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Sexta e última entrada dedicada à divulgação do livro de historiador brasileiro Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
Estabelecendo a vital ligação entre os dois lados do rio Mondego, a antiga ponte real foi durante séculos a principal entrada em Coimbra, integrando a via terrestre que ligava Lisboa ao Porto – não no trajeto conhecido através das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz –, mas sim através da íngreme Couraça de Lisboa.
Alguns autores defendem a tradição de que as primeiras pontes construídas sobre o Mondego tiveram, tal como no caso do aqueduto citadino, uma origem romana.
Fig. 4. Ponte da cidade de Coimbra (pormenor) | Civitates Orbis Terrarum, vol. V, 1598, pg. 235
Depositada no Museu Nacional Machado de Castro
Ponte Manuelina e vista de Santa Clara. 1860. Acervo RA
Entretanto, iniciada a formação do Reino de Portugal, consta que D. Afonso Henriques … mandara reconstruir a ponte no ano de 1132, seguida dos arranjos planeados por D. Sancho I, em 1210, e pelos seus sucessores ao longo de toda a Baixa Idade Média.
Estas sucessivas reconstruções ficar-se-iam a dever, sobretudo, devido aos danos provocados pela força das correntes, como se verifica numa carta enviada por D. João II ao conselho da cidade: “a ponte dessa cidade está muito danificada das cheias passadas e em mui grande perigo”
Com efeito, os autores mais fidedignos apontam para uma intervenção sabiamente estruturada durante o reinado de D. Manuel I, nos alvores do século XVI. Segundo o que as fontes documentais apontam, o monarca … ordenara aos mestres Boytac e Mateus, em Setembro de 1510, de promoverem os estudos necessários para o “corregimento da ponte” campanha seria efetivamente concluída nos três anos seguintes, pois, em 1513, a ponte estava aberta ao tráfego.
A estrutura ficava assim a dispor de vinte e quatro arcos, executados em pedra, provavelmente em calcário dolomítico da cidade, inclusive as guardas laterais, que na seção correspondente ao oitavo arco eram encimadas em cada um dos flancos pelas esferas armilares do monarca reinante. No extremo sul, já próximo da margem de Santa Clara, parte do troço da ponte fora alargado, com acessos a jusante e a montante, como se vê ainda nalgumas das gravuras antigas dedicadas a Coimbra.
A extremidade norte era rematada por um torreão-peagem, quadrangular, destinado à aplicação das taxas e impostos sobre quem entrava na cidade. No frontispício principal, sobre o arco de entrada, fora colocada uma lápide brasonada ladeada das esferas armilares, retirada para o Museu do Instituto de Coimbra e hoje depositada no Museu Nacional de Machado de Castro … sobre o referido padrão estaria a representação escultórica com a Virgem Maria, segurando Cristo Menino, que se encontra igualmente no principal museu da cidade, provavelmente ambos da autoria de Diogo Pires o Moço.
…. D. Filipe I de Portugal determinava, por carta régia, o lançamento da finta para se proceder à reconstrução da dita ponte e das margens envolventes onde aquela assentava. Muito provavelmente, as obras não teriam sido logo executadas, pois na correspondência epistolar trocada com o arcebispo de Braga, em 1586, o monarca salientara os estragos provocados pelos “grandes invernos do anno passado”.
A ponte quinhentista, reformada pela última vez naquela centúria pelo arquiteto régio Fillipo Terzi, teria outras obras de consolidação até ser substituída por uma nova em Maio de 1875, não devido ao assoreamento do leito do rio, mas sim às necessidades de permitir, com maior segurança, a passagem do trânsito rodoviário.
Setenta e nove anos depois, a estrutura de ferro assente em pilares de alvenaria ...
Ponte de ferro (finais dos anos 30). Acervo RA
... deu lugar à atual ponte, uma estrutura de betão armado, dotada de tabuleiro plano e assente em cinco pilares pendulares, com talha-mares elípticos … Erguida em local próximo da anterior, a nova ponte, desenhada pelo arquiteto Peres Fernandes.
Ponte de Betão, em construção
Pontes de Ferro e de Betão
Ponte de Santa Clara. Inaugurada em 1954
Curiosamente, em 1950, durante as sondagens geológicas realizadas no seguimento dos estudos de engenharia, seriam encontrados, a 14 metros de profundidade, nas proximidades da margem de Santa Clara, vestígios de uma escada executada em cantaria. Pertenceriam estes achados arqueológicos à ponte real manuelina como sugeriram os engenheiros responsáveis pela última obra?
