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As primeiras intenções da construção de um seminário diocesano começaram em 1743 quando D. Miguel da Anunciação procurava um terreno onde se pudesse construir um colégio com regime de internato fora dos limites da cidade, e onde o ambiente fosse mais propicio ao estudo.
Fig. 2. Retrato de D. Miguel da Anunciação
Na cidade de Coimbra existiam algumas casas de aluguer que albergavam seminaristas. Porém, ao ver o crescente número de candidatos ao sacerdócio, D. Miguel da Anunciação sentiu a necessidade de se construir uma casa “ampla, onde pudessem estar á vontade Mestres, Ordinandos e Porcionistas”. A construção de um seminário reforçava o poder do Bispado relativamente à Universidade no que diz respeito à formação da teologia, competindo assim à Diocese a formação do seu clero secular.
A razão pela qual não se construiu um seminário na cidade de Coimbra após a decisão do Concilio de Trento é nos justificada numa carta do Bispo D. Frei Álvaro de São Boaventura datada de junho de 1675, onde podemos ler que nesta “Diocese não fizeram os Bispos Seminário por haver nella uma tão insigne Universidade onde se ensinam todas as ciências; mas ainda assim teem os Bispos duas cadeiras de Theologia Moral que pagam das suas rendas e leem os Padres da Companhia de Jesus no seu Colégio das Escolas Menores; e na claustra da Sé, uma cadeira de Gramática que paga o Mestre escola para aprenderem os moços do Coro…”.
A 14 de agosto de 1744, pedia o rei D. João V que se “visse e consultasse” no Tribunal da Mesa da Consciência e Ordem “a petição do Bispo Coimbrão em que se referia que o Antístite intentava erigir um Seminário que provesse às necessidades da Diocese. A Mesa deu parecer favorável a 6 de novembro de 1749”.
Os motivos pelas quais D. Miguel da Anunciação pretendia a criação de um seminário são explanados pelo próprio na Pastoral de 23 de maio de 1744:
«Considerando Nós a grande utilidade espiritual e temporal, que há-de resultar a este Bispado de nele se erigir um seminário, ou colégio para a educação dos meninos pobres e de pouca idade, que sendo a ele recolhidos possam ser bem instruidos em virtudes e letras, donde saindo nelas consumados e perfeitos nos possam ajudar na cultura da vinha…».
Miguel da Anunciação volta a defender a construção do Seminário de Jesus, Maria e José numa Carta Pastoral de 3 de janeiro de 1763 onde o Bispo escreve que:
«A ereção do nosso Seminário, para que educando-se nele os nossos súbditos destinados ao sacerdócio se nutrissem com as palavras da Fé, crescessem na sciencia de Deus, se instruissem nas máximas do Evangelho, e se enchessem dos frutos da justiça e da verdade; de modo que fossem, idóneos ministros do Novo Testamento, providos cooperadores da nossa ordem, na mencionada empreza da celebração do nosso sínodo diocesano, e capazes de os aplicarmos aos diferentes ministérios, que pedisse a sua execução, e a sua observancia, para maior honra, e glória de Deus, que é o Sagrado Centro, ao qual se devem dirigir todas as linhas que são as acções, que procedem do circulo da nossa vida, e do nosso governo».
Fig. 1. Vista geral para a Casa Velha do Seminário
O Seminário foi construído fora dos limites da cidade perto do Convento de Santana (atual Quartel Militar), e do Colégio de São José dos Marianos (atual Hospital Militar). Na área onde se instalou o Seminário eram, até aos finais da primeira metade do século XVIII, oito parcelas de olivais distribuídas por diferentes proprietários, sendo duas delas doadas por causa pia.
Claudino, L.M.G. Seminário Maior de Coimbra. História, património e museologia. Relatório de Estágio do Mestrado em Património Cultural e Museologia no ramo de Gestão e Programação. 2018. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Na parte superior da cerca, para onde o espaço da encosta lhes permite abrir os eixos que formarão um parque traçado e dimensões barrocas. É assim que a quinta do Mosteiro de Santa Cruz se transforma num parque que adota a gramática construtiva de Versailles: um eixo de simetria, que se define ao longo de um imenso jogo da bola, duas vezes a dimensão do que havia sido construído em Mafra, no palácio real, e o eixo na cascata dividem-se em duas escadarias monumentais, com 5 metros de largura e totalmente simétricas, que sobem a encosta, formando o tão famoso «pied-de-poule» copiado por todas as cortes da Europa.
