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Começa hoje à meia-noite mais uma Queima da Fitas, esta envolta em alguma polémica. Para melhor compreender esta tradição académica apresentam-se algumas notas sobre a sua génese, assentes na recordação da Queima de 1931.
A Tradição Académica encontra-se associada a diversas celebrações que pontuam o calendário estudantil. Em Coimbra, as primeiras manifestações deste tipo remontam aos festejos do centenário da sebenta, aos que marcavam o início e o fim das aulas, aos do enterro do grau, etc.
Contudo, ao longo dos tempos foram ganhando raízes toda uma série de iniciativas relacionadas com o desenrolar do calendário académico e que, obviamente passaram a integrar a Tradição. Refira-se sem qualquer preocupação exaustiva, a queima das “Fitas” dos Quartanistas surgida por volta de 1896; a prática da Pastada na década de 1920; a introdução da Garraiada em 1929/30; a missa de Bênção das Pastas, em 1930; a invenção das Cartolas e Bengalas por 1931; a introdução da Venda da Pasta pelos finalistas de Medicina da UC, em 1932; o Baile de Gala das Faculdades, em 1933; a Imposição de Insígnias dos Quartanistas Grelados em 1946; a inclusão da Monumental Serenata no programa da Queima das Fitas, em 1949; as latadas de abertura do ano escolar inventadas nos inícios da década de 1950; a adoção do ritual da compra/roubo do grelo às vendedeiras do Mercado Municipal, costume adotado a partir da Revolta do Grelo acontecida em 1903.
Mas, no século passado, a festa de maior impacto realizada em Coimbra e que assinalava, grosso modo, o final do ano letivo era a “Queima das Fitas”.
Em 1931 integrava o cortejo um carro de bois que transportava alguns caloiros, dois deles identificados pela pessoa que nos facultou a fotografia.
Data desse mesmo ano de 1931 o cartaz da Queima das Fitas que, deteriorado pelo passar dos anos, não permite uma leitura integral.
No entanto, face ao interesse do documento, apresentamos a transcrição possível e pedimos que nos auxiliem na sua leitura integral. Permitimo-nos chamar a atenção não só para estilo da escrita, como para o aliciante programa nele anunciado.
Coimbra da tradição e da lenda
QUEIMA DAS FITAS
As mais bizarras festas académicas que se realizam na Europa
De 24 a 27 de maio de 1931
Domingo, 24
Imponente garraiada, no Colizeu de Coimbra, em homenagem aos Quartanistas de todas as Faculdades «Diestros» dos mais afamados de Coimbra.
À NOITE Maravilhoso festival no Parque da Cidade
Segunda Feira, 25
À TARDE Grandioso desafio de foot-ball no campo de Santa Cruz entre… de Lisboa
À NOITE Na Associação Académica conferência sobre … académicos do passado
Terça Feira, 26
À TARDE Entram os caloiros em Coimbra. Grande … caloiral no Largo da Feira e entrega das insígnias e mais atributos
À NOITE Imponente Sarau no Teatro Avenida promovido pelo nosso Orfeon
Quarta Feira, 27
A Queima das Fitas
Grandioso cortejo burlesco que sairá da Universidade pelas 14 horas. Queima dos Grêlos no Largo da Feira, desfile do imponente cortejo pelas ruas da Cidade.
Carros….
À NOITE … no Parque da Cidade. Maravilhoso fogo de artificio dos … de Viana do Castelo
….
Uma breve nota informativa para dizer que o Colizeu de Coimbra referido no cartaz era a praça de touros, inaugurada em 26 de julho de 1925, e destruída por um grande incêndio no dia 4 de abril de 1935. Estava erguida no atual Parque Verde do Mondego, justamente no local da Praça da Canção.
… os sinais de alarme nas torres das igrejas (badaladas), em caso de incêndio, e que eram os seguintes: «Sé Nova, 10 badaladas; Sé Velha, 11; S. Bartolomeu, 12; Santa Cruz, 13; Santa Clara, 14; e Santo António dos Olivais, 15».