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:
Voltamos a um texto do académico brasileiro Jonathas Ribeiro dos Santos Campos de Oliveira sobre o Mosteiro de Santa Cruz, este dedicado ao estudo de um dos documentos fundamentais para conhecer a história daquele cenóbio.
Das mãos de um cronista agostiniano, orientado pelos interesses institucionais do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a segunda metade do século XII, início do XIII, testemunhou, por meio de textos como a Chronica Gottorvm, a estruturação do discurso institucional de exaltação da imagem de Afonso Henriques, rei de Portugal.
Materializando o imaginário na literatura, o autor da cronica associou ao infante atributos tanto militares quanto espirituais, configurando assim uma masculinidade régia idealizada.
Afonso Henriques como rei, Imagem acedida em: https://www.portugalvisitor.com/famous-portuguese/afonso-henriques
A mais antiga representação conhecida de Afonso Henriques, no Museu do Carmo. Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Henriques#/media/Ficheiro:Lisbonne_Mus%C3%A9e_du_Carmo_Buste_de_Afonso_Henriques.jpg
Diversos sinais de Afonso Henriques. Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Henriques#/media/Ficheiro:AfonsoHenriquesSelo.jpg
Seguindo uma ordem cronológica, a obra narra como teria se dado o processo de expansão territorial portucalense promovido por Afonso Henriques.
Dividido em duas partes, o texto apresenta, na primeira seção, uma estrutura linhagista composta por autoridades locais que teriam precedido o “domínio” afonsino na região do Condado. Na segunda parte, o enfoque está nos feitos militares do infante, apresentando-o como um instrumento de Deus no plano terreno.
Representação da Batalha de Ourique na Genealogia dos Reis de Portugal. Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Henriques#/media/Ficheiro:Battle-of-Ourique.png
"Tomada de Santarém", por Roque Gameiro (Quadros da História de Portugal, 1917). Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Henriques#/media/Ficheiro:Tomada_de_Santar%C3%A9m_(Roque_Gameiro,_Quadros_da_Hist%C3%B3ria_de_Portugal,_1917).png
Segundo a historiografia, a construção imagética que se estabelece sobre o infante tem pelo menos dois objetivos: assentar uma memória de ações notáveis sobre a heroica figura fundacional do reino e estimular militarmente os portucalenses, sob a liderança de Sancho I (1154-1211), filho e sucessor de Afonso Henriques, a combater o avanço muçulmano.
Mosteiro de Santa Cruz. Túmulo de D. Sancho I
…. Durante o exercício dos dois primeiros priorados, com D. Teotónio (1132-1152/62) e D. João Teotónio (1162-1181), a Canónica agostiniana institucionalizou-se, postulando normas de conduta aos cónegos regulares e associados, evidentes nas disposições capitulares de 1162 e reproduzidas na Vita Theotonii, e organizando o patrimônio crúzio e os direitos adquiridos, expressos tanto na Vita Tellonis quanto em partes específicas do Livro Santo e do Livro de D. João Teotónio.
…. O vínculo com a autoridade real, pois o mosteiro funcionava como chancelaria e abrigo do tesouro régio, e a consequente preponderância gozada no seio social, teriam levado a Casa regrante a um aumento de influência no Condado. A figura régia foi pedra angular no processo, uma vez que garantia múltiplos privilégios sobre os domínios da comunidade.
….Na segunda metade do século XII, a Casa crúzia se viu afetada por, pelo menos, dois fenómenos principais. Por um lado, pelo enfraquecimento militar sofrido pela autoridade régia após os eventos de Badajoz, em 1169. O acidente de Badajoz teria a um só tempo dificultado o ímpeto real como meio de ampliação da influência Regular no reino, e enfraquecera a linha de defesa portucalense frente às ofensivas muçulmanas, colocando em risco os espólios agostinianos na fronteira. Por outro, pela desarticulação política do círculo afonsino que orientava as ações reais no Condado, uma vez que alguns dos principais agentes teriam morrido no período, tirando do cenário político, sem que houvesse substituição à altura, articuladores dos interesses portucalenses no Ocidente Ibérico. Neste sentido, destacam-se as mortes de D. Teotónio, Superior de Santa Cruz de Coimbra e conselheiro do infante, em 1162; D. Gonçalo Mendes de Sousa, seu mordomo-mor, em 1167; chanceler Alberto, por volta de 1169, e D. João Peculiar, arcebispo de Braga e uma das figuras centrais da corte, em 1175.
