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Terceira e última entrada dedicada ao trabalho do Doutor Francisco Pato de Macedo que sobre o retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra.
«Evangelista S. Mateus», predela do retábulo da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
O retábulo da Sé Velha de Coimbra, pelas suas dimensões, não apresenta a possibilidade de ser fechado, através de volantes, como era comum nos retábulos do Norte da Europa.
A predela do retábulo da Sé Velha é constituída por seis divisórias encimadas por baldaquinos finamente lavrados. Uma no prolongamento do pano central deste políptico, que se subdivide para albergar dois temas e quatro no prolongamento de cada uma folhas laterais, onde se dispõem os Evangelistas.
No lado direito, na divisória do meio, o Evangelista S. Lucas, em relevo de meia figura, tem a seus pés o boi, seu atributo, que combina, neste retábulo dedicado à Virgem, com outro dos seus atributos, o de retratista da Virgem. A pintura que se vê a executar está colocada num cavalete e voltada para os espectadores a quem é mostrada. Completa esta cena o seu auxiliar, que prepara as tintas, e que é curiosamente um negro…. A representação iconográfica de S. Lucas como retratista da Virgem foi utilizada com frequência pelos artistas flamengos, que assim contribuíram para a sua divulgação. A divisória que se situa no prolongamento da folha exterior do lado direito, é ocupada pelo Evangelista S. Mateus, que quase de costas no ato da escrita, molha a pena no tinteiro, que um anjo, seu atributo, à sua frente, lhe segura. Na folha central, do lado esquerdo, S. João, patrono dos escritores e dos teólogos, sentado numa cadeira ornada com motivos escultóricos, dedica-se à tarefa da escrita numa escrivaninha que lhe é apontada pelo bico da águia, que o simboliza, que está elegantemente colocada com as asas abertas e as patas assentes em livros.
Por último, o Evangelista S. Marcos, a escrever o Evangelho com o leão alado, o seu atributo, aos pés. Completam a predela, nas duas divisórias, que prolongam o pano central, o Presépio que, enquanto glorificação da Virgem, é subsidiário do tema central e que alude também à infância de Cristo. Neste caso, contrapõe-se à cena seguinte a Ressurreição de Cristo, símbolo de transcendência e de um poder sobre a Vida que só a Deus pertence, que é o tema principal do retábulo e que volta a repetir-se na estrutura de coroamento. A Ressurreição reflete a estética flamenga, quer na posição de Cristo com uma perna fora do sepulcro, quer na posição de terror dos soldados e nas suas armaduras.
A estrutura do coroamento é composta de duas partes, uma onde numa estrutura de marcenaria menos trabalhada se destaca a crucificação que aliás é comum encimar este tipo de retábulos. Ao centro, em posição mais elevada Cristo Crucificado, com um semblante de sofrimento e o tórax torneado a mostrar as costelas salientes e o ventre reentrante. Aos pés de Cristo, tal como aos da Virgem, D. Jorge de Almeida mandou colocar o seu brasão…. A mitra, que na sua forma triangular encima o brasão e que com o seu vértice aponta Cristo Crucificado, simboliza a Sua natureza divina. Aos lados da cruz, em pé, à direita, a Virgem, e, à esquerda, S. João, a Mãe e o discípulo favorito. Completam este tema os dois companheiros do drama, o bom e o mau ladrão.
«O Mau ladrão», retábulo da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
À direita, o bom ladrão ergue o olhar para Cristo, à esquerda o mau ladrão com a cabeça pendente torce-se nas cordas. Seguindo a tradição do Norte da Europa não estão pregados na cruz, mas com os braços atados a esta …A estrutura de coroamento é ainda, neste retábulo, composta por outra parte que se liga diretamente à estrutura arquitetónica do edifício românico. A da semicúpula absidal que foi, de uma forma bastante original, inteiramente coberta com uma estrutura de marcenaria semelhante a uma abóbada estrelada, prefiguração do espaço celeste, onde se representa o Juízo Final. Na chave central da abóbada o busto nu de Cristo Juiz, envolto em nuvens, com as mãos erguidas para deixar veras chagas e mostrar-se tal como morreu na cruz. Em cada um dos fechos da abóbada anjos tenentes seguram com as mãos veladas os instrumentos da Paixão que assumem o carácter de brasões de Cristo. Completa o coroamento, abaixo de Cristo Juiz, S. Miguel Arcanjo.
…. Na imposta do arco que encima a cena central vêem-se duas figuras enigmáticas. A do lado direito aponta com um braço demasiado comprido, em direção ao crucificado e no outro leva, provavelmente, as Tábuas da Lei. A do lado esquerdo curvada sobre si própria ergue a cabeça para o crucificado e deve, hipoteticamente, simbolizar um Profeta que, a partir do Antigo Testamento se volta em direção ao Redentor e anuncia a sua segunda vinda.
