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Sexta e última entrada dedicada à divulgação do livro de historiador brasileiro Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
Estabelecendo a vital ligação entre os dois lados do rio Mondego, a antiga ponte real foi durante séculos a principal entrada em Coimbra, integrando a via terrestre que ligava Lisboa ao Porto – não no trajeto conhecido através das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz –, mas sim através da íngreme Couraça de Lisboa.
Alguns autores defendem a tradição de que as primeiras pontes construídas sobre o Mondego tiveram, tal como no caso do aqueduto citadino, uma origem romana.
Fig. 4. Ponte da cidade de Coimbra (pormenor) | Civitates Orbis Terrarum, vol. V, 1598, pg. 235
Depositada no Museu Nacional Machado de Castro
Ponte Manuelina e vista de Santa Clara. 1860. Acervo RA
Entretanto, iniciada a formação do Reino de Portugal, consta que D. Afonso Henriques … mandara reconstruir a ponte no ano de 1132, seguida dos arranjos planeados por D. Sancho I, em 1210, e pelos seus sucessores ao longo de toda a Baixa Idade Média.
Estas sucessivas reconstruções ficar-se-iam a dever, sobretudo, devido aos danos provocados pela força das correntes, como se verifica numa carta enviada por D. João II ao conselho da cidade: “a ponte dessa cidade está muito danificada das cheias passadas e em mui grande perigo”
Com efeito, os autores mais fidedignos apontam para uma intervenção sabiamente estruturada durante o reinado de D. Manuel I, nos alvores do século XVI. Segundo o que as fontes documentais apontam, o monarca … ordenara aos mestres Boytac e Mateus, em Setembro de 1510, de promoverem os estudos necessários para o “corregimento da ponte” campanha seria efetivamente concluída nos três anos seguintes, pois, em 1513, a ponte estava aberta ao tráfego.
A estrutura ficava assim a dispor de vinte e quatro arcos, executados em pedra, provavelmente em calcário dolomítico da cidade, inclusive as guardas laterais, que na seção correspondente ao oitavo arco eram encimadas em cada um dos flancos pelas esferas armilares do monarca reinante. No extremo sul, já próximo da margem de Santa Clara, parte do troço da ponte fora alargado, com acessos a jusante e a montante, como se vê ainda nalgumas das gravuras antigas dedicadas a Coimbra.
A extremidade norte era rematada por um torreão-peagem, quadrangular, destinado à aplicação das taxas e impostos sobre quem entrava na cidade. No frontispício principal, sobre o arco de entrada, fora colocada uma lápide brasonada ladeada das esferas armilares, retirada para o Museu do Instituto de Coimbra e hoje depositada no Museu Nacional de Machado de Castro … sobre o referido padrão estaria a representação escultórica com a Virgem Maria, segurando Cristo Menino, que se encontra igualmente no principal museu da cidade, provavelmente ambos da autoria de Diogo Pires o Moço.
…. D. Filipe I de Portugal determinava, por carta régia, o lançamento da finta para se proceder à reconstrução da dita ponte e das margens envolventes onde aquela assentava. Muito provavelmente, as obras não teriam sido logo executadas, pois na correspondência epistolar trocada com o arcebispo de Braga, em 1586, o monarca salientara os estragos provocados pelos “grandes invernos do anno passado”.
A ponte quinhentista, reformada pela última vez naquela centúria pelo arquiteto régio Fillipo Terzi, teria outras obras de consolidação até ser substituída por uma nova em Maio de 1875, não devido ao assoreamento do leito do rio, mas sim às necessidades de permitir, com maior segurança, a passagem do trânsito rodoviário.
Setenta e nove anos depois, a estrutura de ferro assente em pilares de alvenaria ...
Ponte de ferro (finais dos anos 30). Acervo RA
... deu lugar à atual ponte, uma estrutura de betão armado, dotada de tabuleiro plano e assente em cinco pilares pendulares, com talha-mares elípticos … Erguida em local próximo da anterior, a nova ponte, desenhada pelo arquiteto Peres Fernandes.
Ponte de Betão, em construção
Pontes de Ferro e de Betão
Ponte de Santa Clara. Inaugurada em 1954
Curiosamente, em 1950, durante as sondagens geológicas realizadas no seguimento dos estudos de engenharia, seriam encontrados, a 14 metros de profundidade, nas proximidades da margem de Santa Clara, vestígios de uma escada executada em cantaria. Pertenceriam estes achados arqueológicos à ponte real manuelina como sugeriram os engenheiros responsáveis pela última obra?
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:
… é ainda no Paço Real da Alcáçova coimbrã que se reúnem as históricas Cortes de 1385, donde, pela hábil intervenção do doutor João das Regras (e oportuna pressão do Condestável), sairia o Mestre eleito Rei de Portugal, sendo, em consequência , «alçado» como tal e entronizado com as vestes e insígnias régias, no decurso da missa solene que sancionaria o acontecimento, celebrada pelo bispo de Lamego muito provavelmente na própria capela palatina. Ao Paço de Coimbra voltaria D. João I, de resto, por diversas vezes, como atesta o avultado número de Cortes convocadas na cidade pelo monarca e a sua conversão em sede de ducado, em 1415, atribuído ao Infante D. Pedro, seu filho … Com a morte do Infante, em 1449, na trágica jornada de Alfarrobeira e a queda em desgraça da família ducal, tudo indica que o Paço tenha encetado um ciclo de abandono. É o que documenta o conjunto de alvarás emanados por D. Afonso V, entre 1455 e 1469, relativos ao provimento da capelania, vaga desde o falecimento do Regente. Mas este facto, bem como conhecimento de o monarca ter convocado Cortes para a cidade ainda em 1472 … atestam, com a presença do Rei, uma interesse pela velha moradia régia, que se salda numa utilização, por parte da Casa Real, prolongada afinal ininterruptamente até quase ao último quartel do século XV … é só com D. João II que, de facto, se enceta uma desocupação continuada que, em quatro longas décadas, iria conduzi-la ao estado de ruína em que, cinco séculos volvidos sobre a edificação embrional, receberia D. Manuel I o histórico palácio dos seus predecessores.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 268
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