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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 11.07.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 12, António Maria da Conceição

António Maria da Conceição era um mestre considerado e, com outros artistas, foi contemporâneo e comparticipante na tentativa de aperfeiçoamento da arte do ferro forjado. A sua atividade não se encontra bem documentada, sabendo-se contudo, que, para além das obras coletivas já assinaladas, saíram da sua oficina as grades das escadas de S. Tiago (desenho de Silva Pinto), a que envolvia o monumento a Joaquim António de Aguiar (desenho de António Augusto Gonçalves) e a que foi colocada em torno do coreto, a fim de resguardar o maciço de verdura e de flores.

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Grade que envolvia o monumento a Joaquim António de Aguiar

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Grade que envolvia o monumento a Joaquim António de Aguiar. Pormenor

A Câmara de Coimbra, porque reconhecia “a obrigação que tem de ajudar todos os que por iniciativa individual pretendem fazer sair a sua classe para fora das práticas ronceiras da atrasada arte nacional, notabilizando-se como factores do progresso nacional” e porque “a arte do ferro é uma a proteger com a maior solicitude” encomendou a António Maria da Conceição, em 1907, um mictório de ferro forjado, que seria colocado no jardim do Cais, isto é, na avenida Navarro, próximo do largo das Ameias. Acerca desta peça de mobiliário urbano que ficou concluída no dia 14 de novembro de 1907, o Noticias de Coimbra escrevia que ela era muito mais elegante do que os [mictórios] que têm vindo de Lisboa; “recomenda[ndo]-se aquelle não só pela sua belleza mas, muito principalmente por ter bastante obra em ferro forjado, primorosamente executada pelo habil artista Antonio Maria da Conceição. É este um genero de trabalho em que a arte da serralheria se tem adeantada muito em Coimbra. Acertadamente andou a câmara encommendando aquella obra a um artista conimbricense. Ficará ella sendo um magnifico exemplar que honra os artistas da nossa terra. O projecto é do sr. João Machado, cuja modestia deve ficar contrariada com esta nossa revelação, mas tenha este distincto artista paciencia em termos o desjo de querer trazer os nossos leitores ao corrente da verdade dos factos”.

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Passeio Público. Mictório

Mais tarde, a 5 de abril de 1914, também foi inaugurado no mesmo Passeio Público um quiosque, coberto com uma cúpula de ferro, riscado por João Machado e executado na sua oficina; a decoração azulejar saiu do pincel de Adriano Costa.

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Castiçal

Mestre Conceição não se apresenta na cidade apenas como serralheiro de mérito, pois, assumindo-se como cidadão prestante, durante mais de vinte e nove anos desempenhou o lugar de comandante dos Bombeiros Voluntários, facto que, em 1919, esteva na origem da homenagem que a edilidade lhe prestou.

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Anúncio da oficina

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

 

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por Rodrigues Costa às 10:01

Quinta-feira, 06.07.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 11, Albertino Marques

Albertino Marques trabalhava muito e jamais deixou de estudar, o que lhe permitiu, a par com a sua capacidade de saber fazer falar o ferro tosco, tornando-o delicado, introduzir o seu nome entre os mais conhecidos artistas que, em Portugal, se dedicaram à arte de forjar.

RA 11. Albertino Marques.jpgAlbertino Marques

Os primeiros ensinamentos técnicos colheu-os na oficina de António Maria da Conceição, e depois, ainda muito novo, terminou o curso de desenho ornamental e de modelação da Escola Industrial Brotero, obtendo o diploma com distinção; frequentou também o curso de aperfeiçoamento do mesmo estabelecimento de ensino. Foi sempre um sócio empenhado e assíduo da Escola Livre, bem como da Associação dos Artistas, onde, em 1926, ocupou o lugar de tesoureiro.

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Tocheiro. Fundação e Restauração de Portugal

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Já em 1924, o desamor pelo estudo era notório, e Albertino Marques lamentava-se de não ter ninguém de confiança que o pudesse ajudar, pois os serralheiros de então pouco ou nada sabiam de desenho e nem frequentavam a escola. Bem gostaria de empregar toda a sua criatividade na serralharia artística, mas, infelizmente, para além de se ver sozinho, também lhe não era permitido, certamente por questões de ordem económica, desprezar os trabalhos vulgares.

RA 11. Ferragens para um fog├úo de sala.jpgFerragens para um fogão de sala

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 Lanternas para o Jardim da Sereia

De entre a sua produção individual mais representativa salientem-se as lanternas e serpentinas, batidas ao gosto da Renascença, encomendadas pelo presidente, para a câmara de Coimbra e quatro candeeiros de parede, do mesmo estilo, destinados ao vestíbulo que dá acesso ao salão nobre; o cofre para o Doutor Bissaia Barreto (com desenho de António Augusto Gonçalves), exposto na montra de A Portugal, na rua Visconde da Luz; e o lampadário para o túmulo da Rainha Santa.

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Cofre para o Doutor Bissaia Barreto

RA 11. Lampad├írio para o t├║mulo da RainhaLampadário para o túmulo da Rainha Santa

Albertino Marques é o responsável por uma importante coleção de trabalhos, quase sempre composições decorativas de dimensões restritas; mas as peças saídas da sua oficina espalham-se por todo o país e passam por tocheiros, em estilo gótico, renascentista ou ‘modernizado’, por lâmpadas cinzeladas ou por portas e grades para jazigos e campas.

RA 11. Sacr├írio para a capela do Semin├írioSacrário para a capela do Seminário de Coimbra

Mestre Albertino, para quem a forja não tinha segredos, dispunha de invulgares recursos no afeiçoamento do ferro, sempre domado sob o influxo do seu temperamento de artista.

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Escritório para a Câmara Municipal de Coimbra

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

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por Rodrigues Costa às 11:11

Terça-feira, 04.07.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 10, Daniel Rodrigues

Um outro artista do ferro, que não pode deixar de merecer referência especial é Daniel Rodrigues, homem que nasceu a 26 de março de 1886 no Largo das Ameias, em Coimbra, terra para onde os seus pais, oriundos de Penacova e de Figueira de Lorvão se haviam transferido. Penso poder dizer que o pai, também Daniel Rodrigues de seu nome, casou com Maria do Rosário a 9 de janeiro de 1881, na igreja de S. Bartolomeu.

