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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 08.08.24

Coimbra: Convento de Sant’Ana, o tempo de Quartel

A adaptação do Convento a quartel motivou, como não podia deixar de ser, as alterações arquiteturais que melhor dispusessem o edifício às finalidades que se pretendiam.

.… Como é afirmado no Inventário Artístico de Portugal “A remodelação do edifício monástico para o fim de aquartelamento regimental, se transformou a orgânica primitiva das celas bem como as janelas, conservou a carcaça das paredes que delimitávamos dormitórios e que representam o esquema geral monástico”.

…. Extinto o Convento de Sant’Ana, com a saída da última freira para o Colégio Ursulino, a propriedade, com exclusão da igreja e da cerca, foi entregue ao Ministério da Guerra tendo como finalidade a sua ocupação pelo Regimento de Infantaria 23.  Este Regimento, embora referenciado em Coimbra desde 1884, estava aquartelado em condições precárias no Colégio da Graça.

…. Data de 1892 o primeiro projeto de adaptação do Convento a Quartel, que se conhece, visando a instalação de um Destacamento de Cavalaria.

CSA- Planta res-do-chão.jpgPlanta do rés-do-chão – zona das hospedarias, 1892, DSE – 6844 2.º-5-64-73. Op. cit. pg. 96

Neste projeto, assinado pelo Ten. Eng.º João Maria de Aguiar, podem-se observar a divisória central que separava os dois pátios em que se articulava a ala das hospedarias, e parte do corpo central que separava os dois claustros da parte conventual.

…. Só em 1905, é que a Secretaria da Guerra manda adaptar o extinto convento de Santa’Ana a quartel, para “um Regimento de Infantaria, um Destacamento de Cavalaria, um Distrito de Recrutamento e Reserva e uma Caserna Militar. E só em 3 de outubro de 1911 é que o Regimento de Infantaria 23, primeira Unidade Militar de Infantaria aqui sedeada, ocupou formalmente o edifício.

…. Mas é a 21 de maio de 1905, que é apresentado o primeiro projeto (conhecido) para Quartel de Infantaria.

CSA. Projeto de quartel.jpgProjeto de quartel de infantaria. Op. cit., pg. 101

…. Os trabalhos de adaptação foram iniciados em dezembro de 1905 e interrompidos, logo a seguir, em 15 de janeiro do ano seguinte …. São retomadas a nove de abril de 1911, com base num novo projeto mais abrangente onde, pela primeira vez, surge a proposta de uma alteração importante da fachada.

CSA. Projeto de quartel, fachad norte.jpgFachada norte – Projeto final, DSE. Op. cit. pg. 109

…. O RI 23 foi a primeira unidade a ocupar as antigas instalações do Convento de Santa’Ana … Um mês depois da sua transferência para o Funchal em 1926, as instalações foram ocupadas pelo Batalhão de Caçadores 10 que, no processo absorveu o Regimento de Infantaria 35 e o 5.º Grupo de Metralhadoras, ambos sedeados em Coimbra desde 1911 (este último ocupando instalações no Quartel de Sant’Ana desde 1924).

Com a extinção do Batalhão de Caçadores 10, em 1927, o quartel foi, de imediato, ocupado pelo Batalhão de Metralhadora n.º 2 que o substituiu e por aqui permaneceu até à sua transferência para a Figueira da Foz … é determinada a entrega das instalações ao Regimento de Infantaria 12, que aqui permanecerá durante 26 anos, até à sua extinção formal em 1965.

O Distrito de Recrutamento e Mobilização n.º 12 … é transferido para Coimbra em 1939, ocupando 10 compartimentos do Convento de Santa’Ana.

CSA 32.jpgFachada Norte – Foto da atualidade. Op. cit., pg. 112

No período entre 20 de abril de 1979 e 19 de junho de 1997, instalou-se também no Quartel a Manutenção Militar …. Tendo recebido as instalações do Quartel-General da Região Militar Centro a Manutenção Militar acabaria por devolvê-las ao Quartel-General da Brigada Ligeira de Intervenção, depois deste ter ocupado o Convento/Quartel de Sant’Ana … a partir de sete de junho de 1993.

Ferreira, J.M.V. e Caldeira, J.R.M. Sant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel. 2.ª edição. 2006. Coimbra, Câmara Municipal.

