. Seguiam-se-lhe Santiago, S. Bartolomeu (mesmo excluindo Santa Clara) e Santa Justa.
Os sapateiros e oleiros predominavam em Santa Cruz, os alfaiates e ourives em Santiago. Os cordoeiros sobressaíam em Santa Justa. Em S. Bartolomeu salientavam-se os sombreireiros, sapateiros e barqueiros.
Dentro das paróquias havia locais onde eram (ou foram) exercidos, predominantemente, certos ofícios, como deixam transparecer os topónimos Terreiro das Tanoarias, Terreiro das Olarias e ruas das Solas, dos Sombreireiros, dos Sapateiros, dos Toalheiros … A «nobreza» da Rua de Coruche ou da Calçada, por exemplo, não deixará de andar associada, certamente, aos mercadores, merceeiros ou ourives.
… Nos dias de trabalho as oficinas abriam cedo e fechavam tarde: laboravam, por certo, de manhã cedo até ao cair da noite, de sol a sol. Às sete horas, no tempo da Quaresma, as lojas já estavam abertas. E a esta hora deviam os tabeliães das notas estar na casa da Praça para atender o público. Era a hora normal de iniciar o trabalho ou o estudo … As aulas em Coimbra, pelo menos nos Estudo Menores, começavam às oito horas no Inverno e às sete no Verão.
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume I. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 362 a 364
A sede do concelho, sob o ponto de vista da administração civil, compreendia a povoação urbana propriamente dita e um subúrbio circundante … Nos registos paroquiais há predominância em considerar «cidade» apenas a zona intramuros … Da porta de Almedina para baixo começava o «arrabalde» … As aglomerações de Santa Clara e Celas são, nestas fontes, com frequência por burgos. Sobretudo Celas.
Almedina, «arrabalde» e burgo de Santa Clara constituem para alguns efeitos fiscais, o corpo citadino. Mas a «cidade» podia ainda ser um pouco mais extensa: burgo de Celas, Copeira, Rapoula, Pombal, Arregaça de Baixo e de Cima e as novas construções, impostas pelo «muito crescimento do povo», dentro da sombra dos olivais. A zona suburbana aparece exatamente identificada, por vezes, com este «aro dos olivais da cidade» cuja delimitação não é fácil de reconstituir.
…
Quatro das cinco freguesias de intramuros atravessavam as muralhas em 1567. S. Pedro e S. João de Almedina tinham uma pequena área urbana extravasando da cerca … As paróquias da Sé e de S. Cristóvão, com algo para além da porta de Belcouce, iam até ao rio, por um olival. Santa Cruz, confinava com a Sé, em Almedina, junto da rua de “Sobre a Riba”. Com outras freguesias partilhava o arrabalde, os burgos e o aro da cidade.
… A S.. Bartolomeu foi atribuído, da porta da ponte para fora, o burgo contíguo ao mosteiro de Santa Clara «assim como esta çarrado pela porta da cadea e pela porta da Rona»; a povoação dos paços velhos, denominada Currais, «começada do alpendre de Santa Isabel até ao cano de água com que moem os lagares de azeite do mosteiro»; desta água, caminho e cerca, para dentro, ficou somente com a Copeira e as casas construídas ou por edificar junto de «Santa Isabel defronte do muro do mosteiro até à porta da cadeia». Tudo o mais, nesta área litigiosa, pertencia à Sé.
Santiago confrontava com a Sé, dentro do aro da cidade, em 1567, apenas na porta de Almedina. Nada havia a demarcar de novo. O mesmo não sucedia com outra freguesia do arrabalde, Santa Justa.
Esta paróquia, na direção do Porto, chegava «até à estrada que vem da ribeira de Coselhas, junto de Água de Maias». Para o lado de Coselhas a linha divisória passava «por detrás da Forca, por o cume do monte de Águas Vertentes»
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume I. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 32 e 33, 36 e 37
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