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Na continuação da entrada anterior, importa assinalar que, na época, a deslocação de parte da Academia até Tomar foi referida por “Tomarada” ou por “Entrudada”.
No texto que, como já se especificou, é da autoria de Joaquim Martins de Carvalho, um profundo conhecedor de Coimbra e do seu passado, surge a referência às “Escadas de Santa Cruz”, designação toponímica que eu, bem como outros apaixonados pela história da Cidade, desconhecíamos,
O restante trajeto percorrido pelos académicos não levanta grandes dúvidas e passaria por descer a Couraça dos Apóstolos, a atual Rua do Colégio Novo e no cimo da antiga Rua das Figueirinhas, agora “batizada” de Rua Martins de Carvalho, descer para Sansão.
O problema coloca-se neste local, pois talvez os jovens pudessem descer umas escadas do Mosteiro crúzio que iam desembocar na sua horta e eram utilizadas polos cónegos regrantes para, por uma passagem secreta de que ainda restam alguns vestígios, se deslocarem até ao Colégio de S. Agostinho.
Avento a hipótese de serem estas as referidas “Escadas de Santa Cruz”, e lanço o desafio a outros conhecedores da cidade para se pronunciarem sobre esta possibilidade.
O itinerário referido, desde que, na época, fosse possível utilizar as alegadas “Escadas”, permitiria aos dois grupos de estudantes em confronto entrarem, simultaneamente, em Sansão, uns pelo lado Norte e outros pelo lado Sul.
Fica a hipótese e o desafio.
Feito este parêntesis, prosseguimos com o texto que temos vindo a utilizar.
À noite reuniu-se a maior parte da academia no largo da Feira, e aí se espalhou a falsa noticia de que os habitantes do bairro baixo da cidade tratavam de se armar para os ir atacar no bairro alto. Os ânimos, que estavam excitados em virtude dos acontecimentos da tarde, mais se exasperaram com tal boato.
Sé Nova e Largo da Feira. Col. RA
Alguns estudantes menos prudentes, querendo ostentar força, e julgando-se vitoriosos dos acontecimentos da tarde, começaram a incitar os seus condiscípulos para virem ao bairro baixo, e assim mostrar que nenhum medo tinham. Não faltaram conselhos e pedidos para que se não efetuasse semelhante resolução: esses esforços, porém, foram inúteis. Mostrando-se alguns, ainda que poucos, estudantes resolvidos a vir ao bairro baixo, todos os outros os seguiram, uns por espírito de camaradagem, e outros até para evitar as cenas desagradáveis que podiam ocorrer. Desceram em número de perto de 600, parte pelo Arco de Almedina, e outra pelas escadas de Santa Cruz, juntando-se em Sansão.
Largo de Sansão, hoje Praça 8 de Maio. Inicio do séc. XX. Col. RA
Mal constou que os estudantes vinham ao bairro baixo, receou-se que se repetissem os excessos da tarde; e por isso resolveram-se alguns indivíduos, no caso de ser preciso, a repelir a força com a força. Ao mesmo tempo dizia-se, posto que infundadamente, que os estudantes queriam incendiar a cidade; e por isso quando eles desciam a rua do Cego para a praça, foram recebidos por algumas descargas, que lhes atiraram da esquina próxima da igreja de S. Bartolomeu, de que resultou ficarem alguns estudantes feridos, e corresponderem estes também com alguns tiros.
Reconhecendo a imprudência do passo que tinham dado, retiraram-se os estudantes para o bairro alto, dirigindo-se uma parte deles pela Portagem, onde a guarda lhes não consentiu que passassem para a Couraça de Lisboa, senão a dois de fundo. Assim o fizeram, terminando por essa noite os tumultos.
Na quarta feira de cinza correram boatos de que nesse dia haveria ainda maiores desordens. Em lugar, porém, dos sinistros acontecimentos que se receavam, tomaram muitos académicos a resolução de sair da cidade, dirigindo-se para Lisboa.
Os académicos participaram esta deliberação ao seu prelado, o qual não pôde fazê-los mudar de parecer; e por isso resolveu em conselho de decanos não mandar tocar o sino para as aulas, esperando ainda que se acalmasse tal estado de irritação.
