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O Colégio das Artes … fora criado em 1547 com o objetivo de garantir a preparação para as disciplinas maiores que se lecionavam na Universidade.
…. As aulas começaram em 1548, provisoriamente instaladas nos Colégios de S. Miguel e de Todos-os-Santos, na Rua da Sofia.
…. Entregue à Companhia de Jesus em 1555 foi transferido para a Alta em 1565 de modo a integrar o complexo colegial jesuíta a erguer naquela parte da cidade.
… Menos de dois meses depois de ter sido instalado na Alta, já se lidava em preparativos remotos para a edificação do novo Colégio das Artes, que havia de erguer-se junto ao Colégio de Jesus.
A primeira pedra foi lançada em 1568 … A reconstituição de Francisco Rodrigues é bastante esclarecedora: "A traça do colégio tinha sido anteriormente delineada. Havia de erguer-se perto do Colégio de Jesus naquela mesma elevação. Mas … quando já tinham começado as obras (1569), ainda se lhe introduziram outras alterações”. Dispôs-se de modo que a porta principal abrisse para um terreiro de 302 palmos
…. A construção do Colégio das Artes processava-se de modo efetivo já no ano de 1569 e em 1572 já se ensinava na vasta sala de atos e noutra mais pequena que se acabara. Em 1573, no entanto, cessava a obra do colégio por falta de dinheiro.
…. Só em 1611 se retomaram as obras, com dinheiro do orçamento da Universidade … Em 1616, apesar de ainda não estar completa a obra, foram iniciadas as aulas do novo edifício… O vão media na direção de norte a sul, cerca de quarenta metros, e de leste a oeste quarenta e quatro. Rodeavam-no interiormente nos quatro lados, varandas ou pórticos de colunas de pedra inteiriças, para os quais se iam abrindo por toda volta as aulas … Excediam às demais na vastidão a nobre aula de Teologia, capaz de receber muitos teólogos e doutores para as disputas, e a sala dos atos.
O conjunto de levantamentos efetuados por Elsden em 1772 inclui também uma planta do piso de entrada do Colégio das Artes.
Planta do piso superior do Colégio das Artes. Reconstituição correspondente à situação da gravura de 1732. Op. cit., pág. 49
Guilherme Elsden, 1772. Planta do piso térreo do Colégio das Artes. Op. cit., pág. 49
Nessa planta podem-se identificar claramente as duas grandes salas às quais se faz referência na descrição anterior, ambas no lanço norte do edifício. Do lado nascente tem-se a grande sala dos atos, com uma tribuna destinada aos lentes encostada à parede lateral. No lado poente existe uma sala identificada. Como capela, que serviria certamente como a aula de Teologia mencionada.
…. Em redor de uma quadra monumental – sem o carater claustral de um mosteiro – dispõem-se quatro lanços com salas de aulas racionalmente concebidas quanto à área, alçados, iluminação e higiene … O primeiro andar era ocupado pelas celas dos noviços.
…. as colunas toscanas que circundavam o pátio do Colégio das Artes suportavam um entablamento reto e não uma arcaria.
Inferiormente, as colunas assentavam em pedestais de cerca de um metro de altura, composição que hoje se mantém. Paradoxalmente, a situação atual apresenta uma arcaria em redor do claustro. Trata-se, contudo, de uma intervenção do início deste século derivada da adaptação do edifício ao Hospital da Universidade.
…. As intervenções apontadas são, no entanto, pouco profundas, reduzindo-se praticamente a dois lanços de escadas novos.
…. Exteriormente …. sobressaíam apenas no tratamento dos alçados, para além das aberturas factuais, os frontões rematados por pináculos que assinalavam os corredores das alas e a entrada principal do colégio no lanço sul. O lanço norte não era coroado por estes frontões dada a sua particularidade na estrutura formal do conjunto. Albergava as duas grandes salas do colégio e o sistema de acessos verticais que interligava os vários pisos: o andar superior das celas, o pavimento do claustro e das aulas e ainda os pisos subterrâneos que ligavam ao colégio de Jesus e às cozinhas e ao refeitório que serviam o complexo edificado da Companhia. No lanço nascente sobressaía na leitura exterior do edifício o corpo de uma capela que existia no piso superior, assente sobre a plataforma que cobria a cisterna do rés-de-chão. Atualmente não é percetível a existência da capela do exterior, uma vez que ficou completamente afogada pela massa edificada resultante das intervenções do princípio deste século. Ficou por isso sem iluminação direta. A sua cobertura erguia-se acima do telhado que corria sobre o lanço nascente, facto que salientava a sua presença na perceção geral do edifício. O plano da capela é retangular, abrindo-se nas paredes quatro janelas, agora sem luz direta. A capela-mor está demarcada por um arco de alvenaria sendo o teto formado por uma abóbada semicircular. Anteriormente à capela, conserva-se o pequeno átrio quadrado, com abóbada de aresta, à direita do qual se encontra a sacristia, situação que não corresponde à original, já que esta inicialmente ocupava o compartimento à esquerda. A porta da capela está datada de 1720.