Jardim da Sereia, arco de entrada
O significado deste empreendimento monumental merece ser abordado: a simbologia é predominantemente religiosa, com o arco triplo da entrada enquadrando a perspetiva profunda do jogo da bola. Duas inscrições em latim revelam-nos a intenção do dono da obra: «Que o bosque de Idálio esconda, agora, os milagres da arte / E que o sagrado Ida não espalhe as suas fontes, / ao mesmo tempo, a arte e o murmúrio das águas honram este bosque / E não existirá outro igual a ele, nem mesmo o paraíso.»
E dão as boas vindas a quem entra: «o zelo dos antepassados preservou este jardim para eles, ó mundo, / para que não voltem às perfídias e às tuas tentações / e não voltarão às tuas volúpias; agora, este jardim enclausurado / é o único que tem as alegrias que eles conhecem verdadeiramente.»
João V pagou ... toda a obra do jardim da quinta de Santa Cruz ... o que é sempre extraordinário ... é a sua consistência em dar expressão às regras europeias do barroco.
... A monumentalidade disciplinada a um eixo, própria do estilo barroco, levaria, sem dúvida, à construção de duas escadarias simétricas em redor das cascata, não fora a habitual tendência para deixar obra incompleta. Uma só escadaria foi levada ao cimo da encosta, trabalhada em patamares de plantas diferentes, ornamentados com fontes ao nível dos pavimentos e azulejos nos assentos que os envolvem.
A última fonte do topo da escadaria termina numa parede revestida de pedra irregular calcária, formando uma gruta com um tritão com barbas quer abre a boca a dois golfinhos. Surpreendentemente é a este másculo tritão que chamaram sereia e, a partir dele, nasceu a designação de Jardim da Sereia.
Jardim da Sereia lago
... O outro arranque da escada desemboca numa íngreme ladeira que em tempos foi coberta por um túnel de loureiros e leva até ao grande lago circular. Esta peça é o ponto vital do jardim porque todo o sistema de repuxos das escadarias e da grande cascata é por ele alimentado. No centro do lago, numa ilha foi plantada uma laranjeira e, em redor do lago, uma sebe alta de ciprestes com arcos. Toda esta composição vegetal desapareceu e os bancos que encostavam à sebe de ciprestes, que um dia foram cómodas estadias viradas para o lago, flutuam tristes num espaço agora mal resolvido.
Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 173-175
... é certo que, antes de 1774, essa entidade (o Hospital da Convalescença) figurava em separado, com uma dotação própria e sua escrituração à parte, ainda que estabelecida no mesmo edifício do hospital Real ou da Conceição.
...por provisão de D. João V, de 16 de Novembro de 1743 ... vê-se ... doou, o Dr. Sebastião Antunes ... para os convalescentes desse hospital, de que a dita Misericórdia fizera aceitação, a qual desejava conservar os convalescentes nas mesmas casas da convalescença do hospital, que para esse efeito foram compostas e reparadas à custa da herança.
Hospital Real
... Esta particularidade, de se achar o estabelecimento da convalescença no mesmo edifício dos hospital propriamente dito, dá a conhecer, que seria destinado a receber os doentes deste, quando entrassem no período de convalescença; semelhantemente ao que se praticava nos muitos hospitais estrangeiros.
... O nosso antigo hospital da Convalescença teria talvez uma organização mista, para receber os convalescentes de moléstias crónicas, quase nas condições de doentes incuráveis, os entrevados, os inválidos por velhice, e geralmente os «incuráveis», que não eram admitidos nas enfermarias do hospital propriamente dito. Sendo assim, aquele hospital da Convalescença também teria desempenhado a moderna missão dos asilos de mendicidade.
... Os primeiros vestígios duma instituição desta ordem ... encontram-se no 2.º regimento d’el-rei D. Manuel, de 16 de Junho de 1510, determinando que no seu hospital real não fossem admitidos os doentes de moléstias incuráveis ... Depois daquela determinação de D. Manuel, continua dizendo o mesmo regimento que ficam os incuráveis nestes dois hospitais a cargo dos seus administradores, sendo suprido pelos «oficiais da Misericórdia o mais provimento d’esmola e cura». Termina aquela disposição com as seguintes palavras, que deixam muito obscuras as relações da Misericórdia com estes hospitais «e quanto hao que toca a estes dous espritaes, nõ fareis nada ne se cumprirá este cap. p.s nós mãdamos dar a mjã o de Sã J.º»
Simões, A.A.C. 1882. Dos Hospitaes da Universidade de Coimbra. Coimbra. Imprensa da Universidade, pg. 39-43.
