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Desci ao vale por um caminho que representa um outro já multissecular. Fui ter ao sítio da Fonte Nova, Fonte dos Judeus no séc. XII e ainda assim chamada, já partidos, no ano de 1548. A fonte demorava outrora no prédio novo do começo da avenida, acima do mercado.
A Fonte Nova, na localização descrita.
Recordamo-nos todos como, durante as obras em que o veio da água foi cortado, caía do alto um jorro, cristalino e abundante, numa época final de quatro anos de sequeira, tal qual a alma perene do povo de Israel.
Segui pela rua, ladeando à minha esquerda o terreno inicial do almocavar
Segui pela rua, ladeando à minha esquerda o terreno inicial do almocavar ou cemitério dos judeus que irregularmente ia pela encosta até à ladeira do Castelo, de limites indefiníveis hoje.
Entrei de vez na rua, repetindo, como tantas vezes o tenho feito: –que restará nestas paredes das velhas construções que Israel aqui levantou? Nada que apareça nos exteriores. As casas da época manuelina já são posteriores a sua saída. Os cristãos renovaram tudo e muitos já aí habitavam a esse tempo.
É a sina de Israel: passou por toda a terra, regou-a com o seu sangue e com lágrimas das maiores agonias e, logo que desaparece, os seus vestígios eliminados também.
Aqui estiveram séculos, contribuíram para a riqueza nacional; tinham o comércio e a indústria, num tempo em que os aborígenes só podiam e sabiam cavar a terra para o senhor dela e este, acabado o período da conquista, vivia na ociosidade e na intriga.
Vítimas de ódios mais económicos do que raciais ou religiosos que, nascidos no resto da Europa, abateram com uma ferocidade na Península, quebrando aquele viver harmonioso até ao século XIV, que foi aqui o de cristãos, judeus e muçulmanos sujeitos, desapareceram com a mesma brutalidade que os próximos anos passados viram desencadear-se.
Israel é o novilho gordo que todos os povos imolam. Na sua vida milenária só teve o descanso rápido dos reinados de David e de Salomão.
Imagem acedida em: https://www.coisasjudaicas.net/2011/04/o-significado-das-roupas.html
… Foi neste momento que rápido como relâmpago e esvanecente como alucinação, passou diante de mim a nobre figura do grande arrabi de Coimbra, a labita flutuante, os tefilins ligados e as correias soltando-se, como quem vem da sinagoga no dia ritual.
Depois de pousar em mim um olhar profundo, levantou as mãos descarnadas e translúcidas e eu ouvi:
«Profetisa sobre a terra de Ysrael e dize aos montes, outeiros, rios, e vales: assi diz o Senhor D.: Em meu zelo e meu fervor falei quando padecestes a injúria recebida das gentes, pela qual levantei minha mão para que padeçam também as gentes que cerca de vós outros estão a vossa mesma injúria; e vós, montes de Ysrael, produzireis vossas árvores e ao meu israelítico povo dareis a comer vosso fruto. Isto certo está já para vir, porque eu a vós tenho, ó montes de Ysrael, e por vós olharei; sereis lavrados e semeados e eu multiplicarei em vós homens, os da casa de Ysrael».
Recordei-me, eram as palavras de Samuel Usque, nascidas no coração, na esperança dum português de Israel. Na terra dos avós combatem hoje, com a fé multissecular e, mesmo que vencidos agora, Israel virá a possuir de novo a terra que foi sua; virão de todos os pontos da terra, do setentrião ao meio-dia, do levante ao ocaso, combatentes, e o lar restaurado de Israel renovará as maravilhas da raça.
Esta é também a voz antiga judiaria de Coimbra.
Diário de Coimbra, 1947.10.27.
Gonçalves, A. N. 2019. António Nogueira Gonçalves. Colaboração em Publicações Periódicas. Coordenação de Regina Anacleto e Nelson Correia Borges. Prefácio de José de Encarnação. Coimbra, Câmara Municipal. Volume II, pg. 483-485.