RA 10. Daniel Rodrigues.jpgDaniel Rodrigues

Iniciou a sua aprendizagem numa oficina de serralharia civil, mas a sua habilidade invulgar para o desenho e manejo do ferro terão despertado o interesse de António Augusto Gonçalves, que o levou a frequentar as aulas de Desenho Ornamental e de Modelação, ministradas na Escola Industrial Brotero por Silva Pinto e pelo próprio Gonçalves.

Retrato de Bissaia Barreto. Desenho de Daniel Rodr Retrato de Bissaia Barreto. Desenho de Daniel Rodrigues

Foi também aluno da Escola Livre. Em 1933, conjuntamente com António Maria da Conceição e com Manuel de Jesus Cardoso, integra a direção daquela “universidade plebeia”, fazendo-se também sócio da Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Coimbra. Morreu, com 84 anos, quase à beira de cumprir mais um, a 11 ou 12 de fevereiro de 1971.

Daniel Rodrigues, começou a executar, em 1928, uma artística grade para o palacete Sotto-Mayor que foi construído na Figueira da Foz.

A fundição deste trabalho esteve a cargo da casa Alves Coimbra, Sucessores, desta cidade, e a cinzelagem e acabamento foram feitos na oficina do mestre serralheiro. A peça, que foi muito apreciada e mereceu rasgados elogios de João Ameal no Diário de Notícias, esteve exposta no estabelecimento “A Vigorosa”, da rua Ferreira Borges.

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Grade para o palacete Sotto Mayor

Daniel era um homem católico e, por conseguinte, de certo modo marginalizado pelos seus colegas e mestres, ateus ou agnósticos e que se encontravam fortemente ligados à maçonaria; por isso não admira que trabalhos como os que bateu para a igreja de Santo António dos Olivais não tivessem na imprensa o eco que alcançaram peças de igual gabarito saídas do malho de outros artistas. Mas, em 1934, por iniciativa do pároco daquela freguesia, padre Manuel Estrela Ferraz, fez o desenho e executou duas artísticas grades de ferro, em estilo gótico, destinadas às capelas laterais da escadaria da igreja. Quatro anos depois, bateu uns artísticos portões para a capela de Nossa Senhora das Dores e para a do Senhor dos Passos, da mesma igreja, bem como o lustre central do templo.

RA 10. Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores.

Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores

RA 10. Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores.

Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores. Desenho

De entre as obras de Daniel Rodrigues, com temática religiosa, destaca-se o Anjo da paz eterna, “esculpido” em 1941, a fim de ser colocado no portão do cemitério da Conchada, a substituir o esqueleto que ali se encontrava. Trata-se de uma estátua vultuosa que teve por modelo uma das suas filhas; dir-se-ia que o artista trabalhou o ferro com a mesma facilidade com que as mãos do oleiro modelam o barro.

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O anjo ergue as suas asas e, segurando a cruz, como que aponta o céu, num sinal de esperança e de evasão que é, afinal, o estigma de toda a arte. Neste trabalho deve salientar-se a perfeita nitidez das feições do rosto e a execução do cabelo, o subtil drapeado da túnica, apertada na cintura com um cordão, deixando aparecer, ligeiramente, os pés descalços, simbolizando a humildade e a fragilidade inerente ao ser humano.

Nas horas vagas, vai trabalhando a porta do jazigo da sua filha Berta que havia falecido prematuramente. Trata-se da obra mais sentimental saída da sua oficina A peça revela a forte sensibilidade do artista, que retrata, através da imagem esculpida no ferro duro e frio, o real-irreal ou o tempo-não-tempo, que é a transição vida-morte, numa quase ausência de dimensões. No tímpano retratou, ao mínimo pormenor o quarto onde a filha morreu, com o seu mobiliário, a janela que já não dá para este mundo e a jovem, soerguida no seu leito, enfrentando o Anjo da morte.

RA 10. Cemit├®rii da Conchada. Porta do jazigo Cemitério da Conchada. Porta do jazigo da filha

Sob o tímpano encontram-se esculpidas, duas almofadas: na da esquerda pode observar-se “Daniel na cova dos leões” e na da direita encontra-se representada “Santa Beatriz”; alusões diretas ao seu nome e ao de sua mulher.

Em baixo, a meio dos batentes, visualizam-se dois medalhões que mostram, respetivamente, Cristo e a Virgem, entre lírios e rosas, apontando, nitidamente, para a ressurreição.

RA 10. Cemit├®rii da Conchada. Cemit├®rii daTímpano da porta do jazigo da filha

Ao longo da sua vida, Daniel Rodrigues, que perde dinheiro em muitos trabalhos (a salvação do artista é o artífice), executa “relevos erguidos no ferro forjado à força de buris e martelada”. É um trabalho verdadeiramente “toledano, grosso de aspeto, mas de um valor que atesta bem as possibilidades da forja e do martelo ao serviço da arte”.

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Medalha da Casa da Criança Bissaia Barreto

RA 10. Medalha da Casa da Crian├ºa Bissaia BarrMedalha da Casa da Criança Bissaia Barreto. Estudo

Na IV Exposição Oficial de Arte em Coimbra (1942), patrocinada pela Comissão Municipal de Turismo e que se realizou no edifício da Faculdade de Letras, o artista expôs uma banqueta de ferro forjado e cinzelado, que se destinava à capela da base aérea da Ota, posteriormente também mostrada na igreja de S. Tiago; o desenho e a execução pertencem-lhe, mas apoiou-se, para a riscar, na opinião avalizada do Doutor António Nogueira Gonçalves.

RA 10. Banqueta para a basa a├®rea da Ota.jpgBanqueta para a basa aérea da Ota

Em 1955, mestre Daniel foi encarregado de executar também dois portões para o edifício da Caixa Geral de Depósitos de Coimbra, mas resolveu ceder parte da empreitada ao artista industrial Joaquim Geraldo Lopes.

RA 10. Port├úo cinzelado por Daniel Rodrigues cPortão cinzelado por Daniel Rodrigues com desenho de Raúl Lino

Os seus trabalhos, e já se não refere Coimbra, encontram-se espalhados por todo o país, desde a Régua, a Odemira, passando por Braga, Porto, Aveiro, Figueira da Foz, Torres Novas, Beja, Lisboa, Covilhã, Belmonte, Figueiró dos Vinhos, Espinhal, Santa Comba ou Mortágua.

