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É desconhecida a exata origem e proveniência de Rabaldo, importante cavaleiro de Coimbra e iniciador da família dos Rabaldes. A acreditar na sua origem franca, terá vindo para a Península com D. Raimundo ou, mais provavelmente, com D. Henrique. Era esse um tempo de renovação do conjunto demográfico de Coimbra, com particular incidência do elemento franco. Integrando-se no séquito ou na comitiva de fideles do conde, Rabaldo é ... um dos primeiros a chegar ao território de Coimbra e um dos seus mais estreitos colaboradores
... Rabaldo aparece igualmente destacado pelas suas funções político-militares. Terá, com certeza, substituído alguns quadros deixados vagos pelo afastamento de moçárabes, caso de Martim Moniz, genro de D. Sesnando, de João Gondesendes e outros, sobretudo na zona mais litoral. Através da fidelitas, prestou ajuda militar e assumiu vicarialmente funções de governo com responsabilidades político-militares, fiscais e judiciais. Promovido social e politicamente, ao ser integrado na cúria vassálica de D. Henrique e D. Teresa, está, desde 1102, presente na documentação condal e como vicarius do conde, em Coimbra, em 1109.
Henrique, conde portucalense
Nessas mesmas funções, ter-se-á mantido com D. Teresa, a ajuizar por documento desta, de 1113, em que testemunha em primeiro lugar. O facto de exercer funções militares na fronteira e de ser detentor de autoridade faz com que o seu nome seja utilizado como elemento de referência importante para certos atos. No entanto, a outorga do foral de Coimbra de 1111, que inviabilizava a detenção de cargos importantes pelos não naturais da cidade, tê-lo-á levado a preferir a zona de Lafões e/ou de Viseu, talvez a zona de origem de sua esposa, e de cujo grupo de barones et infanzones fazia parte em 1117. Depois disso, não o voltamos a encontrar na documentação.
Poderá ter sido morto em algum confronto com os Almorávidas ou, o que é mais provável, a entrega da fronteira de Coimbra a Fernando Peres de Trava terá levado a um ofuscar da família, pelo menos entre 1121 e 1128. Se D. Henrique privilegiara os conselheiros francos, D. Teresa fê-lo apenas num primeiro momento, porque cedo entregou a condução dos assuntos político-militares e administrativos a barões portucalenses e galegos, em especial aos últimos.
Ventura, L. 2003. O Elemento Franco na Coimbra do Século XII: a Familia dos Rabaldes. In Revista Portuguesa de História t. XXXVI (2002-2003), pp. 89-114 (vol. 1), pg. 1-3.
Em Telo, nesta importante fase «pré-nacional», vê Afonso Henriques o potencial e carismático chefe religioso capaz de conseguir a adesão e o controlo de consideráveis energias, isto é, de uma grande parte da população e consequentemente de recursos e espaços. Com ele e à sua volta, poderia Afonso Henriques constituir uma cerrada rede de resistências, ao mesmo tempo que reforça o seu próprio poder.
... Por isso, nele se apoiará Afonso Henriques na luta contra a igreja institucionalizada – hierarquizada e temporal -, assim limitando mais facilmente o poder desta. Através dele, na base da confiança entre iguais, à sombra dos desejos da Igreja e mediante a infusão do amor divino, pretenderia o príncipe unir os cavaleiros e associá-los ao seu poder. Deste modo, alargando o grupo dos seus vassalos contrabalançaria, consequentemente, o poderio dos magnates nortenhos e reforçaria o seu próprio.
O projeto de uma nova sociedade laica e o de uma nova sociedade eclesiástica, entrecruzavam-se e interpenetravam-se, já pela influência das estruturas sociais globais sobre a instituição monástica, já pela intervenção e controlo do rei.
... A consciência da pertença a uma mesma unidade territorial, a uma mesma unidade política (sobretudo desde que D. Fernando Magno deu a D. Sesnando todo o território do Mondego ao Douro e do litoral até Lamego), a consciência da mesma identidade cultural (que é também moral e ideológica) ou a ânsia de aproximação (ou reaproximação) dos centros do poder sagrado e profano (ou da conexão entre estes) fazem associar os cavaleiros de Coimbra ao movimento eclesiástico em criação.