 

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por Rodrigues Costa às 11:27

Terça-feira, 06.08.24

Coimbra: Convento de Sant’Ana, evolução ao longo dos séculos

Nesta entrada e na seguinte, divulgamos um texto que nos permite conhecer o percurso deste cenóbio desde a sua construção até à sua transformação numa unidade militar.

Trata-se da obra Sant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel, da autoria de dois militares que ali prestaram serviço, o Coronel Jorge Manuel Vieira Alves Ferreira e o Major-General José Romão Mourato Caldeira.

CSA 31.jpgSant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel. Op. cit., capa

A fundação do Mosteiro nasce do empenho de uma religiosa do Mosteiro de S. João das Donas de Santa Cruz, chamada D. Joana Pais. Sendo muito devota da Santa Ana … decidiu fundar-lhe um mosteiro numas casas e vinha de que era legítima proprietária por herança.

… A origem da sua fundação e, em particular, da natureza das suas primeiras ocupantes, confunde-se com o fenómeno das “emparedadas”… que consistia numa forma de penitência particular em que certas devotas, para expiar faltas cometidas ou na esperança de altas recompensas após a morte, decidiam privar-se de todos os bens e esperanças da vida secular e se fechavam no interior de pequenas celas (apenas do amanho indispensável) … as devotas faziam-se entaipar entre quatro paredes, enterrando-se em vida, mandando fechar a pedra e cal a porta … eram alimentadas por uma pequena fresta.

… De todas as “emparedadas” parece que as mais antigas teriam sido as “d’a par da ponte” de Coimbra.

A prática terá tido começo nos inícios do século XII e sobre ela se encontram ainda referências no século XV.

… Confirmada pela história a existências das “emparedadas” e o rigor da sua penitência, fica por esclarecer de que modo influíram na origem do primitivo Convento … velho de Sant’Ana “d’A par da ponte” (fundado no último quartel do século XII).

… Cerca de cem anos após a conclusão do edifício, começaram as religiosas a experimentar grandes prejuízos e incómodos devido às grandes inundações do convento, provocadas pelo progressivo assoreamento do rio Mondego. O fenómeno de elevação do nível das águas foi tal que, no final, não ficaram vestígios da construção.

… A doação da quinta de S. Martinho, feita por D. João Soares em 1561, para nela se recolherem as freiras que … viviam ainda nessa altura, no mosteiro velho a montante da ponte.

Quinta de S. Martinho.jpgQuinta de S. Martinho. In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 20.

Embora a quinta de S. Martinho não tivesse condições para uma permanência de longa duração, as freiras ali se instalaram até que o bispo D. Afonso de Castelo Branco lhes mandasse construir o novo edifício do mosteiro, no sítio denominado Eira das Patas.

D. Afonso Castelo Branco, tumulo.jpgTumulo de D. Afonso Castelo Branco, na Sé Velha de Coimbra [inicialmente na capela-mor da igreja do Convento de Santa’Ana} In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 19.

 …. Nove anos e meio durou a construção do Convento desde que, a 23 de junho de 1600, fora lançada a primeira pedra, pelo Bispo-Conde D. Afonso Castelo Branco, até à entrada definitiva … ali permaneceram as freiras de Santa Ana até aos conturbados tempos de 1832-34.

… O final das guerras liberais … conduziram ao decreto de extinção das Ordens Religiosas.

… Foi consentido que o convento continuasse como tal enquanto fosse viva a última freira … Esta circunstância só não ocorreu porque a seis de junho de 1885 … optou por se recolher … no Colégio Ursulino, hoje Hospital Militar Regional n.º 2.

A …  Fazenda Nacional … por despacho de 13 de agosto do mesmo ano, o cede juntamente com a respetiva cerca ao Ministério da Guerra, para ser transformado em quartel e aqui se estabelecer, juntamente com o Regimento Infantaria 23, um Departamento de Cavalaria.

Ferreira, J.M.V. e Caldeira, J.R.M. Sant’Anna. Três séculos de Convento, um século de Quartel. 2.ª edição. 2006. Coimbra, Câmara Municipal.

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por Rodrigues Costa às 11:43

Terça-feira, 30.10.18

Coimbra: Sinos da cidade e suas “conversas”

 

Joaquim Martins Teixeira de Carvalho.jpeg

 Joaquim Martins Teixeira de Carvalho

Contavam os velhos que a voz dos sinos tinha força de convencer os homens.

Da campainha de S. Francisco Xavier se conta na India que levava atrás dele os mais infiéis.

