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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 04.10.16

Coimbra: a Implantação da República 2

Nos dias seguintes, correu pela cidade que Belisário Pimenta fora nomeado Comissário da Polícia ... No Domingo, dia 9, ... ao descer as escadas do Governo Civil, já com a posse tomada e com o alvará dobrado no bolso, deu ordem ao primeiro guarda que viu para que houvesse, daí a pouco, formatura geral do corpo de polícia, para fazer a sua apresentação. A corporação esperava-o, formada por esquadras no claustro, com a Judiciária à esquerda e os chefes à frente ... Depois dos lugares comuns, fez-lhes “uma antevisão do que seria o serviço policial com o regime democrático, simples missão de cordura e de paz, com prestígio e força moral, com delicadeza e respeito.”

 ... Teve também visitas de vários oficiais da guarnição, de gente dos jornais e de um ou outro professor da Universidade ... Para além de toda esta gente, que lhe tirava tempo, mas cujas felicitações aceitava com agrado, caíram-lhe no gabinete os que queriam aparecer às janelas que davam para a Rua Larga no “tu cá, tu lá com uma autoridade republicana” e alguns monárquicos, que, com à-vontade, pediam emprego ou compaixão. E até a Júlia, patroa de meretrizes, vestida à moda e com um grande chapéu de plumas, se apresentou ao novo Comissário.

 ... Governo Provisório, já no dia 8 de Outubro, havia decretado a repristinação das leis anti congreganistas do Marquês de Pombal e de Joaquim António de Aguiar, revogado o decreto de 18 de Abril de 1901 (que permitira a reconstituição, sujeita a condições restritivas, das ordens religiosas

... Em Coimbra, o povo, cioso da Revolução, via inimigos em todo o lado. Corria que padres jesuítas fugidos se acoitavam em vários pontos da cidade. 

Logo ao fim do dia em que tomara posse ... constava que, à uma da manhã, haveria assaltos de populares à Quinta de São Jorge e ao Convento de Santa ... Perto da meia-noite, meteram-se num carro fechado, a caminho de Santa Clara. Logo no Largo da Portagem, à entrada da ponte, um grupo armado fê-los parar. Estudantes, operários, comerciantes, caixeiros, todos com as golas dos casacos levantadas, que a noite estava fria, e apalpando o bolso das calças onde tinham o revólver, cercaram o carro. Alguns, de arma na mão, meteram a cabeça pela portinhola. Ao verem o Governador Civil e o Comissário, perderam o ar feroz que haviam tomado e deixaram seguir o carro. Umas dezenas de metros mais à frente, surgiu outro grupo ameaçador e a cena repetiu-se. Já na escuridão do rossio de Santa Clara, de trás das árvores e das sebes dos taludes, saíram vultos, que rodearam o carro, agitados e afagando as coronhas das pistolas. Depois de um deles se ter chegado à portinhola a inquirir, tudo sossegou. Mas, nesta altura, Fernandes Costa, já impaciente, não resistiu a perguntar: “Olhe lá: para que é tanta coisa?”. O cabecilha do grupo de vigilância, quase indignado, respondeu-lhe: “Então não sabe que há tanto padre fugido e escondido? Por aqui, não passam eles!”.

... o carro seguiu até à Quinta de São Jorge. No “jesuítico casarão”, tudo era sossego e escuridão e nada denunciava que alguém por ali estivesse escondido.

... No dia 10, já o povo de Coimbra murmurava por as autoridades não terem dado ainda cumprimento ao decreto de 8 de Outubro ... Na tarde desse dia 10, Fernandes Costa e Belisário Pimenta foram a Santa Clara. Depararam-se com uma multidão, que, de má catadura e debaixo de chuva, enchia o pátio do convento. Ao passarem em direção à portaria, do ajuntamento popular vinham frases de advertência: “Tenham cuidado, que há padres! Acautelem-se com as traições!” ...  A vistoria demorava já mais de uma hora, quando o polícia que ficara de guarda à portaria mandou recado a Belisário Pimenta, pedindo-lhe que viesse à entrada. A multidão que se comprimia no exterior do convento soltou um brado de alívio e satisfação, ao ver aparecer ao portão o Comissário. A demora fizera imaginar uma emboscada traiçoeira, na escuridão dos infindáveis corredores ... foram recebidos com vivas e manifestações de alegria. Fernandes Costa tranquilizou a multidão, informando que as freiras partiriam, mas que, por razões humanitárias, se lhes daria tempo para arranjarem as suas coisas. Daí a três ou quatro dias, todas as freiras de Santa Clara foram embora, para Vigo.