Gravura de 1732. Pormenor com o Colégio das Artes, cuja construção foi iniciada em 1568. Op. cit., pág. 51
Na gravura de 1732, no entanto, a capela ainda não aparece representada, sendo possível identificar apenas a plataforma que cobre a cisterna. Provavelmente estaria ainda em construção na altura. Tendo em conta a decoração interior com azulejos e talha dourada, trata-se certamente de uma intervenção ainda da primeira metade do Séc. XVIII. O portal da face sul do colégio é também deste século, mais propriamente de 1715. Falta-lhe o remate superior que deveria ter contido o escudo nacional.
…. Em 1759, no reinado de D. José, foi proscrita a Companhia de Jesus e os jesuítas foram expulsos do país… Em carta régia de 1760, mandava-se separar este edifício do que fora o Colégio da Companhia, o Colégio de Jesus. Ordenava-se obviamente a destruição do passadiço de ligação entre os dois colégios.
Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.
Tags: Coimbra sec. XVI, Coimbra séc. XVII, Coimbra séc. XVIII, Colégio das Artes, Colégio de S. Miguel, Colégio de Todos-os-Santos, Companhia de Jesus, Rua da Sofia, Francisco Rodrigues, Guilherme Elsden, D. José,
Um leitor deste blogue – que não se identificou – colocou-me a seguinte questão: Um meu tio-avô, enquanto esteve a estudar na UC em 1890-91, viveu na R. da Sofia, n.º 70. Sabe-me dizer se se tratava de algum antigo colégio?
A resposta que lhe posso dar – muito atrasada no tempo, por lapso meu – passa pela afirmativa.
Com efeito, tratava-se do Colégio de S. Miguel que pertencia ao Mosteiro de Santa Cruz e se situava na Rua da Sofia. Ainda sem se encontrar terminado, em 1547, D. João III requisitou o edifício para ali poder instalar o recém-criado Colégio das Artes até que o edifício próprio, em fase de construção na Alta da Cidade, estivesse concluído.
Este imóvel, embora modificado, ainda existe na atualidade e nele, bem como no Colégio de S. Jerónimo que lhe ficava contíguo, funcionou, até 1986, ano em que se transferiu para as novas instalações erguidas lá para as bandas de Celas, o Hospital da Universidade de Coimbra.
O edifício do Colégio de S. Miguel, bem como o vizinho edifício do Colégio de Todos os Santos, no ano de 1566 foram entregues à Inquisição que, para os adaptar aos lamentáveis objetivos da instituição, os transfigurou, levando a cabo obras vultuosas. Mas disso falaremos na próxima entrada.
Para obter mais esclarecimentos sugiro a leitura das entradas aqui publicadas com os títulos:
- Coimbra: A Inquisição e as suas instalações 1 e 2;
- Coimbra: Rua da Sofia e os seus colégios 4
Não posso deixar de se referir um pormenor curioso.
No último andar do edifício número 70 da Rua da Sofia
Edifício da Inquisição frente Sofia
existe esta varanda:
Gradeamento da varanda
No Pátio da Inquisição está o seguinte edifício
Edifício da Inquisição frente pátio
E nele existe esta varanda
Gradeamento da varanda
Como se pode constatar as guardas das varandas são em tudo similares. Pertenciam ao edifício principal da Inquisição que tinha a frente voltada para o chamado Pátio da Inquisição e as traseiras para a Rua da Sofia.
O sanguinolento e ominoso tribunal teve seu começo em Coimbra em 1541 ... principiaram a exercer as suas funções de roubo e infâmia no dia 15 de Outubro do apontado ano. Em 1572 começaram a ocupar os colégios de Todos os Santos e de S. Miguel, na rua da Sofia, onde persistiu aquela mansão tenebrosa durante duzentos e oitenta anos, pois foi abolida por decreto de 31 de Março de 1821.
Planta das instalações da Inquisição
A trinta e um de Maio deste último ano, foram abertas as portas do edifício, e toda agente pode invadi-lo e penetrar nesses calabouços horrivelmente infectos, onde faziam apodrecer os desgraçados, quando não eram conduzidos através dos negros corredores à sala da tortura, para aí serem deslocados os membros na «polé» ou por outro semelhante meio, para lhes rasgarem as carnes com dentes de ferro, para lhes quebrar os ossos das pernas a maço e cunha, para lhes queimar os pés a fogo lento, ou para os conduzir à praça pública, para servirem de espetáculo à multidão embrutecida, ardendo como pinhas inflamadas, à maneira dos cristãos que serviam de fachos para iluminar os banquetes e os jardins do execrável filho da segunda Agripina.
