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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 18.07.24

Coimbra: Convento de Santa Ana

Com a série de cinco entradas que hoje iniciamos chamamos a atenção dos leitores para o trabalho de investigação intitulado Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871), da autoria da Dr.ª Dina de Sousa.

O Convento de Santa Ana

O primitivo convento situava-se na margem esquerda do Mondego, próximo de um local vulgarmente designado por “Ó da Ponte”. Então conhecido por “Cellas da Ponte”, teve como grande impulsionadora D. Joana Pais, devota de Santa Ana, que fundou o convento numas casas e respetiva quinta que recebera por doação de seus pais, tendo sido aí colocada a primeira pedra a 26 de Julho no ano de 1174, precisamente no dia consagrado a Santa Ana. Devido aos seus parcos recursos, o convento ficou dependente dos bispos de Coimbra, que o sustentavam através das suas esmolas.

Um século após a edificação do convento, “(...) por causa das cheias do Rio Mondego com as quais o dito Convento estava devastado e as ditas freiras por muitas vezes estiveram em perigo de vida”, tornou-se insustentável a continuidade da comunidade naquele espaço.

CSA. Coimbra, gravura de Hofnageal, 1583. Pormenor

Coimbra no final do sec. XVI, ruínas das “Cellas da Ponte”. Pormenor da gravura de Coimbra, de Hoefnagel

 No “anno de 1561, em que as sucessoras de D. Joanna viram não poder elle continuar a ser habitado”, recorreram ao bispo D. João Soares, tendo-lhes sido feita doação da Quinta de S. Martinho para nela se recolherem, até ser construído um novo edifício.

CSA 2.jpg

Quinta de S. Martinho (Vestígios do Convento). In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 20.

Este seria mandado edificar pelo bispo–conde D. Afonso de Castelo Branco, situado no local outrora conhecido por Eira das Patas, numa colina fronteira à cerca de São Bento e ao aqueduto. O seu domínio estendia-se até ao atual Penedo da Saudade. A 13 de Fevereiro de 1610, as religiosas ingressam no novo convento de Santa Ana, passando a usar o hábito das Eremitas de Santo Agostinho.

Refira-se que esta comunidade acolheu a jovem Josefa de Óbidos. Além dos ensinamentos religiosos, ali recebeu aulas de pintura. Assim, foi nesta cidade que Josefa começou a pintar, pois, parece que a sua obra mais antiga data de 1644, uma série de gravuras de Santa Catarina e São José. Como não seguiu a vida religiosa regressou a Óbidos, em 1653, trabalhando para conventos e igrejas. Mais tarde, foi convidada pela família Real, para fazer os retratos da rainha D. Maria Francisca de Saboia e da sua filha, a infanta D. Isabel.

CSA. Josefa de Óbidos.jpgJosefa de Óbidos. Santa M aria Madalena.1650. Museu Nacional de Machado de Castro. Imagem acedida em:https://www.wikiart.org/pt/josefa-de-obidos/santa-maria-madalena-1650

CSA. Josefa de Óbidos. A Anunciação.jpg

Josefa de Óbidos, A Anunciação, 1676. Imagem acedida em: https://ilustracaoportugueza.wordpress.com/2016/08/15/josefa-de-obidos-a-anunciacao-1676/

Tal como aconteceu em outros espaços monásticos, em 1810, as religiosas perderam muitos dos seus bens, devido às Invasões Francesas. Poucos anos depois, as guerras liberais vieram agravar a sua frágil situação económica, no contexto da extinção das ordens religiosas masculinas, em 1834. Assim, as ordens femininas ficaram proibidas de receber noviças, pelo que se regista um envelhecimento da comunidade, necessitando de mais cuidados.

O convento é considerado extinto a 6 de Junho de 1885, altura em que a última prelada, D. Maria José de Carvalho, de idade já avançada, e desprovida de bens económicos, abandona Santa Ana, juntamente com mais algumas idosas que com ela viviam, na sua maioria criadas e encostadas. Consigo levou apenas alguns objetos como recordação de um espaço no qual entrara quando tinha sete anos de idade. A sua mudança dá-se para o Real Colégio Ursulino das Chagas, instalado no extinto Colégio de S. José dos Marianos.

CSA. Colégio de S. José dos Marianos.jpegColégio de S. José dos Marianos, atual Hospital Militar

O edifício conventual patenteia uma arquitetura modesta, bem ao espírito dos Eremitas de Santo Agostinho, valorizando a sua fachada dois pórticos que, entretanto, foram retirados e que hoje estão, respetivamente, na Igreja de S. João de Almedina

CSA. Igreja de S. João de Almedina, portal.jpg

Pórtico do Convento de Santa Ana, aplicado na Igreja de S. João de Almedina. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https%3A%2F%2Fimages...

 e na fachada do Museu Machado de Castro.

