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Com a série de cinco entradas que hoje iniciamos chamamos a atenção dos leitores para o trabalho de investigação intitulado Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871), da autoria da Dr.ª Dina de Sousa.
O Convento de Santa Ana
O primitivo convento situava-se na margem esquerda do Mondego, próximo de um local vulgarmente designado por “Ó da Ponte”. Então conhecido por “Cellas da Ponte”, teve como grande impulsionadora D. Joana Pais, devota de Santa Ana, que fundou o convento numas casas e respetiva quinta que recebera por doação de seus pais, tendo sido aí colocada a primeira pedra a 26 de Julho no ano de 1174, precisamente no dia consagrado a Santa Ana. Devido aos seus parcos recursos, o convento ficou dependente dos bispos de Coimbra, que o sustentavam através das suas esmolas.
Um século após a edificação do convento, “(...) por causa das cheias do Rio Mondego com as quais o dito Convento estava devastado e as ditas freiras por muitas vezes estiveram em perigo de vida”, tornou-se insustentável a continuidade da comunidade naquele espaço.
Coimbra no final do sec. XVI, ruínas das “Cellas da Ponte”. Pormenor da gravura de Coimbra, de Hoefnagel
No “anno de 1561, em que as sucessoras de D. Joanna viram não poder elle continuar a ser habitado”, recorreram ao bispo D. João Soares, tendo-lhes sido feita doação da Quinta de S. Martinho para nela se recolherem, até ser construído um novo edifício.
Quinta de S. Martinho (Vestígios do Convento). In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 20.
Este seria mandado edificar pelo bispo–conde D. Afonso de Castelo Branco, situado no local outrora conhecido por Eira das Patas, numa colina fronteira à cerca de São Bento e ao aqueduto. O seu domínio estendia-se até ao atual Penedo da Saudade. A 13 de Fevereiro de 1610, as religiosas ingressam no novo convento de Santa Ana, passando a usar o hábito das Eremitas de Santo Agostinho.
Refira-se que esta comunidade acolheu a jovem Josefa de Óbidos. Além dos ensinamentos religiosos, ali recebeu aulas de pintura. Assim, foi nesta cidade que Josefa começou a pintar, pois, parece que a sua obra mais antiga data de 1644, uma série de gravuras de Santa Catarina e São José. Como não seguiu a vida religiosa regressou a Óbidos, em 1653, trabalhando para conventos e igrejas. Mais tarde, foi convidada pela família Real, para fazer os retratos da rainha D. Maria Francisca de Saboia e da sua filha, a infanta D. Isabel.
Josefa de Óbidos. Santa M aria Madalena.1650. Museu Nacional de Machado de Castro. Imagem acedida em:https://www.wikiart.org/pt/josefa-de-obidos/santa-maria-madalena-1650
Josefa de Óbidos, A Anunciação, 1676. Imagem acedida em: https://ilustracaoportugueza.wordpress.com/2016/08/15/josefa-de-obidos-a-anunciacao-1676/
Tal como aconteceu em outros espaços monásticos, em 1810, as religiosas perderam muitos dos seus bens, devido às Invasões Francesas. Poucos anos depois, as guerras liberais vieram agravar a sua frágil situação económica, no contexto da extinção das ordens religiosas masculinas, em 1834. Assim, as ordens femininas ficaram proibidas de receber noviças, pelo que se regista um envelhecimento da comunidade, necessitando de mais cuidados.
O convento é considerado extinto a 6 de Junho de 1885, altura em que a última prelada, D. Maria José de Carvalho, de idade já avançada, e desprovida de bens económicos, abandona Santa Ana, juntamente com mais algumas idosas que com ela viviam, na sua maioria criadas e encostadas. Consigo levou apenas alguns objetos como recordação de um espaço no qual entrara quando tinha sete anos de idade. A sua mudança dá-se para o Real Colégio Ursulino das Chagas, instalado no extinto Colégio de S. José dos Marianos.
Colégio de S. José dos Marianos, atual Hospital Militar
O edifício conventual patenteia uma arquitetura modesta, bem ao espírito dos Eremitas de Santo Agostinho, valorizando a sua fachada dois pórticos que, entretanto, foram retirados e que hoje estão, respetivamente, na Igreja de S. João de Almedina
Pórtico do Convento de Santa Ana, aplicado na Igreja de S. João de Almedina. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https%3A%2F%2Fimages...
e na fachada do Museu Machado de Castro.
