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Uma explicação breve, mas necessária. Escolhemos este texto pelo seu fino recorte literário, mas também por tratar um tema muito pouco conhecido.
Ao ser lido deve ter-se em consideração que quer o Museu Machado de Castro, quer o Convento de Santa Clara-a-Nova, atualmente não apresentam a configuração que o Autor descreve.
Há no Museu Machado de Castro uma sala em que ando sempre receosos, de vagar, o ouvido à escuta, como nos palácios maravilhosos dos meus contos de menino, comovido sem saber porquê, sempre à espera de ver começar a história de uma empresa grande.
Tudo ali tem para mim o ar de qualquer coisa que talvez tenha sonhado, confuso, misterioso, como o reflexo de um espelho mágico.
Nunca vi, senão uma vez, na primeira rosa de Alexandria que me mostraram, vermelho como o do tapete persa que ali se encostam as velhas esculturas de madeira que o tempo roeu, dando-lhe a leveza das rendas e da espuma, e do nevoeiro frio e dourado em que se embrulha às vezes o sol para morrer com ele.
Aquele tapete enche o ar de perfuma das rosas, que se não vêm, e cuja respiração cansada parece ter parado ali num espasmo de amor, como os reflexos de outo e púrpura do sol poente que a água fria dos lagos prende no brilho triunfante de um esmalte.
De fundo a um calvário de madeira, há ali um tapete de Arraiolos, precioso como um complicado esmalte verde sobre ouro, pálido como um sorriso que se desfaz.
Porque será que aquele velho e gasto tapete me comove, como as joias pequeninas e preciosas de outros tempos que irresistivelmente evocam em mim as cores delicadas de carne que nunca vi senão na adoração dos corpos delicados das flores?...
Aquele tapete foi dependurado com carinho por António Augusto Gonçalves para não se perderem as marcas dos pés pequeninos de mulher, que por ali passaram nus, mais levemente do que as pétalas das rosas que o perfume quente do incenso faz cair mortas das jarras dos altares num último gesto triunfante de beleza.
Sala de encantamento…
Um dia, encontrei ali, numa redoma simples de vidro, uma madeixa de cabelos loiros, com a indicação que fora de D. Isabel, mulher do infante D. Pedro, o duque de Coimbra que morreu em Alfarrobeira.
Dizia mais o letreiro haver sido encontrado num túmulo de pedra que para o mosteiro novo viera do mosteiro velho de Santa Clara.
…
Custa a subir esta ladeira de Santa Clara!
Mas, quando se chega ao cimo, é de encantar olhar para Coimbra, branca, como nela tivessem pousado todas as pombas de Vénus.
Coimbra, vista geral em 1907
A igreja é fresca e alegre.
Ao fundo, lá está o tumulo de pedra a que serve de decoração. Um brasão em que se leem as armas de Portugal com a cruz de Avis, o banco de pinchar e as barras de Aragão.
Arca tumular de D. Catarina, filha de D. Pedro e de D. Isabel, duques de Coimbra
… Fr. Manuel da Esperança, que a princípio supôs, como era natural, pudesse ser esta a sepultura de D. Isabel, filha dos condes de Urgel e mulher de D. Pedro, o de Alfarrobeira … [depois considerou que] este tumulo seria o de D. Maria. filha de D. Pedro, o cru, e de D. Constança … O Sr. Dr. Ribeiro de Vasconcelos … discorda … e atribui a sepultura à mulher de D. Pedro, o de Alfarrobeira.
…. Ora a arca de pedra é de pequenas dimensões próprias para sepultura de uma criança …. É pequenina a arca … Dentro do túmulo encontrou-se o esqueleto de uma criança, de lindos cabelos loiros que o tempo conservara.
Quem seria?
As barras de Aragão, o banco de pinchar, a cruz de Avos, os carateres da escultura circunscrevem as investigações à família de D. Isabel, duquesa de Coimbra, e mulher do infante D. Pedro.
A princesinha conservada na arca de pedra do mosteiro de Santa Clara de Coimbra não pode ser senão D. Catarina, filha de D. Pedro, o de Alfarrobeira e da duquesa, sua mulher.
… A 16 de Dezembro de 1466 devia ter morrido já porque … tem essa data o testamento da mãe, a duquesa de Coimbra que não se refere a ela … É a morte de D. Catarina que explica ainda a saída da duquesa, sua mãe, de Coimbra e a sua ida para as partes de Lisboa, aonde foi enterrar-se viva, na frase … de Fr. Manel da Esperança.
Nota: o banco de pinchar é uma figura da heráldica utilizada para diferenciar os brasões dos filhos de pessoas brasonadas ao utilizarem o brasão dos pais.