Apesar de Sancho I, filho e sucessor de Afonso I, ter buscado reorganizar o reino e seu exército, juntamente com os que ainda se encontravam a assistir à corte, é razoável que a desagregação do círculo afonsino que herdara tenha gerado um forte impacto na coesão política do Condado.
…. Nesse panorama, já de relevante insegurança lançada sobre o seu patrimônio, os crúzios perceberam que, para defendê-lo, era necessário fortalecer novamente o círculo régio. Assim, estando integrado a um corpo real forte e consolidado, o património da comunidade estaria menos sujeito a alienações por parte de terceiros. A literatura foi um dos caminhos escolhido.
O discurso cronístico crúzio, consumado na Chronica Gottorvm, para além dos interesses já evidenciados pela historiografia, teria por fim enfraquecer os protestos levados ao Papado por outras instâncias eclesiásticas e mitigar as disputas de poder com autoridades locais. Ao construir uma imagem heroica de Afonso I, evidenciando seus feitos militares e a devida anuência divina às suas ações, o Mosteiro evocava a corte, governada agora por Sancho I, a reestabelecer a integração entre seus membros, promover a reorganização de seu exército e restaurar o exercício de poder no Condado.
Oliveira, J.R.S. O discurso cronístico do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra no século XII: uma análise da Chronica Gottorvm. 2019. In: Revista do CFCH – Universidade Federal do Rio de Janeiro.Pg. 1 a 5. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O Doutor Saul António Gomes publicou um texto, que hoje divulgamos, que nos elucida sobre os tempos primitivos de um dos conventos menos conhecidos de Coimbra, o Mosteiro de S. Jorge, localizado na margem esquerda, do Mondego, acima da celebrada Lapa dos Esteios.
Mosteiro de S. Jorge, na atualidade. Imagem acedida em: https://www.imovirtual.com/pt/anuncio/quinta-do-mosteiro-de-sao-jorge-em-co-ID1cxu7
Mosteiro de S. Jorge, na atualidade. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=CMIGGFQH&id=167147D791D4E40DD28DF6B2A4276175A084F781&thid
…. A fundação do Mosteiro de S. Jorge, situado um pouco a nascente da cidade de Coimbra, segundo as crónicas modernas dos cónegos regrantes de Santo Agostinho, dever-se-ia ao Conde D. Sesnando, o celebrado governador moçárabe de Coimbra … teria mandado levantar nesse local, em 1080, uma ermida dedicada a S. Jorge, fazendo-a mudar, quatro anos depois, para outro lugar, justamente aquele onde o mosteiro, segundo os cronistas crúzios, viria a ser edificado.
Data de Julho de 1146, na verdade, o compromisso feito por … Salvador Guimariz, diante de D. João, bispo … a partilhar com os seus companheiros o património que para esta fundação se estabelecia, a fim de que tudo fosse partilhado em comum.
…. A este mosteiro ligaram-se, por especial devoção, os monarcas da dinastia afonsina. D. Sancho I e D. Dulce, sua mulher, entregaram, em 1191, a dízima da herdade régia de Façalamim aos cónegos, sendo prior-mor D. Pedro Vicente, em reconhecimento da intervenção do santo mártir na proteção ao infante D. Afonso, futuro rei.
…. Em 1216, D. Afonso II toma debaixo da sua real proteção este cenóbio … Também D. Afonso III … se voltou para esta canónica de Coimbra, em 1259, suplicando a intercessão de S. Jorge para que a sua filha primogénita, a Infanta D. Branca.
