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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 06.02.24

Coimbra: Viola toeira, na Miami University, em Oxford, Ohio, EUA 3

No início desta pequena série de três entradas, dedicadas à viola toeira de Coimbra, escrevemos que a mesma seria terminada recordando “o que, em 1983, quando era Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra o saudoso Fausto Correia e eu tinha a honra de chefiar o Departamento de Cultura, se implementou relativamente a este instrumento”.

Começo por citar uma notícia publicada no Diário de Coimbra de 9 de maio de 1983 – que Rui Marques, a quem agradeço, me disponibilizou – e onde se pode ler o seguinte:

Câmara cedeu violas toeiras a grupos folclóricos do Concelho

Viola toeira 5.jpeg

Viola toeira construída por Raúl Simões. Imagem acedida em: https://www.muralsonoro.com/mural-sonoro-pt/2014/3/4/viola-toeira 

A Câmara Municipal de Coimbra entregou anteontem sete violas toeiras a grupos folclóricos do concelho.

O vereador do Pelouro, Fausto Correia, disse ao nosso jornal que esta medida vem na sequência de um processo de recuperação do instrumento musical, tradicional de Coimbra.

«O processo – salientou – iniciou-se com a aquisição dos instrumentos e da técnica, a Raul Simões, último fabricante, em Coimbra, da viola toeira».

Raul Simões fotografado por Benjamin Pereira em 1

Raul Simões, construtor e exímio tocador de viola toeira

«A partir daí – acrescentou – o professor Luís Filipe construiu 10 violas, sete das quais foram cedidas a grupos folclóricos, duas ficaram ao cuidado a Câmara e uma foi doada ao Instituto Português do Património Cultural».

Na sessão, que decorreu nos Paços do Concelho sob a presidência de Mendes Silva, presidente da Câmara, ficou ainda decidida a organização de um curso de aprendizagem de viola toeira.

O curso vai realizar-se no edifício Chiado em Coimbra, na próxima semana.

Viola toeira, notícia do DC.jpgIn: Diário de Coimbra, de 9 de maio de 1983

Uma outra notícia, saída no mesmo periódico, informa que no ato atrás referido estavam ainda presentes as Pessoas que então integravam a Comissão de Análise dos Grupos Folclóricos, constituída pelo Presidente da Federação do Folclore Português, Sr. Augusto Gomes dos Santos, pelo Doutor Nelson Correia Borges e pelo Dr. Francisco Faria responsáveis pelo reconhecimento “de interesse folclórico” dos grupos do Concelho de Coimbra.

O jornal O Despertar de 13 de maio do mesmo ano deu a conhecer o nome dos grupos a quem foi oferecida uma vila toeira: Camponeses do Mondego, de Ribeira de Frades; Típico da Palheira; Rancho de Vila Nova de Cernache; Vigor da Mocidade, de Fala, S. Martinho do Bispo; Rancho Típico do Bordalo; Rancho de Assafarge; e Casa do Povo de Ceira.

De memória, acrescento ainda as seguintes notas:

- O Município de Coimbra adquiriu aos herdeiros de Raul Simões, o último construtor de violas da cidade e homem que também tocava viola toeira, todo o material existente na sua oficina. Seguidamente, estabeleceu um acordo com o Museu Nacional de Etnologia, a fim de este levar a cabo a identificação e a catalogação dessas peças, cedendo-lhe, como contrapartida, alguns artefactos. Na altura, esse material destinava-se a reconstituir, no âmbito do projetado Museu da Cidade, a oficina do mestre violeiro.

- Algum tempo depois, cessei as minhas funções na Câmara de Coimbra e, por isso, desconheço o destino dado a esse precioso material. É evidente que o projeto da sua musealização, tal como a instalação do Meseu da Cidade, foram abandonados. Parece-me premente saber onde se encontra esse material, do qual faziam parte madeiras, moldes, ferramentas e produtos químicos que eram utilizados na sua oficina pelo último violeiro de Coimbra.

Após ter partilhado com os leitores estas informações talvez seja possível compreender melhor o espanto e a tristeza, para não dizer a revolta, que expressei na primeira destas entradas.

Rodrigues Costa

 

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por Rodrigues Costa às 10:59

Quarta-feira, 09.11.22

Personalidades de Coimbra: Campos Coroa, um Homem de causas

Perfazem-se hoje, seis meses desde que José Emílio Vieira de Campos Coroa partiu.