Chegada a questão a estes termos, foi convocado o claustro pleno para confirmar a deliberação do conselho de decanos; porém, sendo chamado a assistir a ele o sr. governador civil, este instou e fez tomar a decisão de que houvesse aulas no dia seguinte e continuasse aberta a universidade.
Na quinta feira de madrugada, 2 de março, mais de 200 académicos se reuniram no largo da Feira, e dali marcharam para Lisboa, a fim de representar contra os habitantes de Coimbra.
Em cumprimento da resolução do claustro pleno, abriram-se as aulas, e os professores foram para as suas cadeiras; mas raros alunos compareceram, havendo classes em que faltaram totalmente os discípulos.
Os académicos que tinham saído de Coimbra caminharam a pé até Tomar. Aí os veio encontrar o sr. Roussado Gorjão, encarregado pelo presidente do conselho, duque de Saldanha, e pelo ministro do reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, de os persuadir a voltar para Coimbra. Os académicos acederam ás razões que lhes foram expostas, e pela maior parte vieram outra vez para esta cidade.
Pelo ministério do reino foi primeiro concedida aos académicos a faculdade de se apresentarem na universidade até ao dia 25 de março, para continuar as aulas, na certeza de que lhes seriam abonadas as faltas que desde o dia 28 de fevereiro tivessem dado nos exercícios escolares. Depois, em portaria de 17 de março, atendendo a que poderia haver alguns académicos ou muitos deles, que, tendo ido para as terras da sua naturalidade como o governo lhes permitira, ou por quaisquer outros motivos, não pudessem concorrer dentro do tempo prescrito para prosseguir nos seus estudos, á semelhança dos que de Tomar tinham regressado á universidade, foi-lhes prorrogado o prazo para se poderem apresentar até ás ferias da Páscoa.
Carvalho, J. M. Graves conflitos em Coimbra pelo entrudo de 1854. In: Apontamentos para a História Contemporânea, 1868: Coimbra, Imprensa da Universidade, pp. 241-248. Acedido em: https://drive.google.com/file/d/1v-_FRydFPXvB6h6mwq3J2w75ylFmkMsd/view?fbclid=IwAR3I0Zqi_2y3soFLcZe6r5fLsX-Q2qn4McLYJbRj10EtL39pkTqs53l7Oys
Há uma bela vista de Coimbra, desenhada pelo artista florentino Pieri Maria Baldi, que visitou Portugal vindo na comitiva do príncipe Cosme, herdeiro do soberano Gran-Duque da Toscana... demorando-se em Coimbra três dias, no mês de Fevereiro de 1669. Foi nestes dias que fez o desenho.
Gravura de Baldi
Nele se sê a verdadeira feição do afamado arco romano de Belcouce, que é, pura e simplesmente, a porta principal do «oppidum» Emínio; as casas que lhe ficam por trás e ao lado, ocupando precisamente o local do velho palácio (que em 1537 pertencia ao Reitor Garcia de Almeida que mandou dar as lições das Faculdades jurídicas e médica em salas do seu próprio palácio, onde residia, sito à Estrela, próximo da torre e do arco romano «de Belcouce»), são casas vulgares apenas.
[Aquando da construção do Colégio de S. António da Estrela], das antigas edificações, que aqui havia, foi poupado o arco romano, que permaneceu a Sul do novo edifício, e a parte inferior, que restava, da célebre torre quinária de Belcouce, ficando mais de metade do seu corpo embebida na alvenaria da fachada ocidental, de modo que se conservou à vista, a salientar-se, o ângulo ocidental; aproveitou-se habilmente para mirante o terraço triangular que sobre ela ficou descoberto. Também pouparam a interessante inscrição comemorativa da construção da torre, que se edificou por ordem de D. Sancho I. Para datar esta construção, esculpiram-se na lápide comemorativa três elementos cronológicos, que não se adaptam bem entre si, embora a discrepância não seja grande: o início do reinado de D. Sancho I, a tomada de Coimbra aos mouros por Fernando Magno de Leão, e a era hispânica de 1249. Oscilam entre os anos de 1209 e 1211. Parece que aquela primeira data se reporta ao começo da obra, e esta ao assentamento da inscrição, quando se havia concluído a torre, na era de 1249 a.D. 1211. Muito se discreteou sobre a concordância destes três dados cronológicos.
