Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A própria freguesia de S. Bartolomeu, no seu todo, parece ter sido, no período medieval, uma área de grande importância na produção deste óleo, dada a quantidade de lagareiros que aparecem na documentação, estando tais estabelecimentos, por vezes, na posse de membros ilustres da sociedade.
Dissertação. Imagem nº 20 e 21: No centro, a Praça, representada em planta de finais do séc. XVIII, no mapa das Antigas freguezias./ A Praça do Comércio na década 40 do séc. XX, em vista tomada em direção a igreja de S. Bartolomeu, pg. 106
Dissertação. Imagem nº 25: A divisão atual dos lotes da Praça.
Caso notório é o do nobre Fernando Fernandes Cogominho. Em 1258, juntamente com sua mulher, Joana Dias, e as irmãs desta, Teresa e Mor Dias, vendeu a D. Boa Peres, mãe das ditas donas, os quinhões que possuíam nuns lagares de azeite, situados na dita freguesia, que lhes terão ficado de herança após a morte do pai, Vicente Dias.
Confrontando com estes lagares a sul, estava um terreno que havia pertencido a Martim Anes de Aveiro, justamente o mais antigo tabelião público de Coimbra de que se tem notícia, tendo sua existência sido documentada desde pelo menos 1199, e como ocupante daquele cargo, desde 1219. A história deste tabelião confunde-se, também, com a da própria freguesia, já que ao falecer, em 1227, foi sepultado na igreja de S. Bartolomeu, deixando-lhe bens e nela instituindo uma capela.
Ainda na Rua de S. Gião, confrontando de um dos lados com a dita “Estrebaria da Rainha”, estava um cortinhal pertencente a Constança Esteves. Era então viúva do almoxarife Afonso Anes, e ambos tinham sido proprietários de umas casas e de outro cortinhal nesta mesma rua, doados, em 1363, à igreja de Santiago, de onde eram fregueses. Em 1397, certamente em idade avançada, redigiu seu testamento, onde expressa o desejo de ser enterrada nesta igreja junto ao marido, já aí sepultado, com a particularidade de, no primeiro dia após sua morte, ser velada na Sé – de onde então era freguesa – já que as casas em que morava eram “pequenas e estreytas”.
Não sabemos se a viúva ter-se-á mudado para a paróquia sede após a morte do marido, ou se seria dali originária. É percetível, no entanto, a relação afetiva com o Arrabalde, local que certamente habitou e onde, segundo indicam as fontes, ainda teria o que lhe restava da família, já que não encontramos em seu testamento indícios de que tivesse filhos ou netos vivos. Assim sendo, Constança Esteves faz questão de deixar cem libras a Catarina Esteves, uma de suas sobrinhas, casada com João Gil, alfaiate, a quem encontramos, em documento de 1373, em posse de casas a par da igreja de S. Bartolomeu, onde possivelmente residiam. A viúva também não esqueceria o sobrinho-neto, João, filho do casal, a quem deixa outras cem libras com destino louvável: “pera liuros E pera quem ho emsynarem (sic)”.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
Para quem decidisse rumar a norte, uma opção seria uma estreita rua que nascia no adro, em frente à porta lateral do templo, e que seguia para a freguesia de Santiago. Era a Rua dos Prazeres, atualmente denominada de beco, e que na Idade Média seria uma longa via pela qual também se tinha acesso ao atual Largo do Romal – então um terreiro de proporções desconhecidas – os dois espaços formando, nos séculos XIV e XV, uma espécie de bairro eclesiástico. É o que as fontes nos dão a entender, já que são abundantes, para estas datas, os testemunhos sobre clérigos na posse de casas nesta área, pertencentes, na maioria das vezes, ao cabido da igreja de São Bartolomeu.
Dissertação. Imagem nº 12 e 13: O adro de S. Bartolomeu, somente com a planta da igreja medieval. Destacado em vermelho, o casario medieval ainda existente na Rua Sargento-Mor / As casas medievais, no centro, vistas a partir do Adro de Cima, pg. 55
Dissertação. Imagem nº 14 e 15 – Em linhas negras, o provável perímetro ocupado por casas antes da construção da igreja barroca / Edifício medieval da Rua Sargento-mor, pg. 56
Era o caso de João Gomes, raçoeiro; João Domingues, capelão; Vasco Peres, prioste, e dois priores, Sancho Garcia e Raimundo Beltrães. Acerca deste último, algum tempo após sua morte surge nas fontes, executando seu testamento, o seu filho Diogo Beltrães, fruto de um relacionamento do prior com sua “servente”, Maria Anes, e aparentemente um dos muitos exemplos de filhos resultantes do concubinato no seio do clero português medieval.
Era vulgar na Idade Média que padres vivessem, temporária ou permanentemente, com amantes, pelo que a aparição de Diogo Beltrães em uma série de documentos lidando com os assuntos do pai é indício desta relativa normalidade. O problema de sua ilegitimidade, por sua vez, foi resolvido logo em 1400, quando teve seu nascimento legalizado por meio de uma carta de legitimação de D. João I e, em 1416, ao decidir que se manteria na posse, dentre outras propriedades, de uma casa na Rua dos Prazeres, até invocou o fato de a decisão ter sido tomada após um aparentemente custoso acordo entre seus irmãos, “por partirem dentre si grandes ódios e malquerenças e grandes custas e despesas que se sobr´ello podiam segir e segia e pera ficarem amigos”, indicando, assim, que talvez não fosse o único fruto da relação. Neste mesmo documento, aparece como raçoeiro de S. Cristóvão, o que comprova-nos, definitivamente, que seguira os passos do pai.
Sua mãe, porém, não teve o mesmo tratamento condescendente por parte dos clérigos de S. Bartolomeu. Não parece ter sido excomungada nem presa, como as leis da época o exigiam, mas, após a morte de Raimundo Beltrães, continuou a utilizar um cortinhal que este tinha de emprazamento, situado no Romal. A situação duraria pouco, e os cónegos logo reclamariam a devolução da propriedade, conseguida após processo judicial, muito embora seja mencionado que Maria Anes estaria disposta a apelar para Braga. Não sabemos se tal recurso terá surtido algum efeito.
Ainda acerca do Romal, sabemos que, para além de clérigos, na centúria de trezentos eram proprietários nos seus entornos, também, alfaiates, uma padeira e até mesmo tabeliães, caso de Martim Bravo e Vasco Afonso, bem como o escudeiro Diogo Álvares e João Esteves, escrivão dos contos do rei.
Ao atravessar o terreiro que constituía o Romal, chegar-se-ia então à Rua de S. Gião, onde a visão mais comum seria, certamente, a de ânforas e tonéis, manuseados e transportados por almocreves como Bartolomeu Martins, ali proprietário. Com efeito, mesmo ainda sem a designação atual de Rua das Azeiteiras, nela podemos identificar, segundo documentação dos séculos XIV e XV, uma primitiva concentração de lagares de azeite, produto que, em finais de trezentos, constituía a principal riqueza de Coimbra. Fernando Afonso, lavrador, e sua esposa, Margarida Domingues, até escambam, em 1375, duas jeiras de terra nos campos do Mondego por uma antiga casa térrea – chamada “Estrebaria da Rainha” – naquela via, com a intenção de nela montar um estabelecimento deste tipo.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.