RA 10. Oficina de serralharia. Desenho de Daniel ROficina de serralharia. Desenho de Daniel Rodrigues

Daniel Rodrigues é um dos artistas que integram a vasta plêiade de serralheiros da cidade do Mondego; para ele, a arte de alindar o ferro não tem segredos: aproveitou bem as lições dos seus mestres.

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

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por Rodrigues Costa às 10:04

Terça-feira, 27.06.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 9, a “Chama da Pátria”

Depois da guerra de 1914-1918, começou a desenvolver-se, um pouco por todo o país, o culto aos Mortos da Grande Guerra. As entidades responsáveis determinaram que, numa grande manifestação nacional, fossem trasladados para o Mosteiro da Batalha, os restos de um desses heróis.

Em Coimbra, e mais concretamente no Quartel General, despontou um movimento no sentido de ser colocado um lampadário condigno na Casa do Capítulo batalhino, junto do sarcófago que deve guardar os despojos do soldado desconhecido. Para concretizar esta ideia, foi aberta uma subscrição, que, num primeiro momento se pensava estender a todas as unidades militares do país, mas, posteriormente, se limitou à contribuição dos oficiais, sargentos e praças da 5.ª divisão do Exército, com sede em Coimbra.

Desde logo ficou assente que o candelabro, mais tarde denominado “Chama da Pátria”, fosse executado por Lourenço Chaves de Almeida, que até era militar. Entretanto, uma comissão composta de oficiais do exército pertencentes às várias unidades desta cidade, procurou António Augusto Gonçalves para lhe pedir que desenhasse a peça.

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“Chama da Pátria”

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“Chama da Pátria”. Pormenor

O lampadário, de ferro forjado, utilizou o estilo gótico e mede 1,80 m de altura; foi exposto ao público no átrio da Câmara Municipal de Coimbra, aquando do II congresso Beirão. Na cerimónia, em que estiveram presentes numerosas senhoras, autoridades, académicos, professores e uma enorme multidão, proferiram-se discursos patrióticos e foram elogiados Chaves de Almeida e António Augusto Gonçalves. Antes de ir para a Batalha, por deliberação do governo, foi exposto, primeiro, em Lisboa e depois, em Viana do Castelo, na altura em que ia ser imposta a Cruz de Guerra à bandeira que a França oferecera à brigada do Minho. O lampadário ocupou o seu lugar no Mosteiro de Santa Maria da Victória no dia 28 de junho, data da assinatura do tratado de paz.

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“Chama da Pátria” na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha

O Presidente da Comissão Administrativa do município de Coimbra, em 1930, encomendou ao “ferreiro”, a fim de ser colocado no salão nobre, um candelabro de 30 luzes; data, também, desse ano a execução de um candelabro para a casa do Dr. Ângelo da Fonseca.

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Lustre destinado ao Salão nobre da Câmara Municipal de Coimbra

Em 1938, em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas-Artes esteve patente uma exposição de ferros de arte de Lourenço Chaves de Almeida, homem que trabalhava em Coimbra há quarenta anos, sendo, por isso, justo considerá-lo um artista conimbricense. A mostra, antes de encerrar, recebeu a honrosa visita do então Presidente da República, António Óscar de Fragoso Carmona.

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Lustre encomendado pelo Dr. Bissaia Barreto

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

 

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por Rodrigues Costa às 10:04

Quinta-feira, 22.06.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 8, Lourenço Chaves de Almeida

Começo por mencionar Lourenço Chaves de Almeida que nasceu no lugar e freguesia de Santa Maria de Almacave (Lamego), em 1876. Pertencia a uma família de artistas, pois um seu bisavô era canteiro; o avô materno, entalhador; o avô paterno e o pai, serralheiros. Em outubro de 1897, a seu pedido e porque era sargento espingardeiro, foi transferido do Regimento de Infantaria 13, com sede em Lamego, para o 23, que ocupava, em Coimbra, o antigo convento de Sant’Ana.

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Lourenço Chaves de Almeida

Depois de se fixar nesta cidade, ele que era serralheiro artífice, conviveu com os artistas e fez-se amigo de João Machado, tendo começado a aprender modelação na sua oficina. Entretanto, com a reabertura da Escola Livre, em 1904, passou aí a ser discípulo de Mestre Gonçalves e, posteriormente, frequentou a Escola Industrial, onde foi aluno do arquiteto Silva Pinto, de Pereira Dias (professor de desenho ornamental) e do próprio Gonçalves. Quando morreu, no dia 15 de dezembro de 1952, tinha 76 anos e morava no Tovim de Baixo.

É com os ferros do fogão da casa dos Patudos, que Chaves inicia a sua carreira. O gótico, o manuelino, o renascimento, o rococó, não tinham segredos para o forjador. O artista apresentou, como referi, as ferragens (suporte, tenaz e pá), correspondentes ao fogão executado por João Machado para o palacete de José Relvas. Tratava-se de uma obra para ser admirada “pela elegancia nervosa com que foi concebida e executada, torcendo e levantando o ferro com o cuidado delicado de um ourives”. Os ferros do fogão “poder-se-iam fazer com o mesmo desenho em prata martelada, sem necessitar mais elegância no desenho, mais delicadeza na execução”.

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Ferragens para a chaminé do palacete de José Relvas

Anos mais tarde, em 1919, D. Genoveva de Lima Mayer Ulrich, de Lisboa, encomendou-lhe um candelabro, executado de acordo com o gosto pompeiano. Ignoro o lugar onde a peça foi exposta depois de concluída, mas um periódico da terra insurge-se contra o sítio escolhido escrevendo ser “um atentado ao bom gosto ir expor um candelabro artístico, onde há arte, onde há paciência, onde se patenteia o sentimento do Belo, num encadrement de correias e freios para cavalos ou jarras artísticas emolduradas em caixas de charutos e anúncios de canetas de tinta permanente” e tece considerações acerca da obrigação dos artistas exporem as suas obras num local adequado.

