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Na entrada anterior já nos referimos ao projeto que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, “50 anos, 50 eventos”, está a concretizar no ano em curso e que pretende constituir-se como ponto de partida para um caminho ainda mais exigente e rigoroso. No âmbito das iniciativas deste projeto encontra-se inserida a atividade que foi rotulada como “Casa do Lavrador”. Trata-se da instalação de peças recolhidas pelo Grupo ao longo dos anos, relacionadas com o mobiliário existente na habitação de um lavrador arzilense, com alguns haveres, na primeira metade do século XX.
Se a instalação foi conseguida, a casa onde foi efetivada – em conjunto com uma outra que lhe é vizinha e se encontra em adiantado estado de ruína – merecem, por si só, uma visita.
Estamos perante casas muito antigas que nos possibilitam o conhecimento da tipologia das habitações de Arzila, construídas com recurso a materiais que ali abundavam, ou seja, seixos rolados e argila. Estes elementos asseguravam não só uma grande durabilidade do imóvel, como uma adequada qualidade de vida, pois no verão tornavam o seu interior fresco e seco e, no inverno, retinham o calor e absorviam a humidade.
Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul
Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul, pormenor. Foto Manuela Gabriel
Arzila. “Casa do Lavrador”, parede lateral virada a nascente. Foto Manuela Gabriel

Arzila. “Casa do Lavrador”, tardoz, virado a norte. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa em ruína, fachada virada a norte. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa em ruína, parede lateral virada a poente. Foto Manuela Gabriel
Na construção utilizavam a técnica da taipa, também designada por taipa de pilão, que, de acordo com a revista “História”, n.º 19, da National Geographic, começou a ser usada na Mesopotâmia há 7.500-5.500 AC.
A técnica referida também foi identificada pela Sr.ª Dr.ª Helena Moura, da Divisão de Salvaguarda, Gestão e Conhecimento do Património Cultural da CCRC, como sendo utilizada em casas antigas, localizadas na freguesia de S. Martinho do Bispo.
Se tomarmos como referência, por permitir uma mais fácil leitura, a parede virada a poente da casa em ruína já atrás referida, na análise de um leigo na matéria, o construído poderá ser descrito como se segue.
A parede, constituída por camadas sobrepostas de argila e de seixos, estes com diferentes dimensões, mostra uma espessura da ordem dos 44-45 cm, tem cerca de três metros de altura e cerca de 4 metros de largura.
Na zona superior ainda são visíveis os buracos que, no decurso da construção, serviam para fixar as taipas. Contudo, na parte inferior da parede esses orifícios não são percetíveis e, por isso, provavelmente será de se aceitar que a construção ou seria executada sem recurso à taipa ou esta seria escorada.
Os materiais utilizados na construção desta casa devem ter sido recolhidos em barreiros situados em Arzila, nos lugares conhecido por “Mortal” e “Cova dos Cortiços”. Através de referências que chegaram aos nossos dias sabemos que o barro seria, previamente, amassado no exterior, a fim de se conseguir uma maior homogeneização.
Neste imóvel ainda se torna possível caracterizar três tipos de camadas construtivas.
- Caboucos e camada inferior da parede, esta com cerca de 60 cm de altura, onde foram utilizados seixos rolados com maior dimensão e os espaços intersticiais preenchidos com barro.
- Camada intermédia, com cerca de 50 cm de altura, constituída, predominantemente, por seixos miúdos, aglutinados por argila.
- Camada(s) superior(es), com cerca de 50 cm de altura, utilizando seixos de dimensão um pouco superior aos da camada intermédia e em menor número.
Deve assinalar-se, ainda, a existência de dois outros tipos de camadas.
- Camadas horizontais, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura e 44-45 cm de comprimento, que utilizam na construção um material branco, muito presumivelmente, cal.
- Camadas verticais e/ou oblíquas, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura, e 44-45 cm de comprimento.
A constatação da existência deste tipo específico de casas em Arzila constitui uma descoberta que, em nossa opinião, carece necessariamente de uma intervenção de emergência por parte dos serviços municipais e de um estudo mais aprofundado por entidades com competência para tal.
Fica o alerta na esperança de que estes testemunhos do passado e da nossa cultura não sejam rapidamente destruídos, tal como tem acontecido a tantos outros bens culturais do povo que fomos e que somos.
Rodrigues Costa
Agradeço ao Senhor Professor Doutor José António Gabriel e à sua Esposa, Sr.ª D.ª Manuela Gabriel - um dos casais fundadores do Grupo de Arzila -, a ajuda na recolha de informações e de imagens.
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