Campos Coroa, Presidente 8.jpg

Campos Coroa. Acervo Família Campos Coroa

O tempo ainda é escasso para uma análise mais aprofundada, mas importa começar a situar o Homem e o seu percurso para que a lei da morte não o faça esquecer. Um bom exemplo dessa possibilidade é a página oficial na net do Clube a que presidiu durante sete anos, onde a única referência que lhe é feita surge na secção «Histórico dos Presidentes«, onde se lê “OUT 1995 – DEZ 2002 CAMPOS COROA”.

Nascido em Coimbra, numa Família profundamente ligada ao Teatro dos Estudantes da Universidade – um dos seus fundadores e diversos dos seus atores – desde cedo também pisou os palcos.

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A Castro. Campos Coroa, como  um dos filhos. Acervo Família Campos Coroa

A sua vida de homem adulto desenvolveu-se por duas áreas.

A medicina cujo curso concluiu em 1977, quando já era casado com a Dr.ª Helena Coroa, também uma reputada médica oftalmologista, de quem viria a ter quatro filhos.

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O dia da formatura. Acervo Família Campos Coroa

Segundo informações cedidas pelo seu filho José Emílio, frequentou o Internato Geral primeiro nos HUC e depois no Centro de Saúde Pombal. Tendo concorrido ao Serviço Médico à Periferia em 1980, iniciou o mesmo em Arganil, quando em maio desse ano foi chamado a cumprir o Serviço Militar que se prolongou até julho de 1982.

Como complemento de um reduzido salário cumpriu vários contratos renováveis nos extintos Serviços Médico Sociais, no Distrito de Leiria.

Encontrava-se ainda a cumprir Serviço Militar quando teve que se submeter a exame para a especialidade, sendo colocado inicialmente em Bragança e concluído, a partir de 1983, no Hospital da Figueira da Foz.

Importa salientar uma outra vertente, a do homem caritativo.

Um primeiro exemplo. No Instituto de Cegos, com o qual colaborou graciosamente até 1985 e aonde se deslocava, mesmo a altas horas da noite, levando medicamentos e administrando-os ás crianças cegas que o compensavam oferecendo escritos em Braille.

Aliás foi no contacto com os cegos que nasceu a sua opção pela especialidade de oftalmologia, como contou numa entrevista.

Tudo indicava que iria escolher ortopedia, ou fisiatria uma vez que eu, durante 12 anos fui médico do futebol da AAC, como também fui do andebol (funções exercidas «pro bono»). Mas também dava consultas gratuitamente às crianças do Instituto de Cegos do Loreto e, um dia, na véspera de escolher a especialidade, estacionei o carro do lado de fora, entro, e quando chego ao pé de uma miúda, sem fazer barulho nenhum, ela diz-me: «Olá dr. Coroa». Como sabias que era eu? - preguntei, e ela respondeu: «Tu bates com o calcanhar do pé esquerdo no chão com mais força do que com o direito». E na realidade é verdade, porque muito rapidamente gasto os tacões do pé esquerdo, porque a diferença de dimensão dos membros é insignificante, mas resulta nisto e a miúda topou.  Estavam umas flores num canteiro e ela perguntou-me se gostava mais das rosas brancas, ou das rosas vermelhas. E eu perguntei: O que é isso do vermelho? E a miúda respondeu. «Então não sabes, o vermelho é a cor do sabor do sorvete de morango!» No dia seguinte escolhi oftalmologia.

De assinalar outra tarefa a que o casal meteu ombros, contada na primeira pessoa: Durante dois anos, todos os fins de semana ia acabar a lista de espera do Hospital de Faro, por contrato, com uma equipa de Coimbra …. Vimos centenas e centenas de doentes, tratámos centenas e centenas de diabéticos, operamos milhares de cataratas e outros tipos de cirurgia.

Lado caritativo, por certo pouco conhecido da generalidade, e assim deve continuar, de que damos só mais um exemplo. O do apoio a uma família São-Tomense a quem, do seu bolso, doou o necessário. pelo menos entre 2000 e 2003, para que uma Filha pudesse prosseguir os estudos. A Família ainda guarda as cartas de agradecimento que, por tal, lhe foram dirigidas.

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Carta de agradecimento por mais um donativo. Acervo Família Campos Coroa

Mas a memória que os conimbricenses guardam mais profundamente é a de dirigente desportivo. O que é perfeitamente compreensível pois, em minha opinião, Campos Coroa foi o último Presidente carismático do AAC/OAF.

A sua carreira de dirigente associativo começou, em 1974 quando foi eleito diretor da secção de Futebol da AAC.