Neste último Sabat do mês de Hexevan da era da criação do mundo de cinco mil setecentos e oito [1947] – bendito e Eterno Deus de Israel – os meus olhos de mortal viram a sombra do grande arrabi da judiaria de Coimbra.
Bem pouco preparado estava para tal encontro.
Dia de maravilha esse: luminoso, tépido, a atmosfera pura como frequentemente acontece no outono, as distâncias nítidas e o ambiente vizinho dum encanto subtil. A luz trespassa-nos e convida-nos a gozar estas horas únicas que a Natureza dá antes de nos mergulhar nos sombrios nevoeiros e no horror do frio.
Eis-me por aí à toa, entregue ao prazer do momento.
Errando por Montarroio encontrei-me numa varanda natural, voltado para cidade velha, mais aliciante nesta luz dourada. Parei a olhar para a antiga judiaria, a rua do Corpo de Deus.
Posição sugestiva, hoje que se vê poeticamente o passado, posição de deserdado seria outrora.
Passava a muralha pela parte de trás, servindo de base agora ao Colégio Novo
Passava a muralha pela parte de trás, servindo de base agora ao Colégio Novo. Deste ponto o terreno inclina-se violentamente, em escarpas sucessivas, até atingir as linhas demarcadas pela Visconde da Luz e pelo terreno onde assenta o café de Santa Cruz, a sacristia, etc. alongando-se pela antiga Ribela acima.
Rua de Corpo de Deus, nos anos 50 do século passado
Havia um socalco levemente mais largo e nele se alcandoraram as casarias do gheto coimbrão, tendo dois acessos, um para o lado da Calçada e outro para a Fonte Nova; barricados estes, transformavam-se quase em fortaleza, bem precária contudo.
Desci ao vale por um caminho que representa um outro já multissecular. Fui ter ao sítio da Fonte Nova.
Vale da Ribela e Rua de Entremuros. Imagem da coleção particular do Dr. Branquinho de Carvalho
Pode ver-se de longe esta modelação forte e nobre, sempre repelida de cristãos, nervo do comércio e progresso deles, lançada aqui, como quase em toda a parte, fora das muralhas, como primeira vítima oferecida aos invasores.
Pode ver-se longe esta modelação natural do terreno, por intermédio de certas linhas que servem como que de curvas de nível e que são: a do Colégio Novo, no alto, a da rua do Corpo de Deus, a da parte traseira das casas desta, os diversos socalcos dos quintais até ao ângulo inferior, que serve de esporão terminal aquele dorso da colina, formado pelo ângulo da Visconde da Luz e da linha da rua das Figueirinhas. Representa esta (modificada pelos crúzios) uma estreita vereda que levava à Porta Nova e que nos serve hoje para avaliar rapidamente o declive do terreno.
Pode-se ver de longe esta modelação forte e nobre, sempre repelida de cristãos, nervo do comércio e progresso deles, lançada aqui, como em quase toda a parte, fora das muralhas, como primeira vítima oferecida aos invasores.
Gonçalves, A. N. 2019. António Nogueira Gonçalves. Colaboração em Publicações Periódicas. Coordenação de Regina Anacleto e Nelson Correia Borges. Prefácio de José de Encarnação. Coimbra, Câmara Municipal. Volume II, pg. 483-485.
No Arquivo Histórico Municipal de Coimbra existe uma coleção de 79 manuscritos originais às quais foi atribuída a designação de Cartas Originais dos Infantes. [1418]-1485.
Sendo as Cartas Originais maioritariamente subscritas pelo Infante D. Pedro, nela estão também incluídos manuscritos subscritos por D. João I (1), D. Duarte (3), D. Afonso V (1), Rainha D. Leonor (1), Infanta D. Joana filha de Afonso V (3) e Infante D. Henrique (2)
Dessa coleção foi elaborado pelas Técnicas que ali prestam serviço, em 2009, um Catálogo da Coleção do qual retiramos os textos referentes aos exemplos que apresentamos desta valiosíssima coleção.