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Candelabro pompeiano. Encomenda de Veva de Lima

No ano seguinte, a mesma senhora, que era casada com um diplomata e usava o nome artístico de Veva de Lima, encomendou a Chaves de Almeida uma segunda obra de vulto, uma braseira, que seguiu o mesmo gosto estilístico da peça anterior. Mas, desta vez, o artista que “quando acaba as pernas de gazela que servem de apoio à braseira, quando abre borboletas e grinaldas, recurva volutas graciosas ou cinzela quimeras que são produções de mestre, não esquece que o material que tem de dominar é o ferro” auferiu uma dupla consagração, porque o trabalho foi mostrado aos conimbricenses na sala romana do Museu Machado de Castro e, depois, em Lisboa, seria exposto pelos encomendantes “que assim lhe queriam dar uma prova de admiração”.

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Braseira pompeiana. Encomenda de Veva de Lima

Em 1924, a mesma sala romana do Museu Machado de Castro abre-se novamente para apresentar o chamado Lectus, obra em ferro forjado que Chaves de Almeida bateu também para Veva de Lima. Esta peça é uma verdadeira joia de ferro, “que tanto honra o nome [do artista] e que nos enche de orgulho por ser executada em Coimbra, terra de arte, graça e beleza!”. Juntamente com o canapé expôs um lampadário que se destinava à cripta funerária do Doutor António de Vasconcellos, em S. Paio de Gramaços.

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Lectus pompeiano. Encomenda de Veva de Lima

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

 

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por Rodrigues Costa às 10:35

Terça-feira, 20.06.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 7, o Palácio da Justiça

Uma outra obra conjunta e de grande envergadura, a envolver quase todos os artistas mondeguinos do ferro, encontra-se relacionada com o edifício do Palácio da Justiça, a finalizar-se na inacabada morada dos condes do Ameal.

Fig. 3 - Portão central do Palácio da Justiça.

Tímpano do portão principal da fachada do Palácio da Justiça. Obra coletiva.

O titular comprou, antes de 1895, o antigo colégio de São Tomás, que se erguia na zona cabeira da rua da Sofia e introduziu-lhe modificações tendentes a transformá-lo na sua residência. Chamou para dirigir as obras o arquiteto Silva Pinto que lhe foi indicado pelo seu amigo lisboeta, o arquiteto José Luís Monteiro.

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Antigo Colégio de S. Tomás.

Após a morte do conde, a sua incompleta habitação foi posta à venda, tendo sido, depois de atribuladas negociações e por ordem do então ministro da Justiça, Dr. Manuel Rodrigues, adquirida, entre 1926 e 1928, a fim de aí ser instalado o Palácio de Justiça mondeguino. Para superintender nas obras do edifício, o governo nomeou uma Comissão Administrativa e como o diretor das obras públicas do Distrito de Coimbra não podia desempenhar o cargo, indicou o engenheiro Manuel de Abreu Castelo Branco, que passou a ser o responsável, saindo do seu lápis o projeto do acrescentamento das duas alas, Nascente e Norte, que ainda não tinham sido construídas.

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Portões de ferro forjado da fachada principal do Palácio da Justiça.

Aquele técnico teve um certo cuidado, respeitando, minimamente, o estilo e a harmonia que vinham a ser utilizados, sobretudo no que respeita a interiores, porque alterou profundamente o projeto da fachada.

O edifício da Domus Justitiae foi inaugurado a 6 de maio de 1934 e, durante vários anos, funcionou como ex-libris do Ministério da Justiça.

Na sessão de 29 de agosto de 1929, a Câmara Municipal de Coimbra apreciou um requerimento do Juiz Presidente do Tribunal da Relação, pedindo licença para proceder à vedação do Palácio da Justiça, com um muro e gradeamento. Mas, quase em simultâneo com o pedido, a imprensa noticiava que tinha sido aprovada a proposta conjunta dos serralheiros Lourenço Chaves de Almeida, António Maria da Conceição, Daniel Rodrigues, José Domingos Baptista e Albertino Marques, para a feitura de 106 metros de grade, 2 portões e várias pilastras destinadas à parte exterior das traseiras do imóvel. Os trabalhos eram realizados sob a direção do engenheiro Castelo Branco e constava que outras obras, como lustres, grades interiores, portões, etc., lhes iriam ser encomendadas.

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Portão da vedação do Palácio da Justiça.

RA. 7. Portão da vedação do Paláci

Portão da vedação do Palácio da Justiça. Desenho existente no espólio de Daniel Rodrigues.

A vedação que, em agosto de 1930, se andava a assentar, de ferro batido era considerado pela imprensa da época como um dos mais artísticos trabalhos “que se têm executado nos últimos tempos em Coimbra, obedecendo à arquitectura do renascimento do século XVI, tão notável e abundante na nossa região e que tem servido de escola aos artistas contemporâneos”.

Mas as encomendas para a Casa da Justiça, tal como havia sido anunciado, continuaram a acudir às oficinas dos serralheiros e, no ano seguinte (1931) Albertino Marques forjava, para o Palácio da Justiça, um novo portão em estilo renascença; concomitantemente, os “ourives do ferro” executavam, no mesmo gosto, quatro candeeiros, destinados à iluminação do claustro superior.

Na mesma altura, para o salão nobre do tribunal, Albertino Marques e Daniel Rodrigues, coadjuvados por João Machado Júnior que modelou os bustos destinados a ser, posteriormente, executados em ferro forjado, bateram um lustre.

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Lustre central da Sala das Audiências.

Terminados em fins de junho de 1934, foram executados nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques quatro artísticos lampiões e as respetivas gárgulas de suporte, que se destinavam, obviamente, ao imóvel em causa.

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Lampião e gárgula de suporte.

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Lampião e gárgula de suporte. Desenho existente no espólio de Daniel Rodrigues.

Numa entrevista feita aos artistas conimbricenses do ferro, levada a cabo por um jornal local, revela-se que os portões do Palácio da Justiça tinham sido executados “a meias”, porque o trabalho fora arrematado por Daniel Rodrigues, que resolveu dividi-lo com Albertino Marques e com António Maria da Conceição. Como se depreende, Daniel é o responsável e dirige os trabalhos executados nas três oficinas, todas elas pequenas e ruidosas; contudo, a do mestre serralheiro, era a mais pequena de todas, “baixa, com tecto abobadado em arcos, quase um cubículo”.

