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No âmbito da organização do “seu” Carnaval, o Comba-Club fez publicar no jornal Resistencia, em 10 de fevereiro, um “Relatório” com as seguintes carnavalescas instruções regulamentares que os sócios do Comba-Club têm de observar nos dias dos festejos.
Carnaval de 1907, chegada do cortejo à rua Visconde da Luz
Relatório
Senhor: — Nos países civilizados, tais como o Tovim, Arregaça, Coselhas, S. Martinho do Bispo, Casas Novas, etc., o povo dessas regiões tão longínquas têm verdadeira predileção pela dança, onde há lojas perfeitamente adequadas para tal coisa, a que dão o pomposo nome de — «Casa do sobrado ou Casa da pandega» —.
As particularidades desta «santa» gente são muitas, tais como: indivíduo da cidade que ao domingo lhes caia nas «garras» é convidado; se porventura há namoriscos de permeio, calcadela nos pés do parceiro, seguindo-se logo o «Fiat lux (apagou-se» a luz), e aqueles Brutos, munidos de um pau ferrado, a que vulgarmente chamam «lápis», atiram-se ao seu semelhante como o gato se atira a bofe.
Nessa ordem de ideias, e como o Comba-Club tem projetadas grandiosas festas para tornar o carnaval civilizado, temos a subida consideração de propor à sanção de Vossa Majestade as instruções que o «Comba-Club», sociedade de que com algumas exceções fazem parte quase todos os habitantes desta cidade, tencionam observar e que constam do seguinte:
Decreto
Eu «El-rei Carnaval», atendendo ao que me representou o «Comba-Club», hei por bem aprovar o seguinte:
Art. 1.º A sociedade do recreio mais importante e de maior força nesta Coimbra e seus domínios é, sem duvida, o «Comba-Club», instituição que conta no seu núcleo grande parte de «Benfeitores».
Art. 2.° Para ser bom sócio é necessário satisfazer ás seguintes prescrições:
1.º Comer bem;
2.º Beber do melhor;
3.º Evacuar com facilidade.
Art. 3.º Levantar-se ao mata-bicho e espetar com um «cagão» na mala.
Art. 4.º É expressamente proibido a qualquer sócio chamar pelo «gregório» mais do que uma vez por semana.
Art. 5.º Qualquer sócio que se sinta «perturbado», deverá imediatamente recolher a casa, molhar as fontes da caveira e tomar um copo de água com algumas gotas de amoníaco.
Art. 6.º Evitar o mais possível qualquer manobra, para não dar trabalho à polícia.
Art. 7.º Fica revogada toda a legislação em contrário.
Paço, 6 de fevereiro de 1907.
Carnaval de 1907, carro do Comba-Club
Nesse ano o cortejo foi brilhante e, passados uns dias, no estabelecimento do sr. Augusto Fonseca, sito na Rua da Sofia, vendia-se uma coleção de sete postais que reproduziam alguns aspetos do cortejo composto por carros de reclame, alegóricos e de fantasia, por mascarados, cavaleiros, bicicletas e cégadas. O cortejo desfilou entre o Largo do Príncipe D. Carlos [Portagem] e a Praça 8 de Maio.
Carnaval de 1907, coche reclamo da casa comercial Gaitto e Cannas
A imprensa local deve ter noticiado amplamente o evento e a revista Illustração Portugueza, através da máquina do fotógrafo José Bastos dos Santos, também reproduziu um dos carros alegóricos conimbricenses.
Illustração Portugueza, 52, Lisboa, 1907.02.18, p. 200; Resistencia, 1181 e 1183, Coimbra. 1907.02.10 e 1907.02.21.
O primeiro documento que conseguimos encontrar sobre os festejos do Carnaval em Coimbra é o anúncio que a seguir se reproduz:
Carnaval de 1894, anúncio de baile carnavalesco
Na sua edição de 21 de fevereiro de 1907, o jornal Resistencia, escrevia que (atualizamos a grafia), a sociedade Comba-Club [fundada numa data que escapa ao nosso conhecimento, mas composta essencialmente por comerciantes e industriais] tinha decidido meter ombros, com bem pouca probabilidade de sucesso nesta sonolenta Coimbra, à organização de festejos tendentes a “civilizar o carnaval”.
De acordo com o articulista, provavelmente Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o conhecido Quim Martins, “civilizar o carnaval é uma frase feita, mas má”, porque o carnaval não se civiliza, o carnaval fica o que foi ou desaparece.
Carnaval de 1907(?), anúncio de Baile de Mascaras
O carnaval não tinha sido sempre a festa licenciosa, suja, brutal e sem graça vivida na época medieval, mas no período renascentista evoluiu e apareceu, nessa altura, o cortejo e a mascarada espirituosa que encheram a rua de alegria decorativa e de um grande exibicionismo artístico.
Portugal não acompanhou a evolução acontecida nos outros países onde se passou de uma cerimónia seiscentista á graça amorosa, espirituosa e fina do século XVIII.
Contudo, o nosso amor aos jogos, danças e torneios a cavalo, veio dar ao entrudo nacional uma feição própria que ainda, no final do século XIX, fazia do carnaval uma ocasião de ostentação artística, materializada em jogos de destreza capazes de provocar o sorriso e de, por vezes, gerar uma alegria ruidosa face às surpresas das cavalhadas.
Do programa proposto pelo Comba-Club salientavam-se os bailes organizados na sua sede e na “Casa do sobrado” ou “Casa da pandega”, situada na periferia, bem como cavalhadas e récitas no Teatro-Circo. O cortejo carnavalesco constituía o ponto alto dos festejos.
Carnaval de 1907, carro das Especialidades de Coimbra a passar na Praça do Comércio
Illustração Portugueza, 52, Lisboa, 1907.02.18, p. 200; Resistencia, 1181 e 1183, Coimbra. 1907.02.10 e 1907.02.21.
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