Mas será mais adequado voltar a ouvi-lo, numa entrevista ao ´«Campeão das Províncias, datada de 18 de outubro de 2012, intitulada Tive uma Académica de causas, na qual lembra a sua carreira de dirigente.

O Fausto Correia era o presidente e eu era o adjunto, mas já tinha estado na Direção de Mendes Silva. Depois fui presidente da AAC/OAF de Outubro de 1995 a Dezembro de 2002. Peguei na Briosa na ll Divisão, onde estava há 10 anos, e subi por duas vezes à I Divisão, onde a deixei.

 

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Campos Coroa, presidente da AAC/OAF. Acervo Família Campos Coroa

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Uma fotografia mítica. Acervo Família Campos Coroa

Deu-me prazer fazer uma Académica mais aproximada da Académica que penso dever existir. No meu tempo houve sempre jogadores que eram estudantes da Universidade de Coimbra. Tínhamos o velho estádio sempre cheio, onde cabiam 15 000 pessoas, e deixava entrar os estudantes dizer «Abaixo a coincineração» e, em conjunto com a DGAAC, envergar camisolas com «Liberdade para Timor-Leste».

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Fotografia com Xanana Gusmão. Acervo Família Campos Coroa

Dentro das possibilidades, era uma Académica de causas.

Nota: Agradeço à Família Campos Coroa a cedência da documentação que permitiu a elaboração desta, tão justa, entrada.

Rodrigues Costa

 

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por Rodrigues Costa às 10:42

Terça-feira, 27.07.21

Coimbra: Nunes Pereira, uma exposição realizada em 1983, 2

Mas existe um segundo motivo que torna o catálogo da Exposição Retrospectiva da obra de Mons. Augusto Nunes Pereira uma obra que não pode deixar de se referir sempre que se estuda este artista. 

Monsenhor Nunes Pereira.jpg

Monsenhor Nunes Pereira acompanhado do seu caderno para desenhar

Para além do que já se deixou escrito na entrada anterior, esse catálogo registo revela-se uma obra importante na medida em que nos proporciona a leitura de dois textos assaz elucidativos. O primeiro escrito por Fausto Correia, ao tempo Vereador do Pelouro da Cultura e Turismo, que sublinhava:

Monsenhor Nunes Pereira podia ser homenageado também como homem, como cidadão, como sacerdote, como jornalista, como conimbricense adotivo. Preferiu-se salientar - a justo título - a faceta de artista, que, bem vistas as coisas, reflete ineludível e globalmente toda uma personalidade, uma mensagem, uma maneira de ser e estar. … Rende-se agora preito à criatividade, ao valor e à autenticidade do artista, que é também um modo adequado de homenagear o homem, o cidadão, o sacerdote, o jornalista, e o conimbricense por adoção.

E referimo-nos também, e quiçá seja este o escrito mais significativo, à autobiografia traçada pelo próprio Nunes Pereira, peça literária de mérito, que bem espelha o Homem que foi e cuja memória perdura.

A palavra que se espera neste catálogo pudera solicitá-la dum amigo, e seria mais autorizada. Mas escrevo-a eu, mau grado o odioso deste pormenor.

Nasci na Mata, à beira do Ceira, que nessa noite de Dezembro de 1906 devia levar um volumoso e frio caudal.

Nunes Pereira. Contos de Fajão 1.jpg

Nunes Pereira. Contos de Fajão. “Os fidalgos de Fajão com o Juiz ao centro”. [Acedido em https://www.facebook.com/Os-Contos-de-Faj%C3%A3o-30-anos-2139002963080610/] (Saliente-se a inclusão do autorretrato do autor)

Os quinze ou vinte moradores que teria o povoado eram todos agricultores. Meu pai acrescentava a profissão ou arte de escultor-santeiro. A 14 de Abril de1916 despediu-se de nós com um «Adeus até ao Dia do Juízo». Dele herdei este jeito para as artes e um razoável conjunto de ferramentas, com as quais iniciei a minha aprendizagem manual: plainas, serras, formões, goivas e o mais da arte. Que ele repetidas vezes recomendara à minha mãe que não vendesse as ferramentas.

Na escola primária comecei a desenhar. Data de então a minha primeira escultura.

No Seminário ia aproveitando as horas vagas, e nas férias trazia sempre o caderno para desenhar, distintivo este que sempre me tem acompanhado. Depois de ordenado, fui para Montemor-o-Velho, onde havia abundante material para desenhar: igrejas, monumentos, paisagens, como aliás em toda a região. Como escrevia para jornais e revistas, desenhava à pena por ser mais fácil a reprodução. Depois fui para Coja, centro duma região cujos monumentos estavam, na maior parte, inexplorados. Fiz uma grande série de desenhos, que expus em várias terras, com a intenção de difundir a cultura e chamar a atenção dos habitantes para as riquezas que possuíam e nem sempre apreciavam devidamente.

