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No interior da velha cerca islâmica, três séculos volvidos sobre a sua edificação, surgia pois, do «palatium» primigénio sesnandino, um organismo novo, materializando a função, nova também, que ao antigo recinto se outorgara: um «Paço Real da Alcáçova». E se era, inquestionavelmente, a cabeça da urbe, pousado na colina, pretendia-se também que dela fosse o coração. De facto, afastado, pouco a pouco, o perigo muçulmano, que ainda em tempos de D. Teresa e do próprio D. Sancho I ameaçara os muros da cidade; estabilizada com Leão e Castela, a linha da fronteira; esbatida a importância militar do recinto fortificado, a moradia régia inaugurava uma relação crescente aberta com a cidade envolvente e as suas necessidades vitais. É desse modo que, em 1273, D. Afonso III estabelece que a feira semanal, cuja tradição remontaria a seu avô D. Sancho, se fizesse “nas minhas casas n’Almedina”, por reputá-lo de interesse comum seu e de todos. Apesar disso, quatro anos mais tarde o mercado mudaria de local e é D. Fernando I que, em 1377, volta ao tema, instituindo uma feira franca, todos os anos, de 15 de Setembro a 15 de Outubro … “Com entendimento que a dicta feira se faça dentro da cerca da dicta cidade no curral dos nossos paaços e arredor deles se dentro nom couberem”
… De facto, a estabilização paulatina da Corte no eixo Lisboa-Santarém, remontando, justamente, a D. Afonso III, tivera como corolário a lenta decadência da Almedina, que a valorização do «curral do paço» como espaço vital da antiga urbe, cada vez mais centrada no arrabalde, parecia pretender contrariar. Antes disso, porém, a perda do valor militar da estrutura castrense da Alcáçova refletira-se na ereção de casas junto ou adjacentes aos muros ou porta da própria cidadela, parte dos quais propriedade régia, albergando repartições ou servidores e que agora ruíam, também elas, dia a dia, ante a escassez de moradores.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 283 e 284
Com efeito e mau grado o reinado de D. Afonso II corresponder a uma progressiva transferência da «sede» da Corte em benefício de Santarém e de Lisboa, prosseguida por D. Afonso III, tornando-se doravante mais prolongadas as ausências de Coimbra por parte dos soberanos … manteve-se a urbe, ao longo do século XIV, entre as quatro cidades mais assiduamente visitadas pela Corte.
A despeito destas ocorrências pontuais é, contudo, apenas a partir de D. Dinis que podemos seguir com mais detalhe os itinerários régios … nos 32 anos que decorrem de 1282 a 1314, apenas em seis deles (1287, 89, 99, 1303, 1309 e 1310) o monarca não parece ter estado na cidade, onde passaria os Natais de 1282, 84, 90, 93, 1301 e (aparentemente) 1307, regressando pela última vez em 1317, ao mesmo tempo que a prolongada estadia da Corte em 1307 seria tradicionalmente responsabilizada pela transferência da Universidade. Quanto a D. Afonso IV, era em Coimbra, enquanto Infante, a cidade “onde tinha sua molher e assento de sua casa”, onde estaria o ninho de águias das suas revoltas contra o pai e onde lhe nasceria o filho D. Pedro – porém não na alcáçova, mas num misterioso “alcacer, que estava acerqua de São Lourenço”, parecendo inferir-se, mesmo pelo facto de ter «conquistado a cidade» em Dezembro de 1321, no quadro da sua rebelião e de a posse desta lhe ter sido mais tarde ratificada pelo pai (mas precedida da devida homenagem ao Rei), que o uso do Paço Real se encontraria adstrito ao monarca reinante. Enquanto soberano, todavia, conservar-se-ia ausente da cidade entre 1336 e 1340, aí celebrando, porém, os Natais de 1326, 1334 e 1341. Mais breves seriam, decerto, as estadias de D. Pedro … Outro tanto, porém, não ocorreria com seu filho D. Fernando … No Paço da Alcáçova sucederia, aliás, o nascimento da almejada herdeira, D. Beatriz e aqui estanciaria o «Formoso» “dassessego” por diversas vezes, em particular nos anos da guerra com Castela, de 1371, 1372 (incluindo o Natal) e 1377.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 266 a 268
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