Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
E também os futricas: os livreiros … os funcionários, os alfaiates … os comerciantes … os tipógrafos, os penhoristas … as serventes, as figuras típicas, desde o negociante pretensioso ao vagabundo castiço, e estou-me a lembrar do Merzendó, do Rabino, do Pitonó, do Newton, assim chamado porque sabia de cor o binómio do célebre cientista, do Cobra Ladrão, do Jinó e do Horta, que uma noite estava estendido como morto junto a uma tasca, e que quando um estudante condoído lhe perguntou se estava a sentir-se mal, a resposta veio rápida – qualquer coisa como isto:
“ – Não senhor doutor. Estou à espera que venha a polícia para me levar às costas, porque estou muito cansado para ir a pé.”
E os litógrafos, que faziam as úteis e odiadas sebentas, como o cego Pacheco ou o Manuel das Barbas, a quem em vida fizeram o famoso epitáfio:
‘Aqui jaz Manuel; descansa!
Trabalho muito, e bebeu …
Litografava as sebentas
Mas foi feliz: - nunca as leu!’
Sebentas que, à noite, eram distribuídas de porta em porta, pela célebre Maria Marrafa, figura central do Centenário da Sebenta, de parceria com o “Almirante Rato” … que fazia umas caldeiradas maravilhosas.
E já se vê, as tascas, como a da Ana dos Ossos ou a da Tia Camela, que pontificava, e que durante o curso de Trindade Coelho foi por Deus chamada para o céu, para continuar ali a cozinhar o seu delicioso peixe frito, que regalara durante anos sucessivas gerações de académicos.
E quando, depois das aulas, os quintanistas iam para a Baixa com as suas fitas para as mostrar, “… das janelas, lindas donzelas, atrás dos vidros, a suspirar”.
E é claro, as fogueiras, com a lendária ligação do estudante e da tricana, em que o calor das cantigas e da música provocava, quantas vezes, as tradicionais desavenças, mais ou menos violentas, entre os “filhotes” e os “sacas de carvão”.
… o autor do ‘In Illo Tempore’ soube relatar, como pouco, a sua vivência, dar-nos um testemunho vivo, alegre e vibrante dos acontecimentos, das pessoas e das situações. E transporta-nos, nas asas da imaginação às ruas de Coimbra, às récitas e às fogueiras, ao tédio das aulas e à alegria das festas. E sentimo-nos figurantes do livro, vestidos com a pele dos seus personagens, vendo e ouvindo com os nossos olhos e os nossos ouvidos as preleções monocórdicas dos mestres, o ruido das latas nas pedras das ingremes ruas da cidade, as piadas chistosas, a voz dos mandadores das fogueiras, o colorido das fitas, os harmoniosos cânticos e os maneios das tricanas.
E sentimos os encontrões nos tumultos, as vozes altissonantes das assembleias, o fragor das festas académicas, o grito estridente dos gaiteiros e o som ensurdecedor dos bombos zurzidos sem piedade.
Andrade, C.S. 2003. O ‘In Illo Tempore’ de Trindade Coelho. In Centenário da Publicação do ‘In Illo Tempore’ deTrindade Coelho. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 34 a 36
Trindade Coelho tinha todos os ingredientes para escrever o se livro, fazendo jus ao subtítulo: ‘Estudantes, Lentes e Futricas’.
Os primeiros, os colegas, como não podia deixar de ser: as suas aventuras e desventuras, a que acrescenta, aqui e além, episódios de gerações anteriores que andavam na memória de todos, de João de Deus ou João Penha, de Guerra Junqueiro ou Gonçalves Crespo. E, numa galeria cheia de cor, passam a vida das repúblicas, os “ursos” e os “flautistas”, as praxes, as tertúlias dos cafés, o “Lusitano” e o “anda a Roda”, as ceias, as inflamadas assembleias, os despiques literários, os habituais conflitos com a polícia e as autoridades, as festas das latas, as récitas, o Orfeon Académico, de João Arroio, fundado no seu tempo, aquando das celebrações do centenário camoniano. E será aqui de recordar a risada que acompanhou as palavras que aquele dirigiu a Trindade Coelho, comentando as suas “aptidões” orfeónicas: “- É que você e o porco … só têm três notas”.
E os lentes, claro. E na galeria passa agora o “velho” Pereira Jardim, que na sua juventude aproveitava os intervalos do seu ofício de tanoeiro para estudar e que chegou a catedrático; o Padre Pita, em cujas aulas se jogava a “santa lotaria”; Lopes Praça ou Avelino Calisto, que se passeava a cavalo pelas ruas de Coimbra fardado de granadeiro; Bernardo de Albuquerque, com os seus grandes bigodes, que foram imortalizados em verso:
‘Não haverá por aí quem merque
(Gritava um homem na feira)
Vassouras da bigodeira
Do Bernardo de Albuquerque?’