Carvalho, J.M.T. História de uma arca de pedra e de uma madeixa de cabelos loiros. In Atlantida. Mensário Artístico Literario e Social para Portugal e Brazil. Ano II, n.º 18, 15 de Abril de 1917.
No início do milénio, no âmbito do Programa Polis, foi projetado, pela empresa de arquitetura paisagista PROAP, o Parque Verde do Mondego, que se estende por 3 quilómetros da frente ribeirinha ao longo das duas margens do rio Mondego entre a Ponte de Santa Clara e a Ponte Europa. À beleza do rio veio, assim associar-se uma obra paisagística, já do século XXI, que permite uma valorização plena das famosas margens do Mondego
Parque Verde
Três áreas se destacam, criando unidades diferentes: a frente rio, propriamente dita, plantada de salgueiros e choupos, com pequenos ancoradouros que se projetam sobre o rio e criam estadias sobre a água; a área de restaurantes e apoio aos desportos náuticos; e a zona de estacionamento. Recuada e separando a área de lazer da área de estacionamento, destaca-se uma enorme fonte-canal, paralela ao rio, de traçado inovador.
Parque verde pontes
Para ligar as duas margens, agora sempre distantes com o espelho de água que o Mondego passou a oferecer desde a construção do açude, foi projetada uma ponte pedonal pelos engenheiros Adão da Fonseca e Cecil Balmond que se completa no Outono de 2006.
A partir da saída da ponte, na margem esquerda, o projeto prevê uma ligação por túnel à área do Convento de Santa Clara-a-Velha e, mais além, ao Portugal dos pequenitos.
Nota:
Quanto ao Parque Verde cumpre-me dar um testemunho.
Um certo dia, ao fundo da ladeira do Batista designação popular do troço onde se inicia a Rua do Brasil, encontrei o Dr. Mendes Silva, então já ex-presidente da Câmara e, como advogado, regressado às suas funções de promotor imobiliário. Vinha eufórico. Segundo o que então me disse tinha acabado de estabelecer com os proprietários dos terrenos da Ínsua dos Bentos – que o atual Parque Verde parcialmente integrava – uma proposta de acordo a apresentar à Câmara da doação à Cidade do terreno da zona situada entre a linha da Lousã e o rio, em troca da possibilidade de construir na restante parte do terreno. Era a conclusão de um processo que, desde o seu mandato à frente da Câmara, vinha procurando erguer.
Não posso testemunhar o desenrolar das negociações, pois estas aconteceram num período em que, tendo concluído que me era impossível continuar a desempenhar o cargo de Diretor do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo da Câmara de Coimbra, dentro do contexto que eu considerava ser o correto, tomei a decisão de renunciar a essa função e procurar trabalho onde se me pudesse realizar como pessoa e como profissional.
Coimbra, por vezes, é madrasta. E foi-o para essa figura ímpar de Conimbricense que se chamou Dr. Mendes Silva, a quem a Cidade ainda deve a homenagem e o reconhecimento do muito que por ela fez.
Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 180
… o interesse da Rainha D. Isabel no projeto de D. Mor subsistiu, tendo solicitado ao Papa a devida autorização para fundar uma casa da Ordem de Santa Clara, em Coimbra. A licença foi concedida, por carta datada de 10 de Abril de 1314, juntamente com a autorização para requisitar algumas freiras da Ordem a fim de “povoar” o referido cenóbio.
A Rainha adquiriu, então, algumas propriedades confinantes com o terreno onde D. Mor havia erguido o seu mosteiro, dispondo, assim, de uma área maior onde fosse possível construir um novo edifício, “amplo e grandioso”. Ocupou-se, igualmente, na aquisição de bens que doou ao convento, no sentido de assegurar a sua subsistência.
Em 24 de Julho de 1317, o mosteiro acolhia já algumas clarissas vindas de Zamora.
… Em 7 de Janeiro de 1325 morria, em Santarém, D. Dinis. A Rainha vestiu o hábito de Santa Clara como símbolo do seu estado de “viuvez, luto, tristeza e humildade”, afirmando que este gesto não correspondia a um voto religioso. No ano seguinte, adquiriu, ao Mosteiro de Santa Ana, um paço e uma vinha, contíguos à cerca de Santa Clara, para aí fixar residência.
Em 12 de Março de 1328 mandou redigir um documento, conhecido como “codicillo”, no qual fazia doação, ao convento, dos referidos paço e vinha. Determinava, ainda, que aquele fosse constituído por “cinquoeenta donas me(n)oretas” e criava um hospital para recolhimento e assistência, o qual ocuparia a parte dianteir do paço e seria habitado por “trynta pobres” (15 homens e 15 mulheres).
