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Nesta segunda entrada iremos apresentar um breve bosquejo histórico sobre a forma como o Diário de Coimbra, informou sobre o “Ciclone” de fevereiro de 1941.
Diário de Coimbra, 17 de fevereiro de 1941, pg. 1
A esta epígrafe foram acrescentados os seguintes destaques:
Por esse motivo e devido à falta de energia elétrica o “Diário de Coimbra” não se pôde publicar ontem.
A cidade esteve completamente às escuras durante mais de cinco horas – Os elétricos não circularam, as linhas telegráficas e telefónicas estiveram interrompidas e os comboios paralisados.
Há centenas de árvores derrubadas, casas em ruína e destelhadas, chaminés destruídas e vidros partidos.
Coimbra esteve anteontem sob um violentíssimo temporal. Há três dias que se fazia sentir o mau tempo, com mais ou menos intensidade, chovendo, por vezes, torrencialmente e sibilando o vento, embora com pouca violência.
Anteontem, porém, a cidade foi assolada por enorme vendaval atingindo o vento, pelas 17 horas, as características de um autêntico ciclone. A população assustada, com fundamentada razão, recolheu a suas casas. O vento, desabrido, inclemente, em tufão, violentissimamente, tudo varria e derrubava, destelhando casas, deitando abaixo chaminés, caleiras, janelas, instalações telefónicas e telegráficas e antenas de rádios, partindo e arrancando muros, etc.
O Mondego avolumou as suas águas inundando as ínsuas marginais e em vários pontos baixos da cidade deram-se algumas inundações.
O acontecimento mais grave que sucedeu foi ter abatido a empena de uma casa no antigo Adro de Santa Justa (Terreiro da Erva), ao fundo da rua do Carmo.
Pelas 14 horas de anteontem alguns transeuntes viram que da referida casa estavam a cair alguns pedaços de parede, os quais eram varridos violentamente pelo vento, do que fizeram grande alarde. Em dado momento, porém, parte da empena do edifício, que deita para a rua do Carmo, ruía com fragor.
….No Choupal há dezenas de árvores derrubadas; no sítio do Entrepontes, no espaço compreendido entre as pontes do Mondego (rio velho e rio novo), caíram enormes eucaliptos e choupos sobre a linha férrea; na ponte e em toda a extensão sul e norte da via férrea foram destruídos os pontes telefónicos e telegráficos privativos da C.P., tendo os comboios de paralisar a circulação.
Na linha da Lousã caíram, também, dezenas de árvores, assim como nas estradas da região, estando intercetado ou fazendo-se o trânsito de veículos com enorme dificuldade.
Na estrada de Bencanta, próximo da Escola de Regentes Agrícolas foram derrubadas enormes árvores, que tombaram sobre a linha do caminho de ferro; próximo dos Casais, foi arrancada pela raiz e impelido pelo vento um grande cedro; na Fábrica de Cal à estação Velha, os telhados do edifício foram pelo ar, espalhando-se no espaço enormes nuvens de cal que caíram pelas proximidades; nas ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, foram quebradas algumas vitrines e danificados vários toldos dos estabelecimentos.
…. Os cafés e outros estabelecimentos da cidade estiveram iluminados com velas de estearina e candeeiros de acetileno.
Em Santo António dos Olivais um tapume derrubado e arrastado pelo ventou colheu a serviçal Maria José Marques, de Vale de Colmeias, que ficou com uma perna fraturada.
…. Em Vil de Matos o desabamento de uma chaminé provoca a morte de um homem
Anteontem, na povoação de Mourelos, freguesia de Vil da Matos, pelas 17 horas, quando começou o ciclone, caiu uma chaminé do prédio da família António Ferreira, no momento em que a família estava a jantar.
Ao pressentirem o ruído produzido pelo desabamento, os assistentes fugiram para a rua. Porém, nesse momento foram atingidos, Basílio Ferreira, de 33 anos, solteiro, que teve morte quase instantânea, e Apolinário Ferreira, que apenas sofreu ligeiros ferimentos.
Diário de Coimbra, 18 de fevereiro de 1941, pg. 1
Efeitos temporal na Mata do Jardim Botânico. Um belo exemplar de Cupressus macrocarpa Hartw, arrancado. In: Diário de Coimbra, edição de 18.02.1941, pg. 1
O notável exemplar de Ficus magnolioides Borzi, vulgarmente conhecido pelo nome de árvore da borracha, vendo-se à direita, junto ao muro, a ramaria que o vento arrancou. In: Diário de Coimbra, edição de 18.02.1941, pg. 1
Nunes, A., Pinho, J. e Ganho, N. O “Ciclone” de fevereiro de 1941: análise histórico-geográfica dos seus efeitos no município de Coimbra. 2020. In: Cadernos de Geografia. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Departamento de Geografia. nº 30/31 - 2011/12. Coimbra, FLUC - pp. 53-60 Texto acedido em: http://hdl.handle.net/10316.2/30196
No passado dia 30 de dezembro sob o título “Ponte Medieval descoberta junto a Coimbra-B atrasa obra do Metrobus na zona” o Diário de Coimbra citando a empresa Infraestruturas de Portugal (IP), noticiou a descoberta de uma “ponte em arco de volta perfeita, em alvenaria de pedra calcária, datada provavelmente do período medieval”. Acrescentou ainda que o “achado arqueológico” vai obrigar a “alterações de projeto”, com os trabalhos previstos de adaptação do túnel de Coimbra-B … a serem “inevitavelmente afetados”.
