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Nas múltiplas colinas e vales que formam a orografia secundária da região citadina, nota-se entre a linha de cimos da Cumeada e o largo vale de Coselhas, para o norte de Celas, um modesto vale, o Valmeão, com pequeno morro a reparti-lo, aonde assentam os restos da capelita, que se apresenta, por isso, como capela devocional de altura.
A sua origem repousa na tradição de ter sido aqui martirizada, em época indeterminada, Santa Comba, santa que se representa crucificada, ou antes, ligada a uma árvore em forma crucial.
Há já referência à capela no ano de 1458. Sendo do padroado da Câmara passou, em 1491, para o do cabido catedralício. A capela renovou-se no séc. XVII (pellos annos de 1612). Foi vendida pela Fazenda Pública, cerca de 1925.
Está a desaparecer, tendo findado oito séculos de culto no local; podendo todavia acontecer que o da santa tivesse sucedido a um pré-histórico, de consagração de altos e grutas.
Capela de Santa Comba
Pelo que resta, vê-se que a obra era a da reforma do princípio do séc. XVII.
Era pequena: um corpo retangular tendo a meio da parede da epístola uma breve saliência, que só interiormente se pode ver para que servia. Precedia-a um alpendre, ao qual se subia por quatro degraus. Conserva-se o parapeito mas já desapareceram os dois pilares quadrados dos ângulos da frente, as duas colunas dóricas que ficavam entre eles e ainda a coluna que a cada lado dividia a meio o espaço; só restam as duas meias colunas, encostadas às paredes, do arranque do alpendre.
A fachada era de breves dimensões. A porta, de arco semicircular, sem impostas, de arestas vivas, mostra em duas aduelas laterais: «... VIRGINIS ET MARTI». Ao lado direito da empena está o campanariozinho de duas sineiras, reforma do séc. XVIII, tendo-se-lhe englobado o primitivo, a servir duma ventaria.
Não conseguimos entrar, mas desafeta e arrancados os azulejos, pouco interesse pode ter. Nada podemos dizer por isso da pequena gruta para a qual se descia da sacristia.
Já fora do pequeno morro da capela, mais abaixo no Valemeão, dentro duma quinta e na encosta do lado da cidade, ainda existe a fonte de Santa Comba.
Fonte de S. Comba
In: Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra, pg.76
Espaço retangular cortado na vertente, tendo o fundo com restos de decoração: uma gárgula com figura humana em meio de largo rótulo, pia em forma de concha circular, nicho singelo a dominar a abertura de mina ou gruta. Inserido neste nicho está um pequeno baixo-relevo, de segunda categoria, com a santa crucificada e vestida, acompanhada de dois soldados a cada lado e vê-se, numa cunha de segurança da cruz, o começo da data: «16...». A estes elementos do princípio do séc. XVII, juntou-se, no XVIII, uma decoração em argamassa de que existem apenas restos. A gente do local ainda presta certo culto, acendendo uma lâmpada junto ao nicho no dia 20 de Julho.
Correia, V., Gonçalves, A.N.1947. Inventário artístico de Portugal. Cidade de Coimbra, Lisboa, ANBA, p. 192-193.
Muitas pestes afligiram Portugal no século XVI. A de 1569 matou gentes e causou terrível fome.
Uma cidade se mostrou disposta a acolher pobres e esfomeados: Coimbra. Os seus habitantes tinham fama de serem caridosos, como se a Rainha Santa ainda por lá andasse, a espalhar cuidados, a socorrer necessitados. Até a própria Câmara contraiu grandes dívidas para poder acudir a tanta miséria. De toda a parte afluíam carenciados. Os pobres pagaram-lhe, dando a Coimbra o nome de Cidade Santa – título honroso que ela poderia ostentar, mas que resolveu esquecer.
Cidade Santa, o seria de há muito, desde os primórdios, desde as enceladas da ponte, a virtuosa D. Mor Dias, os nus das procissões de penitência – e tantas se faziam! Santa, sim, mas pelos seus filhos.
Entre os filhos de Coimbra há uma legião de homens e mulheres ilustres, cuja enumeração se tornaria fastidiosa, além de despropositada. A lenda e a história trazem-nos, no entanto, memórias de figuras aureoladas pela santidade, que na cidade nasceram ou nela passaram parte da sua vida, em muito contribuindo para aumentar o perfume da poesia que Coimbra exala.
Coimbra tem também a sua mártir lendária, em tempos longínquos do imperador Aureliano: Santa Comba.
Santa Comba, imagem atribuída a Mestre Pêro existente no Museu Nacional Machado de Castro
Filha de gente ilustre, foi instruída na fé cristã por uma ama, contra a vontade de seu pai. Donzela feita, é pretendida para esposa por um príncipe vizinho, mas ela tinha escolhido consagrar-se a Deus, e perante a pressão que lhe era feita, preferiu fugir de casa e ir refugiar-se no bosque, onde uma pastorinha lhe indicou uma gruta para esconderijo. O príncipe é que não desarmou. Lançou o fogo aos matos, até descobrir a gruta. Vendo-se assim desprotegida, Comba pediu a Deus «que lhe mudasse a formosura de modo que, ou não fosse conhecida, ou desagradasse tanto ao príncipe que antes quisesse tirar-lhe a vida do que violar a sua castidade». Deus opera a metamorfose e o príncipe, despeitado, ficou-lhe com tal ódio que a mandou açoitar e crucificar numa árvore, que a tradição diz ser uma oliveira. Assim costuma ser representada a sua imagem.
Santa Comba de Celas
Muitos anos mais tarde foi o corpo encontrado no local. Construíram aí uma ermida.
Borges, N. C., 1987. Coimbra e Região, Lisboa, Presença, p. 61-62.
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