Daniel Rodrigues, em 1915, era sócio da antiga oficina de Francisco Nogueira Seco que se situava no Quintal do Prior, mas, em 1919, inaugurou a sua serralharia no Terreiro da Erva, n.º 36, local onde permaneceu até ao fim da vida.

É ainda sediada no Quintal do Prior que, em 1818, Daniel, talvez de parceria com Albertino Marques e com os descendentes do acreditado industrial Francisco Nogueira Seco, constituíram uma sociedade que girava sob o nome de “Seco, Graça & Marques”. Nessa oficina, um deles, ou ambos, faz ou fazem, a jogo, uns ferros para o fogão estilo Luís XV esculpido por João Machado, destinado à casa de Álvaro Castanheira Esteves, Filho. Não será de excluir a possibilidade de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques, sócios da dita manufatura, se terem desentendido, talvez até por via destes suportes, uma vez que as peças, posteriormente, surgem com a paternidade atribuída ora a um, ora a outro. Como quer que seja, Albertino Marques, gerente da firma que explorava a oficina do Quintal do Prior, transfere o seu local de trabalho para o Terreiro da Erva, onde, já em 1922 se encontrava sediado. Embora dois anos mais tarde ainda ali permanecesse a laborar, em 1925, era dono da serralharia que se situava no Adro de Santa Justa e, quatro anos volvidos, transfere-se, definitivamente, para a rua João Machado.

Apesar de a citada entrevista apontar como autor do risco dos portões do Palácio da Justiça o engenheiro Castelo Branco, a verdade é que tanto informações orais, como as notícias dos periódicos o atribuem, sem margem para qualquer dúvida, a paternidade dos mesmos a Daniel Rodrigues.

As grades de ferro que fecham as três aberturas e dão acesso ao interior do Palácio de Justiça deviam ser colocadas no princípio do ano de 1936 ou ainda antes; utilizam uma gramática neorrenascentista, onde avultam medalhões, enrolamentos e grutescos. Daniel Rodrigues, à boa maneira antiga, deixou nos portões, que pesam três toneladas, um testemunho, colocando uma moeda de prata de 10$00 em cada um dos medalhões do corpo central.

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Portão principal da fachada do Palácio da Justiça.

O arco do meio, de volta inteira, apresenta, como se de um tímpano se tratasse, uma monumental bandeira que, ao centro, ostenta a figura simbólica da justiça, rodeada por gentes desavindas, representadas por dragões que olham assustados para a figura central, temendo a sua ação; os animais mostram uma atitude de contendores furiosos, mas as cabeças, porque os seus olhos avistam a justiça, voltam-se para trás, temerosos da balança da verdade. A rodear e a compor o motivo, encontram-se elementos ornamentais renascentistas.

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Figura simbólica da justiça. Tímpano do portão principal.

Para a mesma Casa da Justiça, do cinzel de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques, individualmente ou de parceria, mas quase sempre com desenho do primeiro, saíram a grade do tribunal do crime, os lustres da sala da Relação, os dos gabinetes do Presidente e do Procurador, lanternas para o claustro baixo e três portões para o interior, estes da inteira responsabilidade de Marques.

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

 

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por Rodrigues Costa às 10:20

Quinta-feira, 01.06.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 6, os portões da Faculdade de Letras

Os artistas conimbricenses do ferro iam batendo as mais diversas peças, trabalhando quase sempre isoladamente, mas expondo-as coletiva ou individualmente, tanto em mostras locais, como nacionais; contudo, quando elaboravam algum artefacto mais requintado, não se eximiam de o apresentar no Museu Machado de Castro, na Faculdade de Letras, ou na montra de algum estabelecimento comercial da Calçada.

Uma, talvez a primeira grande apresentação pública dos seus trabalhos fora da cidade, aconteceu em 1905, na exposição que o Grémio Artístico ou a Sociedade Nacional de Belas-Artes (as fontes divergem) anualmente realizava em Lisboa. Estiveram aí presentes trabalhos de Daniel Rodrigues, de Lourenço Chaves de Almeida, de Manuel Pedro de Jesus, de António Craveiro e de António Maria da Conceição.

António Craveiro. Porta de jazigo.jpgAntónio Craveiro. Porta de jazigo

Pode ficar-se com uma ideia desta mostra através da leitura do artigo que Quim Martins publicou, em 1906, na “Illustração Portugueza”.

A Resistencia, por seu turno, informa que Chaves de Almeida expôs as ferragens (tenaz, suporte e pá) que se destinavam a fazer conjunto com um fogão que João Machado esculpira para a casa de José Relvas, em Alpiarça. “As peças foram batidas em estilo renascença e o ferro está torcido como o dos pequenos balaústres que essa arte requintada deixou espalhada por palácios e jardins de Coimbra. A obra foi feita segundo um croquis de António Augusto Gonçalves, como os ele sabe fazer, apontamento ligeiro destinado apenas a sugerir, a excitar a actividade criadora dos seus discípulos. Os dois monstros que o enfeitam estão poderosamente martelados e esculpidos em ferro. Toda a obra revela excepcionais aptidões para a arte de trabalhar o ferro que, depois do período atormentado do ferro fundido, hoje renasce por toda a parte”.

Chaves de Almeida. Ferros para uma chaminé da Cas

Chaves de Almeida. Ferros para uma chaminé da Casa dos Patudos

Mas, a primeira obra coletiva de vulto surgiu quando foi necessário dar resposta aos trabalhos de ferro, destinados ao edifício da Faculdade de Letras, que havia sido projetado, em 1913, pelo arquiteto António Augusto da Silva Pinto.

Faculdade de Letras projetada pelo arquiteto Antó

Faculdade de Letras projetada pelo arquiteto António Augusto da Silva Pinto

Um pouco estranhamente, ou talvez não (a falta de dinheiro pode ser uma das explicações viáveis), só em 1927 vieram a ser assentes, na fachada principal do edifício, os grandes portões de ferro forjado, obra dos artistas Manuel Pedro de Jesus, António Maria da Conceição (Rato), Daniel Rodrigues, Albertino Marques. A direção do trabalho e o desenho dos portões é da responsabilidade de Silva Pinto.