[1418], Fevereiro, derradeiro dia, Évora.
PT/AHMC/COI/ nº 1
Cartas Originais dos Infantes. 6/44
Carta d’el rei D. João I, ordenando que para as cortes, que se realizarão em Santarém, no dia 1 de Maio seguinte, elegessem dois procuradores. As cortes eram convocadas para decidir sobre como proceder se o rei de Castela (D. João II) não jurasse o tratado de paz acordado entre as duas coroas.
escrivão: Martim Anes
assinatura autógrafa: não tem
remetente: por el rey
destinatário: Ao concelho e homens bons da cidade de Coimbra
1429, Janeiro, 9, Benavila
PT/AHMC/COI/ nº 2
Cartas Originais dos Infantes. 8/44
Carta do Infante D. Pedro recomendando aos juízes e homens bons da cidade de Coimbra que escusassem do cargo de procurador do concelho, Pedro Domingues, pedido feito por intercessão de Bento Martins, capelão do Duque.
selo: vestígio
escrivão: Bento Peres
assinatura autógrafa: Infante Dom Pero
remetente: [por o infante Dom Pedro]
[1429], Abril, 13, Aveiro
PT/AHMC/COI/ nº 7
Cartas Originais dos Infantes. 18/44
Carta do Infante D. Pedro ao concelho e homens bons da cidade de Coimbra, comunicando o resultado do acordo realizado entre si e o prior do Mosteiro de Santa Cruz sobre o abastecimento de água das Fontes d’el Rei e da Fonte da Rainha, Fonte Nova e Fonte de Sansão, ficando apenas a água desta última para o Mosteiro.
selo: vestígio
escrivão: Elias Gonçalves
assinatura autógrafa: Infante Dom Pero
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra. Catálogo da Colecção. Cartas Originais dos Infantes. [1418]-1485. 2009. Coimbra AHMC
Em torno de 1217-1218 chegaram a Coimbra os primeiros franciscanos, mendigos por voto, quiçá pouco cultos; o impacto causado na população, contrariamente ao que se diz e se tem escrito, não deslumbrou, mas o clarão da fé iluminava o seu rasto. O cabido cedeu-lhes a capela e o tugúrio e aí se instalaram precariamente, até que, cerca de 1247 abandonaram o local e transferiram-se para o convento de São Francisco da Ponte. Ainda durante a estada dos monges, o titular foi mudado para Santo António, falecido em 1231 e canonizado no ano seguinte.
Num qualquer dia do ano de 1219 entraram em Coimbra cinco franciscanos que, certamente, estanciaram algum tempo em Santo António; dirigiam-se para o Norte de África e “queriam esta coisa infantil e estupenda, a um tempo, alucinatória e heroica: serem mártires de Cristo!”. Conseguiram o seu intento.
Decapitação dos Cinco Mártires de Marrocos (Livro de Milagres dos Santos Mártires, séc. XV. Mosteiro de Santa Cruz, Coimbra)
Nessa altura, encontrava-se homiziado em terras marroquinas D. Pedro, irmão de Afonso II que, não podendo ou não querendo regressar ao país, a fim de trazer os despojos dos cinco mártires, enviou a Coimbra com essa preciosa carga o seu fiel vassalo, Afonso Pires de Arganil. Como o capelão do infante era monge de Santa Cruz, as relíquias vieram para o mosteiro onde vivia Fernando de Bulhões que já tinha contacto com os frades franciscanos.