- Incêndio na Escola Brotero
… pelas 3.45 horas (12 de Janeiro (de 1917) um violentíssimo incêndio destruiu completamente a Escola Brotero e as instalações da Hidráulica. Não houve mortos. Na Escola Industrial estavam matriculados 442 alunos que vão ficar sem aulas.
… O fogo principiou no arquivo da 2.ª Direção dos Serviços Fluviais e Marítimos e propagou-se rapidamente ao laboratório químico … teve uma extensão de 100 metros, chegando a ameaçar os paços municipais.
- Incêndio na Tabacaria Crespo
… violento incêndio … edifício ficava na Rua Ferreira Borges … hoje Papelaria Cristal.
Na madrugada de 23 de Fevereiro, cerca de 1 hora (23/2/1923) os «toques a incêndio emanaram das torres da cidade e os gritos da população anunciaram a mais negra cena lutuosa, que há memória na cidade» … «O foco incendiário teve origem no 2.º andar (morada dos proprietários e criados). Envoltos em fogo, Eduardo Crespo lançou para a rua um filho de 6 meses, recuperado pelo ’chauffer’ Alberto Baptista (o 1.º que deu pelo sinistro) e Eduardo saltou atrás do filho, estatelou-se no lajedo e morreu 3 horas depois.
… A população tentou retirar e proteger alguns bens … e foi surpreendida pela derrocada dos andares superiores … 14 mortes a lamentar com funerais municipais.
- Incêndio nos Correios
Um pavoroso incêndio acontecido a 2 de Janeiro de 1926 … destruiu completamente a estação telégrafo-postal, bem como os serviços telefónicos que ali estavam instalados … pelas 4 e meia horas da madrugada a torre de Santa Cruz deu sinal de incêndio … As labaredas envoltas em negras nuvens de fumo fundiram vários fios e próximo da Manutenção Militar caíram dois postes, um deles no telhado do mercado do peixe … O rescaldo durou alguns dias.
- Incêndio no Coliseu de Coimbra
… incêndio, em 4 de Abril de 1935, que devorou a praça de touros de Santa Clara, denominada de Coliseu de Coimbra e que fora inaugurada em 26 de Julho de 1925 … «As labaredas atingiram alturas elevadíssimas e espessos rolos de fumo preto elevaram-se no espaço … meia-hora depois do início do incêndio a vasta praça era um braseiro imenso. Ficou apenas de pé a cabine cinematográfica construída em cimento armado … A última tourada que ali se realizou foi em 17 de Julho de 1934. A lotação era de 10.000 pessoas. A arena era a maior de todas as praças do País. Com o desaparecimento do Coliseu perdeu a cidade um magnifico recinto de espetáculos, onde não só se levaram a efeito algumas das mais grandiosas e importantes touradas realizada no País, como grandes festas desportivas, etc., não levando em conta as sessões cinematográficas durante a quadra estival que levaram o público a afluir em massa».
- A tragédia de 6 de Julho de 1938
»… os Bombeiros Municipais que tinham recebido algum material novo quiseram testar o mesmo, incluindo no programa das festas da Rainha Santa um exercício de ataque a fogo real.
Ergueu-se para o efeito, na Praça da República, uma casa-esqueleto de 17 metros de altura, cujos três andares foram ocupados por 13 jovens que se faziam passar por inquilinos.
O guião do exercício consistia em deitar fogo ao prédio e recolher, sãos e salvos, os seus moradores.
A partir de um monte de lenha e de estopa embebida em gasolina e do riscar de um fósforo foi fácil criar o incêndio. Dominá-lo é que se tornou impossível.
… Alguns, já feitos tochas humanas, atiraram-se de 17 metros de altura, morrendo ao embater no solo. Outros, sem coragem para tal gesto, pereceram carbonizados.
Salvou-se, apenas um por não ter sofrido ainda queimaduras saltou em último lugar. A lona estava, nessa altura, suficientemente tensa para amparar.
… Os funerais das 12 vítimas realizaram-se no dia seguinte para o cemitério da Conchada, com milhares de pessoas incorporadas no cortejo fúnebre.
Nunes, M. 1998. Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, Das origens aos nossos dias. (1889-1998). Páginas para a história de Coimbra. Coimbra, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra. Pg.44, 48, 61 e 62, 64 a 66, 71, 86 e 87
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