Merece ainda destaque a moldura, em escultura ornamental, que decora o «Corpus» e a predela, deste monumental retábulo, onde se podem ver dragões, sereias, anjos, cavaleiros, ursos, porcos, macacos, homens selvagens e vários monstros entrelaçados em folhagem. Em termos de conteúdo simbólico podem, entre outros, ser-lhe atribuídos os seguintes significados: elementos moralizadores, evocação do período da desordem, símbolo das forças irracionais. Estes elementos são, por si só, motivo para um estudo detalhado e aprofundado utilizando o método iconológico.
…. Ao longo dos séculos, o retábulo da Sé Velha teve vários restauros documentados. No final do século XVI, mais concretamente em 1582 …. Um século mais tarde, em 1684…. Teve ainda uma grande obra de restauro, em 1899, na qual o mestre António Augusto Gonçalves modelou em barro, o Presépio
O Presépio. Imagem publicada no blogue Nova Portugalidade, em 19 de dezembro de 2018. Acedida em https://www.facebook.com/100069507879227/posts/2204153486509673/
e o Evangelista São Marcos que faltavam na predela, que foram em seguida, reproduzidos em madeira por dois artistas naturais da Carregosa, o mestre António Ferreira Santos e Adelino Teixeira da Silva.
…. Este magnífico retábulo-mor continua na Sé Velha de Coimbra a exaltar a devoção que desde tempos imemoriais aqui se dedica a Santa Maria.
Macedo, F. P. O retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra In: Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Portugal e Espanha entre a Europa e Além-Mar. 1988. Coimbra, Universidade de Coimbra.
Segunda de uma série de 3 entradas dedicadas ao estudo do Doutor Francisco Pato de Macedo que escreveu sobre o retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra.
A individualização do trabalho e do estilo de cada um dos artistas que realizaram o retábulo da Sé Velha apresenta, também grandes dificuldades. As obras que são atribuídas a Oliver de Gand, perderam-se na quase totalidade.
…. Acerca de Jean d'Ypres sabe-se só que, em 1510, estava a trabalhar em Santa Cruz de Coimbra, e que deve ter morrido, em 1512.
…. Conserva-se, felizmente, de Oliver de Gand e de Jean d'Ypres, o monumental retábulo de madeira dourada e policromada, nas formas exuberantes do gótico flamejante, que reveste completamente o fundo da abside da Sé Velha de Coimbra. Nele podemos individualizar um «Corpus», que constitui o centro narrativo e que ocupa a parte central da estrutura.
O «Corpus» termina num dossel trilobado e abobadado com nervuras e um remate de cogulhos, cujo centro é ocupado por dois anjos que sustentam o brasão do bispo, encabeçado pela mitra.
Abaixo sob um baldaquino filigranado, dispõe-se a narrativa central de todo o retábulo – a Assunção da Virgem. Esta cena central constitui um conjunto muito característico da escultura do Norte da Europa. A Virgem está envolta numa auréola luminosa, espécie de nimbo de todo o corpo e símbolo de beatitude eterna. Apresenta-se em posição frontal, de pé sobre uma lua crescente, em atitude de oração.
Assunção da Virgem. Retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
É uma figura de face gorda, cabelos frisados a cair pelos ombros e vestes de duras angulosidades. que está rodeada de anjos que a conduzem ao Paraíso. Aos pés da Virgem os Apóstolos. que vieram testemunhar a sua morte. dispõem-se num relevo em elevação e profundidade. aglomerados. cobrindo-se uns aos outros. gesticulastes, envoltos em roupagens de múltiplas pregas. elevando-se de um lado e do outro numa posição de equilíbrio.
Assunção da Virgem, pormenor do retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
A Assunção é um dos temas mais importantes da Glorificação da Virgem…. Existiu. desde tempos imemoriais, um templo dedicado à Virgem. no local onde no século XI, o bispo D. Miguel Salomão mandou construir a nova igreja catedral, que também a Ela consagrou. O bispo D. Jorge de Almeida, grande devoto da Virgem, não deixou de a fazer ocupar, neste retábulo, um lugar central e de lhe colocar aos pés o seu brasão.