…. No século XIII, S. Jorge de Coimbra usufruía de um património rentável e apreciável. Por doação, compra ou escambo, este instituto regular estendeu o seu património, para além do que tinha em Coimbra, a Castelo Viegas, Arregaça, Taveiro, num aro geográfico ainda muito próximo de Coimbra, e, depois, num segundo círculo já mais distanciado, a terras como Lorvão, Penela, Tentúgal, Montemor-o-Velho, Lavos, Ameal e Façalamim. S. Jorge tinha, finalmente, interesses senhoriais apreciáveis em pontos bem mais longínquos como eram Arganil, Celorico [da Beira], Paços, Covilhã, S. Vicente da Beira [“de ultra serra”], Rio de Moinhos, junto a esta vila, Santarém e Portalegre.
…. Na primeira metade do século XIII … mantinha práticas de administração que passavam pela escrita organizada.
…. Poderemos classificá-lo como registo de contabilidade monástica, numa tipologia documental rara, sobretudo para essa época.… Nele percorre-se longamente o património monástico dominial arrolando-se rendas e proventos cujas entradas se faziam pelas ovenças, respetivamente, da enfermaria, da vestiaria e da correaria. O hospital monástico e a “pitançaria” são referidos muito de passagem como tendo rendimentos próprios.
…. De uma leitura global deste registo contabilístico, verificamos que se intersectam neste claustro dois tipos de economia. Pesavam os pagamentos em géneros alimentares, em animais e até em escravos sarracenos. Mas a linha dominante neste micro-universo monástico é a da economia monetária. Procura-se avaliar todos os proventos em moeda, valorizando-se vendas e rendas expressas em dinheiro … três moios de centeio e um sarraceno recebidos, em 1257, pelo prior da enfermaria. Trigo, centeio, milho mourisco e milho, sem mais, tinham boa receção no mercado urbano, valendo cada alqueire de trigo, nesse ano, quatro soldos. Como se vendiam bem, cremos, “panos”, decerto lanifícios para cuja manufatura não faltava matéria-prima nos celeiros do Mosteiro. Os panos vendidos pelo prior a Vicente Serrão, por exemplo, tinham valido a soma de sete libras.
…. O Mosteiro era senhorio de muitas cabeças de gado miúdo e de apreciáveis boiadas. Um dos seus ovelheiros, Vicente, entregou aos cónegos 80 ovelhas e um asno, e D. Pedro, irmão de D. Sebastião, oito vacas, um boi e mais de 40 ovelhas; de um outro ovelheiro, Durando, recebeu-se 60 ovelhas e 13 libras em dinheiro. Pedro Gonçalves de “Palio”, por seu turno, pagou oito cabeças de vacas, entre grandes e pequenas, 10 cabras, três asnos, um boi e um bom “zorame et sagia”.
…. Da vinha da correaria recebia-se todo o vinho … O Mosteiro tinha alguns olivais, poucos, rendendo, os que trazia D. Bento, “fibulariu”, cinco libras
…. S. Jorge de Coimbra conheceu tempos de prosperidade e outros de crise interna.
No ano de 1192, o claustro acolhia 26 cónegos e exercia jurisdição sobre a comunidade feminina de cónegas agostinhas da Santa Ana, para a qual se apontam, nessa data, nove professas. Dados que indiciam um ciclo de vitalidade na história desta comunidade.
Mosteiro de S. Jorge 3. Imagem acedida em: https://www.flickr.com/photos/biblarte/3562604342/in/photostream/
…. A dimensão do património de S. Jorge permitia, ainda por todo o século XIV, um confortável nível de vida aos seus professos. Isso é muito claro, por exemplo, em 1334, quando o prior-mor concordava em “que os coonigos e os frades confessos do dicto monasterio de cada dia ajam pera seu mantimento tres pãees cada huum coonigo e frade e serem tamanhos que do alqueire da farinha triga peneirada polla ante maao e seendo-lhe a mão posta hûa vez que do alqueire fossem fectos dezeoyto pãaes […] e cada dia ajam d’aver tres fiaas de vinhos, o vaso da colaçom, e da noa e da presa o qual vinho seer terçado as duas partes de vinho e a hûa d’augua”.
Gomes, S. A. 2011. Um registo de contabilidade medieval do Mosteiro de S. Jorge de Coimbra (1257-1259). In: Medievalista [Em linha]. Nº10, (Julho 2011). Direc. José Mattoso. Lisboa: IEM. Acedido em: http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/
A obra que vimos revelando aos nossos leitores encontra-se dividida em duas partes.
