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O processo de fixação e estruturação do território não foi espontâneo nem casual, uma vez que obedeceu à lógica da implantação das Ordens e Comunidades religiosas e fixação das suas agregações em porções de terreno delimitados por cercas.
A regra de localização das capelas e igrejas foi ditada ao longo da via principal, aquela pela qual “todos” passavam, podendo assim fazer cumprir as suas obrigações de assistência no apoio aos peregrinos e de quem mais precisasse. Assim, o arrabalde passou a ser definido pela colocação de igrejas ao longo do eixo viário, direcionando todo o espaço urbano. Implantaram-se quatro templos: Santa Justa, S. Tiago, S. Bartolomeu e o convento Crúzio.
Os conventos foram as grandes estruturas organizadoras do arrabalde, tendo a sua fundação gerado importantes aglomerações, dentro de novas circunscrições religiosas. O casario crescia de forma compacta em torno dessas igrejas paroquiais.
Planta de Coimbra dos finais do século XVIII. Autor não identificado.. Fonte: “a Sofia. Primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade portuguesa”, Walter Rossa in Monumentos. Nº25. Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Setembro 2006. p.16. Op. cit., pg. 31
Destes espaços abertos nasceu uma tipologia urbanística que vive ainda nos nossos dias: o terreiro e o adro sempre foram espaços ancestrais de encontro e troca na cidade medieval. Poder-se-á dizer que são um elemento espacial identificador da cultura citadina. Os aglomerados populacionais reuniam-se à volta de uma paróquia como suporte institucional e espiritual da vida em comunidade. Atualmente, os largos fronteiros das igrejas ainda são palco de manifestações religiosas e culturais.
Largo de Sansão, hoje Praça 8 de Maio. Inícios do séc. XX
Praça do Comércio actual, após a remodelação em 2002. Fonte: BOOKPAPER – Publicidade e Artes Gráficas, Lda. in Coimbra Através dos Tempos, 2004, p.151. Original existente na Imagoteca da Biblioteca Municipal de Coimbra.
Dentro do sistema urbano, as Ordens religiosas dividiam-se e tinham funções bem específicas. A Ordem dos Agostinhos, implantada na parte alta da cidade, dava um apoio importante do poder real no processo da Reconquista e servia como referência dessa organização espacial. Posteriormente, deu-se a explosão urbanística fora das muralhas e o auge do processo de consolidação territorial, onde as ordens mendicantes – Dominicanos e Franciscanos – reforçariam o vigor e o entusiasmo burguês no desenvolvimento comercial das cidades. As ordens revelaram-se uma instituição que regrava toda a “política comunal das cidades”.
Enquanto arrabalde, a zona da Baixinha era considerada um bairro fora de portas, pertencente ao subúrbio da povoação da cidade alta, fora dos limites administrativos, mas com forte vocação mercantil. Situado entre a calçada romana e o rio, a zona fixava todas as atividades relacionadas com o comércio. Os mercadores instalavam-se ao longo da via, fora do perímetro amuralhado, onde os produtos não estavam sujeitos a taxas e onde havia espaço mais amplo, mais barato e de maior acessibilidade. O percurso mais direto entre a ponte e a porta da cidade foi o ponto propício ao início do fluxo de atividade comercial, donde resultou a chamada Rua dos Francos. Era o local onde se cobravam os direitos de “portagem”, quando as mercadorias ficavam dentro da cidade, ou de “passagem” quando estas apenas transitavam dentro dela Daí resultar a conformação de um “Largo da Portagem” com continuação da rua a que, hoje, designamos de Ferreira Borges.
Rua Ferreira Borges. Meados do século XX.
Durante toda a época medieval houve um progressivo desenvolvimento comercial da zona ribeirinha, potenciando a sua definição e consolidação urbana.
Ferreira, C.C. Coimbra aos pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves. 2007, acedido em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/13799.