De acordo com as prescrições regulamentares das nascentes “Ordens mendicantes”, os irmãos deviam viver da caridade e a verdade é que, no início da instituição, este voto foi integralmente cumprido. Os primeiros frades que ocuparam Santo António tinham grandes privações, minoradas, por vezes, pelos seus irmãos pedintes, que desciam a esmolar humildemente até aos bairros da cidade, trazendo dali, sobretudo do opulento Mosteiro Real de Santa Cruz, alguns meios de conforto para as suas refeições frugalíssimas.
Fernando de Bulhões havia sido designado para desempenhar as funções de Reverendo Cónego Porteiro, cargo que implicava a obrigatoriedade de, como constava do regulamento, distribuir esmolas; foi neste contexto que ele teve ensejo de falar, no seu Mosteiro, com os irmãos pedintes dos Olivais.
Portaria do mosteiro de Santa Cruz. José Carlos Magne. Planta topográfica da Praça de Sansão. Pormenor. 1796
Identificar as relíquias chegadas de Marrocos, relacioná-las com os frades mendigos dos Olivais e apaixonar-se pelo ideal franciscano que passava pela busca do mundo eterno e pela doação total de si mesmo, foi obra de um momento.
E um dia, os franciscanos dos Olivais que iam mendigar à portaria de Santa Cruz regressaram com mais um companheiro.
Percorreram um caminho entre muros e verduras: saíram do terreiro de Santa Cruz, subiram a rua das Figueirinhas, passaram a Fonte Nova, a fonte do antigo bairro judaico, e continuaram a caminhar no lado poente da atual Sá da Bandeira, passando pelas traseiras da Associação Académica; desembocaram nos Arcos, que então ainda não existiam, mesmo ao lado da estrada que descia das portas do Castelo.
O trajeto, a partir daí, começava a ser mais arejado. Da garganta dos Arcos subiram à Eira das Patas e cortaram para Celas. Arrabaldes distantes da cidade, caminho longo conducente a mais do que pobre aldeia.
Os franciscanos, nesse dia longínquo do verão escaldante de 1220, traziam consigo mais uma alma, mais um prosélito do seu ideal e, ultrapassada a zona de Celas rapidamente atingiram o colo da colina, coroada pela capelinha que apresentava anexa, no alto do pequeno morro, o rude abrigo.
Foi precisamente nesse dia, igual a tantos outros, mas único para os Olivais, que Fernando de Bulhões ali chegou e mudou o seu nome para António.
O Santo conservou-se pouco tempo nos Olivais, partiu em demanda da África, talvez à procura de um martírio que não chegou, e, até mesmo os frades abandonaram o ermitério em 1247.
Anacleto, R. 2005. Santo António dos Olivais: De Ermitério a Freguesia. Conferência na cerimónia comemorativa do aniversário da criação da freguesia.
A primeira referência à Fonte Nova de que há conhecimento, é de 1137 como Fonte dos Judeus (fons judeorum). Esta denominação ter-se-ia ficado a dever à localização na extremidade do bairro judaico e começo do seu almocávar (cemitério).
Consta que esta fonte, destinada ao abastecimento público, era a mais antiga nascida junto à cidade de Coimbra pois, já em Junho de 1137, a ela se faz referência na demarcação da paróquia de Santa Cruz.
... conforme refere F.A. Martins de Carvalho, a Fonte dos Judeus só no ano de 1725 tenha passado a ser designada por Fonte Nova, aquando a reforma que lhe foi feita, à qual se refere uma inscrição em romano maiúsculo e abreviado ... Esta inscrição pela sua extensão ser desproporcionada para o limitado espaço do rótulo, tornou-se uma tarefa verdadeiramente difícil para o canteiro a quem foi incumbida a gravação. Por tal motivo, tê-la-ia apertado até que a última linha acabou por ficar indecifrável. Nessa inscrição vê-se que “No Anno Aureo da Lei da Graça de MDCCXXV” esta Fonte, velha pelo tempo, aparece como “Faenix Renascida”.