Pórtico do Convento de Santa Ana, aplicado na entrada do Museu Nacional Machado de Castro. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https …
De estrutura quadrangular, desenvolvida em torno de dois claustros e de dois pátios internos, na sua primitiva construção, no piso térreo encontrava-se a entrada para a Igreja e para o pátio das hospedarias, a roda e as grades, o refeitório, a cozinha e a casa da botica. Existiam outras dependências: casas para criados, celeiro, forno, duas arrecadações e a cerca amuralhada que abrangia a entrada do Penedo da Saudade.
No primeiro andar situavam-se os dormitórios, a casa do noviciado e as enfermarias.
Sousa, D. Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871). Texto acedido em: https://www.academia.edu/116755957/Comer_e_curar_no_Convento_de_Santa_Ana_de_Coimbra_1859_a_1871_?email_work_card=title
O local onde foi construído o primeiro Convento de Santa Ana de Coimbra das Eremitas Descalças, situava-se na margem esquerda do rio Mondego, arredores de Coimbra.
Ruínas das “Celas da Ponte”. Vista de Coimbra. Georg Braun e Franz Hoefnagel (c. 1565). Pormenor
Conhecido por “Celas da Ponte” dá-se como data da sua fundação o ano de 1174, segundo D. Nicolau de Santa Maria, cónego regrante da Congregação de Santa Cruz de Coimbra.
Concluída a obra em 1184, teve como primeira prioresa Dona Joana Pais, que veio do Convento de S. João das Donas, como mestra de noviças D. Maria Martins, e como porteira e vigaria D. Maria Lopes.
Mudanças significativas observam-se no local da sua fundação, pois as cheias do rio Mondego, no Inverno, causavam-lhe grandes inundações e o depósito de areias que as mesmas arrastavam, tornam o local inadequado para viverem.
(…). Em 1561 recolhem-se as freiras numa quinta em São Martinho (Coimbra), que lhes doou o bispo D. João Soares, enquanto não construíam outro Convento. Embora esta quinta tivesse poucas condições, mantiveram-se nela até que o bispo conde D. Afonso de Castelo Branco lhes mandou construir um novo edifício.
Convento de Santa Ana, planta da fachada norte. In: Ferreira, J.M.V.A. e Caldeira, J.R.M.
Sant'Anna: três séculos de convento, um século de quartel, pg. 65
A 23 de Junho de 1600 o Senhor Bispo dá início ao novo edifício, lançando a primeira pedra do novo Convento.
Planta do piso térreo. Lado norte. Pormenor da igreja. In: Ferreira, J.M.V.A. e Caldeira, J.R.M.
Sant'Anna: três séculos de convento, um século de quartel, pg. 67
Situado na “Eira das Patas”, junto à cerca de S. Bento (Jardim Botânico), o seu domínio estendia-se até ao atual Penedo da Saudade.
Convento de Santa Ana e Colégio de Tomar
Imagoteca Municipal de Coimbra. Cota: BMC_A033
Consta que a construção demorou nove anos e meio e as freiras entraram no novo Convento em Fevereiro de 1610, e começaram a usar o hábito das Eremitas de Santo Agostinho.
Capa das Constituições das religiosas da ordem dos eremitas de S. Agostinho. Edição de 1734. In: Ferreira, J.M.V.A. e Caldeira, J.R.M.
Sant'Anna: três séculos de convento, um século de quartel, pg. 29
A primeira prioresa deste novo Convento foi Dona Hieronyma, freira professa do Convento de Santa Mónica de Lisboa.
AUC. Livro de Cartas de Aforamentos, Compras… de que é senhoria o Convento de Santa Ana de Coimbra, pormenor de um selo de chapa
Trabalho de recorte de papel encontrado dentro de um livro do Convento de Santa Ana
Mas o decreto da extinção das Ordens religiosas de 30 de Maio de 1834, e a lei de 4 de Abril de 1864, que desamortizou os bens das freiras e das igrejas, põe um ponto final neste Convento.
A última freira deste Convento, D. Maria José Carvalho, foi transferida a 6 de Junho de 1885 para o colégio das Ursulinas e sabemos que em 29 de Novembro de 1891 já havia falecido.
A 6 de Julho de 1885, o edifício do Convento passou para a posse da Fazenda Nacional. Por solicitação do Ministério da Guerra foi-lhe dada a posse do edifício do antigo Convento das freiras de Santa Ana de Coimbra, com exclusão da Igreja e da Cerca, para estabelecimento do Regimento de Infantaria nº 23, a 13 de Agosto de 1885, onde ainda hoje se encontra.
Capelo, L. C. 2006. Convento de Santa Ana de Coimbra. Inventário. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra.
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