Portão da antiga Faculdade de Letras sem a bandei

Portão da antiga Faculdade de Letras sem a bandeira

Aliás, a Faculdade de Letras, pode bem dizer-se, manteve uma avença com o ferro forjado, porque, dois anos antes, em 1925, Albertino Marques tinha em mãos uma grade que se destinava àquela casa e em 1928 e 1929 executou quatro artísticos candelabros para serem colocados na escadaria, bem como dois monumentais tocheiros, pesando, cada um 70 quilos e medindo 1,80 metros, para o vestíbulo. Além disso, no mesmo estilo dos candelabros, também com desenho e sob a orientação de Silva Pinto, bateu dois portões de ferro forjado para a entrada do museu da Faculdade. Numa linha mais prosaica e utilitária, foi entregue a mestre Albertino a feitura de 39 metros de estantes de ferro.

Portão da antiga Faculdade de Letras. Pormenor.JP

Portão da antiga Faculdade de Letras. Pormenor

Mas as encomendas da Faculdade de Letras não se ficaram por aqui, pois em 1930, nas oficinas de Daniel Rodrigues e de Albertino Marques estavam a executar-se umas artísticas ferragens para a porta do salão nobre do edifício e seis anos depois aquele imóvel ia ser rodeado com uma grade de ferro, cuja execução fora confiada a Albertino Marques, a Daniel Rodrigues e a Jesus Cardoso.

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.

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por Rodrigues Costa às 11:14

Quinta-feira, 25.05.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 5, O coreto do Passeio Público

A serralharia artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, na intimidade Mestre Gonçalves e Mestre Quim Martins, como lhe chamava a plêiade de artistas do ferro que foram seus discípulos: António Maria da Conceição (Rato), Albertino Marques, António Craveiro, Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, José Domingues Baptista e Filhos, José Pompeu Aroso, e tantos outros. Das mãos dos ‘ferreiros’ saíram obras notáveis, capazes de marcar o ressurgimento daquela arte rude e maravilhosa que, em Coimbra, a partir de meados do século XIX, tanto tinha decaído, limitando-se, a bem dizer, ao fabrico de camas e de lavatórios, como se verificou na exposição, realizada em 1869, no salão da Associação dos Artistas.

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho 01.jpegJoaquim Martins Teixeira de Carvalho

Nesse renascimento, para além dos citados Gonçalves e Quim Martins, podem ainda referir-se os nomes de Manuel Pedro de Jesus e de João Augusto Machado, este também a tentar o ferro e o primeiro que, a partir de certo momento, lhe dedicou todo o seu saber e criatividade; por isso, os podemos apelidar de precursores da serralharia artística aeminiense.

A Câmara Municipal, logo em 1903, entendendo que devia encorajar a nova indústria, abriu concurso para a construção de um coreto destinado a ser colocado no novo Passeio Público que se iniciava no Largo das Ameias. Manuel José da Costa Soares, o artista que emprestara os utensílios a João Machado e o ensinara a bater o ferro, concorreu, a par com algumas firmas industriais sediadas no Porto.

Passeio Público. Coreto 1.jpg

Coreto no Passeio Público

Costa Soares era dono de uma alquilaria, sita à Rua da Sofia, na inacabada igreja de S. Domingos, onde, ao fundo, um pouco afastado da entrada, montara a forja. Mas os seus trabalhos de ferro já eram conhecidos, porque foi ele que arrematou a parte metálica do então Teatro-Circo e também é da sua autoria a cúpula metálica da Penitenciária, feita em 1887.

A comissão nomeada para apreciar as propostas que haviam sido apresentadas acabou por dar o seu aval à do referido industrial, porque, para além do mais, o seu projeto não era uma obra de catálogo, de fabrico em série, mas tratava-se de uma construção inédita. Contudo, foi “o modesto artista sr. João Gaspar, que na officina do sr. Manoel José da Costa Soares forjou as peças do corêto que a camara municipal mandou construir na Avenida Emygdio Navarro”.

Passeio Público. Coreto 2.jpgCoreto. Manuel José da Costa Soares com desenho de Silva Pinto

 A estrutura, posteriormente transferida para o Parque Dr. Manuel Braga, foi adjudicada a 18 de fevereiro do ano seguinte, e sabe-se, apenas através do que se encontra escrito em jornais publicados na cidade, que o arquiteto Silva Pinto, “um dos mais calorosos apóstolos do novo culto”, executara o seu desenho e que a edilidade tinha todo o interesse em entregar a obra a um artista da cidade, porque podia, deste modo, implementar a indústria nascente.

Coreto 09.jpgO coreto depois de transferido para a Parque Dr. Manuel Braga

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.

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por Rodrigues Costa às 11:09

Terça-feira, 23.05.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 4, a história da Escola Livres das Artes do Desenho, parte 4

O arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto aderiu mais tarde a este movimento, mas nem por isso deixou de, ao longo dos tempos, o impulsionar ativamente; nascido em Lisboa, depois de ter sido professor na Escola Superior de Belas-Artes deslocou-se a França, a fim de aí aprofundar os seus conhecimentos. Regressou em 1895 e radicou-se em Coimbra, terra que adotou como sua e onde, para além de ter sido diretor e professor da Escola Industrial Brotero e de ter colaborado com a Escola Livre das Artes do Desenho, deixou numerosos trabalhos, alguns deles também relacionados com a arte do ferro.

Augusto de Carvalho da Silva Pinto 01.jpg

Augusto de Carvalho da Silva Pinto

António Augusto Gonçalves entregou-se ao ressurgimento do trabalho em ferro com o mesmo fanatismo que lhe era reconhecido no respeitante às outras artes e “encontrando” em Manuel Pedro de Jesus que, por volta de 1900, já era sócio da Escola Livre, aptidões excecionais para a serralharia decorativa, incentivou-o a trabalhar nesse campo. O artista foi contemporâneo e comparticipante, com João Machado, no desenvolvimento e na afirmação, em Coimbra, da arte do ferro forjado.

Quando finalmente, em 1907, na Escola Industrial Brotero, começaram a funcionar as oficinas de marcenaria e talha, de serralharia, de cerâmica e de formação, Manuel Pedro foi nomeado mestre da de serralharia, lugar que, em 1925, voltava a ocupar, sendo-lhe então reconhecida uma enorme competência e a capacidade de saber aliar a um profundo conhecimento prático da sua especialidade, a teoria necessária, para que o ensino resultasse profícuo e consistente.

