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Quinta entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
Segundo o que a tradição consagrou, a Fonte da Manga deve o seu nome ao monarca D. João III, que refugiado, em 1527, na cidade do Mondego em virtude de surto pestífero desencadeado na capital, esboçou na manga do seu gibão o plano do fontanário que pretendia ver erguido no claustro nascente do complexo monástico.

Claustro da Manga, na atualidade.Acervo RA
Apesar desta origem lendária, elaborada em 1541 por Francisco de Mendanha (séc. XVI), este magnífico exemplar de arquitetura da água resultou da reorganização material operada no complexo crúzio por frei Brás de Braga em 1528, um ano após a estadia régia.

Claustro da Manga c. 1870. Acervo RA

Jardim da Manga. Autor desconhecido. Acervo RA

Reconstituição digital em 3D do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1834. 2022. In: Projeto S. Cruz. Acervo RA
…. Com “duzentos palmos de cõprido & quinze de largo”, o espaço claustral, um dos três existentes no mosteiro e em torno do qual se congregavam o dormitório, a enfermaria e as oficinas tipográficas monásticas quinhentistas, foi dotado de um templete de planta centralizada, com uma fonte de “agoa mu doce”, de formato circular no interior.
Sobre as oito colunas coríntias, dispostas equilibradamente entre si, assenta a abóbada rematada por lanternim e dotada, no entablamento, por oito gárgulas, número que, entretanto, se duplica aos pares no topo de cada uma das escadas, perfazendo assim dezoito peças esculpidas segundo a temática do bestiário.
Elevada numa plataforma rodeada por tanques de água e hortos ajardinados, com limões, limas, cidras e outras frutas, por entre as quais surgem quatro panos de escadas de acesso, a estrutura principal está ligada por arcobotantes a quatro torreões circundantes, de formato cilíndrico e com estreitas frestas de iluminação de vidraças coloridas.
A descrição de 1541 revela ainda que os quatro oratórios estavam dotados de portas que “sam pontes leuadiças cõ que os religiosos se fechã quando orã”. Edificados como pequenos oratórios independentes e eremíticos, cada altar fora dotado com um baixo-relevo, em calcário de Ançã, representando quatro grandes santos eremitas da tradição cristã: São João Baptista no deserto; São Jerónimo penitente; São Paulo o eremita e Santo Antão tentado pelo demónio.
De acordo com a leitura iconológica realizada por Nelson Correia Borges (1942), o fontanário da Manga está imbuído de um forte simbolismo religioso associado com a Fonte da Vida – a fons vitae –, que jorra do centro do Universo para os quatro tanques, numa clara alusão aos quatro rios do Paraíso.
…. É, no entanto, muito curiosa a nota escrita pelo cronista quinhentista que considera a obra da “fonte artificiosa” como uma das “quatro marauilhas do mundo”, ainda que tenha sido causa de muitas enfermidades entre a comunidade monástica.
…. O projeto é atribuído ao arquiteto e escultor francês João de Ruão ativo em Coimbra desde 1518. Embora persistam algumas dúvidas quanto à autoria do projeto arquitetónico é seguro o envolvimento de Ruão e seus oficiais na execução dos quatro painéis retabulares dos oratórios, trabalho feito sob a influência das gravuras de Lucas de Leyde.
…. Recorrendo aos novos mecanismos da engenharia hidráulica moderna, a construção dos tanques e do sistema de canalização, a cargo de Pero de Évora (séc. XVI), Diogo Fernandes (séc. XVI) e Fernão Luís (séc. XVI).
…. Após a demolição do corpo norte do claustro, na posse da Câmara Municipal de Coimbra desde 1839, já no século XX, o Jardim de Manga ganhou acesso direto a partir da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, e, através de uma ampla escadaria, no extremo sul, da Rua Martins de Carvalho.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.researchgate.net/profile/Milton-Pacheco 2/publication/314821532_DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_AGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS/links/5dc1909a4585151435ec0330/DO-AQUEDUTO-DAS-FONTES-E-DAS-PONTES-A-ARQUITETURA-DA-AGUA-NA-COIMBRA-DE-QUINHENTOS.pdf...
Prosseguindo na sua cruzada – porque é isso mesmo, uma cruzada em prol de Coimbra e da sua história – o Dr. Mário Araújo Torres acaba de editar com recolha de textos e notas suas, mais um volume do conjunto de livros esquecidos ou raros que ajudam à compreensão da nossa Cidade, no passado e no presente.