... A Fonte Nova terá sido também denominada por Chafariz da Ribella? Esta suposição tem por base uma descrição ... é relatada a tempestade, inundações, trovoadas, etc., que aconteceram em Coimbra no dia 16 de Junho de 1411: “Desta escuridão de trouões sahirão coriscos, os quais derão em hum muro da cérca do dito mosteiro de Santa Cruz, que está na horta da parte de cima, junto ao chafariz da Ribella, que era mui forte de pedra & cal e derubarão do dito muro bem dez graças”.
Nesta fonte foram feitas, ao longo do tempo, várias obras, destacando-se pela sua importância, a realizada por mestre Manuel Roiz (Rodrigues) que lhe acrescentou a arca.
Segundo informação que a Câmara Municipal de Coimbra enviou a El-Rei, em 8 de Janeiro de 1749, sabe-se “... que era favorável ao pagamento que o referido mestre reclamava visto que tal importância se aplicava para a existência e conservação da água do chafariz da Fonte Nova, tão importante para o bem comum do povo desta cidade que V. Magestade foi servido mandar reedificar como se averiguou antes que entrasse na dita obra, a qual não admitia demora pello prejuízo que ao contrário se seguia para o mesmo povo”.
... (está hoje) na rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, em frente ao Jardim da Manga, mandada ali colocar na década de 80 do século XX, pelo então Presidente da Câmara Dr .Mendes Silva.
O conjunto arquitetónico em que está inserida, contem, para além da fonte propriamente dita, a parede revestida de azulejos, em azul e branco, colocados de forma geométrica, uma escadaria que dá acesso à Rua de Montarroio.
Nota: A transferência da Fonte para a atual localização foi feita sob projeto do Arquiteto António Monteiro, à data responsável do Gabinete de História da Cidade que funcionava no âmbito do então Departamento de Cultura, Desporto e Turismo.
Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra. Direção de Arte de Fernando Correia e Nuno Farinha. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 22 a 31
... Após a extinção das congregações religiosas em 1834, pouco depois ingressaram no património municipal ... os edifícios e terrenos do extinto Mosteiro de Santa Cruz, desde o Terreiro de Sansão (atualmente praça 8 de Maio) até à Fonte Nova, com exclusão apenas da igreja e suas dependências.
Mas, com o rodar dos anos, esses edifícios passaram por grande mutações, tanto na forma como na aplicação. O corpo principal do Mosteiro, por exemplo, com frente para o Terreiro de Sansão, foi demolido para no seu lugar se construírem os atuais Paços do Concelho; todo o conjunto cedido foi mais tarde dividido em dois lotes completamente separados pela abertura da via de acesso de Sansão à Fonte Nova, anos depois e ainda agora denominada Rua Nicolau Rui Fernandes, e pela consequente demolição do Arco do Correio em 1856; a parte que ficou a norte dessa linha divisória, antigamente celeiro, botica, residência do prior-mor e hospedaria do convento (além destas aplicações tiveram os prédios urbanos ainda a de cárceres do Mosteiro de Santa Cruz), tem sido cadeia, esquadra policial, Roda dos Expostos, Hospício dos Abandonados, Creche, Instituto Industrial e Comercial de Coimbra, e Escola Industrial e Comercial de Brotero; uma parte dos edifícios a sul dessa linha divisória foi devorada por um incêndio em 1917, assim como mais tarde o edifício em que se encontravam instalados os correios e telégrafos, já há anos reconstruído.
A par disto, construiu-se o Mercado D. Pedro V na antiga horta e laranjal do convento, abriu-se uma via de ligação da entrada do mercado com a Rua Martins de Carvalho, e instalaram-se por ali diversos serviços públicos e particulares.
Sessão (da Câmara Municipal) de 17 de Dezembro de 1836
... O presidente dá parte à Câmara de que no dia 15 do corrente fora chamado pelo Administrador do Concelho para lhe dar posse do extinto Convento de Santa Cruz, e do da Graça ... com a clausula de neste estabelecer um quartel militar e naquele colocar as Repartições Públicas. A Câmara ficou ciente.
