Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 19.12.23

Coimbra: Implantação de República 3

Continuando a debruçar-nos sobre a obra Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação, de Carlos Santarém Andrade, abordaremos de seguida o último capítulo dedicado à Proclamação da República em Coimbra.

Segunda parte.

Na tarde do dia 13 de Outubro teria lugar a tomada de posse da Comissão Administrativa Municipal. Leia-se, sobre o acto, «A Defesa", do dia seguinte: "Foi ontem aclamada e tomou posse a comissão administrativa que há-de gerir os negócios municipais até às próximas eleições. Pelas 2 horas e meia da tarde, a convite do administrador do concelho, reuniu-se na sala nobre dos Paços Municipais o povo desta cidade". O jornal prossegue a descrição do acto, com a relação dos membros efectivos, constituída, entre outros vultos republicanos, pelo Dr. Sidónio Pais e António Augusto Gonçalves, respectivamente presidente e vice-presidentes da comissão, acrescentando: "Uma estrondosa salva de palmas acolhe a leitura desta lista, que se prolonga à medida que o Sr. Secretário da Câmara vai proclamando cada um dos nomes dos escolhidos e estes vão tomando o lugar que lhes é reservado".

CR.Op. cit., pg. 151.jpgSidónio Pais, 1.º Presidente da Comissão Administrativa Municipal. Op. cit., pg. 151

CR pg. 151 a.jpgAntónio Augusto Gonçalves. Vice-Presidente da Comissão Administrativa. Op. cit., pg. 151

 Seguem-se vários discursos: "Todos os oradores são muito aplaudidos, e entusiasticamente correspondidos os vivas soltados à República Portuguesa, à Pátria, ao Exército, à Marinha, ao Povo de Lisboa, à Câmara Republicana". Continua o jornal: “Encerrada a sessão, repetem-se os aplausos e os vivas à nova vereação, que se prolongam por vários minutos". E a terminar, "A banda do 23 tocou a «Portugueza» no átrio dos Paços Municipais.

A proclamação da República em Coimbra, que decorrera com normalidade, viria a ter um incidente que ocorreu na Universidade, quando um grupo de estudantes radicais, auto-denominado de ”Falange Demagógica'', provocou, no dia 17 de Outubro, distúrbios nas instalações universitárias, partindo peças de mobiliário, rasgando algumas vestes doutorais, destruindo mesmo diversos adereços na Sala dos Capelos, em que foram disparados tiros que atingiam os retratos de D. Carlos e de D. Manuel II.

CR.DisturbiosnaUniversidade.jpg

Distúrbios na Universidade. Op. cit., pg. 150

O acto, reprovado geralmente, incluindo a imprensa republicana, foi justificado pelos seus autores, num manifesto "Aos Espíritos Livres», no dia 18, em que declaravam: "Eis porque meia dúzia de caracteres impolutos que não se deixaram arrastar por essa onda de corrupção ignominiosa, vêm agora, impelidos por um nobre e altivo sentimento, livres das peias de preconceitos atávicos, quebrar os grilhões malditos que arroxeavam os pulsos de centenas de gerações".

Entretanto é nomeado Reitor da Universidade Manuel de Arriaga, que chega a Coimbra acompanhado por António José de Almeida, Ministro do Interior, sendo recebidos por uma enorme multidão na Estação Nova.

CR. Op. cit., pg. 153. chegada.jpgChegada de António José de Almeida e de Manuel de Arriaga à estação de Coimbra. Op cit., pg. 153

 E no dia 19 de Outubro reabria a Universidade, sendo o novo Reitor empossado no cargo por António José de Almeida. O acto, que decorreu sem as tradicionais    praxes académicas, foi relatado, no dia 27 de Outubro, pelo jornal "A Tribuna": "Usando da palavra, o Sr. Dr. António José de Almeida, começa por dizer que veio expressamente a Coimbra para, em nome do Governo Provisório da República, apresentar aos professores e alunos da Universidade o novo Reitor Manuel de Arriaga, a quem se faz uma entusiástica manifestação de carinho e respeito que profundamente o comove".

CR. Op.cit., pg. 153 MA.jpgManuel de Arriaga. Op. cit., pg. 153

 Usou da palavra em seguida o novo Reitor, que agradeceu com um discurso, findo o qual, como acrescenta o jornal: “Muitos lentes, seus condiscípulos e amigos, correm a abraçar o venerando velhinho cuja suave figura todos infunde um respeito profundo, uma carinhosa simpatia. O público dispensa-lhe uma carolíssima manifestação em que os vivas e as palmas se sucedem e se prologam”.

Em favor das vítimas da revolução em Lisboa, tem lugar no dia 1 de Novembro, em Coimbra, um bando precatório para angariar fundos, que saiu dos Paços do Concelho, percorrendo várias ruas da Cidade.