... Criar uma subsociedade, uma subcultura dentro dos limites da Sé, seria difícil senão impossível. E a renovação exigia um sítio novo, se possível não muito longe do palácio real (lugar de apoio)... Como doador destes banhos (os banhos régios), D. Afonso Henriques liga-se assim cultural e materialmente à fundação do Mosteiro de Santa Cruz.
... Adentro do projeto expansionista de Afonso Henriques, programar a e realizar a colonização de toda a margem (a retaguarda da fronteira) era primordial. O repovoamento da mesma fronteira, no interior, impunha-se-lhe do mesmo modo. Tinha então que, direta ou indiretamente, prolongar e culminar a ação já iniciada por
D. Sesnando e prosseguida, em parte, por D. Henrique e D. Teresa. Ação cujo elemento fundamental de orientação era o mesmo: o Rio Mondego nas suas duas direções, para montante e para jusante de Coimbra.
Ventura, L. e Faria A.S. 1990. Livro Santo de Santa Cruz. Cartulário do Séc. XII. Edição de Leontina Ventura. Transcrições de Leontina Ventura e Ana Santiago Faria. 1990. Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, pg. 19-22, 26-27
À frente dos destinos da Terra Portucalense, desde 1128, Afonso Henriques deixa Guimarães e fixa-se em Coimbra, em 1130 ou 1131.
Este deslocar do centro de gravidade de Guimarães para Coimbra é carregado de significado. É a fuga à tensão entre senhores territoriais de Entre-Douro-e-Minho. Isto é, entre pequenas unidades sociais interdependentes e rivais na conquista do poder social. Auxiliares importantes na vitória de Afonso Henriques em 1128 (também a sua própria vitória), foram engrandecendo o seu domínio e aumentando o seu poder, passando a ver em Afonso Henriques um rival. Este pressentiu o risco de se deixar aniquilar por eles ou vir a cair na sua dependência. Um processo concorrencial entre Afonso Henriques e os senhores do Norte, agravado pelas dificuldades de expansão externa, leva-o a desejar apoderar-se de outras terras. É, em última análise, a procura e a consequente construção de um espaço operatório para a sua ação, a partir do qual se irá esforçar por realizar o seu programa político: a integração das distintas unidades socioculturais, a expansão e o domínio do conjunto do território. A facilidade que Coimbra oferece à defesa e irradiação do seu poder, justifica a escolha desta cidade e a ulterior estratégia de controlo sobre ela.
A ação do infante sobre Coimbra começara já em 1128, com a nomeação para seu bispo do arcediago D. Bernardo, pro-gregoriano e anti-compostelano, em oposição ao clero local que propusera D. Telo, arcediago da Sé de Coimbra, à condessa D. Teresa. Assim, utilizando o conjunto de particularidades que dificultavam a uniformização em Coimbra, absorve a antiga oposição entre senhores laicos e gregorianos, ao mesmo tempo que prepara a aproximação com Roma. Por outro lado, sendo, em primeiro lugar, um grande senhor feudal, atribui-se como função fundamenta a guerra externa, a conquista. Coimbra, como cidade fronteiriça, tendo próximo o muçulmano, possibilitava não só o alargamento do território, mas permitia ainda ao rei aumentar a sua riqueza, fama e honra e recompensar as forças essenciais do seu exército, os seus cavaleiros, também eles desejosos de terras.
... No que diz respeito a Coimbra propriamente dita, subjacente às doações de Afonso Henriques está a consciência da diversidade existente e do prolongamento da luta, entre moçárabes e gregorianos... A intenção de ter propício à sua causa o bispo, representante máximo do poder religioso da cidade, um pro-gregoriano e anti-compostelano de que necessitava na sua luta contra os Travas e contra Diogo Gelmirez é evidente. Que o conseguiu e dele terá recebido importantes auxílios pecuniários, quer para a prossecução desta luta, quer principalmente para subsidiar a guerra externa, provam-no as ulteriores doações onde esse auxílio fica expresso.