Arco romano, apresentação de Isabel Anjinho
... A 10 de Junho de 1778, mandou a Câmara demolir o arco romano da Estrela! Assim desapareceu estupidamente o monumento histórico mais precioso e interessante no seu género que Coimbra possuía; mas, em compensação, exultou a vereação por ter aumentado com esta desastrada medida a receita municipal deste ano, entrando em cofre a quantia de 30$000 reis, que pagou Miguel Carlos pela compra da pedra da demolição!
Pormenor da gravura de Hoefnagel, apresentação de Isabel Anjinho
É possível marcar-se aproximadamente o local onde se erguia o arco, tendo em consideração que esse local foi depois da demolição aproveitado pelos frades para ali construírem uma casa suplementar ao Colégio, na extremidade sul deste, a qual se vê em estampas que ilustram este capítulo. Ainda existe, no jardim... um marco de referência precioso: um cubelo de suporte da muralha, que se encontra à mão esquerda, quando da Couraça se transpõe a porta de entrada do jardim. Este cubelo se vê nas respetivas estampas, marcando o vértice do ângulo S-O da dita casa.
Colégio de S. António da Estrela
As fachadas ocidental e meridional estende-se nesta estampa quase lado-a-lado, no 1.º plano, desde a parte posterior da igreja, à nossa esquerda (onde se salienta a pequena capela-mor, e ao lado a pequeníssima sacristia com as suas 2 janelas), até ao topo S, quase completamente escondido detrás duma casa com três filas de 5 janelas em cada um dos seus 2 andares, e por baixo destas mais outra fila de janelas simuladas. Esta casa foi construída, no último quartel do século XVIII, a ocupar o local onde se erguia o afamado arco romano ou de Belcouce; ficou quase encostada ao topo meridional do Colégio, construindo- entre um e outro edifício a porta larga e a passagem de entrada para o grande pátio do Colégio, e para esta nova casa. Um cubelo, que se vê no ângulo deste pequeno prédio, ainda hoje existe, e serve de marco para fixarmos o lugar da casa, e consequentemente do arco de Belcouce.
O Colégio era composto de 2 corpos contíguos, um com a orientação S-N, o outro E-O, formando assim um ângulo reto. No topo ocidental deste último corpo, divisa-se a parte restante da torre de Belcouce.
Esta fotografia foi tirada do areal do rio, a montante da ponte, alguns anos depois do incêndio que devorou o edifício em a noite de domingo, 27 de janeiro de 1895, deixando ficar somente as paredes.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 274-276, 404 do Vol. I
No princípio do referido século (século XVIII), constituiu-se uma nova província dos «Frades Franciscanos da Observância Recoletos ou Capuchos».
... Em 17 de janeiro de 1707... dava licença... para em Coimbra fundarem um Colégio, nas casas para isso destinadas (junto à Porta de Belcouce).
Colégio de S. António da Estrela
... Fez-se pois o projeto da obra do Colégio, amplo mas modesto e... a 29 de março de 1715, benzeu e colocou a 1.ª pedra... As obras correram sem delongas... foram muito bem aproveitadas as condições excecionais do sítio e a área de que dispunha.
Colégio de S. António da Estrela, portal da igreja
Faceava a fachada oriental com a rua que vai, desde o fundo da Couraça de Lisboa, até ao ponto de convergência das ruas das Fangas e do Correio.
Colégio de S. António da Estrela, portal aplicado a uma capela recente
O portal, modesto mas belo, rematado pelo emblema escolhido por esta província franciscana – a imagem de Nossa Senhora da Conceição, cercada pelo cordão de S. Francisco, e tendo aos pés o escudo real português.
... Das antigas edificações, que aqui havia, foi poupado o arco romano ... e a parte inferior, que restava, da célebre torre quinária de Belcouce. (Posteriormente demolidos)
Alcançou o Colégio os privilégios da Universidade em 1752... Extinto em 1834, teve este Colégio sorte idêntica aos outros: o edifício foi abandonado... a 30 de maio de 1835, a Câmara municipal pedia ao Governo que fosse retirado da lista dos edifícios destinados à venda... para ser aplicado a prisão... Não chegou porém a ser-lhe dada tal aplicação. O Estado veio a aliená-lo... passando a ser propriedade particular.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 271-277, do Vol. I
Era destinado aos «Freires das duas Ordens militares – de S. Tiago da Espada, com sede em Palmela e de S. Bento de Avis».
