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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 13.05.25

Coimbra: Fontanário do Claustro da Manga

Quinta entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.

Segundo o que a tradição consagrou, a Fonte da Manga deve o seu nome ao monarca D. João III, que refugiado, em 1527, na cidade do Mondego em virtude de surto pestífero desencadeado na capital, esboçou na manga do seu gibão o plano do fontanário que pretendia ver erguido no claustro nascente do complexo monástico.

Jardim da Manga, na atualidade 2.jpg

Claustro da Manga, na atualidade.Acervo RA

Apesar desta origem lendária, elaborada em 1541 por Francisco de Mendanha (séc. XVI), este magnífico exemplar de arquitetura da água resultou da reorganização material operada no complexo crúzio por frei Brás de Braga em 1528, um ano após a estadia régia. 

Claustro da Manga 01. c. 1870.jpg

Claustro da Manga c. 1870. Acervo RA

Claustro da Manga (3).jpg

Jardim da Manga. Autor desconhecido. Acervo RA

Mosteiro Santa Cruz. reconstituição 1834.jpg

Reconstituição digital em 3D do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1834. 2022. In: Projeto S. Cruz. Acervo RA

…. Com “duzentos palmos de cõprido & quinze de largo”, o espaço claustral, um dos três existentes no mosteiro e em torno do qual se congregavam o dormitório, a enfermaria e as oficinas tipográficas monásticas quinhentistas, foi dotado de um templete de planta centralizada, com uma fonte de “agoa mu doce”, de formato circular no interior.

Sobre as oito colunas coríntias, dispostas equilibradamente entre si, assenta a abóbada rematada por lanternim e dotada, no entablamento, por oito gárgulas, número que, entretanto, se duplica aos pares no topo de cada uma das escadas, perfazendo assim dezoito peças esculpidas segundo a temática do bestiário.

Elevada numa plataforma rodeada por tanques de água e hortos ajardinados, com limões, limas, cidras e outras frutas, por entre as quais surgem quatro panos de escadas de acesso, a estrutura principal está ligada por arcobotantes a quatro torreões circundantes, de formato cilíndrico e com estreitas frestas de iluminação de vidraças coloridas.

A descrição de 1541 revela ainda que os quatro oratórios estavam dotados de portas que “sam pontes leuadiças cõ que os religiosos se fechã quando orã”. Edificados como pequenos oratórios independentes e eremíticos, cada altar fora dotado com um baixo-relevo, em calcário de Ançã, representando quatro grandes santos eremitas da tradição cristã: São João Baptista no deserto; São Jerónimo penitente; São Paulo o eremita e Santo Antão tentado pelo demónio.

De acordo com a leitura iconológica realizada por Nelson Correia Borges (1942), o fontanário da Manga está imbuído de um forte simbolismo religioso associado com a Fonte da Vida – a fons vitae –, que jorra do centro do Universo para os quatro tanques, numa clara alusão aos quatro rios do Paraíso.

…. É, no entanto, muito curiosa a nota escrita pelo cronista quinhentista que considera a obra da “fonte artificiosa” como uma das “quatro marauilhas do mundo”, ainda que tenha sido causa de muitas enfermidades entre a comunidade monástica.

…. O projeto é atribuído ao arquiteto e escultor francês João de Ruão ativo em Coimbra desde 1518. Embora persistam algumas dúvidas quanto à autoria do projeto arquitetónico é seguro o envolvimento de Ruão e seus oficiais na execução dos quatro painéis retabulares dos oratórios, trabalho feito sob a influência das gravuras de Lucas de Leyde.

…. Recorrendo aos novos mecanismos da engenharia hidráulica moderna, a construção dos tanques e do sistema de canalização, a cargo de Pero de Évora (séc. XVI), Diogo Fernandes (séc. XVI) e Fernão Luís (séc. XVI).

…. Após a demolição do corpo norte do claustro, na posse da Câmara Municipal de Coimbra desde 1839, já no século XX, o Jardim de Manga ganhou acesso direto a partir da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, e, através de uma ampla escadaria, no extremo sul, da Rua Martins de Carvalho.

Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.researchgate.net/profile/Milton-Pacheco 2/publication/314821532_DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_AGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS/links/5dc1909a4585151435ec0330/DO-AQUEDUTO-DAS-FONTES-E-DAS-PONTES-A-ARQUITETURA-DA-AGUA-NA-COIMBRA-DE-QUINHENTOS.pdf...

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por Rodrigues Costa às 19:44

Terça-feira, 06.09.16

Coimbra: o tempo de gestação de Portugal 1

A opção mais fácil seria tratar apenas o Condado Portucalense, desde o momento em que o imperador das Hispânias, Afonso VI (1096-1109), atribuiu o governo desse território a seu genro, Henrique de Borgonha, em 1096 ... Mas na verdade, a anterior ocupação do território e a sua perceção como unidade sociopolítica de contornos específicos tem origens em tempos mais antigos, remontando às presúrias dos séculos IX e X e à forma como as famílias a quem o território foi concedido para povoar e aquelas a quem a gestão «direta» desse mesmo território seria entregue viriam a relacionar-se, quer entre si, quer com o poder real asturo-leonês.

... Os tempos em que Portucale e Coimbra eram apenas terras concedidas em presúria a condes curialistas já nos alertam para um relacionamento muito próximo destas famílias com a monarquia vigente, dominando a região e os que nela se encontravam, consolidando unidades políticas embrionárias nas quais o reino de Leão viria a decalcar os futuros condados.

... A política de Afonso III parece ter encontrado os seus primeiros ensaios nas regiões da Galiza, Entre Minho e Douro e entre Douro e Mondego, provavelmente fruto da rapidez com que, nessas regiões, o esforço da conquista progredia no último quartel do século IX.

É assim que o encontrarmos, entre 868 e 878, acompanhando os progressos dos sucessos militares, a distribuir territórios de forma quase sistemática àqueles que virão a ser considerados os «fundadores» do domínio senhorial dos condados portucalense e conimbricense ... em 878, depois da conquista de Coimbra, entrega a região conimbricense a Hermenegildo Guterres, a quem se juntariam Godesteu, Ero e Diogo Fernandes, que acabariam, em conjunto, por marcar o condado conimbricense de forma indelével e por, união quase sistemática a mulheres da família de Vimara Peres, de Afonso Betotes e da monarquia asturiense, dominar muitos dos sucessos políticos daqueles anos, sobretudo os que se passavam junto da corte régia.

Este conjunto de famílias da alta nobreza dominaria consistentemente a região por quase século e meio ... Porto e Coimbra e as regiões circundantes assumiram então um papel importante como polos de atração de gentes, das populações vindas do Norte, num primeiro momento, e das que a eles se juntavam logo a seguir, chegadas do termo desses núcleos populacionais e suas regiões adjacentes.

A fundação de mosteiros e a dotação de igrejas constituíram outras importantes fontes de poder e de colonização.

... O crescente protagonismo destes nobres encontrou um dos seus expoentes máximos no envenenamento do rei Sancho I por Gonçalo Moniz, então conde de Coimbra e descendente de Hermenegildo Guterres ... as famílias condais de Coimbra acabaram por estabelecer alianças matrimoniais com as famílias de Entre Douro e Minho de tal maneira próximas que, fruto de acasos biológicos, acabam por predominar sobre as primitivas fundadores e aglomerar num só espaço de dominação social aquilo que começara por estar cindido em dois. O Condado Portucalense e o conimbricense, por força das alianças entre as famílias condais dos primitivos pressores, acabariam por se fundir insensivelmente num grande território dominado pelas mesmas famílias.

Branco, M.J. Antes da independência de Portugal. In Portugal e Espanha. Amores e desamores. Volume I. Coordenação de Matos, A.T., Costa, J.P.O. e Carneiro, R. 2015. Lisboa. Círculo de Leitores. Pg. 17 a 19, 28 a 32

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por Rodrigues Costa às 11:01


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