CSA. MNMC, portal.jpgPórtico do Convento de Santa Ana, aplicado na entrada do Museu Nacional Machado de Castro. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https

De estrutura quadrangular, desenvolvida em torno de dois claustros e de dois pátios internos, na sua primitiva construção, no piso térreo encontrava-se a entrada para a Igreja e para o pátio das hospedarias, a roda e as grades, o refeitório, a cozinha e a casa da botica. Existiam outras dependências: casas para criados, celeiro, forno, duas arrecadações e a cerca amuralhada que abrangia a entrada do Penedo da Saudade.

No primeiro andar situavam-se os dormitórios, a casa do noviciado e as enfermarias.

Sousa, D. Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871). Texto acedido em: https://www.academia.edu/116755957/Comer_e_curar_no_Convento_de_Santa_Ana_de_Coimbra_1859_a_1871_?email_work_card=title

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por Rodrigues Costa às 17:19

Quinta-feira, 12.03.20

Coimbra: Convento de Santa Ana

O local onde foi construído o primeiro Convento de Santa Ana de Coimbra das Eremitas Descalças, situava-se na margem esquerda do rio Mondego, arredores de Coimbra.

Vista de Coimbra. Georg Braun e Franz Hoefnagel (cRuínas das “Celas da Ponte”. Vista de Coimbra. Georg Braun e Franz Hoefnagel (c. 1565). Pormenor

Conhecido por “Celas da Ponte” dá-se como data da sua fundação o ano de 1174, segundo D. Nicolau de Santa Maria, cónego regrante da Congregação de Santa Cruz de Coimbra.
Concluída a obra em 1184, teve como primeira prioresa Dona Joana Pais, que veio do Convento de S. João das Donas, como mestra de noviças D. Maria Martins, e como porteira e vigaria D. Maria Lopes.
Mudanças significativas observam-se no local da sua fundação, pois as cheias do rio Mondego, no Inverno, causavam-lhe grandes inundações e o depósito de areias que as mesmas arrastavam, tornam o local inadequado para viverem.
(…). Em 1561 recolhem-se as freiras numa quinta em São Martinho (Coimbra), que lhes doou o bispo D. João Soares, enquanto não construíam outro Convento. Embora esta quinta tivesse poucas condições, mantiveram-se nela até que o bispo conde D. Afonso de Castelo Branco lhes mandou construir um novo edifício.

Convento de Santana Antiga fachada norte do convenConvento de Santa Ana, planta da fachada norte. In: Ferreira, J.M.V.A. e Caldeira, J.R.M.
Sant'Anna: três séculos de convento, um século de quartel, pg. 65

A 23 de Junho de 1600 o Senhor Bispo dá início ao novo edifício, lançando a primeira pedra do novo Convento.

Planta do piso térreo. Lado norte. Pormenor da igPlanta do piso térreo. Lado norte. Pormenor da igreja. In: Ferreira, J.M.V.A. e Caldeira, J.R.M.
Sant'Anna: três séculos de convento, um século de quartel, pg. 67

Situado na “Eira das Patas”, junto à cerca de S. Bento (Jardim Botânico), o seu domínio estendia-se até ao atual Penedo da Saudade.

Convento de Sant'Ana aoo longe.jpgConvento de Santa Ana e Colégio de Tomar
Imagoteca Municipal de Coimbra. Cota: BMC_A033

Consta que a construção demorou nove anos e meio e as freiras entraram no novo Convento em Fevereiro de 1610, e começaram a usar o hábito das Eremitas de Santo Agostinho.

Capa das Constituições de Santo Agostinho.jpg

Capa das Constituições das religiosas da ordem dos eremitas de S. Agostinho. Edição de 1734. In: Ferreira, J.M.V.A. e Caldeira, J.R.M.
Sant'Anna: três séculos de convento, um século de quartel, pg. 29

A primeira prioresa deste novo Convento foi Dona Hieronyma, freira professa do Convento de Santa Mónica de Lisboa.

Convento Santa Ana selo de chapa.JPGAUC. Livro de Cartas de Aforamentos, Compras… de que é senhoria o Convento de Santa Ana de Coimbra, pormenor de um selo de chapa

Diapositivo3.JPGTrabalho de recorte de papel encontrado dentro de um livro do Convento de Santa Ana

Mas o decreto da extinção das Ordens religiosas de 30 de Maio de 1834, e a lei de 4 de Abril de 1864, que desamortizou os bens das freiras e das igrejas, põe um ponto final neste Convento.
A última freira deste Convento, D. Maria José Carvalho, foi transferida a 6 de Junho de 1885 para o colégio das Ursulinas e sabemos que em 29 de Novembro de 1891 já havia falecido.
A 6 de Julho de 1885, o edifício do Convento passou para a posse da Fazenda Nacional. Por solicitação do Ministério da Guerra foi-lhe dada a posse do edifício do antigo Convento das freiras de Santa Ana de Coimbra, com exclusão da Igreja e da Cerca, para estabelecimento do Regimento de Infantaria nº 23, a 13 de Agosto de 1885, onde ainda hoje se encontra.