Nunes Pereira. O jogo das cartas.jpg

Nunes Pereira. O jogo de cartas. [Ponta seca. Sobre chapa gravada. 2.º estado. 3/10. Não datado]. Coleção particular

As minhas primeiras gravuras datam do período de Montemor-o-Velho. Tinha começado, como Marques Abreu, por fazer carimbos. Depois fui à xilogravura, e ilustrei o meu primeiro livro de versos, saído em 1934 mas que estava pronto para imprimir em 1933.

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Nunes Pereira. Contos de Fajão. [Xilogravura. Museu Nunes Pereira. Fajão. Acedido em http://www.cm-pampilhosadaserra.pt/pages/428?event_id=252]

Nunes Pereira. Contos de Fajão 2.jpg

Nunes Pereira. Contos de Fajão. [Xilogravura. Museu Nunes Pereira. Seminário Maior de Coimbra. Acedido em https://agencia.ecclesia.pt/portal/evento/coimbra-exposicao-regressar-as-origens-pela-xilogravura-de-nunes-pereira/]

Em Coja, para dar que fazer a dois ou três artistas, dirigi a construção de alguns retábulos para capelas, fazendo eu os desenhos e a obra de talha.

Mas foi sobretudo depois da minha vinda para Coimbra, em1952, que pude entregar-me um pouco mais às artes plásticas, não porque tivesse mais vagar, antes pelo contrário, mas por outros motivos. Redator do «Correio de Coimbra», tive oportunidade de fazer muitas dezenas de gravuras para este jornal, algumas delas feitas apressadamente com a máquina à espera para imprimir o jornal.

. Nunes Pereira. Cabo Mondego.jpg

Nunes Pereira. Cabo Mondego. [Aguarela sobre papel. 22 de Agosto de 1971]. Coleção particular

A certa altura tentei obter uma bolsa de estudos para me aperfeiçoar na gravura, mas não a consegui. Limitei-me a estudar por mim e aproveitar viagens ao estrangeiro para confrontar os meus trabalhos com os de autores competentes. Contactei com Pietro Pariggi, em Florença, e com André Jaquemin em Épinal - mas só de passagem.

Em Coimbra, José Contente explicara-me, numa tarde, a técnica da gravura em metal e o funcionamento do «tórculo», que ele tinha muito bom e que mais tarde, após o seu prematuro falecimento, adquiri. A esse artista, tão modesto como grande, rendo aqui a minha homenagem.

Circunstâncias favoráveis encaminharam-me para o desenho de vitrais. O primeiro foi para a capela da Casa de Saúde da Santa Filomena; seguiu-se a capela de Paleão, e depois uma série de igrejas e capelas. Se tinha contribuído para o ressurgimento da gravura de madeira, também contribuí para o ressurgimento do vitral.

A par disso, vendo que as matrizes das gravuras de madeira, independentemente da sua reprodução no papel, constituíam por si um quadro interessante, gravei grandes painéis em xilogravura, o maior dos quais mede 4,16 x 2,80 m.

Na base de todos os meus trabalhos está, sem dúvida, o desenho. Desenho em casa, na rua, nos cafés, nas reuniões, nos almoços. Em Montemor e em Coja desenhava nas feiras. A rapidez com que desenho vem desse treino contínuo. O meu desenho, salvo o que faço no gabinete, é um desenho de viagem, aproveitando ocasiões e às vezes escassos minutos.

Há poucos anos que pinto a aguarela, pois a primeira tentativa não me entusiasmara. Quanto à monotipia, que tem muito mais criatividade, não tem logrado interessar muito os visitantes, habituados à cópia servil da natureza que viram.

Nunes Pereira. Presépio.jpg

Nunes Pereira. Presépio. [Gravura. 1990. 2/20. Coleção particular]

 

Por fim o calhau rolado. Privado das arestas, pronto e quase envernizado, é um belo material oferecido à imaginação do escultor, que chegado a esta idade vê nele o símbolo do seu próprio batalhar na vida.

Exposição Retrospectiva da obra de Mons. Augusto Nunes Pereira. Coimbra Abril 1983. Catálogo. Organização Serviços Municipais de Cultura e Turismo.

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por Rodrigues Costa às 10:57


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