O carinho de D. Isabel por este projeto levou-a a alterar o seu testamento, no que dizia respeito ao local de sepultura: em detrimento do Mosteiro de Alcobaça, optou por Santa Clara, tendo encomendado a Mestre Pêro, escultor vindo de Aragão, um túmulo monumental em pedra.
A sagração da nova igreja do mosteiro … realizou-se a 8 de Junho de 1330, na presença da Rainha. No ano seguinte, a 18 de Fevereiro, uma grande cheia do Mondego, inundava o templo e submergia o túmulo, que já ali se encontrava. Por esse motivo D. Isabel mandou construir um piso sobrelevado … Ao centro do lado da igreja, mandou colocar a sua arca tumular e ainda o túmulo de sua neta, a infanta D. isabel, filha de D. Afonso IV, falecida em criança.
Trindade, S. D. e Gambini, L. I., Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Coimbra, Direção Regional de Cultura do Centro, pg. 23 a 25
A fundação do primeiro mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, foi obra de uma dama da nobreza, D. Mor Dias.
D. Mor recolhera-se em 1250, em S. João das Donas. Convento feminino do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra … A longa permanência de D. Mor junto dos Crúzios levou-a a elegê-los como principais herdeiros dos seus bens. No primeiro testamento, onde expressava essa intenção, indicava também que pretendia ser enterrada em Santa Cruz. No entanto, entre 1227 e 1283, manifestou o desejo de ser sepultada no Mosteiro de S. Francisco, facto a que os Crúzios se não opuseram. Cada vez mais próxima dos ideais franciscanos, D. Mor acabou por decidir fundar um mosteiro de donas, dedicado a Jesus Cristo, à Virgem, e a Santa Isabel da Hungria e a Santa Clara.
A escolha do local onde D. Mor fundou o mosteiro da Ordem de Santa Clara, na margem esquerda do Mondego, estaria provavelmente relacionada com a proximidade do mosteiro franciscano que lhe devia assegurar a assistência eclesiástica. Próximo ficava também o Mosteiro de Santa Ana ou das Celas da Ponte, onde sua irmã Teresa era prioresa.
Obteve autorização para a fundação a 13 de Abril de 1283 … após ter sido verificado que a vinha adquirida por D. Mor reunia condições para a construção de um mosteiro de donas e que a sustentabilidade futura da instituição estava assegurada.
Os cónegos de Santa Cruz opuseram-se de imediato ao projeto de D. Mor, por se terem apercebido de que uma parte da fortuna desta dama seria desviada para a dotação do novo mosteiro … Apesar da contestação dos cónegos agostinhos, D. Mor deu continuidade às obras do mosteiro e, a 2 de Janeiro de 1287, este foi entregue à Ordem de Santa Clara … foram construídos a igreja, o claustro, o dormitório e outras dependências. No novo mosteiro, junto à ponte, instalou-se então, a primeira comunidade, sendo algumas senhoras provenientes de S. João das Donas.
…
Nos anos que se seguiram (após a morte de D. Mor Dias), o convento viveu alguns momentos conturbados … a 2 de Dezembro de 1311, D. João de Soalhães e o prior de Santa Cruz estabeleceram um acordo, supostamente destinado a pôr fim à contenda. Dele decorrem a extinção do Mosteiro de Santa Clara … encerrava-se assim, o primeiro capítulo da história do Mosteiro de Santa Clara.
Trindade, S. D. e Gambini, L. I., Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Coimbra, Direção Regional de Cultura do Centro, pg. 19 a 23
A Barragem da Aguieira e o açude-ponte de Coimbra disciplinaram este rio, acentuando o seu carácter calmo e pachorrento que agora se mantém durante todo o ano. O epíteto de Basófias, que justamente merecia pelas cheias avassaladoras e repentinas de que era capaz, está em risco de cair no esquecimento …
O assoreamento do Mondego é de facto um aspeto que muito tem pesado na história de Coimbra e região … Bastará lembrar os conventos medievais que se acolheram à contemplação das suas margens e que tiveram de ser abandonados, mais cedo ou mais tarde: Sant’ Ana, S. Francisco e S. Domingos, já desaparecidos; Santa Clara, relíquia semi-soterrada. A mesma sorte tiveram as igrejas de Santa Justa, S. Cucufate e a primitiva de S. Bartolomeu. Como exemplo da subida forçada do nível da parte baixa de Coimbra, costuma apontar-se o caso da Igreja de Santa Cruz, para cuja entrada se subiam quatro degraus, no século XVI, e para onde hoje se têm de descer.
Borges, N.C. 1987.Coimbra e Região. Lisboa, Editorial Presença, pg. 22
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