Para assento do edifício colegial escolheu-se um terreno que havia a Sul do Castelo, vindo por isso a denominar-se rua dos Militares a rua que, em continuação da Couraça de Lisboa, sobe do Arco da Traição e corre em frente da fachada ocidental deste Colégio, e beco dos Militares a viela que, partindo desta rua, ladeia por sul o mesmo edifício. Anteriormente aquela «rua» chamava-se de Alvaiázere.
O Colégio ficou com uma pequena cerca fora da barbacã, sobre a qual abriam as portas e janelas da fachada oriental. Um caminho estreito, que vinha do arco da Traição, separava a cerca dos Militares, da do Colégio de S. Bento. Tudo isto pode ainda hoje (em 1938) verificar-se.
Colégio dos Militares planta finais do séc. XVIII
Benzeu-se e assentou-se a primeira pedra no dia 25 de julho de 1615
... Este Colégio, ficava de modo particular sob a proteção real. Para que os freires conventuais de qualquer das duas Ordens pudessem ser admitidos ao Colégio, era necessário que já contassem, pelo menos, dois anos completos de religião, não tivessem mais de vinte e cinco, de idade, e não fossem de baixa estirpe. A lotação era de doze colegiais, sendo seis de cada Ordem.
Colégio dos Militares
... Extinto o Colégio em 1834, foi... mandado entregar à Universidade... 27 de Outubro de 1853, os lázaros, que havia dois anos estavam hospitalizados no edifício do Colégio de S. Jerónimo, passaram para o dos Militares.
Aqui se conservam até à atualidade (em1938)... integrando nas vastas instalações dos Hospitais da Universidade, deixando de ser hospital dos Lázaros.
Nota: O edifício foi, posteriormente, totalmente demolido para dar lugar à Praça de D. Dinis e ao Departamento de Matemática.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 267, do Vol. I
Em 1552 já havia em Coimbra alguns religiosos estudantes da «Ordem da Santíssima Trindade da Redenção dos Cativos», que se alojavam colegialmente numa casa ... Alguns anos mais tarde, em 1562, começaram as obras de construção do edifício do novo Colégio, no espaço que medeia entra a rua, que mais tarde tomou o nome de rua da Trindade, e a rua da Couraça de Lisboa, ocupando uma grande área, limitada a Leste pela rua de S. Pedro, a Oeste pelo que veio a denominar-se travessa da rua da Trindade.
Colégio da Trindade, fachadas oeste e sul da igreja
Achava-se o edifício bastante adiantado, quando ... 11 de janeiro de 1575 ...licença... para se assenhorearem dum pedaço da rua e travessa inútil ... 1630, quiseram os colegiais acrescentar um alpendre ao portal da sua igreja, que abre a Ocidente, sobre a travessa da rua da Trindade.... Cedo foi o Colégio incorporado na Universidade.
Colégio da Trindade, loggia voltada a sul
... Depois da extinção das Ordens religiosas o edifício do Colégio foi pelo Estado vendido em praça pública com o quintal anexo, no dia 14 de Maio de 1849 ... pelo preço ridiculamente mesquinho de 3.200$000 reis. A igreja porém com o contiguo claustro e suas pequenas dependências, continuaram durante muito tempo a pertencer à Câmara Municipal, que na sucessão dos tempos lhe deu vários destinos, funcionando lá, durante muito tempo, o tribunal judicial da comarca.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 240-242, do Vol. I
Diversas casas exibem fachadas daquele tipo (neomanuelino): surgem aqui e além,
... na atual Rua Visconde da Luz (início da Rua Corpo de Deus),
... na Rua Alexandre Herculano
... na Couraça de Lisboa,
... no Bairro de São José a capela de Santo Antoninho dos Porcos
forma um todo com a casa neomanuelina do Bairro de S. José
O Bairro de São José servia outrora de cenário à feira dos porcos e existia também no local uma Capela dedicada a Santo António, protector destes animais na doença. Mais ou menos neste sítio foi construída por José Barata uma moradia que, no seu exterior, ostenta decoração neomanuelina. Após a urbanização da zona a feira deixou de se realizar ali e a reconstrução da Capela, com a sua ornamentação idêntica à da casa, permitiu que a ela se acoplasse. No conjunto os elementos manuelinos abundam: cordas, escudos, esferas armilares, cruzes de Cristo e arcos conopiais, fazem com que este seja um dos melhores exemplares citadinos do tipo.