A primeira que corresponde à entrada anterior e às primeiras 20 páginas do livro, aborda a questão dos documentos fundacionais da Universidade portuguesa e o achamento do único documento conhecido que autentifica a sua fundação por D. Dinis.
Uma segunda parte que corresponde à presente entrada, procura descrever a génese e evolução dos selos que roborando um pergaminho lhe davam a força e a capacidade legal para imporem o que nele estava escrito.
O autor situa o início, grosso modo, desta prática no século X e que a mesma foi iniciada por autoridades eclesiásticas.
No que concerne a Portugal, diz, António de Vasconcelos.
Em Portugal parece que foi D. Sancho I quem introduziu este uso. Pelo menos é dele, e apenso a um documento do ano de 1189, o mais antigo dos selos pendentes de que nos dá conta D. António Caetano de Sousa, que o reproduz em gravura. Mais recentemente João Pedro Ribeiro, e por fim A. C. Teixeira de Aragão, também a ele se reportam, como sendo, entre os selos «certos» dosmonarcas portugueses, o mais antigo dos selos pendentes conhecidos.
Tem, como os seus coevos, a forma de amêndoa, com a ponta voltada para baixo.
…. Temos uma nítida reprodução deste selo nas coleções esfragísticas da Faculdade de Letras de Coimbra.
… Em Portugal os reis Sancho I, Afonso II e Sancho II usaram selos de tipo «heráldico» [os selos de autoridade], cujo campo era preenchido pelo escudo nacional das quinas, sem bordadura de castelos, tendo na orla a inscrição. Nunca usaram «selo de majestade». Os restantes reis da primeira dinastia continuaram no mesmo uso, mas além daquele selo comum e usual, tiveram um outro, com uma face «heráldica», outra de «autoridade», que usavam raramente, num ou noutro diploma mais importante e distinto; excetua-se o rei D. Pedro I, que não consta jamais usasse selo de «autoridade» ou do «cavalo», como então se dizia.
Selo de autoridade de D. Afonso IV, publicado por D. António Caetano de Sousa. Op. cit., pg. 31.
Reprodução em gesso, existente no Museu Municipal do Porto do selo de autoridade de D. Dinis, do Arquivo Nacional parisiense.
Op. cit., Pg. 35
Cumpre-me agradecer à Sr.ª Dr.ª Ana Maria Bandeira a disponibilização das imagens a seguir apresentadas, dos selos que considerou os mais bonitos da coleção que o Arquivo da Universidade de Coimbra possui.
- Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra
Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra. 1454-1457
Representa uma Anunciação da Virgem, podendo ver-se o Anjo da Anunciação do lado esquerdo. Datado de 1454-1457, autentifica os Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra elaborados durante o pontificado do Bispo D. Afonso Nogueira.
Selo de cera vermelha do Bispo de Silves, D. Álvaro, Legado a latere, que confirmou os referidos Estatutos em 1457; suspenso de cordão vermelho; formato circular.
Cabido da Sé de Coimbra (F); Coleção de Pergaminhos (Col). AUC-V-3.ª-Móv.7 – Gav. 5 – n.º 2
- Selo de carta de emprazamento. 1477
Selo de carta de emprazamento. 1477, dezembro, 6. Cárquere (c. Resende, d. Viseu)
Carta de emprazamento em três vidas feita por D. Rui Vasques, prior do Mosteiro de Santa Maria de Cárquere, da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, a João de Sequeira, escudeiro do Conde de Penela e a sua mulher e um filho ou pessoa que um deles nomeasse. O prazo era formado por umas pesqueiras no rio Douro, pelas quais pagaria de foro seis lampreias ou, não havendo lampreias, pagaria seis pescadas frescas.
Selo do abade do Mosteiro, de cera castanha sobre cocho de cera branca, suspenso de cordão castanho e branco; formato circular.
Mosteiro de Santa Maria de Cárquere (F); Coleção de Pergaminhos (Col). AUC -IV-3.ª-Gav. 23A-n.º 19
- Selo da Ordem de Cristo. 1528
Selo de uma carta de D. João III. 1528, março, 2. Almeirim
Carta de D. João III enviada ao corregedor das Ilhas dos Açores e aos juízes e oficiais da Ilha Terceira, contendo o privilégio de Couto da Quinta e Herdade de Porto da Cruz, dos Biscoitos, na Ilha Terceira. A pedido que lhe fora enviado pelo seu proprietário, Pedro Anes do Canto, fidalgo da Casa Real, o Rei envia uma proibição para que ninguém lá possa caçar, pois ali tinha o seu proprietário criação de pavões e galinhas da Guiné, desejando iniciar ainda a criação de coelhos, perdizes e outras aves.