E Sanches da Gama, figura avantajada que fazia jus à sua fama e proveito de apreciador da boa mesa; Pedro Monteiro, de seu nome completo Pedro Monteiro de Azevedo Castelo Branco, tão célebre como a quadra que o retratou:
‘Se vires um homem de pernas muito altas
Olhos em guerra e cara de mau
Prostrai-vos por terra, beijai-lhe as sandálias.
É Pedro Penedo da Rocha Calhau.’
E tantos outros, como Assis Teixeira, que mais tarde o Pad’Zé imortalizaria … E Chaves e Castro … Cronómetro vivo, o “praxista-mor” rigoroso no cumprimento dos regulamentos universitários, e que também não escapou à veia poética de um aluno, inspirado pela figura de Minerva que, lá no alto, estava colocada sobre o professor:
‘Minerva, faz-nos a esmola,
Se o pai dos deuses consente.
Deixa cair essa bola
Sobre a cabeça do lente’
… E assim se ia quebrando a monotonia das aulas sempre iguais, com os expedientes das “farpas” e das “dispensas” … Quanto ao que o mestre debitava, lá estava o aluno “sebenteiro” que se encarregava de coligir diariamente a lição …
Andrade, C.S. 2003. O ‘In Illo Tempore’ de Trindade Coelho. In Centenário da Publicação do ‘In Illo Tempore’ deTrindade Coelho. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 32 a 34
Em 3 de Março de 1385, entrou em Coimbra D. João, mestre da ordem de Avis, para assistir às cortes para qui convocadas … «… chegou a par de Santa Clara … E foram-no receber, com mui grande procissão, e com mui grande honra que lhe fizeram, e ia vestido pontificalmente D. Lourenço, bispo de Lamego … a rogo do deão e colégio da Sé de Coimbra, e a rogo do concelho da dita cidade, e os muito nobres e honrados colégios e concelho e muitos jogos e trebelhos que lhe fizeram. E vinham aí com o dito mestre de Avis, muitos cavaleiros e muitos escudeiros dos quais vinha aí Nuno Álvares … e como o sobredito D. João, mestre de Avis, viu a sobredita procissão vir de cima recontada, desceu-se das bestas, mui humildemente, e fincou os joelhos em terra, e beijou a cruz, e veio com a procissão mui honestamente de pé, e entrou pela mui nobre cidade de Coimbra, e levaram-no aos paços da Alcáçova sua».
Em 6 de Abril de 1385, D. João foi coroado rei na igreja de S. Cristóvão.
No mesmo dia se lavrou o auto da eleição de D. João I no Paço da Alcáçova nesta cidade. Nele figuram, como representantes do concelho de Coimbra, Afonso Domingues de Aveiro e Gonçalo Esteves Ferreira.
Loureiro, J.P. 1964. Coimbra no Passado, Volume I. Coimbra, Edição da Câmara Municipal, pg. 243 e 244
… Logo depois desta conquista, o Algarve foi consideravelmente arabizado, sobretudo com árabes do Iémene … Na zona do Tejo e até Coimbra distribuíram-se, em grandes massas, os Berberes. Os Masmudas estavam em Alcácer e em Coimbra.
…
Os novos cadernos do “Al-Mqtabis” de Ibn Hayyân falam-nos na presença do príncipe de Coimbra Abu Danis ben Áwsaja, em Coimbra, na época de Ibn Marwân al-Jilliqi. A “Jamhara” de Ibn Hazm diz-nos que os Banu Dânis se fizeram fortes em Coimbra e Alcácer
…
As figuras notáveis árabes de que se fala a propósito de Coimbra, são: a) Dawud bem Já’far ben al-Sagir, de Córdova, que ouviu lições de Málique e foi Cadi de Coimbra; Muhãriq ben al-Hakan ben Un´afiri al-Askãf, de gente de Córdova, que morreu mártir, lutando pela fé islâmica, em frente de Coimbra, muito provavelmente quando da conquista de Al-Mansur ben Abi ‘Ãmir; c) Nuhammad ben Abi’l Hasãn Tãhir al-Qaysl, de Múrcia de ascendência real, que tomou parte nas operações militares para a ocupação de Coimbra por Muhammad ben Abi âmir, al-Mansur, de Córdova …
Domingues, J.D.G. 1971. Aspectos da Cultura Luso-Árabe. Separata das Actas do IV Congresso de Estudos Árabes e Islâmicos, pg. 18 e 19.
… nas costas da Península apareceram pela primeira vez novos e inesperados inimigos … Eram estes os normandos. Aqueles bárbaros da Jutlândia, saindo do Báltico em frágeis barcas, espalhavam o terror … A Galiza foi o primeiro teatro das suas devastações. Desembarcados na Corunha (853), Ramiro I, que então reinava em Oviedo, enviou contra eles forças que os desbarataram … assolando de novo as costas do Gharb, enquanto Abdu r-Rahman mandava ordens aos caides de Santarém e de Coimbra para guarnecerem as praias e afugentarem estes incómodos hóspedes.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. I. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 114
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.