Capa do livro
Na contracapa podemos ler.

Imagem de parte da contracapa
Na presente edição reproduz-se o único exemplar conhecido da «Descripcam e debuxo do Moesteyro de Sancta Cruz de Coimbra», impressa em 1541 nas oficinas tipográficas do próprio Mosteiro, atualmente conservado na «Greenlee Collection» da «Newberry Library» de Chicago, e procede-se à transcrição integral do opúsculo, com atualização da grafia.

Imagem da pg. 29
Mas a obra ora publicada não se fica pela transcrição desta raridade bibliográfica, pois é enriquecida com os seguintes trabalhos em anexos.
Reproduzem-se os capítulos da «Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarca Santo Agostinho» (1668), onde D. Nicolau de Santa Maria alegadamente reproduziu a «Descrição» de D. Francisco de Mendanha, com aditamentos sobre alterações entretanto ocorridas;

Imagem da pg. 85
O estudo de Sousa Viterbo (1890) sobre a descoberta do opúsculo, com anexos documentais dos reinados de D. Manuel I e de D. João III; e extratos de manuscritos de Jerónimo Roman (1588), de D. José de Cristo (1622) e do Cartorário D. Vicente, sobre as novas obras no Mosteiro posteriores a 1540.
Concluindo. O estudioso de Coimbra ou o simples amante das coisas com ela relacionadas, encontra reunido num só volume tudo o que foi escrito relacionado com a descrição do que era o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, nos séculos XVI e XVII.
Pelo meu lado, mais uma vez, o meu obrigado ao Dr. Mário Araújo Torres, pelo muito que está a fazer em prol da divulgação da história da nossa Cidade.
Rodrigues Costa
Mendanha, F. Descripcam e dubuxo do Moesteyro de Sancta Cruz de Coimbra. Reedição com recolha de textos e notas de Mário Araújo Torres. 2021. Lisboa. Edições Ex-Libris.
… o Rei (D. João III), concedera aos Crúzios pelo alvará de 16.XI.1547, que conhecido pelo ‘Estudo Geral’, lhes concedia o ensino do latim, do grego, do hebraico, da matemática, da lógica e da filosofia … Em 1555, o Rei, já muito doente, escrevia ao Prior-mor de Santa Cruz, então Dom Francisco de Mendanha, dando-lhe a inesperada ordem:
“mando que entregais esse Colégio das Artes (assim passaram a ser designados São Miguel e Todos os Santos) e o governo dele mui inteiramente ao Padre Diogo Mirão provincial da Companhia de Jesus, o qual assim lho entregareis no primeiro do mez de Outubro …”
… Contra a espoliação os Crúzios reagiam como podiam à autoridade régia, que se entende seria muito pouco.
Mas conhece-se um acontecimento que é paradigmático, e que muito polidamente mostravam ao Rei a sua contrariedade.
Muitos anos antes de ser erigida a Torre sineira de Santa Cruz (que os mais velhos conheceram, a nascer de dentro da torre maior da defesa do Mosteiro, e que se dizia fora a primeira obra levantada quando da fundação do Mosteiro), o conjunto de sinos estava montado na denominada Torre velha dos sinos, na muralha sobranceira ao Mosteiro, e que as obras do Colégio Novo iriam obrigar a demolir.
Entre os seus sinos, um existia denominado ‘sino real’ que somente era tangido quando o Rei estava em Coimbra. Anunciava-se a vinda do Rei à cidade, antes da doença que o vitimou, e os sentidos frades logo resolveram calar aquele sino, retirando-lhe o badalo. Não mais replicou alegremente, até mesmo quando da visita do Dom Sebastião, e passou a ser conhecido pelo ‘sino mouco’.
Quatro séculos após a graça irá repetir-se com a ‘cabra’ da Torre da Universidade, da iniciativa de estudantes de outra era, mas na mesma insubmissos.
Silva, A.C. 1992. A Criação e Levantamento do Colégio da Sapiência (vulgo Colégio Novo). Coimbra, Santa Casa da Misericórdia de Coimbra. Pg. 9 a 11
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