Selo de cera vermelha em cocho de madeira; suspenso de cordão castanho e branco; formato circular.
Selo da Ordem de Cristo, a cujo Mestrado pertencia a Ilha Terceira, sendo o Rei o seu Mestre.
Coleção Martinho da Fonseca (COL); Miscelânea de Documentos, cx. XIX, n.º 67. AUC-VI-3.ª-1-3-14
Vasconcelos, A. O diploma dionisiano da fundação primitiva da Universidade portuguesa. (1 de março de 1290).1990, Arquivo da Universidade de Coimbra.
O Professor Doutor Nelson Correia Borges acaba de divulgar este excelente texto sobre o Santo Cristo do Arnado. Consideramos que as informações nele contidas, dada a sua importância, merecem uma mais ampla difusão e não devem ficar confinadas ao círculo restrito dos leitores do jornal onde foi publicado.
Senhor Santo do Arnado. Claustro da Sé-Velha de Coimbra
Era um cruzeiro de caminhos, como tantos outros que assinalam a entrada das localidades. Situava-se na antiga entrada de Coimbra, para quem vinha do Norte.
A velha estrada do Porto correspondia à atual rua da Figueira da Foz. Passava à Gafaria de S. Lázaro, fundada e dotada pelo rei D. Sancho I e, antes de chegar à rua da Sofia, aberta por Fr. Brás de Braga para a construção dos colégios universitários, derivava para o lado do rio em terreno de areais que deram o nome ao sítio: Arnado. Foi nos campos do Arnado que o mesmo rei D. Sancho I, ainda infante, fez o seu alardo em 1181, isto é, reuniu os homens de Coimbra que com ele partiram para combater vitoriosamente no Alentejo um rei mouro de Sevilha. O largo ainda hoje mantém aproximadamente o mesmo espaço de outrora. Dele partia uma viela para o porto de Santa Justa, no Mondego, a que corresponde a atual rua do Arnado; uma outra azinhaga, mais a sul, conduzia ao porto dos Cordoeiros. Daqui se entrava na cidade pela rua Direita, uma das mais importantes de Coimbra, onde se estabeleceram violeiros e cordoeiros.
Bem no meio do largo, no século XVI, os frades do convento de S. Domingos, que ficava próximo, erigiram o cruzeiro, cobrindo-o com uma cúpula sobre quatro colunas. Esta solução construtiva ainda hoje se pode ver em Arazede, Assafarge, Pocariça, Ventosa do Bairro, Vila Nova de Anços e em outras povoações da região.
Em 1652, um devoto, de seu nome Gaspar Mendes ou Gaspar dos Reis, decidiu fazer-lhe algumas benfeitorias: ergueu mais o cruzeiro por causa do assoreamento, ou levantando os degraus antigos ou construindo novos degraus; fechou o espaço entre colunas por três lados, colocando no da frente uma grade. Em 12 de Julho de 1655 os padres de Santa Justa-a-Antiga fizeram uma procissão com o Santo Cristo do Arnado até à sua agora capelinha, sinal de que as obras se prolongaram até esta data, tendo sido durante elas a imagem guardada na igreja de que agora só restam vestígios no Terreiro da Erva.
A imagem rapidamente ganhou fama de prodigiosa. Constou-se mesmo que em 1 de agosto de 1722 suara sangue e água, o que gerou grande afluência de devotos. Logo se tratou de ampliar o espaço reduzido que continha o cruzeiro, transformando-o em capela de uma nave com capela-mor, circundada de sacristia e arrumos. As obras começaram em 1723 e terminaram em 1729, sendo, entretanto, benzida em 1727.
A capela do Santo Cristo do Arnado foi demolida pela Câmara nos primeiros decénios do século XX, para obras de urbanização. Há anos atrás, quando se abriram rasgos para colocar o coletor grande da cidade, pudemos ver os seus restos destroçados e recolher um azulejo de fabrico local, para recordação. As lápides com inscrição relatando a história da capela foram recolhidas ao Museu Machado de Castro e o cruzeiro antigo levado para o claustro da Sé Velha, onde se encontra.