Goa. Igreja do convento de S. Francisco Xavier.jpg

 Goa. Igreja do convento de S. Francisco Xavier

Não havia cão de herege, que, ao ouvir a campainha, não ficasse inquieto, agitado, movendo-se sem saber porquê, e não acabasse por dobrar a cabeça e pôr-se a andar atrás dela até a igreja.

Os sinos passavam por falar a verdade; nas igrejas estavam em altas torres para serem vistos de longe e atirarem para vales distantes a sua voz a anunciar a hora da oração, ou da vida ou da morte.

Há quem diga até que os sinos eram indiscretos e que, muitas vezes, em lugar de palavras de oração, contavam sem querer o que ia nos conventos, e por eles se vinha a saber o que por lá se passava.

 Em Coimbra, contavam-me antigamente que os sinos até conversavam, e se respondiam uns aos outros.

Convento do Buçaco antes da construção do Hotel

Convento do Buçaco antes da construção do Hotel

No Bussaco, a cada hora de oração tocavam os sinos das ermidas todas dispersas pela mata e, contam crónicas, que o diabo tentara por vezes impedir que alguns frades juntassem a voz do pequeno sino das suas ermidas desertas à dos outros que em cada hora chamavam num coro baixo, com medo do vento e da chuva, à oração.

 

Capela do Sepulcro.jpg

Buçaco. Capela do Sepulcro

 

Em Coimbra os sinos eram de menos devoção, e deviam fazer rir muito o próprio diabo.

Quando eu cheguei a Coimbra, explicou-me um dia um velho a voz dos sinos desta terra.

Era ao pôr-do-sol. Vínhamos descendo do Penedo da Saudade para o jardim.

Mosteiro de Santa Teresa. Porta da igreja.jpg

 Mosteiro de Santa Teresa. Porta da igreja

Pela porta da igreja de Santa Teresa sumiam-se caladas mulheres de idade, com o ar remediado, que dá a limpeza devota.

Alguns estudantes passeavam no adro.

De dentro vinha o canto rezado das freiras, áspero e delgado.

O sino pôs-se a dobrar, cortando as sílabas.

- Pe … ni … tência…, pe …ni… tência! …

Assim o ouvi, mal mo disse o velho com quem ia, e que andando e sorrindo repetia imitando a voz do sino   pe … ni … tência…, pe …ni… tência! …

Quando chegamos ao fundo da ladeira, fez-me o meu companheiro notar a voz doutro sino, que vinha de longe, do convento de Santa Clara, que brilhava alegre na atmosfera dourada do poente.

Mosteiro de Santa Clara-a-Nova.jpg

 Vista de Santa Clara. c. 1860. (Passado ao espelho, p. 50)

Pus-me a ouvir o sino, e ele a ensinar-mo a entender.

O som era mais grave, mas duma gravidade de ironia e dizia muito claramente.

- Tan … ta não! Tan.. ta não!

Eu ria-me. Quando ele me chamou a atenção para o sino de Sant’Ana, que se ouvia então e me disse:

- Veja o que diz esse agora!

- Eu sei lá!

- E bem simples: nem tanta, nem tão pouca!

Mosteiro de Santa'Ana.jpg

 Colégios de Tomar e de Sant’Ana. No primeiro plano a residência do prior-mor de Santa Cruz e, por cima, os Arcos do Jardim. Junto destes o pequeno Bairro de S. Sebastião. (Fototeca BMC. Cota: BMC_A033)

E era verdade. O sino de Sant’Ana, dizia num som delgado, com voz de nariz:

- Nem … tan … ta … nem … tão … pouca! Nem … tan … ta … nem … tão … pouca!

Assim fiquei eu sabendo que quando, às horas de oração o sino de Santa Tereza dizia:

- Penitência, penitência!...

O de Santa Clara lhe respondia:

- Tanta não! Tanta não.

E o de Sant’Ana fechava conceituosamente o coro, repetindo:

- Nem tanta! Nem tão pouca.

E assim fazia eu ideia, do que devia ser a vida destes conventos.

Pátio da Universidade.jpg

 Pátio da Universidade e torre. 1869. (Passado ao espelho, p. 55)

Dos da Universidade, tão austeros canta João de Deus:

Toca o capelo, vou vê-lo

E vejo de vária cor

Não doutores de capelo

Mas capelos de doutor.

Esses também a mim me enganaram.

T.C.

Carvalho, J.M.T. Bric-à-Brac. In. Resistência, de 1903.01.29

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por Rodrigues Costa às 10:03


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