Os habitantes da zona não deixaram cair no olvido total a feira que ali se realizava e a «nova» Capela ainda hoje é conhecida sob a invocação de Santo Antoninho dos Porcos.
Anacleto, R. 1982. Arquitectura Revivalista de Coimbra. In Mundo da Arte, 8-9. Coimbra, 1982, p. 3-29.
O traçado das ruas da cidade romana é indeterminável, pois os únicos edifícios romanos descobertos – o criptopórtico e a cave em frente da Sé Velha – são insuficientes para nos determinarem orientações.
A mediévica Porta do Sol era provavelmente, já no período romano, umas das entradas da cidade; ficava situada ao cimo da rampa natural que o aqueduto romano acompanhava. Do facto de quase todas as inscrições funerárias romanas de Coimbra terem sido achadas metidas nos muros do Castelo, ou nos panos da muralha entre este e a Couraça de Lisboa, V. Correia concluiu que o cemitério romano deveria ficar situado na encosta de S. Bento e do Jardim Botânico, isto é a poente da ladeira que subia até à Porta do Sol.
Desta entrada da cidade, divergiam muito possivelmente duas vias: uma delas, que na Coimbra moderna (mas anterior à demolição da Alta da cidade) era chamada Rua Larga, conduzia ao sítio que o edifício antigo da Universidade presentemente ocupa. Aqui, não pode deixar de ter existido um edifício romano importante, provavelmente publico … Outra via descia do sítio da Porta do Sol ao antigo Largo da Feira e daqui, pelo Rego de Água e Rua das Covas ou de Borges Carneiro, ao largo da Sé Velha. Se este era o principal arruamento da cidade romana no sentido leste-oeste, é tentador ver, na Rua de S. João ou de Sá de Miranda e na de S. Pedro, o eixo principal norte-sul. Nogueira Gonçalves, porém, considera esta última um corte artificial, talvez operado no século XVI.
Se o monumento romano à Estrela era um arco honorífico, devia marcar o início de uma rua da cidade. Esta seria a do Correio ou de Joaquim António de Aguiar, que António de Vasconcelos representa na sua planta de Coimbra no século XII. Na mesma planta, um outro arruamento, de antiguidade bem provável, é definido pelas ruas da Trindade, dos Grilos ou de Guilherme Moreira e da Ilha. Da antiguidade da Rua do Cabido, representada ainda na mesma planta, duvidamos algum tanto; inclinamo-nos mais a ver na Rua do Loureiro outra das principais vias antigas.
Tudo isto, porém, é conjetural.
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 39 a 40
O Mondego era na Antiguidade navegável até Coimbra, e mesmo até à foz do Dão; constituía uma importante via fluvial, de oeste a leste, largamente praticada ainda na Idade Média; no sentido norte-sul, a via, agora terrestre, não podia encontrar melhor cruzamento do rio que em Coimbra: para poente, os terrenos eram alagadiços, o rio muito caudaloso e largo; para o interior, as vias tornavam-se ásperos caminhos de montanha. Coimbra era, pois, ponto de passagem obrigatório entre o norte e o sul, centro onde naturalmente se podiam trocar os produtos da serra pelos da planície e do mar.
A existência de uma ponte de pedra romana em Coimbra é mais do que provável. Ficaria sensivelmente no sítio da atual, sítio que corresponde, com ligeira diferença, ao das pontes de D. Afonso Henriques e D. Manuel. Aliás, terão sido estas fábricas novas ou simples restauros da ponte romana?
Atravessado o rio, a estrada romana seguiria a linha das atuais rua de Ferreira Borges (antigamente chamada de Calçada), Visconde da Luz e Direita. Esta última, chamada na Idade Média rua da Figueira Velha, constituiu a saída da cidade até à abertura, no século XVI, da Rua da Sofia.