…. A Assunção da Virgem ocupa o pano central do políptico, que é duas vezes maior que os laterais. dois de cada lado. separados por contrafortes onde se abrem nichos. de diversos tamanhos, destinados a albergar esculturas de vulto. dentro de um espírito de horror ao vazio. Em cada um dos panos laterais. seguindo uma linha quebrada. dispõem-se sob baldaquinos, figuras de santos de vulto redondo. Os baldaquinos da folha seguinte à central que terminam num triangulo rendilhado albergam. o da direita S. Pedro de cabelos encaracolados. barba espessa e curta e vestes de pregas onduladas e com o manto levantado deixando ver os atributos. as chaves e o livro. O baldaquino da esquerda S. Paulo de fronte calva e barba longa e cujo manto é decorado com imitação de. pedras incrustadas. Santos Universais que sustentaram os mesmos combates. que terão caminhado abraçados para a morte e que a Igreja festeja no mesmo dia. Nos panos seguintes. sob baldaquinos que terminam como se fossem uma coroa, os Santos Cosme (p. 308) e Damião, irmãos gémeos …. Além destes Santos, outros deveriam ocupar nichos hoje vazios. No Museu Machado de Castro conservam-se três imagens de S. Jerónimo, S. Gregório e Santa Catarina que, muito provavelmente, pertencem a este retábulo.
«S. Jerónimo» - Museu Nacional Machado de Castro – Coimbra. Op. cit.
«S. Gregório» - Museu Nacional Machado de Castro – Coimbra. Op. cit.
Pelas suas dimensões deveriam ocupar três dos seis nichos, situados nos contrafortes que delimitam os panos do políptico. Os outros três nichos deveriam ser ocupados pelos restantes doutores da Igreja, Santo Agostinho e Santo Ambrósio, e, hipoteticamente, por Santa Catarina que é muitas vezes associada a Santa Bárbara.
Macedo, F. P. O retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra In: Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Portugal e Espanha entre a Europa e Além-Mar. 1988. Coimbra, Universidade de Coimbra.
Nesta entrada e nas duas seguintes, voltamos ao trabalho do Doutor Francisco Pato de Macedo, Professor Aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no qual é contada, não só a história do retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra, bem como feita uma pormenorizada descrição do mesmo.
O interior da Sé Velha de Coimbra revela a quem transpõe o seu portal. um contraste entre as pedras nuas e frias da construção do séc. XII e o brilho dourado do retábulo-mor que, como peça de ourivesaria, refulge no ponto para onde, invariavelmente, converge o olhar.
…. O primitivo retábulo da capela-mor da Sé Velha de Coimbra, dedicado à Virgem. foi mandado executar pelo Bispo D. Miguel Salomão, nos finais do séc. XII, e era composto por uma alma de madeira revestida a prata dourada.
Três séculos depois. o bispo-conde D. Jorge de Almeida não considerou este retábulo digno de uma Sé, com a ascentralidade e a importância da de Coimbra, nem dele próprio, enquanto seu bispo já que é sempre referido pela historiografia como verdadeiro príncipe da Renascença.
…. Enriqueceu a Sé com inúmeros objetos de ourivesaria sacra …. Dentre todos, destaca-se a magnífica custódia, de prata dourada, em estilo gótico, destinada às procissões do Corpo de Deus. Deve-se ainda a D. Jorge de Almeida a introdução do gosto pelos azulejos mudéjares, que mandou comprar em 1508, em Sevilha, e com que mandou revestir totalmente, pilares e muros do interior da Sé Velha. Aí se mantiveram, a deslumbrar os fiéis com o seu brilho, até que as obras de restauro, levadas a efeito de 1893 a 1902, com critérios hoje discutíveis, os retiraram.
…. A construção do retábulo revelou-se de tal modo dispendiosa que o bispo, por carta, de 9 de Novembro de 1499, instituiu uma confraria destinada a obter esmolas para esta obra. A fábrica da igreja catedral, não tinha, como afirma, rendas suficientes e a contribuição que, conjuntamente com o Cabido, havia dado, não era suficiente.
Esta carta determina a concessão de «privillegios, perdões e indulgencias» a todos aqueles que entrassem para a confraria.
…. Para o retábulo-mor da Sé Velha, optou D. Jorge de Almeida pelo gótico flamejante que a época considerava «moderno», por oposição ao novo estilo que se estava a introduzir que se denominava de «antigo» ou «romano».
…. [ao artista flamengo] Jean d'Ypres, vai ficar a dever-se o sumptuoso retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra, hoje único entre nós, cuja data de início se desconhece, mas que deve ter sido concluído entre 1502 e 1508.
Os retábulos colocados em locais interditos aos fiéis e tornados invisíveis pela penumbra dos altares não se destinavam a ser contemplados, mas como afirma Germain Bazin «a constituirem como que uma oração permanente, fixa em imagens de que os fiéis só percebiam, ao longe, o brilho vago dos dourados e das cores».
Interior da Sé Velha de Coimbra. Imagem acedida em https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9_Velha_de_Coimbra
Para a Sé Velha de Coimbra foi executado um retábulo do mesmo tipo dos da Europa do Norte.
Retábulo-Mor da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
Macedo, F. P. O retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra In: Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Portugal e Espanha entre a Europa e Além-Mar. 1988. Coimbra, Universidade de Coimbra.
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