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Este papel na vida religiosa da região veio a ser reconhecido e reforçado em 1879 quando, a pedido de D. Manuel de Bastos Pina, bispo de Coimbra – e após várias vicissitudes, tentativas falhadas e perseguições – passou a funcionar no convento de Santa Teresa a Congregação Mariana de Maria Imaculada, destinada a leigos, sobretudo estudantes da Universidade.
Convento de Santa Teresa, vista aérea
“Em 1897, as religiosas foram mesmo autorizadas, a título excecional, a permanecer no convento, depois do falecimento da última conventual. Para que a vida canónica regular pudesse prosseguir, vieram de Espanha três religiosas e em 1898 professaram mais sete noviças”.
A situação muda inteiramente em 1910, no contexto da revolução republicana. No dia 9 de outubro, “a comunidade de S. Teresa encontrou‑se rodeada pelos soldados e completamente isoladas de qualquer tipo de comunicação com os de fora; nem sequer podiam comunicar‑se com o capelão, P. Dr. António Antunes, mais tarde Bispo de Coimbra.” As religiosas são expulsas do convento e dispersas por várias comunidades, em Espanha. O edifício é entregue ao Estado e ocupado por serviços do Ministério da Guerra, mais concretamente o Hospital Militar.
Em 16 de dezembro de 1933, tendo mudado inteiramente o contexto político – em Portugal com a instauração do Estado Novo e em Espanha com a proclamação da República – dá‑se o restabelecimento do Carmelo em Coimbra: três das irmãs que haviam sido expulsas 23 anos antes e que ainda sobreviviam em Valência, no mosteiro de Corpus Christi – Glória do Coração de Jesus, Maria Luz de S. Teresa e Maria Isabel de Santa Ana – regressam, trazendo consigo outras três espanholas. Inicialmente alojadas em casa de familiar de uma delas, novamente na Arregaça, fixam‑se depois numa casa alugada, no Calhabé.
Em 26 de junho de 1934, chegam mais três do mosteiro madrileno de Loeches, entre as quais a nova prioresa, irmã Maria do Carmo do Santíssimo Sacramento, sendo esta data considerada, oficialmente, a da restauração do Carmelo, agora em casa da Ladeira do Seminário. Pouco depois (7/3/1937), a diocese cede‑lhes uma casa na Quinta do Cidral, aos Lóios, onde permanecerão 10 anos.
Em 7 de março de 1946, após longas negociações, é reconhecido o direito de as freiras reocuparem o seu antigo convento, incluindo a cerca, a igreja e a casa do capelão, sendo o respetivo auto de entrega assinado em 14 de junho de 1946. Simbolicamente, as chaves são depositadas nas mãos da religiosa de quem tinham sido arrebatadas, em 10/10/1910, irmã Maria de Jesus.
Após as necessárias obras de reparação e limpeza, no dia 12 de janeiro de 1947, as carmelitas saem da Quinta de Santo António, aos Lóios, e regressam solenemente ao seu convento. E para a irmã Maria Isabel de SantaAna foi efetivamente um regresso: tendo professado em 1905, foi expulsa em 1910, esteve exilada 23 anos, regressou a Coimbra em 1922, reentrou no seu convento em 1947, onde veio a falecer em 1959. O seu capelão nessa data, cónego Manuel dos Santos Rocha, será elevado ao bispado de Coimbra em 1948.
Carmelita em oração
Desde então a comunidade tem florescido e daqui saíram algumas professas para fundar outras comunidades: em 1970 saíram 4 irmãs para fundarem um novo Carmelo em Braga e em 1994 saiu outro grupo de 7 irmãs para abrir um novo Carmelo na Guarda (e já em 1780 haviam saído 5 irmãs para a fundação do Carmelo de Viana do Castelo).
Em 1948, o Carmelo de Santa Teresa recebeu a sua irmã mais famosa deste século: a irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, ou irmã Lúcia, vidente de Fátima, que aí permaneceu até ao seu falecimento, em 2005.
Estátua da Irmã Lúcia, inaugurada em 2013
No muro da frontaria do convento, voltado a norte, foi instalado um grande painel de azulejos comemorativo do centenário do seu nascimento;
Recriação de uma cela
e junto ao muro do lado nascente foi construído um memorial, aberto em 2007, que permite ao público ver objetos que usou ou relacionados com a sua vida, bem assim como imaginar o dia‑a‑dia “na modéstia, na simplicidade e despojamento”, próprio daquela comunidade.
Guedes, G.M.F. O Convento de Santa Teresa de Jesus de Coimbra: inventário do acervo documental. In: Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol. 26 (2013). Pg. 65 a 80.