CR pg. 154a.jpgBando precatório para angariar fundos. Op. cit., pg. 154

ambém no dia 6 de Novembro, comemorando o 30.º dia da proclamação, é descerrada a lápide dando o nome de Praça da República ao largo até então denominado D. Luís.

CR pg. 154 b.jpgConvite comemorativo do 30.º dia da proclamação da República. Op. cit., pg. 154

Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:58

Quarta-feira, 05.10.16

Coimbra: a Implantação da República 3

No Centro Dr. José Falcão, à Praça Velha, havia sessão permanente, em que se discutia, normalmente com veemência, tudo o que as novas autoridades republicanas faziam. Alguns dos filiados recentes – em que se contavam antigos monárquicos, convertidos de fresco à República – eram os discursadores mais acalorados. Ao contrário de Fernandes Costa, que, com o seu temperamento calmo, fazia por ignorar as atividades do Centro, Belisário Pimenta entendia que havia ali gente de “pouco senso”, convencida que “aquilo já não era o velho Centro Eleitoral, mas sim uma verdadeira Convenção”. Era sobre ele, na sua condição de Comissário, que recaíam os dissabores que resultavam do aventureirismo ali estimulado. Por sugestões saídas das exaltadas sessões do Centro, faziam-se assaltos à mão armada, arrombavam-se portas, faziam-se buscas – como aconteceu na Quinta de São Jorge, propriedade de um velho republicano do Porto, na Quinta das Varandas e na da Malavada –, tudo sem qualquer fundamento, mas sempre com o pretexto de se procurarem jesuítas escondidos. Naquelas semanas, em que se viveu numa atmosfera de suspeição e de balbúrdia, chegavam constantemente ao Comissariado informações que denotavam preocupação com uma eventual atividade conspirativa de monárquicos. Eles, que não se haviam de resignar à derrota, favorecidos pela benignidade do novo regime, pareciam já refazer-se da surpresa.

... Belisário Pimenta, num ou noutro caso, mandava vigiar os denunciados, mas, em geral, os avisos não tinham consistência e as averiguações não alcançavam resultados. Não podia confiar tais serviços à Judiciária – a polícia da secreta, como era geralmente conhecida –, constituída por homens vindos da Monarquia e, quase todos, ali colocados por monárquicos influentes. Encarregava das tarefas de vigilância “certos rapazes considerados republicanos sérios” ... Mas até estes lhe mereciam algumas reservas: as suas informações pareciam-lhe, muitas vezes, francamente fantasiadas.

No dia 16, ao fim da tarde, Belisário Pimenta foi procurado ... nessa noite ou na manhã seguinte, a Falange Demagógica iria deitar umas bombas na Universidade, “para acabar com aquilo”. A Falange Demagógica era um grupo aguerrido de estudantes anarquistas ... Ao ouvir que os estudantes escalariam as grades da Porta de Minerva e derramariam petróleo para incendiarem a Biblioteca e a Secretaria, reagiu vivamente...tranquilizou, dizendo-lhe que isso era apenas um desejo que não concretizariam, porque o grupo só queria meter um susto aos professores da Universidade ... naquela tarde na Universidade: foram lançadas bombas nos urinóis, ao fundo do corredor da capela; no vestiário dos professores, foi tudo desarrumado e foram levadas algumas borlas doutorais; na Sala dos Capelos, foram dados tiros no retrato de D. Manuel II, que foi também atingido por uma faca, que lhe causou um rasgão na tela; e foram destruídas as cátedras solenes das aulas.

... Num dos primeiros dias de Novembro, tomou posse como Governador Civil o Dr. Cerqueira Coimbra ... Terminada a cerimónia da tomada de posse do novo Governador Civil, Belisário Pimenta apresentou-lhe o seu pedido de demissão ... a sua presença no Comissariado se vinha tornando pouco desejada por alguns republicanos “vejo-me obrigado a ir embora, antes que a tal vox populi [a mesma que correu em 6 de Outubro, anunciando que ele seria nomeado Comissário] me ponha fora. E com motivos: eu não encontrei conspiração alguma, nas buscas realizadas, que fornecesse talassas para a cadeia ou até, quem sabe, para a forca; eu não mandei prender todo e qualquer indivíduo que coerentemente manifestasse desagrado à República […]; eu lançava baldes de água fria sobre a chama ardente do entusiasmo jacobino. […] julgo do meu dever ir embora. […] É um lugar sobre o qual caem as mais violentas e desencontradas opiniões, de forma que é de um equilíbrio, se não impossível, pelo menos difícil como todos os diabos. […].”

 

Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 63 a 69

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 08:52


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Março 2024

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31