Capelo, L. C. 2006. Convento de Santa Ana de Coimbra. Inventário. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra.

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por Rodrigues Costa às 11:50

Quarta-feira, 14.06.17

Coimbra: S. António dos Olivais, de ermitério a freguesia 2

Em torno de 1217-1218 chegaram a Coimbra os primeiros franciscanos, mendigos por voto, quiçá pouco cultos; o impacto causado na população, contrariamente ao que se diz e se tem escrito, não deslumbrou, mas o clarão da fé iluminava o seu rasto. O cabido cedeu-lhes a capela e o tugúrio e aí se instalaram precariamente, até que, cerca de 1247 abandonaram o local e transferiram-se para o convento de São Francisco da Ponte. Ainda durante a estada dos monges, o titular foi mudado para Santo António, falecido em 1231 e canonizado no ano seguinte.

Num qualquer dia do ano de 1219 entraram em Coimbra cinco franciscanos que, certamente, estanciaram algum tempo em Santo António; dirigiam-se para o Norte de África e “queriam esta coisa infantil e estupenda, a um tempo, alucinatória e heroica: serem mártires de Cristo!”. Conseguiram o seu intento.

Decapitação dos Cinco Mártires de Marrocos.jpg

Decapitação dos Cinco Mártires de Marrocos (Livro de Milagres dos Santos Mártires, séc. XV. Mosteiro de Santa Cruz, Coimbra)

Nessa altura, encontrava-se homiziado em terras marroquinas D. Pedro, irmão de Afonso II que, não podendo ou não querendo regressar ao país, a fim de trazer os despojos dos cinco mártires, enviou a Coimbra com essa preciosa carga o seu fiel vassalo, Afonso Pires de Arganil. Como o capelão do infante era monge de Santa Cruz, as relíquias vieram para o mosteiro onde vivia Fernando de Bu­lhões que já tinha contacto com os frades franciscanos.

De acordo com as prescrições regulamentares das nascentes “Ordens mendican­tes”, os irmãos deviam viver da caridade e a verdade é que, no início da instituição, este voto foi integralmente cumprido. Os primeiros frades que ocuparam Santo António tinham grandes privações, minoradas, por vezes, pelos seus irmãos pedintes, que desciam a esmolar humildemente até aos bairros da cidade, trazendo dali, sobretudo do opulento Mosteiro Real de Santa Cruz, alguns meios de conforto para as suas refeições frugalíssimas.

Fernando de Bulhões havia sido designado para desempenhar as funções de Reverendo Cónego Porteiro, cargo que implicava a obrigatoriedade de, como constava do regulamento, distribuir esmolas; foi neste contexto que ele teve ensejo de falar, no seu Mosteiro, com os irmãos pedintes dos Olivais.

Portaria do mosteiro de Santa Cruz, Magne.tif

Portaria do mosteiro de Santa Cruz. José Carlos Magne. Planta topográfica da Praça de Sansão. Pormenor. 1796

Identificar as relíquias chegadas de Marrocos, relacioná-las com os frades mendigos dos Olivais e apaixonar-se pelo ideal franciscano que passava pela busca do mundo eterno e pela doação total de si mesmo, foi obra de um momento.

E um dia, os franciscanos dos Olivais que iam mendigar à portaria de Santa Cruz regressaram com mais um companheiro.

Percorreram um caminho entre muros e verduras: saíram do terreiro de Santa Cruz, subiram a rua das Figueirinhas, passaram a Fonte Nova, a fonte do antigo bairro judaico, e continuaram a caminhar no lado poente da atual Sá da Bandeira, passando pelas traseiras da Associação Académica; desembocaram nos Arcos, que então ainda não existiam, mesmo ao lado da estrada que descia das portas do Castelo.

O trajeto, a partir daí, começava a ser mais arejado. Da garganta dos Arcos subiram à Eira das Patas e cortaram para Celas. Arrabaldes distantes da cidade, caminho longo conducente a mais do que pobre aldeia.

Os franciscanos, nesse dia longínquo do verão escaldante de 1220, traziam consigo mais uma alma, mais um prosélito do seu ideal e, ultrapassada a zona de Celas rapidamente atingiram o colo da colina, coroada pela capelinha que apresentava anexa, no alto do pequeno morro, o rude abrigo.

Foi precisamente nesse dia, igual a tantos outros, mas único para os Olivais, que Fernando de Bulhões ali chegou e mudou o seu nome para António.

O Santo conservou-se pouco tempo nos Olivais, partiu em demanda da África, talvez à procura de um martírio que não chegou, e, até mesmo os frades abandonaram o ermitério em 1247.

Anacleto, R. 2005. Santo António dos Olivais: De Ermitério a Freguesia. Conferência na cerimónia comemorativa do aniversário da criação da freguesia.

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por Rodrigues Costa às 09:13


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