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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 11.03.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 10

O novo Bairro de Santa Cruz (Continuação)

 Um pouco mais acima ergue-se a Escola de Santa Cruz.

Em 1904, quando o arquiteto Adães Bermudes veio propositadamente à cidade, a fim de estudar a possibilidade de alargar a escola de S. Bartolomeu e de ver o local onde, na então Rua Sá da Bandeira, se devia edificar a nova escola primária, não era a primeira vez que se pensava em fazer erguer, naquela área, um complexo escolar, pois a Câmara Municipal, na sessão de 25 de abril de 1889, dera o seu aval à planta do “grandioso edifício” que se projetava construir no novo Bairro de Santa Cruz para esse fim, embora pensasse em o levantar num largo que já estava terraplenado em frente ao jogo da bola, virado para os Arcos de S. Sebastião, ou seja, num dos lados da atual Praça da República.

O local apontado para edificar a chamada Escola de Santa Cruz, ao tempo da estada de Bermudes em Coimbra, situava-se na esquina da Sá da Bandeira com a Rua da Manutenção Militar; mas, para isso, tornava-se necessário, demolir “a casa esqueleto para exercicio dos bombeiros municipaes, e onde se encontra a estação principal do material de incendios”, estruturas construídas, como referi, havia muito pouco tempo. Além disso, tratava-se de um terreno que se localizava na freguesia da Sé Nova e se destinava a ali ser levantada a escola da freguesia de Santa Cruz. Ingredientes mais que suficientes para não tornar o assunto pacífico.

 

Adães Bermudes.jpg

Adães Bermudes

 O arquiteto Arnaldo Redondo Adães Bermudes (Porto, 1864.10.01-Sintra, 1948.02.18) é que se encarregou de elaborar, tanto o projeto da escola Central (escola de Santa Cruz), como o da ampliação da de S. Bartolomeu e acompanhou de perto os trabalhos, não só porque era inspetor das construções escolares, mas também porque havia sido galardoado com uma medalha de ouro na parisina Exposição Universal de 1900, onde expusera “umas magníficas plantas para escolas da instrução primária de ambos os sexos, conjunta ou isoladamente”; o alarife, de acordo com o que consta no seu processo [AHMOP], é responsável pelos projetos de cento e oitenta edifícios de escolas primárias construídas por todo o país.

Escola de Santa Cruz.jpg

Escola de Santa Cruz, 1922 c.

 … O edifício insere-se, apenas na zona central da fachada, dentro de um estilo neorromânico, fugindo aos posteriores massificados projetos de escolas riscados pelo arquiteto e que enxameiam o país. As arquivoltas que rodeiam o tímpano hemicircular, onde se inscreve um relógio aposto sobre vistosos azulejos decorativos atribuíveis, por comparação, ao ceramista conimbricense Miguel Costa, são interrompidas pelo escudo real rematado pela coroa que, talvez pela altura a que se encontra, escapou intacta aos ventos da implantação da República.

A colocação de relógios nas estações de caminho-de-ferro, nos grandes armazéns, nas fábricas, nas escolas e em espaços semelhantes tornou-se, no século XIX e nos inícios do seguinte, tão carismática como a utilização do ferro; eram eles que mantinham a disciplina, propagando a religião da hora exata e contrapunham um tempo tradicional, celeste e solar a um tempo pagão e tecnológico.

Fig. 15. Escola de Santa Cruz. [Foto RA].jpg

Fig. 15 – Escola de Santa Cruz. [Foto RA].

Escola de Santa Cruz. Pormenor. [Foto RA].jpg Escola de Santa Cruz, pormenor. Foto RA

 Em dezembro de 1907 o edifício já se encontrava terminado há cerca de um mês e sendo “o primeiro do paiz no seu genero, veio rematar lindamente as amplas ruas de Sá da Bandeira e Manutenção Militar, dando belleza e realce ao local onde se acha construido” e “ao empreiteiro sr. Manoel Alexandre Sellada, cabem louvores, por isso que, apesar de ter luctado com falta de recursos pecuniarios pela demora dos pagamentos, nos apresenta esse bello edificio com execução fiel da planta feita pelo distincto architecto sr. Adães Bermudes”. A Escola Central Primária de Santa Cruz recebeu os primeiros alunos em 1908.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 20:11

Quinta-feira, 10.05.18

Coimbra: Hotel Astória 1

Tendo, ultimamente, surgido nas redes sociais algumas notícias menos corretas sobre o edifício do Hotel Astória, iniciámos a publicação de uma série de 2 entradas que procuraram fazer luz sobre o mesmo.

 

O Largo da Portagem, bem como as atuais ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz nem sempre se apresentaram como atualmente as visualizamos. Já em 1813, Joaquim José de Miranda, arquiteto da Universidade, riscara algumas alterações destinadas a transformar o Largo (as mudanças deste espaço foram uma constante ao longo do tempo) e, anos depois, em 1857, o arquiteto João Ribeiro da Silva projeta a retificação da Calçada e da Rua de Coruche.