O convento de Santa Teresa de Jesus, em Coimbra, pertence ao ramo das Carmelitas Descalças e remonta à 1ª metade do século XVIII. A fundação deste Carmelo parece ter correspondido à vontade e ao fervor religioso de vários sectores da sociedade e das autoridades religiosas da cidade. Citem‑se, entre outros, a determinação e os esforços de frei Luís de Santa Teresa, nascido Luís Salgado, mais tarde bispo de Olinda, que, após ter frequentado o Colégio das Artes e as Faculdades de Cânones e Leis, onde atingiu o grau de Doutor e onde foi, igualmente, professor – além de juiz corregedor da comarca – abandonou a promissora carreira das leis e, em 1723, com 30 anos de idade, ingressou nos Carmelitas, no Convento de Nossa Senhora dos Remédios, de Lisboa … Na década de 30 regressou a Coimbra “animado pela ideia de aí fundar um convento de Carmelitas Descalças, para o que pedia esmolas de porta em porta, fazendo os mais servis trabalhos”.
Em 6 de junho de 1737, a Câmara concede licença para a fundação de um convento de Carmelitas Descalças na cidade, por proposta de um grupo de cidadãos encabeçado pelo Doutor Manuel Francisco, professor jubilado da Faculdade de Medicina, que tomam a seu cargo a busca de um local apropriado, o qual vêm a encontrar no denominado Casal do Chantre, então situado nos arrabaldes. Em 20 de janeiro de 1739, o rei Magnânimo promulga a provisão que autoriza a fundação do convento e na tarde do dia 14 de fevereiro chegam as 11 religiosas que o Provincial, Frei Manuel de Jesus Maria e José, nomeara para o efeito, oriundas de vários outros conventos da ordem, em Portugal. Hospedam‑se no vizinho Convento de Sant’Ana, das religiosas de Santo Agostinho. No dia seguinte, são recebidas na igreja do Colégio dos Carmelitas Descalços – Colégio de S. José dos Marianos, atualmente Hospital Militar – com um solene Te Deum. Daí seguem para a quinta de Simão Pereira Homem, sita na Arregaça, onde permanecerão por quatro anos.
No dia de Nossa Senhora das Dores, 9 de abril, de 1740 é lançada a 1ª pedra do convento, num terreno doado pelo cónego‑chantre da Sé, Manuel Moreira Rebelo. O projeto – muito simples e austero, como fica bem a uma congregação com estas características – é da autoria do arquiteto carmelita Frei Pedro da Encarnação e estaria elaborado desde 1714. O conjunto “é artisticamente modesto, valendo unicamente pelos portais de entrada da igreja onde se crava o milésimo de 1744, e pelo retábulo barroco da capela‑mor.
A planta do templo privativo é simples, de uma só nave de forma retangular, com um coro alto, uma abóbada de tijolo, uma capela única de cabeceira e uma cúpula no cruzeiro.
Convento de Santa Teresa, interior
Convento de Santa Teresa, capela-mor
Convento de Santa Teresa, portal
Convento de Santa Teresa, pormenor do portal
” Nesta igreja será sepultado, com grande solenidade, o pintor italiano Pasquale Parenti ou Pascoal Parente, que deixou notabilíssima obra espalhada por todo o país e especialmente por Coimbra e pela região centro, na 2ª metade do século XVIII. À volta do claustro, de cinco arcos de cada lado, dispõem‑se as dependências monacais, sendo os dormitórios no andar superior.
A 23 de junho de 1744, as religiosas Carmelitas deixam as instalações precárias, embora adaptadas, na Arregaça, e fazem a sua entrada no convento construído expressamente para elas e para as características da sua vida contemplativa e de clausura – tendo o sermão da trasladação sido proferido por Estanislau Manso, Sociedade de Jesus.
Aí permanecem sem grandes percalços, durante quase um século, acrescentando o número de professas e granjeando a simpatia da cidade.
Porém, a revolução liberal e as guerras que se lhe seguiram como, antes, as invasões francesas, trouxeram incertezas e perturbações a que nenhuma comunidade ou instituição ficou alheia.
…O Carmelo de S. Teresa viu serem‑lhe subtraídos os poucos bens que possuía e a iminência da extinção pesar‑lhe sobre a cabeça, uma vez que fora proibida a admissão de noviças.
Porém, em breve “a tempestade passou”; poucos anos depois, a igreja de Santa Teresa era, mesmo, um centro de vida espiritual altamente marcante na cidade”. Enquanto a vida religiosa em Coimbra “definhava” e “nos conventos de Santa Clara, Celas e Sant’Ana morriam as últimas freiras” (…) o convento de Santa Teresa era “o maior, para não dizer o único centro de piedade” que “contrastava, à evidência, com o ambiente de indiferença religiosa que era comum dos habitantes da cidade. Ali concorriam as famílias da nobreza e aristocracia coimbrã, que haviam conservado as velhas tradições portuguesas, sem se deixar contaminar pelo liberalismo e pelo formalismo externo (…) Ali concorria também muita gente devota, muita gente pobre e humilde… Neste convento, havia bastantes religiosas ainda válidas e algumas novas, todas piedosíssimas, passando a vida em penitências austeras e edificantes.