... neutralizados os potenciais rivais do Norte, organizado o poder e centralizado em Coimbra, Afonso Henriques procurará, defendendo militarmente as suas terras e afirmando o seu poder face aos muçulmanos e a seus vizinhos, transformar o sistema social existente. Enfim, projetar uma sociedade laica.
Ventura, L. e Faria A.S. 1990. Livro Santo de Santa Cruz. Cartulário do Séc. XII. Edição de Leontina Ventura. Transcrições de Leontina Ventura e Ana Santiago Faria. 1990. Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Científica, pg. 9-10, 14-15, 17.
Os forais primitivos
Anteriormente conhecera Coimbra vários documentos de carater foraleiro. O primeiro com essas características, embora não se possa considerar verdadeiramente um foral, data do ano de 1085, anterior, portanto, à fundação da nacionalidade, e foi concedido por Afonso VI de Leão, do qual dependia então o território do termo de Coimbra. Em 1111, novo foral foi outorgado à cidade, dado pelo conde D. Henrique e sua mulher D. Teresa, pais de D. Afonso Henriques. E foi este, o rei fundador, que em 1179 deu a Coimbra uma nova carta de foral, que viria a ser confirmado em 1217 por D. Afonso II. Finalmente em, em 1516, um foral novo é concedido à cidade, agora pelo rei D. Manuel.
Andrade, C.S. Nota Introdutória, In Foral de Coimbra de 1516. Edição fac-similada. Coimbra, 1998, pg. 88
D. Teresa tinha-se apossado, segundo todas as possibilidades em 1116, de uma parte do território da Galiza, e com certeza era senhora de Tui e Orense no ano de 1119, em que os bispos daquelas duas dioceses seguiam a sua corte e confirmavam em Coimbra as mercês que ela fazia aos seus súbditos de Portugal. … Na assembleia de Oviedo a infanta dos portugueses tinha de certo modo definido a sua situação política relativamente a D. Urraca: a independência completa de Portugal, a sua desmembração da monarquia não estava consumada.
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Os escritores modernos … esqueceram-se de lhe fazer justiça como rainha ou regente de Portugal … Todavia, durante catorzes anos os atos da viúva do conde Henrique mostram bem a perseverança e destreza com que buscou desenvolver e realizar o pensamento de independência que ele lhe legara. Cedendo à força das circunstâncias, não duvidava de reconhecer, a supremacia da corte de Leão para obter a paz quando dela carecia. Associando-se habilmente aos bandos civis que despedaçavam a monarquia leonesa, ia criando no meio dela para si e os seus uma pátria. Apesar das invasões de cristãos e sarracenos e das devastações e males causados por uns e por outros nos territórios dos seus estados, estes cresceram em população, em riquezas e em forças militares.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. II. Lisboa, Circulo de Leitores, pg.57 e 79
Enquanto D. Teresa buscava assim alargar ao norte os limites dos próprios estados, aproveitando as inquietações da monarquia, os sarracenos atravessavam os ermos que se estendiam entre as fronteiras portuguesas a sul e as praças do Gharb na margem direita do Tejo, e vinham cercar o castelo de Miranda … e acometer o castelo de Santa Eulália, junto de Montemor … Os sarracenos arrasaram-no até os fundamentos e depois, retrocedendo, dirigiram-se ao de Soure. Aqui, porém, o terror dos habitantes tornara inútil o cometimento; porque, lançando fogo àquela povoação e desamparando-a haviam-se acolhidos aos muros de Coimbra. Miranda, Soure, Santa Eulália, com outros castelos que por esses tempos existiriam, formavam uma linha curva de fortificações avançadas, que defendiam a capital do distrito pelo lado do oriente, meio-dia e poente. Destruídos eles, Coimbra ficava exposta ao primeiro embate dos inimigos. Esse, talvez, foi o objeto desta entrada, feita ainda em 1116
…