 

Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 57 a 61

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por Rodrigues Costa às 10:33

Quinta-feira, 29.09.16

Coimbra: a Implantação da República 1

No dia 4 de Outubro (de 1910), quando (Belisário Pimenta) se despedia ... ouviram ambos de um empregado da Estação que o comboio não viera, porque em Lisboa havia revolução. Os dois oficiais olharam um para o outro, sem saber o que dizer: “Era a revolução, finalmente!”. Seguiram-se “dois dias e duas noites de uma ansiedade horrível. […] nada se sabia, andávamos a perguntar notícias uns aos outros.”            

Ao Comité (Militar de Coimbra), reunido de urgência desde as dez da manhã do dia 4, chegara a notícia do assassinato de Miguel Bombarda, mas nada fora comunicado sobre o movimento insurrecional... No dia 5, à tarde, Belisário Pimenta meteu-se em casa, dividido entre o desânimo e a esperança de que aquela demora prenunciasse a vitória dos republicanos. Por volta das quatro e meia da manhã do dia 6, chegou a Coimbra a notícia da proclamação da República em Lisboa ...  “pela madrugada, foguetório, músicas, vivas, chegaram aos meus ouvidos como aos olhos de um náufrago deve aparecer o porto salvador! Era a República, caramba! “

Os vivas que Belisário Pimenta, com comoção, ouvia naquela madrugada soltavam-se de uma manifestação popular, que se formara em Santa Clara e vinha engrossando no seu percurso pelas ruas da cidade. A multidão aclamava a República e os seus homens ...  “Quando, na madrugada de 6 de Outubro de 1910, o povo redemoinhava por aí, alegre e triunfante, […] lembrou-se de vir, em turba, cantando e gritando, até à minha rua solitária e, parando em frente da minha casa, exigiu que eu aparecesse. Cheguei-me ao alpendre da entrada e vi a turba enchendo de lado a lado a calçada; uma filarmónica rouquejava como podia A Portuguesa e quando eu andava aos abraços e rebolões por entre todos, alguém gritou:  – Viva o nosso comissário!  Não olhei para quem lançou o grito traiçoeiro, porque me pareceu ter a visão [premonitória] da tortura de dois meses e tanto; mas ouvi a multidão repetir com força: – Viva! Viva!

... Nesse dia 6, às duas da tarde, nos Paços do Concelho, foi solenemente proclamada a República Portuguesa na cidade de Coimbra. Do Auto de Proclamação consta que, estando reunida a Câmara Municipal, sob a presidência de Sílvio Pélico Lopes Ferreira Neto, vice-presidente em exercício, deram entrada na sala de sessões Francisco José Fernandes Costa, já na qualidade de Governador Civil do Distrito, nomeado pelo Governo Provisório, e António Cândido de Almeida Leitão, administrador interino do concelho de Coimbra. O novo Governador Civil fez, então, uma alocução perante a numerosa assembleia, que, por entre manifestações de adesão e entusiasmo, terminou pela aclamação solene do Governo da República Portuguesa. De seguida, o Dr. Fernandes Costa dirigiu-se à multidão que se encontrava frente aos Paços do Concelho, que acolheu as suas palavras com brados patrióticos e vibrantes vivas à Pátria e à República Portuguesa.

O Auto de Proclamação foi assinado pelos Vereadores destituídos, por Fernandes Costa e Almeida Leitão, e por mais de trezentos cidadãos, que estavam presentes ou que pediram para o assinar.

Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 54 a 57

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por Rodrigues Costa às 10:20


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