Elas tinham sabido renovar o seu pessoal professo. Como? Deus o sabe e elas também o sabiam. Era na Igreja das Teresinhas, e só ali, que todos os dias se viam fiéis”.
Guedes, G.M.F. O Convento de Santa Teresa de Jesus de Coimbra: inventário do acervo documental. In: Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol. 26 (2013). Pg. 65 a 80.
Joaquim Martins Teixeira de Carvalho
Contavam os velhos que a voz dos sinos tinha força de convencer os homens.
Da campainha de S. Francisco Xavier se conta na India que levava atrás dele os mais infiéis.
Goa. Igreja do convento de S. Francisco Xavier
Não havia cão de herege, que, ao ouvir a campainha, não ficasse inquieto, agitado, movendo-se sem saber porquê, e não acabasse por dobrar a cabeça e pôr-se a andar atrás dela até a igreja.
Os sinos passavam por falar a verdade; nas igrejas estavam em altas torres para serem vistos de longe e atirarem para vales distantes a sua voz a anunciar a hora da oração, ou da vida ou da morte.
Há quem diga até que os sinos eram indiscretos e que, muitas vezes, em lugar de palavras de oração, contavam sem querer o que ia nos conventos, e por eles se vinha a saber o que por lá se passava.
Em Coimbra, contavam-me antigamente que os sinos até conversavam, e se respondiam uns aos outros.
Convento do Buçaco antes da construção do Hotel
No Bussaco, a cada hora de oração tocavam os sinos das ermidas todas dispersas pela mata e, contam crónicas, que o diabo tentara por vezes impedir que alguns frades juntassem a voz do pequeno sino das suas ermidas desertas à dos outros que em cada hora chamavam num coro baixo, com medo do vento e da chuva, à oração.
Buçaco. Capela do Sepulcro
Em Coimbra os sinos eram de menos devoção, e deviam fazer rir muito o próprio diabo.
Quando eu cheguei a Coimbra, explicou-me um dia um velho a voz dos sinos desta terra.
Era ao pôr-do-sol. Vínhamos descendo do Penedo da Saudade para o jardim.
Mosteiro de Santa Teresa. Porta da igreja
Pela porta da igreja de Santa Teresa sumiam-se caladas mulheres de idade, com o ar remediado, que dá a limpeza devota.
Alguns estudantes passeavam no adro.
De dentro vinha o canto rezado das freiras, áspero e delgado.
O sino pôs-se a dobrar, cortando as sílabas.
- Pe … ni … tência…, pe …ni… tência! …
Assim o ouvi, mal mo disse o velho com quem ia, e que andando e sorrindo repetia imitando a voz do sino pe … ni … tência…, pe …ni… tência! …
Quando chegamos ao fundo da ladeira, fez-me o meu companheiro notar a voz doutro sino, que vinha de longe, do convento de Santa Clara, que brilhava alegre na atmosfera dourada do poente.
Vista de Santa Clara. c. 1860. (Passado ao espelho, p. 50)
Pus-me a ouvir o sino, e ele a ensinar-mo a entender.
O som era mais grave, mas duma gravidade de ironia e dizia muito claramente.
- Tan … ta não! Tan.. ta não!
Eu ria-me. Quando ele me chamou a atenção para o sino de Sant’Ana, que se ouvia então e me disse:
- Veja o que diz esse agora!
- Eu sei lá!
- E bem simples: nem tanta, nem tão pouca!
Colégios de Tomar e de Sant’Ana. No primeiro plano a residência do prior-mor de Santa Cruz e, por cima, os Arcos do Jardim. Junto destes o pequeno Bairro de S. Sebastião. (Fototeca BMC. Cota: BMC_A033)
E era verdade. O sino de Sant’Ana, dizia num som delgado, com voz de nariz:
- Nem … tan … ta … nem … tão … pouca! Nem … tan … ta … nem … tão … pouca!
Assim fiquei eu sabendo que quando, às horas de oração o sino de Santa Tereza dizia:
- Penitência, penitência!...
O de Santa Clara lhe respondia:
- Tanta não! Tanta não.
E o de Sant’Ana fechava conceituosamente o coro, repetindo:
- Nem tanta! Nem tão pouca.
E assim fazia eu ideia, do que devia ser a vida destes conventos.
…
Pátio da Universidade e torre. 1869. (Passado ao espelho, p. 55)
Dos da Universidade, tão austeros canta João de Deus:
Toca o capelo, vou vê-lo
E vejo de vária cor
Não doutores de capelo
Mas capelos de doutor.
Esses também a mim me enganaram.
T.C.
Carvalho, J.M.T. Bric-à-Brac. In. Resistência, de 1903.01.29
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