Da observação ao tecido urbano da Baixinha, são detetados alguns padrões morfológicos das cidades medievais, formalizados segundo percursos, largos, praças e quarteirões irregulares. Todos estes elementos de composição urbana possuem forte interdependência, originando um tecido coeso e destacado da restante morfologia.
A sua análise ilustra as características específicas de um modelo fundador da morfologia urbana que continuou a assegurar a unidade e continuidade no espaço e no tempo. O seu aspeto formal reflete as dinâmicas do urbanismo medieval, onde o espaço sempre teve funções de encontro, de troca e de circulação de bens e ideias. O carácter multifuncional, dado na altura, contribuiu para que os elementos estruturadores do espaço fossem agregadores de todas as atividades sociais, económicas, políticas e religiosas da urbe. A rua e a praça eram por isso, os elementos principais do sistema, assumindo o carácter central e identificador para cidade.
Planta reproduzindo a morfologia urbana do arrabalde de Coimbra do século XIII. A colina da cidade alta está representada só pelos limites físicos da muralha.. Fonte: Imagem trabalhada graficamente a partir de desenho de Maria Raquel de Brito e Penha in Coimbra: caminhos de uma cidade. Evolução morfológica da cidade do Mondego. Prova Final do Departamento de Arquitectura da FCTUC. Setembro de 2005. p.37
Como primeira etapa de análise ao tecido urbano deste caso/cidade, procurei esclarecer e anotar algumas etapas do seu processo de formação e consolidação, desde o período romano até aos projetos atuais de intervenção e remodelação da morfologia inicial.
Assim, o sistema topográfico inicial era composto por uma colina e um rio navegável, contribuindo como elemento importante de circulação e ligação às zonas envolventes. Jorge Alarcão faz uma descrição das vantagens topográficas do sítio com “dois vales profundos” que, “cavam um fosso natural em redor da colina”. O primeiro assentamento humano iniciou o processo urbanístico da atual cidade no topo da colina, por razões de controlo territorial e defensivas. Por isso, aqui se implantou o primeiro núcleo citadino que herdou e deu continuidade às preexistências romanas, visigóticas e muçulmanas. O núcleo da Baixinha desenvolveu-se precisamente na borda Poente da colina em contacto direto com a via fluvial.
O local estava inserido numa rede viária de comunicação terrestre, criada na altura de expansão e difusão do Império Romano, funcionando para que todo o tipo de informação, acontecimentos e bens materiais fossem difundidos pelo território peninsular. O poder relacional da via tornou-a no principal agente de divulgação e consolidação urbanas. Assim, a via litoral da Península Ibérica Olissipo-Bracara Augusta foi uma ferramenta do sistema urbano nacional, importantíssima para o processo de assentamento e aglomeração urbanística, pois funcionou como um canal de ligação e como ponto de encontro junto dos aglomerados e promoveu o suporte às relações urbanas.
Estrutura urbana da Baixinha. Em sequência (de baixo para cima): o Largo da portagem; a rua Ferreira Borges e Visconde da Luz; a meio, a Praça do Comércio com as igrejas de S, Bartolomeu e S. Tiago; a Praça 8 de Maio como a igreja de Santa Cruz.
Neste sentido, a Baixinha, é o reflexo formal da aglomeração implantada em torno de uma via de passagem às portas de entrada da muralha da cidade propriamente dita.
Ferreira, C.C. Coimbra aos pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves. 2007, acedido em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/13799.
Em relação às políticas públicas de habitação, o Estado promove um Programa das Casas Económicas com vista à construção de habitações para alojamento da população sem capacidade de fazer frente à lógica do mercado imobiliário. A campanha visava atrair e fixar pessoas, oferecendo condições de estabilidade familiar e de emprego, contribuindo para desencorajar os conflitos laborais.
Dentro deste contexto, nasce em Coimbra o bairro de habitação, englobado no projeto de Planeamento geral da cidade, marcando um novo polo de expansão territorial. Atualmente, chamado de Bairro Norton de Matos, assinala uma das centralidades da rede urbana e marca morfologicamente a ação e convicções de desenho do período pelo qual foi construído.