O Chafariz de D. João V é uma maravilhosa obra de decoração do séc. XVIII.
Situa-se no Terreiro da Fonte, ao lado esquerdo da Igreja Paroquial, no lugar e Freguesia de Eiras e está bem conservado. Tem a sua abundante nascente a cerca de 1.000 metros acima, no lugar do Gingil.
De arquitetura baseada na Fonte Nova, da cidade de Coimbra ... pode dizer-se que é a filha mais nova desta. É formada por um corpo central e dois laterais mais baixos, tendo um tanque a todo o comprimento.
Compõem o corpo central duas pilastras, entablamento e frontão curvo. Neste corpo, e por cima do tanque central, existem dois mascarões em que duas bicas jorram água que, em 1921, corria das nascentes até ao Terreiro da Fonte por caleiras de pedra de cantaria assentes num muro de alvenaria.
Mais acima, encontra-se um grande rótulo com o letreiro seguinte:
ESTA OBRA MANDOV FA
ZER EL REI DOM JOÃO V DOS
SOBEJOS DO CABESAM DAS
SIZAS DESTA VILA DE EI
RAS, ANNO DE MDCCXXXX
Por cima deste rótulo, um nicho, em meio de ornatos, mostra a imagem de Santo António com o Menino ao colo, e umas palavras meio gastas de que é ainda possível decifrar as seguintes: do lado esquerdo, SISHD; do lado direito, SIGILDVH.
Ao alto, o escudo da Nação, interrompe, a meio, o frontão.
O Chafariz foi recebendo, ao longo do tempo, várias reparações; são conhecidas as dos anos de 1842 e 1851.
Era no Chafariz de D. João V e na Fonte do Escravote, situada próximo, onde a população da freguesia se abastecia, principalmente em cântaros de barro, pois só em 1973 é que se iniciaram as obras de distribuição de água ao domicílio e o saneamento.
Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra. Direção de Arte de Fernando Correia e Nuno Farinha. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 127
Mas, a existência dos colégios, se serviu para minorar o problema de falta de habitação em Coimbra no que se refere à população escolar, não significou de forma alguma que não continuassem a existir carências.
Quanto se sabe, nunca os proprietários de casas devolutas tiveram dificuldades em as arrendar... praticar-se-iam preços especulativos, se não mesmo exorbitantes, se não existisse toda uma série de legislação régia que protegia os escolares da especulação dos senhorios. Assim, de três em três anos, quatro taxadores, sendo dois da Universidade e dois da cidade, taxavam as casas do reitor, dos mestres e dos estudantes. Quanto ao senhorio, este recebia a importância da renda em três prestações, não podendo exigi-la junta, ou aumentá-la, sob pena de a perder todo.
... E não eram apenas os indivíduos de linhagem, os nobres, e os de largos proventos que moravam em casas arrendadas. Era uma larga fatia do corpo escolar, seculares e leigos, que, dispondo de tão largos privilégios no tocante a moradas e abastecimento de bens e produtos necessários ao seu suprimento, habitavam em casas de particulares, continuando-se esta situação pelos tempos fora.
Da época de D. João V fala-nos Ribeiro Sanches ... dizendo que os estudantes viviam aos dois e aos três (tal como acontece nas repúblicas), e servia-os uma ama e um, dois ou mais criados como era permitido à sua condição social pelos Estatutos.
... as condições de alojamento evoluíram sempre. Mas, agora é a primeira vez que alguém nos fala duma vida comunitária de estudantes que habitam uma casa e têm uma “ama”, que não será mais do que a “servente” das repúblicas contemporâneas.
... ao tempo da Reforma de Pombal, com o decréscimo do número de estudantes, terá aumentado a oferta de habitação em Coimbra. Mas a situação iria durar pouco tempo. Na realidade, se houve uma inversão no crescimento da população universitária durante a Reforma, com o passar dos anos há um crescendo que volta a trazer-nos à situação anterior.
... este crescendo acaba por atingir ... uma situação... mais gravosa, quando se atinge a revolução vintista (1820) e, muito particularmente, com a extinção das ordens religiosas e a passagem dos colégios universitários para as mãos do Estado.
É nesta época que começa a dar-se o nome de “República” à comunidade de estudantes que vivem em regime de autogestão, comungando da mesma casa, da mesma mesa, e quiçá, do mesmo espirito e estilo de vida, àquele conjunto de estudantes com vida em comum que ... existe desde os primórdios da Universidade, ou melhor, do Estudo Geral em Coimbra.
Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 77 e 78
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