"No quintal do prédio ... situado entre e a Rua da Sofia e o Pátio da Inquisição, ainda hoje existem, do lado norte e parte do nascente ... dois corredores (do antigo edifício), com as arcadas.
A primeira ordem, ou andar de carceres estava ao nível do quintal ... O segundo andar dos carceres foi transformado em dois espaçosos celeiros, ambos com entrada pelo Pátio da Inquisição. Em seguida à casa dos «tratos» havia um outro carcere, mais baixo, para o qual se descia por uma escada. Era de todos o mais escuro e apertado, sem luz, nem ventilação alguma. Passava-lhe por baixo um cano de água, que o conservava em continua humidade. Chamavam-lhe o carcere do «Inferno» ... Os carceres do andar superior eram chamados da «Judia». Segundo as informações dos que em 1826 arremataram o prédio da inquisição havia ali para cima de 100 carceres, distribuídos em dois pavimentos.
Sala dos tratos e argola da polé
A já referida casa dos «tratos» estava colocada no fim de um corredor, tendo 4,44 m de largo, por 4,11 m de fundo. Era de abobada, com cimalha, rosetas e florões pintados, num mesmo gosto dos carceres: isto é, a preto e branco. Nos florões do teto dos carceres achavam-se disfarçadas algumas espreitadeiras, por onde os presos eram vigiados. Contigua à casa dos «tratos», e dividida apenas por um arco de volta redonda, estava outra casa mais pequena, com uma janela gradeada, onde se colocava a mesa dos inquiridores e notário, que assistiam á tortura. No teto desta última casa achavam-se pintadas as conhecidas armas da inquisição.“ (O Conimbricense, n.º 3.967, de 29 de Agosto de 1885).
... O edifício da inquisição da cidade de Coimbra tinha três entradas: pelo Pátio da Inquisição em Montarroio; pelo pátio de S. Miguel que abria sobre a praça de Sansão; e pela porta da Bica, na rua da Sofia.
O Pátio de S: Miguel tinha duas frentes, uma para o largo de Sansão e outra para Rua da Sofia ... Foram neste recinto celebrados alguns autos de fé, e lá se fizeram também muitas publicações das sentenças menos solenes do maldito Ofício.
Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 28-33
Colégio de S. Bernardo
Separado do Carmo pela ladeira do mesmo nome, erguia-se outro grande edifício, o «Colégio de S. Bernardo» ou do «Espirito Santo», pertencente aos cistercienses. Está hoje muito adulterado, mantendo apenas uma parte da fachada. O lado do edifício junto à Ladeira do Carmo foi transformado num palacete oitocentista. Era uma grande construção, mas simples, adaptada ao declive, com dois claustros interiores. A sua fundação deve-se ao cardeal D. Henrique, que financiou as obras “à custa da sua própria fazenda”.
Colégio de S. Boaventura
Sofrendo de igual descaracterização está o «Colégio de S. Boaventura», do outro lado da rua, logo a seguir ao Beco de S. Boaventura. Igreja e parte residencial estão transformadas em lojas comerciais e habitações … Ocuparam-no os franciscanos da Província dos Algarves, que tinham por apelido os «frades pimentas».
Colégios de S. Miguel e Colégio de Todos-os-Santos
Na mesma linha do Colégio de S. Bernardo se encontra o «Palácio da Inquisição», de que restam partes, sobretudo no lado que dá para o pátio do seu nome. Para se entender a sua localização há que referir as construções que o antecederam. No cotovelo formado entre a Rua da Sofia e a subida de Montarroio levantaram-se dois colégios do Mosteiro de Santa Cruz: o de S. Miguel, ao longo da Rua da Sofia, destinado a canonistas e teólogos, e o de Todos-os-Santos, na rampa de Montarroio, para alojamento de alunos de Teologia e Artes. Projetaram-se cerca de 1535 e ainda decorriam obras em 1547, quando o rei D. João III pediu os edifícios ao Prior de Santa Cruz para aí instalar o Colégio das Artes
…O tribunal da Inquisição estabeleceu-se em Coimbra, em 1541, andando por sedes provisórias, até vir ocupar este edifício desafeto, em 1566. Das velhas construções pouco resta, para além de um lanço de claustro, no pátio interno. As instalações foram sendo adaptadas.
Para a Rua da Sofia ficava a «Porta da Bica», por onde entravam os presos. Havia outra entrada pelo Pátio de S. Miguel, que já não existe, mas o núcleo principal voltava-se para o Pátio da Inquisição … À entrada do pátio, à direita, situavam-se os «aposentos dos secretários» - prédio renovado, no estilo dos séculos XVII-XVIII, de boas linhas. No topo ficavam os «aposentos dos inquisidores», com um terraço avarandado, tendo do baixo a «casa do tormento». Os cárceres e galerias do lado sul e poente desapareceram já.
Borges, N. C., 1987. Coimbra e Região. Lisboa, Editorial Presença. Pg. 82 e 83
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