Leu-se um ofício do Administrador do Correio ... para se entender com a Câmara, e esta lhe dar cómodo no extinto Convento de Santa Cruz ... aplicado ... para Administração do Correio a parte do dormitório denominado de São Francisco, desde a parede que divide o refeitório em prumada ao telhado dentro de paredes do dito até à frente de Sansão menos o vão da denominada despensa rente ao chão, que fica para casa da bomba contra incêndios, e depósito de azeite da iluminação da cidade; o refeitório para audiência do Júri de pronúncia servindo o vão de topo para casa de retenção de presos, e a casa por cima deste com duas janelas para o pátio de Sessão dos Jurados, fazendo-se escada de madeira por dentro; o resto do dormitório de S. Francisco dividido em três habitações tendo a ponta superior serventia pelo lado da horta, as duas pela antiga escada de pedra por que se servia a extinta comunidade. O vão a nível da varanda de pedra por cima do claustro grande, e por baixo do denominado noviciado para Secretaria do Administrador do Concelho e habitação do secretário de ante o mesmo; o noviciado com frente para os claustros grandes e do banho para uma habitação tendo serventia por aquela escada de pedra; a outra parte do noviciado debaixo e de cima com frente para o Claustro do banho e costas ao cerco do lado da Rua das Figueirinhas servir com este para habitação do secretário da Câmara com serventia pela varanda do claustro grande; o dormitório baixo com frente para a rua, o claustro do banho para habitação, tendo serventia pelo lado da horta; o dormitório denominado do Pilar na sua generalidade com o jardim para habitação e secretaria do Administrador Geral, com serventia pela escada de pedra que vem da horta; as casas da Botica e as que pegam pelo lado de Montarroio para habitação; a Hospedaria desde a porta do Carro até o cunhal da que corre para a torre, muito convém demolir-se para tornar o grande pátio em terreiro público que acomode as contratadeiras de legumes e de aves, e se colocar ali cadeia pública no primeiro e segundo andar.
Loureiro, J.P. Relatório sobre os edifícios e terrenos do antigo Mosteiro de Senta Cruz. In Câmara Municipal de Coimbra. 1958. Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz. Petição e Fundamentos. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XV. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 10 e 11, 22 e 23
Auto de posse do edifício do extinto Mosteiro desta cidade, com os seus pertences, dada à Câmara Municipal da mesma (11 de Setembro de 1839)
... nesta cidade de Coimbra, e no edifício do extinto Mosteiro de Santa Cruz ... aí se acharam reunidos o ilustríssimo presidente interino, fiscal e mais membros da Câmara Municipal da dita cidade ... apresentadas as cópias ... da Carta de Lei de trinta de Julho corrente, e mais duas Portarias ... tudo relativo à concessão que as Cortes Constituintes da Nação fizeram à mesma Câmara do edifício e seus pertences (e logradoiros) do extinto Mosteiro de Santa Cruz... o qual tem princípio no cunhal da Igreja de Santa Cruz, em frente da Praça de Sansão, e corre pelo lado do Norte seguindo pelo Bairro de Montarroio acima, e daí segue até ao sítio da Fonte Nova, continuando daí pelo Nascente por toda a estrada acima, vindo a terminar na Rua das Figueirinhas, junto da Igreja de S. João, que foi pertença do referido Mosteiro, e cujo recinto se acha cercado de muros, dentro dos quais se acham o pequeno laranjal, horta, encosta... assim como as antigas hospedarias, onde atualmente está a Administração do Correio, antigas Casas dos Moços Fidalgos que seguem até à Torre, Pátio e mais casas e dormitórios, com o respetivo claustro grande junto à Igreja, rodeado de capelas, com um chafariz ao meio, e outro ao lado, casas da antiga Botica, quintal pegado e jardim junto a este; e logo saindo pela horta acima, sempre, caminhando junto aos canos das águas até chegarmos às suas nascentes, quase ao cimo da mesma quinta, donde passam pelos ditos canos aos dormitórios do mesmo Mosteiro, e daí se conduzem ao chafariz do Pátio, por baixo da Torre dos Sinos, e do mesmo edifício com todos os seus pertences, pequeno laranjal, horta, encosta, casas, claustro, dormitórios, águas da quinta acima indicadas, tomou o mesmo ilustríssimo presidente interino, com o fiscal e mais membros da Câmara Municipal, para o seu Município, posse atual, civil e natural, mansa e pacificamente, abrindo, fechando portas, pondo as mãos pelas paredes, lançando terra ao ar, cortando ramos das árvores, e praticando outros possessório da Lei.