A primeira constatação a extrair é a de que, até agora, a lei foi cumprida, pois os trabalhos foram suspensos, havendo intenção de rever o projeto da obra. Por certo, vai iniciar-se a indispensável investigação arqueológica que, assim o esperamos, permita a datação do achado.
Por seu lado o Presidente da Edilidade, na sua página https://www.facebook.com/vamoscoimbra, afirmou “A descoberta de uma ponte, provavelmente do período medieval, junto ao túnel de Coimbra-B é uma grande notícia. Coimbra tem um património fabuloso. Da última vez que foi encontrada, o mais certo é que a tenham ignorado e assobiado para o lado. Desta vez, que lhe saibamos dar destino digno. Ganhamos todos.”
Dos achados foi divulgada a seguinte fotografia.
A imagem documenta os referidos achados arqueológicos e evidencia a importância dos mesmos.
Vamos sintetizar, de forma sumária, a investigação histórica que conhecemos, relativa a este sítio arqueológico e às suas imediações.
. Por ali ou muito perto, necessariamente, terá passado não só o itinerário romano de Olissipo a Bracara Augusta, bem como a antiga “estrada real” que atravessando Coimbra seguia para norte
. Quer António Filipe Simões (1835-1884). na obra publicada em 1870, Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra, que já abordamos numa entrada publicada no blogue A’Cerca de Coimbra, no passado dia12 de dezembro, bem como Nelson Correia Borges na sua dissertação de doutoramento intitulada Arte Monástica em Lorvão, publicada em 1993, abordam as construções de pontes realizadas por mestre Zacarias no entorno da cidade, referindo este último que Quando os homens da Câmara de Coimbra souberam da sua presença enviaram uma representação a Primo [abade do Mosteiro de Lorvão], solicitando-lhe que ele cedesse mestre Zacarias «ut faciat nobis pontes ad nostros ribullos» [construir pontes nos nossos ribeiros]. O abade respondeu que sim, para mais adiante acrescentar que foram a «Alviaster», … dirgiram-se a «Coselias» e construíram outra; passaram «ad latera» Buzat e fizeram outra; finalmente vieram a Forma e edificaram a última. Este Autor refere ainda que o local das pontes – já que delas não resta vestígio – foi pacientemente identificado por A. Nogueira Gonçalves. Três delas integravam-se no caminho de Coimbra a Viseu: Ponte do Promotor («ad Coselias), Lagares «(in Alviaster) e Botão (ad latera Buzat)». Quanto à ponte e moinhos de Forma, de mais problemática identificação, deveria situar-se na Ribeira de Botão ou Fornos. A partir dos elementos mencionados, se a datação dos vestígios ora encontrados apontar para o século X, existe a possibilidade de sabermos não só quem encomendou a obra, mas também o nome do seu construtor.
. Contudo, tendo em conta o que António Moniz e Maria Celeste Moniz escrevem na sua publicação O Infante D. Pedro de Avis (1392-1449), construtor de modernidade, somos levados a equacionar uma datação posterior dos referidos achados que poderão ficar-se a dever à ação do Infante D. Pedro, como 1º duque de Coimbra, [que] promoveu o florescimento económico e a paz social no seu ducado. Da sua ação destacamos a construção de canais de irrigação nas terras do seu ducado, a partir do caudal do rio Mondego.
Perante o achado e as palavras do Senhor Presidente da Câmara, das quais destacamos a frase: Desta vez, que lhe saibamos dar destino digno, infiro que se terá iniciado o tempo de uma intervenção proativa do Município relativamente a esse “destino digno”.
Decorre daí a conclusão de que, a partir de agora, está em causa fazer-se a necessária reflexão sobre o destino a dar aos achados, até porque, por vezes, a política seguida em Coimbra decorre, face aos interesses empresariais e similares, por se esconder, se destruir, ou se cobrir, para, finalmente, se construir por cima.
Também acontece, por vezes, seguir-se o caminho da visão arqueológica que passa por se estudar, fotografar, desenhar, publicar e cobrir-se, a fim de proteger o que foi achado. Depois…esquece-se! Facilmente encontramos na Cidade exemplos do que afirmamos.
Devido à minha maneira de ser não gosto de invocar os conhecimentos que possuo, nem o caminho que percorri ao longo dos meus 82 anos de vida. Contudo, passe a imodéstia julgo ter alguma competência e experiência passíveis de me permitir ser capaz de opinar sobre a matéria.
Dentro deste contexto, penso poder esquematizar as soluções possíveis para a conservação e valorização patrimonial do achado arqueológico da seguinte forma.
Face à realidade e ao futuro da Cidade que somos, defendemos a musealização dos achados, musealização essa que pode, em nosso entender, ser conseguida de duas maneiras: criação de um núcleo museológico do Museu da Cidade ou, aquela que assumimos face à realidade existente, que terá de passar pela integração ajustada dos achados aos interesses estratégicos da Urbe e do projeto da obra a construir.
Esta solução permitiria ao visitante que, ao chegar a Coimbra vindo de qualquer parte do Mundo, se apercebesse estar a entrar numa Cidade histórica capaz de salvaguardar o seu património.
Deixamos aqui as nossas propostas.
Face à evidência, Senhor Presidente da Câmara, torna-se óbvio que o Município tem de se envolver na definição da solução a encontrar, a fim de o Executivo e de a Assembleia Municipal validarem essa efetiva participação.
Rodrigues Costa
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