Bairro Norton de Matos e igreja de S. José, anos 50
Nas décadas de 50 a 70, deste mesmo século, é de assinalar o aparecimento de uma nova geração de arquitetos portugueses, nascida pela revolta às convicções urbanísticas impostas pelo regime estadonovista e pela divulgação teórica que saía dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna europeus.
… Em Coimbra, a ânsia de construir a Cidade Moderna está presente nas experiências realizadas na Solum, uma zona multifuncional da cidade com um modelo reconhecível e delimitado.
Bairro da Solum. Na parte superior da imagem à direita, vislumbra-se o início da sua construção
Juntamente com Celas e com o Bairro Norton de Matos, desenha-se uma faixa Nascente de núcleos direcionais do crescimento e consolidação urbana.
Assim, tendo como referência a cidade alta, a expansão de Coimbra foi direcionada em três zonas. A zona Nordeste de Celas
Hospital da Universidade de Coimbra inserido na área do Pólo III. Urbanização dispersa. O somatório de construções de diferentes escalas, cria vazios desconexos para o conjunto urbano. As formas fragmentadas da urbanização foram conduzidas pelo traçado dos eixos viários. Fonte: Filipe Jorge, 2003, in Coimbra Vista do Céu, p.59.
e Sudeste do Bairro Norton de Matos e Solum.
Construção do Pólo II da Universidade de Coimbra. Ocupa a área do antigo Pinhal de Marrocos que circundava o território consolidado. “O campus universitário (…) produz novas polaridades monofuncionais que ainda se articulam mal com a morfologia e o quotidiano da cidade.” (DOMINGUES, 2006: 31) Fonte: Filipe Jorge, 2006, in Cidade e Democracia. 30 Anos de Transformação Urbana em Portugal. Coordenação de Álvaro Domingues. p.31.
Cada núcleo com características bem diferentes, são uma referência importante para o processo de crescimento urbano da cidade. Assinalam uma marca tipológica e ideológica gerando diferentes “modelos de cidade” e por isso, cabendo nos seguintes capítulos como uma mostra de cidade autónoma e singular. Contribuem para a diversificação e polarização do conjunto urbano.
Conceitos como limite, fragmentação, continuidade, dispersão e coesão foram importantes para perceber toda a dinâmica que o desenho urbano gera na realidade, ou na chamada dinâmica urbana – aquela onde contribuem todos os domínios da polis.
Ferreira, C.C. Coimbra aos pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves. 2007, acedido em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/13799.
Com a presente entrada iniciamos a divulgação de uma interessante prova final da Licenciatura em Arquitetura, apresentada em 2017, por Carolina Conceição Ferreira, intitulada Coimbra aos pedaços: uma abordagem ao espaço urbano da cidade.
Op. cit., capa
Coimbra implantou-se no monte a 90 metros de altura sobre um rio navegável – o Mondego.
A estrutura urbana teve início no período romano e o sistema principal para a formação do castro era simples: uma elevação, para maior controlo do restante território, um rio e a via Olissipo-Bracara Augusta, que estabelecia a comunicação terrestre com o restante território peninsular.
Estava, assim, iniciado o processo de conformação da polis com seus órgãos de poder residentes no Fórum.
A fixação inicial não demorou até extravasar os limites em direção à zona mais baixa, junto do rio e ao longo da via romana. As razões defensivas deixaram de fazer sentido e, passado o período das reconquistas e da fixação da nacionalidade, despoletaram outras vontades e outras dinâmicas para o desenvolvimento do castro inicial.
A vida urbana foi-se estabelecendo ao longo da via romana, por ser o sítio de passagem propício a trocas e a todas as atividades relacionais que a caracterizam. A pouco e pouco a aglomeração da edificação foi construindo a via que, mais tarde, passou à designação de rua. Foi o lugar privilegiado para a ação e prática da cidadania.