O conjunto escultórico, talhado em pedra de Ançã, é impressionante. A cruz eleva-se sobre uma coluna de fuste liso com capitel coríntio renascentista, tendo no ábaco a cruz de Cristo. Lateralmente colocaram o brasão de armas da Ordem de S. Domingos e na frente as armas reais com uma píxide sobre a coroa. A cruz é de secção retangular e ergue-se sobre uma base de rocha com uma caveira e tíbias cruzadas. A escultura mostra um corpo emaciado, com os sofrimentos da Paixão patentes, o rosto desfalecido e sereno. Não poderia deixar de ter produzido grande impressão e fervor religioso quando se encontrava na sua casa. Se pensarmos que no século XVIII deve ter havido alguma intervenção na imagem, fácil nos é relacioná-la com o Cristo dos Olivais, de autoria comprovada de João de Ruão. Trata-se de uma obra que seguramente teria saído das oficinas do mestre escultor francês.
Recentemente procedeu-se ao arranjo urbanístico do Largo do Arnado. Foi pena não se ter aproveitado o ensejo para ali colocar uma qualquer memória de um culto que foi marcante no passado da cidade e que marcou muitas gerações de conimbricenses. A lendária Cindazunda já tem lugar de maior honra no brasão de Coimbra.
Nelson Correia Borges
Correio de Coimbra, n.º 4.683, de 2018.03.08
Depois da “Reconquista Cristã” de Coimbra e ainda no tempo de Fernando Magno, cerca do ano de 1070, surgiu a primeira escola catedralícia instituída em Portugal, fruto da vontade do Conde Dom Sisnando e do Bispo Dom Paterno. Esta “Escola de Santa Maria”, funcionando à sombra da Catedral (hoje a Sé Velha), destinava-se a jovens que pretendessem seguia a carreira eclesiástica. E, na esteira desta, outras escolas episcopais se fundaram até finais do século XI, nomeadamente em Braga e Lisboa.
A este primeiro surto do ensino no território que hoje é Portugal, seguiram-se, desde logo... as escolas monásticas, de que se destacam as escolas de Santa Cruz de Coimbra, dos cónegos regrantes de Santo Agostinho... que havia sido fundado pelo nosso primeiro rei, ela em pouco tempo se transformou num verdadeiro difusor de cultura. Foi efetivamente do Mosteiro dos Crúzios que saíram alguns dos maiores expoentes da intelectualidade portuguesa naquela época, como são os casos de Fernando de Bulhões, o nosso Santo António, que se tornou um dos maiores teólogos do seu tempo e que levou a sua sabedoria até Montpellier, Pádua e Tolosa, e Frei Gil de Santarém.
Poderá dizer-se que neste período pré-universitário o Real Mosteiro de Santa Cruz funcionou como uma autêntica universidade, continuando a atuar nesse sentido ao longo de vários séculos, mesmo depois da fundação da universidade portuguesa.
Desde muito cedo começaram os monges de Santa Cruz a enviar os seus religiosos mais distintos à Universidade de Paris e, estes, ou ficavam por aquelas paragens ensinando, ou regressavam especializados em várias ciências, desde a Teologia à Medicina.
... D. Sancho I tinha estabelecido a sua corte em Coimbra e haveria nesta cidade, naquela época, “Mestres de boas artes e ciências” ... É neste sentido mesmo sentido que se orienta a carta de doação de 14 de Setembro de 1192, onde D. Sancho I afirma: “Dou e concedo ao Mosteiro de Santa Cruz quatrocentos morabitinos da minha fazenda para sustentação dos cónegos do dito mosteiro que estudam em França”.
Assim, não será de admirar que, nesta nossa Idade Média, o Mosteiro de Santa Cruz se constituísse como o grande aglutinador da cultura e da intelectualidade, podendo ombrear, ao nível do ensino que ministrava e dos seus Mestres, com algumas das universidades que gradualmente iam surgindo na Europa. E, para um melhor aproveitamento do ensino, criou a sua própria escola de calígrafos que produziu e reproduziu muitas obras de valor, num tempo em que os códices eram tidos como coisa valiosa e rara.
Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 13 a 15
... nesta cidade desde o remoto ano de 1526 (data em que Gil Vicente pela primeira vez aportou a esta cidade, para representar uma das suas farsas) até ao meado do século XIX, muitas informações se acumularam ...a Coimbra tocou a honra não só por três vezes haver acolhido dentro das suas muralhas o glorioso fundador do teatro popular português, mas de ter sido o genuíno berço do teatro clássico, personificado nos seus mais altos representantes: Jorge Ferreira de Vasconcelos, nascido nos campos do Mondego (em Montemor-o-Velho), que casou nesta cidade, nela escreveu e provavelmente viu representar a sua comédia «Eufrosina», cuja ação aqui decorre; Francisco de Sá de Miranda, natural desta cidade e nela criado, onde escreveu e possivelmente fez também representar as suas comédias «Estrangeiros» e «Vilhalpandas»: e António Ferreira, lente da faculdade de leis, que ensinou e aqui escreveu e viu representar na Universidade a sua tragédia «Castro», de tema medularmente coimbrão, como é a morte de Inês de Castro.
Focando-se a época do renascimento do teatro, no segundo quartel do século XIX, em que – como seu reformador – coube a Almeida Garrett o papel de maior relevo, pode também entrever-se que fora em Coimbra... como autor e ator curioso, preparara as suas primeiras armas para triunfar na difícil tarefa que mais tarde havia de tomar sobre os seus ombros; e foi de Coimbra que, designadamente a partir da fundação da Nova Academia Dramática (1838), o notável escritor recebera o mais apreciável impulso para com êxito acometer o ingente empreendimento da renovação do teatro português que tão felizmente logrou iniciar.
E mais se apurou que nesta cidade se apresentaram, como dramaturgos ou atores amadores, para fainas que os alçapremaram a beneméritos da arte dramática nacional: António Feliciano de Castilho... famoso autor e tradutor de obras da literatura dramática; João de Lemos... autor de um drama famoso; os jurisconsultos Paulo Midósi e António Joaquim da Silva Abranches, autores de peças que tiveram retumbantes sucessos; Francisco Palha, António da Costa, Francisco Soares Franco e Francisco Soares Franco Júnior, e tantos outros, todos filhos da Universidade de Coimbra e aqui tendo estagiado em teatrinhos particulares de amadores ou no Teatro Académico.
... É certo que já nos reinados de D. Sancho I e D. Afonso II aparecem referências a determinada forma dramática, pois que no ano de 1193 o primeiro desses monarcas fez doação de um casal aos dois bobos «Bonamis» e «Acompaniado»... os quais por sua parte se consideraram na obrigação de dar um «arremedilho» ao doador.
Loureiro, J.P. 1959. O Teatro em Coimbra. Elementos para a sua história. 1526-1910. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 3, 4,14
… são abundantes as fontes que permitem detetar a ocupação do Paço Real coimbrão por parte dos primeiros monarcas: as crónicas referem a contínua presença em Coimbra de D. Afonso Henriques … Aqui casou, de facto, em 1146 com D. Mafalda; aqui lhe nasceram todos os seus filhos … entre os quais, em 1154, o futuro D. Sancho I; aqui morreu a Rainha em 1157; nasceu D. Afonso II, em 1185 …; recebeu D. Sancho I, em 1196, a visita de seu cunhado, Afonso II de Leão; morreu, em 1198, a Rainha D. Dulce; nasceu, em 1202, D. Sancho II e, em 1210, D. Afonso III; morreu, em 1211, D. Sancho I e, em 1229, D. Urraca de Castela, esposa de Afonso II, que a seguiria, em Coimbra, ainda, três anos mais tarde; aqui se deu, em 1246, o ignominioso rapto da Rainha D. Mécia, esposa de Sancho II; nasceu, em 1261, o Rei D. Dinis; D. Afonso IV, em 1291; D. Pedro I em 1320 e D. Fernando em 1345. Além de inúmeros Infantes e Infantas, incluindo, a crer na tradição, o próprio Afonso Henriques
…
No Paço, igualmente, teriam lugar, em 1211, as primeiras Cortes de que existe documentação e, na cidade, as de 1261, 1283, 1355, 1367 (ou 69) e 1370, aqui as reunindo seis vezes D. João I (1385, 1387, 1390, 1394/95, 1397 e 1400) e ainda D. Afonso V em 1472.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 266.
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