O amir de Marrocos resolveu passar à Espanha … reunindo numerosas tropas … encaminhou-se para Coimbra. Estava desguarnecida ou derribada a linha de castelos que a defendia, e Ali veio sem resistência assentar campo em volta dela (Junho, 1117). D. Teresa achava-se então aí. Tal e tão repentina foi a invasão dos sarracenos que a muito custo a rainha se pôde salvar dentro dos mutos da cidade. Os arrabaldes ficaram reduzidos a cinzas e as fortificações foram combatidas durante vinte dias sem interrupção de um só. Defenderam-se, porém, os cercados vigorosamente, e o amir, conhecendo que era inútil o insistir, retirou-se, assolando tudo a tal ponto – diz um escritor árabe – subsistiram por largo tempo claros vestígios daquela terrível entrada. De feito, ainda sete anos depois o lugar onde existira Soure achava-se convertido em habitações de feras.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. II. Lisboa, Circulo de Leitores, pg.53, 54
Efetivamente, à sua morte (de Sesnando, alvazil de Coimbra), ocorrida em 25 de Agosto de 1091, suceder-lhe-ia seu genro, Martim Moniz, casado com sua filha Elvira, o que parece ilustrar uma apetência pela hereditarização dos seus domínios. No seio de uma nova linhagem, encabeçada pelo carismático «alvazil»; e talvez que o prestígio da sua personalidade tivesse contribuído para retardar a integração de Coimbra na lógica comum da «Reconquista». Mas o monarca não tardaria atalhar caminho a essa «singularidade» e os factos parecem atestar que, desde cedo, o poder de Martim Moniz se terá visto minado por um conjunto de circunstâncias que deverão ser responsáveis, a um tempo, pela súbita aceitação de D. Crescónio, sagrado bispo … em 1092 … e pela deslocação em pessoa do Imperador (D. Afonso VI, de Leão), acompanhado de D. Raimundo, em 1093, estada durante a qual, com evidente sentido político, confirma as regalias outorgadas em Toledo, por influência de Sesnando, em 1085, aos moradores da cidade. E em 1094 já esta e todo o seu território surgiriam integradas no condado da Galiza … atestando-se nesse ano a residência de Raimundo em Coimbra, em companhia de sua mulher, a «Rainha» D. Urraca. Pelos finais de 1095, contudo, ou já em 96 e face ao recrudescimento da ameaça almorávida, ver-se-iam estes, por seu turno, despojados da região de Entre Minho e Tejo, em benefício de seu primo Henrique, conde de «Portucale» e de Coimbra. E é este e D. Teresa (ou apenas esta) que agora se surpreendem habitando a Alcáçova onde, em 1109, nasceria talvez o Infante Afonso Henriques.
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De facto, como notaria Pradalié, a formação de Portugal passava indeclinavelmente pela eliminação daquilo que fazia de Coimbra um mundo à parte e pela sua assimilação ao processo ideológico da «Reconquista cultural»: “le prince Alphonse n’aurait jamais eu l’appui de l’Eglise – on sait quel rôle joua Rome dans la création d’un royaume portugais – si Coimbre avait été encore, vers 1130-1140, un foyer mozarabe. L’intégration forcée de l’église de Coimbre dans l’église romaine apparaît donc comme un étape préliminaire dans la formation de Portugal, et l’action de l’évêque Gonçalo annonce et prépare celle de la papauté“.
Coimbra convertera-se, aliás – ou estaria ponto de converter-se (e em boa parte por ação de Sesnando) -, na maior cidade de então no território «português», ao mesmo tempo que o repovoamento firmara as bases de uma firme tradição cultural (de sentido moçárabe, evidentemente), como centro pedagógico e de atração e irradiação de códices e documentos, tanto da Península cristã como da muçulmana, circunstâncias que, aliadas à sua nova centralidade, no quadro da «Reconquista», como no da política secessionista dinamizada pelo Conde D. Henrique e prosseguida pelo Infante Afonso Henriques, justificariam a sua eleição como «capital», por parte deste e o facto de, nas crónicas muçulmanas, «Ibn ar-Rink» ser designado por «senhor de Coimbra».
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 263 a 265.
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