Os serralheiros da Escola de Coimbra.jpg

Os serralheiros da Escola de Coimbra

Provavelmente, Manuel Pedro não se manteve ininterruptamente à frente da oficina de serralharia da Escola Industrial Brotero desde 1907 até depois de 1925, porque se sabe que, em 1914, foi exonerado, a seu pedido, do lugar de mestre da referida oficina António Maria da Conceição “que, enquanto ali esteve, desempenhou esse cargo de modo a merecer elogios de todo o professorado de referida Escola”.

A indústria contemporânea do ferro forjado renasceu em Coimbra com a nova centúria, viveu na cidade, mas espalhou-se por todo o país. Homens e mulheres de bom gosto e fartos meios económicos faziam as suas encomendas aos serralheiros do burgo, que também não eram esquecidos pelos arquitetos lisboetas e não só.

Adães Bermudes, arquiteto de Lisboa e engenheiro das construções escolares, em 1907, ao passar por Coimbra vindo de Viseu, demorou-se algumas horas para entregar os desenhos de umas varandas destinadas a decorar um grande prédio situado num dos mais concorridos lugares de Lisboa e que ele projetara, a fim de elas serem executadas, em ferro forjado, por quatro artistas desta cidade. O convite foi considerado uma honra e a encomenda devia importar em 1:400$00. As peças utilizam o estilo moderno e o ferro curva-se dando o recorte de animais em linhas elegantes, “formando uma renda de um desenho leve e cheio de espírito, sem perder a aparência de solidez que a natureza da matéria impõe como condição essencial”.

Arnaldo Redondo Adães Bermudes.jpg

Arnaldo Redondo Adães Bermudes

A execução deste trabalho foi entregue aos artistas António Maria da Conceição, João Gomes, Lourenço de Almeida e Manuel Pedro de Jesus; em setembro desse mesmo ano a primeira remessa da tarefa já havia sido enviada e o redator do jornal Resistencia soubera “que o arquitecto ficara satisfeitíssimo com a obra dos serralheiros de Coimbra”.

O Noticias de Coimbra tecera algumas observações acerca dos trabalhos que Adães Bermudes encomendara àqueles artistas e o Resistencia transcreveu os comentários: “Além desta tarefa, destinada a um edifício em construção na Avenida D. Amélia [atual Almirante Reis], em Lisboa, também o mesmo arquitecto confiou ao sr. Alfredo Fernandes Costa a execução de um portão no estilo D. João V, para o palácio do conde de Agrolongo.

Palacete do Conde de Agrolongo.jpg

Palacete do Conde de Agrolongo. Imagem acedida em https://lisboadeantigamente.blogspot.com/2016/11/palacete-do-conde-de-agrolongo.html

É com grande satisfação que tornamos públicas estas apreciações aos trabalhos dos nossos conterrâneos que tanto se têm dedicado pelo desenvolvimento da sua arte, deixando ganância para só honrarem os seus nomes de artistas e a sua terra”.

Raul Lino desenhava peças para eles forjarem; Álvaro Machado, quando viu, em Lisboa, a grade de um túmulo executada por Manuel Pedro de Jesus, teve esta expressão: "Mas como é que os serralheiros de Coimbra têm a liberdade para amoldar o ferro como desejam!?". Afirmação feita por um arquiteto de reconhecido mérito que, por si só, era suficiente para legitimar a competência dos serralheiros aeminienses.

Em 1928 o comissário geral representante, em Portugal, da exposição de Sevilha convidou os artistas conimbricenses ligados à serralharia artística para participarem na exposição com trabalhos no estilo D. João V.

Também na exposição que Raul Lino levou a efeito, em Coimbra, nas salas do Instituto, onde apresentou, entre projetos, anteprojetos, plantas, esboços, fotografias, etc., trinta e nove peças, foi feita referência a trabalhos “de distinctos artistas de Coimbra”, concretamente a João Machado, na escultura, e a Manuel Pedro de Jesus e a Lourenço Chaves de Almeida, no ferro forjado.

Raul Lino escolheu a cidade de Coimbra para expor os seus trabalhos, “de construção económica e em estilo português”, em virtude de se estar a programar o bairro do Penedo da Saudade, “onde ficariam muito bem prédios daquele tipo” e também porque “o meio artístico de Coimbra permit[ia] uma avaliação correcta da sua obra”.

Raul Lino 01.jpg

Raul Lino

No entanto, para sobreviver, a arte do ferro não podia apenas contar com encomendas vultuosas, teria de se democratizar, como bem dizia o Dr. Quim Martins e, para tal, fazer com que se tornassem necessários os objetos mais simples e de uso corrente, manufaturados naquele metal. A par com os grandes candelabros, com os leitos pompeianos, com os portões da Faculdade de Letras ou do Palácio da Justiça, teriam de surgir as grades das varandas, os pequenos portões de jardins, as bandeiras das portas, as tabuletas de anúncios, os gradeamentos dos muros, os portais dos jazigos, as pequenas grades de campas, os puxadores das gavetas e as dobradiças das arcas. Realmente, a arte do ferro, democratizou-se, a indústria vingou e, para além das peças que ainda hoje ornamentam tantas casas e causam orgulho aos que as fruem, Coimbra passou a ser, como lhe chamou Vergílio Correia, a “cidade das grades”.

Avenida Dias da Silva. Grade de varanda.jpg

Avenida Dias da Silva. Grade de varanda

 

Largo João Paulo II. Casa dos Martas. Grade da

Largo João Paulo II. Casa dos Martas. Grade da bandeira da porta

Coimbra, “a cidade das grades”.

 Ninguém podia imaginar que nas negras e mal apetrechadas serralharias de Coimbra, entre as labaredas rubras das suas forjas e o ruído dos malhos tirando chispas fulgurantes dos vagalhões candentes, existia, latente, à espera de a despertarem, essa força criadora que transforma o ferro duro e de aspeto indomável em peças de requintado gosto artístico.

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.