Na atual Praça 8 de Maio, a via cruzava a torrente, já referida, de ‘balneis Regis’. Foi Vergílio Correia quem sugeriu a existência de umas termas romanas no local onde, em 1131, se deu início à construção do mosteiro de Santa Cruz. E Nogueira Gonçalves … admitiu que a porta mourisca mencionada em documento de 1137 fosse último resto desta construção. De tais termas, porém, nada ficou.
... De outros monumentos romanos de Coimbra, infelizmente desaparecidos, conserva-se mais segura memória. São eles o arco da Estrela e o aqueduto.
… Hefnagel, na gravura de Coimbra, incluída na obra ‘Civitates orbis terrarum’, atribuída tradicionalmente a Braunio, desenhou, no ângulo entre a Couraça de Lisboa e a Couraça da Estrela, três colunas que na legenda aparecem designadas: ‘colunnae antiquae Romanorum’. As colunas assentam sobre um estilóbato baixo e são coroadas por arcos.
Que as colunas romanas não podiam estar situadas exatamente no local onde Braunio as representou, é indiscutível. Daí até negar a existência do monumento é passo grande … não nos deixam dúvidas sobre a existência do monumento, que a Câmara da cidade deixou demolir em 1778 … Era um monumento tão notável, que deu nome à porta da muralha situada ao fundo da Couraça de Lisboa. Com efeito, o nome que esta teve – de Belcouce – significa «no arco» ou «junto ao arco»
… O aqueduto de S. Sebastião foi construído sobre as ruínas de um idêntico cano, muito mais antigo e provavelmente romano …Provam-no as lápides que, em 1570, se colocaram no aqueduto restaurado por D. Sebastião … «… mandou reedificar de novo todo este aqueduto, mais nobremente do que fora feito havia muitos anos…»
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 28 a 34
A ocupação pré-romana da cidade é provável, ainda que não provada.
… Na área da cidade, mesmo da cidade alargada do nosso tempo, não se encontraram nunca vestígios pré-romanos. Os mais próximos são os da Caverna dos Alqueves.
Fica situada entre as aldeias da Póvoa e Bordalo, a poente de Coimbra, nas traseiras do mosteiro novo de Santa Clara. Descoberta pelo Dr. Santos Rocha, que aí fez explorações em 1898, foi escavada também por A. Mesquita de Figueiredo, em 1900 e 1901. O espólio encontrado é neolítico.
É provável que o festo da colina onde, no nosso tempo, se instalou a cidade universitária, tenha sido ocupado desde épocas recuadas. O sítio é excelente. Dois vales profundos cavam um fosso natural em redor da colina. O primeiro corresponde à atual Avenida de Sá da Bandeira. Por ele corria um ribeiro chamado ‘torrente de balneis Regis’ no documento de 1137 demarcatório da freguesia de Santa Cruz. O ribeiro, que tomava a direção da Rua da Moeda, tinha caudal suficiente para moer, na Idade Média, as azenhas instaladas nesta rua … O segundo vale corresponde ao Jardim Botânico e à sua mata. Uma rampa natural, que o aqueduto de S. Sebastião, ou dos Arcos do Jardim acompanha, separa os dois vales … Este morro é ainda fendido a meio por aquilo que Fernandes Martins chamou expressivamente uma «cutilada»: um valeiro que, saindo do antigo Largo da Feira, «e seguindo pelo Rego de Água em direção à Rua das Covas, ganha declive cada vez mais rápido, para se despenhar por Quebra-Costas, a caminho da Porta de Almedina». Em 14 de Junho de 1411, segundo revela Nogueira Gonçalves, uma enxurrada de tal sorte se precipitou por este córrego, que arrancou as portas chapeadas de ferro da cidade…
Um sítio naturalmente defendido e cómodo para assento de povoado fica assim definido entre a Couraça de Lisboa e o córrego da Rua das Covas ou de Borges Carneiro. Se nenhuns vestígios de épocas pré-históricas foram aí encontrados, isso se deve, certamente, ao facto de os trabalhos para a instalação da cidade universitária não terem sido acompanhados por arqueólogos.
Na área da atual cidade, outro ponto que os povos pré-históricos poderiam ter ocupado, é o morro da Conchada; não se conhecem aqui, porém, vestígios arqueológicos. Uma «necrópole com sepulturas antropomórficas abertas em rocha», provavelmente medieval, foi descoberta no vale de Coselhas.
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 25 a 27
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