Câmara Municipal de Coimbra. 1958. Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz. Petição e Fundamentos. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XV. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 24 e 25
Nada mais natural pensar que a antiga estrada da Beira até á Portela tenha seguido um traçado que a atual decalca; o próprio terreno parece indicar esse lógico trajeto; e todavia não se deu isso.
… A estrada da Beira partia não da ponte mas da parte alta, da porta do Castelo … Passada a porta da fortaleza tinha-se logo abaixo ao lado direito o caminho que permitia voltar á cidade pela porta da Traição; à esquerda a estrada de Entremuros que levaria a Fonte Nova, de onde se tomaria para a porta Nova ou rua das Figueirinhas ou ainda se cortaria a norte para o Montarroio.
… Muito naturalmente o sítio, na parte mais plana, a do colo do monte, pedia um agregadozinho populacional. Ao lado direito, aonde vinha bater o muro da velha quinta dos crúzios, havia um, como hoje, em frente ao aqueduto. Prolongava-se mais que agora (e duma demolição recente ainda nos lembramos todos), fazendo uma correnteza de casas, tendo só encostadas aos arcos e em frente portanto das outras umas duas ou três.
Tinha para o lado da Penitenciária a modesta capela de S. Martinho, e em ponto levemente anterior o oratório do Santo Cristo das Maleitas, transformação dum cruzeiro de caminho.
Era este o fatal bairro popular que precedia a entrada das cidades fortificadas. Tabernas, pequenos negócios, gente sem eira nem beira, vivendo em tugúrios e pronta a qualquer serviço humilde, a alombar todos os carregos, a encarregar-se de qualquer recado, tudo isso aí ficaria.
Sigamos o caminho, passando sob o arco principal, pois que a topografia foi modificada com o muro do jardim botânico. Era aqui o ladeirento e pequeno campo de Santa Ana, com o chafariz, donde seguia o caminho de Celas e cortava o da Beira para o novo bairrozinho, o de S. José, tirando o nome do colégio conventual de S. José dos Marianos (hospital militar).
… Começava a descida e, à capela de Santo Antoninho dos porcos (pois que ali se fazia o mercado deles) passava o caminho pelo desvio angular que ainda ali se vê, para depois se meter pela ladeira calçada das Alpenduradas.
No fundo da descida, depois do mercado e das traseiras da fábrica, atingindo o vale, encontrava-se, como hoje, o começo do bairro do Calhabé e que se continuava esgarçadamente até perto da passagem de nível, sítio este aonde todos nós conhecemos umas casa baixas. Numa destas parece que viveu o velho Calhabé, prazenteiro e bebedor, mas que fora homem de representação.
Já outrora ninguém pensaria que ainda fosse cidade o Calhabé, bem ao contrário do que os justos fados talharam e que começa a realizar-se: o Calhabé ser a cidade e Coimbra um pobre bairro do mesmo Calhabé!
Podia-se descansar um pouco que uma nova ladeira esperava o caminhante. Lentamente subia-se á Portela da Cobiça. Lançado um último olhar à cidade afastada, transposto o colo, caminhava-se pelo vale transverso até ao rio, que depois se ia acompanhando para cima das Torres. Em frente aos Palheiros esperava-se que a barca do concelho viesse da outra margem e nos transportasse.