O limite imposto pela muralha assinalou o zoneamento de duas áreas urbanas distintas: a “alta” e a “baixa”. O desenvolvimento da cidade medieval, na parte baixa, caracterizou-se basicamente pela consolidação do núcleo arrabaldino, como uma área de intensa atividade mercantil e social.
Mais tarde chamada de Baixinha, esta zona prevalece o centro da cidade durante longo tempo, depois da cidade alta.
As marcas do tempo foram-se acumulando e persistiram, na memória, até aos nossos dias. A sua carga simbólica na cidade atual faz, deste núcleo, um centro cheio de referências históricas com características tipo-morfológicas que identificam o espaço urbano medieval. Foi o primeiro grande tema da expansão e crescimento da cidade.
Fotografia aérea vertical da cidade com os núcleos destacados no território. Fonte: Fotografia aérea vertical. Agosto 2001. Socarto. in Coimbra Vista do Céu p.6. Original da METRO-MONDEGO SA.
Uma segunda grande ação de expansão territorial marcou a história do século XIX, corresponde ao nascimento da urbanística como disciplina de planeamento urbano.
…. Em Coimbra, foi rasgada uma Avenida à imagem de boulevard parisiense ligando a parte baixa à parte alta da cidade e projetando-a a novas extensões de território englobando os restantes burgos periféricos no seu perímetro.
Esta ação urbanística foi grandiosa, na medida que introduziu elementos inovadores no projeto urbano - redes de saneamento, abastecimento e iluminação públicas – e conseguiu, numa grande extensão de terreno “vazio”, planear e regular toda a edificação e infraestruturação a longo prazo do território. O resultado visível revela uma estrutura sólida e funcional capaz de suportar as mudanças programáticas e morfológicas normais da cidade.
Fotografia vertical do Bairro de Santa Cruz em 1934. Arquivo Histórico das Forças Armadas.
Este modo de planeamento concilia o investimento público e privado, controlando e delimitando as formas edificadas de cada parcela. O desenho de projeto era utilizado em complemento com a regulamentação logística de atuação para aquele plano. O cenário urbano alterou-se radicalmente, abrindo a “cidade e os cidadãos a novas conceções políticas, sociais e estruturais.” Surgiram novas tipologias e novas relações espaciais para a vivência e organização urbana de Coimbra. O peso infraestrutural da Avenida Sá da Bandeira lançou as bases das novas formas de conexão espacial da cidade.
Noutra etapa, o Estado Novo, regime político vigente entre 1933 e 1974, marcou toda a cultura urbanística portuguesa do século XX. Caracterizou-se pelas suas políticas autoritárias e de acentuado controlo social e ideológico. Essas convicções deixaram marcas no território urbano e no desenho da cidade, acentuando a baixa densidade, o uso de tipologias unifamiliares, estruturas viárias hierarquizadas e regulamentação higienista.
A ação estratégica de urbanizar o território segundo planos e métodos uniformizadores, foi concretizada através de Planos Gerais de Urbanização para as várias cidades do país, utilizando-os para a expressão da ação e controlo do Estado sobre o espaço social.
Antevisão da Avenida de Santa Cruz, construída à custa da demolição das construções localizadas entre as Ruas da Moeda e Bordalo Pinheiro, do desaparecimento de alguns largos medievais típicos e da destruição da Estação Nova de Caminhos-de-ferro. Fonte: Ante-projecto de urbanização da cidade de Coimbra. Étienne De Groer. 1948
… Foi o caso de Etienne De Gröer, urbanista parisiense, que elabora o plano para Coimbra e lança as bases orientadoras do processo de expansão urbana da atual cidade. Com palavras do urbanista é mostrada a intenção geral deste «Plano de Extensão e Embelezamento de Coimbra».
Ferreira, C.C. Coimbra aos pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves. 2007, acedido em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/13799.
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