O Banco de Portugal, no âmbito dos princípios que norteavam aquela instituição, criara em Coimbra, a 03 de fevereiro de 1891, uma agência, mas pretendia fazer construir de raiz, a fim de a instalar, um edifício condigno.

Depois de analisados diversos locais onde o imóvel poderia ser erguido, a que se seguiu a costumeira polémica, os responsáveis optaram pelo Largo Príncipe D. Carlos, batizado, após a implantação da República, com o nome de Miguel Bombarda, para, finalmente, em 1942 virar definitivamente (espera-se) Largo da Portagem.

De riscar o projeto da sucursal bancária encarregou-se, em torno de 1907, o arquiteto Arnaldo Redondo Adães Bermudes (1864-1948) mais conhecido por Adães Bermudes, artista e que já apusera a sua assinatura na conimbricense escola de Santa Cruz construída, a partir de 1905, na Avenida Sá da Bandeira.

Não cabe, nesta entrada, analisar a problemática da construção nem a arquitetura da agência do Banco de Portugal. Fica para outra ocasião; e se a elas aludimos é porque pensamos que o arquiteto deste imóvel e o de parte do edifício onde se encontra instalado o Hotel Astória poderá ser o mesmo, como vamos tentar provar. Estamos a referir-nos à zona que ocupa a esquina da Avenida Emídio Navarro com a Rua da Sota, o mesmo que, num primeiro momento, foi construído para servir de sede à Companhia de Seguros “A Nacional”.

Largo da Portagem. Banco de Portugal.jpg

 Largo da Portagem. Banco de Portugal e antiga Companhia de Seguros “A Nacional”

 A conhecida associação mutualista, apenas nacionalizada em 1975, foi fundada a 17 de abril de 1906 e tinha como objetivo principal fomentar a adesão aos seguros de vida. Com sede em Lisboa, primeiro na esquina da Rua do Alecrim com a Praça Duque da Terceire e, depois, na Avenida da Liberdade, iniciou em 1919 a construção da sua filial na cidade do Porto, na Avenida dos Aliados, com projeto do arquiteto José Marques da Silva.

A filial aeminiense julgamos que se ergueu um pouco antes, no Largo da Portagem, quase paredes meias com o Banco de Portugal.

Não conhecemos qualquer notícia relacionada com a construção do imóvel, nem com a sua inauguração, mas parece (e apenas apontamos a data, porque não a podemos fundamentar) que a sucursal conimbricense da Companhia de Seguros foi construída entre 1915 e 1919.

Analisando sumariamente a vastíssima produção artística de Adães Bermudes concluímos que este riscou, em 1907, para o dr. Guilherme Augusto Coelho, o projeto de um prédio construído em Lisboa, no ângulo da Avenida D. Amélia (atual Almirante Reis) com o Largo do Intendente; o edifício mereceu mesmo ser reconhecido com o prestigiado Prémio Valmor de 1908.

Lisboa. Confluência da Avenida.jpg

 Lisboa. Confluência da Avenida Almirante Reis com o Largo do Intendente. Adães Bermudes. Prémio Valmor 1908

 

Coimbra. Confluência da Avenida Emídio.jpg

 Coimbra. Confluência da Avenida Emídio Navarro com a Rua da Sota. Antiga sede da Companhia de Seguros “A Nacional”

 Ao compararmos a sede conimbricense da Companhia de Seguros “A Nacional” e o referido imóvel constatamos analogias irrefutáveis e não se torna credível que, estando ainda Adães Bermudes vivo qualquer outro artista, arquiteto ou não, se tenha atrevido a apor o seu nome num projeto que, obviamente, viria a ser considerado um plágio.

Atrevemo-nos, dadas as semelhanças existentes entre os dois imóveis, o lisboeta e o mondeguino, e pensando quer na vizinhança do Banco de Portugal, quer na escolha de renomados arquitetos para riscar as filiais da Companhia de Seguros, a atribuir a paternidade de uma parte do atual Hotel Astória a Adães Bermudes. Mas não passamos da atribuição, embora fundamentada.

 Bibliografia:

ANACLETO, Regina, Neoclassicismo e romantismo, em História da arte em Portugal, vol. 10, Lisboa, Alfa, 1986.

Arquitectura, pintura, escultura, desenho. Património da Escola Superior de Belas Artes do Porto e da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, Universidade do Porto, 1987.

BAIRRADA, Eduardo Martins, Prémio Valmor (1902-1952), Lisboa, Manuela R. de A. Martins Bairrada, 1988.

Construcção Moderna (A), Ano VII, 20, Lisboa, 212, 1907.02.01.

Despertar (O), 882, Coimbra, 1925.11.11.

Gazeta de Coimbra, 1823, Coimbra, 1925.11.19.

http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/hotel-astoria-em-coimbra.html

http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/09/companhia-de-seguros-nacional.html

 

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por Rodrigues Costa às 09:17


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