A cidade, aonde ficava ela!
… Lá seguiriam os viandantes, pelo cume, até Carvalho. Por Poiares, Almas da Serra, (S. Pedro Dias) iriam cair na Ponte de Mucela, aonde buscariam agasalho conforme a sua bolsa.
A serra máxima, a da Estrela do pastor, esperava-os.
Gonçalves, A. N. 1952. Antigos Caminhos e Pequenos Bairros a Nascente da Cidade. In Diário de Coimbra, edição de 25.12.1951
Algum tempo depois da extinção do mosteiro, ocorrida em 1834, resolveu a Câmara, em 13 de Junho de 1840, que as vendedeiras de cereais de Sansão passassem para o então denominado Pátio de Santa Cruz, situado no local que é hoje o início da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, entre a atual fachada lateral dos Paços do Concelho e o edifício fronteiro, onde se encontra instalada a P.S.P. Este último estava ligado à esquina do mosteiro, que a sede da edilidade veio substituir, por um edifício que mais tarde foi demolido, sendo a entrada para o pátio feita através de um arco nele existente … Não tardaria muito que o edifício de ligação fosse demolido, facto ocorrido em 1856 … nova alteração surgiu, com a mudança do mercado dos cereais para a antiga horta do mosteiro, pertença da Câmara.
… A horta de Santa Cruz estava longe de tudo (não nos esqueçamos que na época não existiam a atual Avenida Sá da Bandeira, a Praça da República e todas as ruas que nela convergem, constituindo todas essas artérias a antiga Quinta de Santa Cruz, então propriedade particular); o Bairro de Montarroio era então um pequeno aglomerado; o acesso à Alta era feito por um apertado caminho que ia dar à Rua do Colégio Novo. E a própria comunicação com a Baixa fazia-se por uma estreita ligação, que só mais tarde viria a ser alargada com a demolição do lanço norte do Claustro da Manga e do arco que o ligava ao edifício que é hoje a Escola Jaime Cortesão.
… No ano de 1882, é apresentada na sessão de 23 de Agosto uma proposta do Barão de Matosinhos, em que este solicita a concessão de um ascensor para acesso à Alta, construído a expensas suas. O referido ascensor, que facilitaria o acesso do público, ligaria o local junto à Fonte Nova até a Couraça dos Apóstolos. A ideia de então não iria avante, mas veio a ser concretizada nos nossos dias, quase 120 anos depois, com a construção do atual elevador.
… Os acessos da Baixa são em 1888 facilitados com o alargamento, já atrás referido, da então denominada Rua do Mercado, com a demolição das construções que fechavam pelo lado norte o Claustro da Manga, e do chamado Arco do Correio, que lhe ficava adossado, e que permitiria mostrar o Jardim, tal como hoje acontece.
…Procedera-se, entretanto, no ano de 1924, à mudança da Fonte Nova para junto do mercado, encostada ao muro da rua que tem o seu nome. Até então, encontrava-se no início da Avenida Sá da Bandeira, no local onde seria construído o prédio em que viria a funcionar o posto das Caixas de Previdência.
… Era então presidente da Câmara o Dr. Mendes Silva, que entre 1984 e 1986 viria a proceder a significativas alterações na zona envolvente do mercado. Foi o caso da colocação de painéis de azulejo, com reproduções de monumentos da cidade, da autoria de Amílcar Martins, no muro da cerca da Escola Jaime Cortesão, da construção duma escadaria no local em que se erguera a Torre de Santa Cruz, para onde foi transferida a Fonte Nova, o ajardinamento do espaço em frente do pavilhão do peixe.
Andrade, C.S. 2001. Mercado D. Pedro V. Uma História com História Texto publicado em suplemento especial no Jornal de Coimbra de 14 de Novembro de 2001
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