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por Rodrigues Costa às 11:04

Quinta-feira, 18.05.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 3, a história da Escola Livre das Artes do Desenho, parte 3

A tradição artística coimbrã assentava as suas bases na pedra, não no ferro. Deste, nos alvores do século XX, e, pese embora, a existência de vários estabelecimentos ‘industriais’ deste ramo, poucos testemunhos significativos se encontravam na cidade, enquanto que, daquela, começaram a surgir, espalhados um pouco a esmo, como dizia Augusto Mendes Simões de Castro, no seu Guia historico do viajante no Bussaco, “verdadeiros primores do escopro e do cinzel”.

Existem muitas razões válidas capazes de explicar este surto artístico, que passa pela proximidade física dos trabalhos dos mestres escultores renascentistas, sem nos esquecermos da relativamente curta distância a que se encontram as pedreiras de Ançã; os blocos dali extraídos, brancos, macios e dóceis, permitem um trabalho fácil e de bonito efeito.

 

Pedra de Ançã, pedreira 3.jpgPedra de Ançã, pedreira

A partir do início da segunda metade do século XIX começaram a realizar-se, principalmente na Europa, Exposições Universais, antecedidas, em cerca de noventa anos, pela efetivação, sobretudo em França e em Inglaterra, de pequenas mostras industriais, que muito contribuíram para o desenvolvimento dos respetivos países; estes certames animavam o aparecimento de novos inventos e funcionavam como parte fundamental da engrenagem da sociedade industrial.

Exposição de máquinas .1900 2.jpgExposição Universal de 1900. Galeria das máquinas.

Nessas apresentações as máquinas não serviam o fim a que se destinavam, mas convertiam-se em objetos destinados a ser observados pelos espectadores, maioritariamente (potenciais) profissionais.

Primeira Exposição Universal, Londres, 1 de maioPrimeira Exposição Universal. Londres. 1851.

… Além disso, estas mostras funcionavam ainda como espelho da sociedade, como festa política, como meio de propaganda e de demonstração de poder. Evidenciava-se ainda a relação direta que se estabelecia entre produtores, comerciantes e consumidores.

Durante todo o século XIX a indústria do ferro (primeiramente empregue como fundido, depois forjado e finalmente sob a forma de aço) progrediu, foi utilizado na arquitetura e toda a sua evolução se encontra patenteada nessas exposições.

As Exposições Universais eram, para o país que as organizava, a expressão do espírito de emulação, de criatividade, do desenvolvimento comercial e industrial, do estatuto das relações económicas internacionais, da afirmação do prestígio nacional, da focalização das questões sociais e da valorização da missão

Exposição de Paris. 1900. Vista geral.jpgExposição Universal de Paris. 1900. Vista Geral

Em 1900, a Exposição Universal de Paris atraía sobre si as atenções de todo o mundo civilizado. António Augusto Gonçalves não podia ficar indiferente a esta manifestação e, por isso, vencidas algumas dificuldades, ei-lo a caminho da Cidade das Luzes, afim de, in loco, entrar em contacto com as maravilhas ali patenteadas. Imagine-se o impacto que a mostra exerceu sobre este homem inteligente e artista, saído de uma longínqua cidade de província, com foros e pergaminhos de culta, mas isolada, fechada e distante de tudo quanto fosse civilização e progresso.

A secção de «ferronerie» “prendeu-lhe muito as vistas e criou-lhe sonhos”. Questionava-se acerca das razões impeditivas de se produzirem peças idênticas em Coimbra, até porque os resultados expressos naquele setor se encontravam dentro da linha de pensamento de uma época que se iniciara alguns anos antes, quando o trabalho em série, feito pela máquina, começou a ser posto em causa. A personalidade e a originalidade do artista deixavam de ter peso na peça fabricada e António Augusto Gonçalves não aceitava de bom grado este facto, até porque ele, na sua Escola Livre orientava os alunos na composição e na execução da peça, mas ‘impunha-lhes’ a obrigatoriedade de o não seguirem servilmente, mantendo e vincando o seu subjetivismo e individualidade.

Ainda a quilómetros de distância, Mestre Gonçalves relembrava e analisava os trabalhos de ferro enviados pelos artistas conimbricenses às últimas exposições locais e constatava que as peças apenas patenteavam habilidade manual.

No regresso, interrogava-se acerca do caminho a trilhar, a fim de modificar este estado de coisas e sonhava desenvolver, em Coimbra e com o ferro, uma arte que atingisse nível similar ao da pedra. Confiou o desejo ao Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o bom Quim Martins, que tanto ajudou, com a pena e com a amizade, os artistas mondeguinos, e transmitiu-o também a João Machado, o burilador para quem a pedra não tinha segredos.

João Machado 2.JPG

João Machado

 A ideia foi germinando e Machado, um belo dia, com quatro pedras, improvisou, ao canto da sua oficina, uma incipiente forja, a fim de tentar manufaturar um florão, destinado a servir de puxador de gaveta. O ferreiro a quem pedira emprestados os utensílios necessários, veio ver e ensinou-o a bater o ferro. O artista entusiasmou-se e pôs de parte, durante algum tempo, o seu amor pela pedra, chegando mesmo a debuxar e a forjar algumas peças.

Assim ressurgiu, em Coimbra e acalentada pela ELAD, uma arte que, durante longos anos, sofrera as consequências do desprestígio; a sua certidão de batismo, que não a de nascimento, foi passada quando Manuel Pedro de Jesus bateu, segundo um desenho e com direção de António Augusto Gonçalves, uma grade para o monumento funerário que então se erigiu no cemitério da Conchada em memória de Olímpio Nicolau Rui Fernandes, o fundador e principal dinamizador da Associação dos Artistas, coletividade criada em 1862. Olímpio Nicolau Rui Fernandes, homem que, nascido em Lisboa, se radicara em Coimbra, onde exerceu o cargo de Administrador da Imprensa da Universidade, maçon convicto, morreu na casa que habitava na Rua da Ilha, a 02 de abril de 1879.

Manuel Pedro de Jesus. Porta e grade de jazigo.jpgManuel Pedro de Jesus. Porta e grade de jazigo

Manuel Pedro de Jesus. Lampião. Casa dos Patudos.Manuel Pedro de Jesus. Lampião. Alpiarça, "Casa dos Patudos"

 Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.

 

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por Rodrigues Costa às 11:38


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