Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A Mitra Episcopal de Coimbra representa essencialmente o conjunto de bens patrimoniais que estavam destinados ao sustento e provisão do bispo de Coimbra.
A diocese de Coimbra teve sede, primitivamente, em Conímbriga, no período de romanização da Península Ibérica, depois em Emínio (Aeminium), durante o domínio dos Suevos, tendo sido nestes períodos sufragânea de Mérida e depois de Braga, e por fim ficou sedeada na cidade de Coimbra, enquanto diocese isenta.
Os limites geográficos do bispado ficaram definidos em 1253, pela bula Provisionis nostrae de Inocêncio IV, de 12 de Setembro, tendo sido retirados a Coimbra os territórios entre o rio Douro e Antuã que foram anexados ao bispado do Porto.
Inocêncio IV
A área geográfica do bispado de Coimbra sofreu alterações com a criação do bispado de Leiria, pela bula Pro excellenti apostolicae sedis de Paulo III, de 22 de Maio de 1545, no reinado de D. João III, que ditou a saída de seis paróquias (Caranguejeira, Colmeias, Espite, S. Simão de Litém, Souto da Carpalhosa e Vermoil) da diocese de Coimbra que passaram a pertencer ao novo bispado.
Paulo III
Idêntica situação ocorreu aquando da criação da diocese de Aveiro, desmembrando localidades diversas do bispado de Coimbra, por breve de Clemente XIV de 12 de Abril de 1774.
Clemente XIV
Com a nova circunscrição diocesana ditada pela bula Gravissimum Christi de 30 de Setembro de 1881, na diocese de Coimbra foi integrada parte dos bispados de Leiria e Aveiro, que só voltaram a ser restaurados pelo papa Bento XV em 1918 (Leiria) e 1938 (Aveiro).
As doações patrimoniais à Sé de Coimbra são anteriores à fundação da nacionalidade. A necessidade de sustentação dos bispos, cónegos e mais prelados esteve na origem de várias doações, nomeadamente, a importante doação do Mosteiro da Vacariça, em 1094, por D. Raimundo e D. Urraca, e do mosteiro do Lorvão, em 1109, que apenas por sete anos esteve na posse da Mitra.
D. Raimundo
No entanto, as propriedades de Santa Comba Dão, Couto do Mosteiro, Midões, Vila Cova e parte da Pedrulha, que eram do dito mosteiro do Lorvão, mantiveram-se na sua posse.
Em 1082, o conde D. Henrique e D. Teresa doam à Sé de Coimbra os castelos de Coja e Arganil, altura em que os bispos de Coimbra passam a designar-se Senhores de Coja.
D. Henrique e D. Teresa
A partir do reinado de D. Afonso V, o bispo de Coimbra passa a acumular o título de conde de Arganil, na sequência do reconhecimento da participação do bispo D. João Galvão nas campanhas do Norte de África (conquista de Tânger e Arzila), em 1471… concedeu também a este prelado, por provisão régia de 18 de Agosto de 1472, a vedoria mor das obras e alcaidaria-mor das comarcas da Beira e Ribacôa, razão pela qual se intitulava alcaide-mor de Avô.
Bandeira, A.M.L., Silva, A.M.D., Mendes, M.L.G. 2007. Mitra Episcopal de Coimbra: descrição arquivística e inventário do fundo documental. Acedido em 2019.04.29, em
https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/DIO_MitraEpiscopalCoimbra
Esta entrada, que reproduz um artigo publicado na revista O Panorama, carece de uma explicação.
O Panorama. Jornal litterário e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, foi publicado aos sábados, entre 1837 e 1868, estando a digitalização dos seus índices e das revistas disponível em:
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/OPanorama/OPanorama.htm.
Folha do rosto de O Panorama
A maioria dos artigos ali publicados não são assinados, embora a sua paternidade seja comumente atribuída a Alexandre Herculano, a alma e o motor deste projeto.
Daí o título aposto à entrada, que reproduz na íntegra um texto ali publicado – cuja ortografia foi atualizada para facilitar a sua leitura – e que consideramos de uma grande beleza.
Importa sublinhar que se trata de uma síntese, escrita em 1836, onde se dá conta dos conhecimentos de então relacionados com a história de Coimbra e com a de alguns dos seus monumentos; os conhecimentos atuais relacionados com estas temáticas são muito mais aprofundados e desenvolvidos.
O artigo em causa insere uma gravura onde também se não vislumbra a assinatura do autor, mas cuja autoria poderá ser atribuída a Manuel Maria Bordalo Pinheiro ou a José Maria Baptista Coelho, porque foram estes dois artistas que, maioritariamente, colaboraram na revista.
Coimbra xilogravura de autor desconhecido. In O Panorama, n.º 51
O Panorama esteve entre as primeiras publicações portuguesas que inseriram gravuras, a impropriamente chamada xilogravura, ou seja, a gravura aberta em blocos de madeira; mas utilizou a “xilogravura de fio”, também conhecida como madeira à veia ou madeira deitada, porque o bloco foi cortado longitudinalmente em relação ao caule da árvore e trabalhado com canivete ou goiva, procurando aproveitar as fibras rígidas e salientes. Posteriormente, noutras publicações, passou a ser utilizada a “xilografia de topo”, porque o bloco que vai ser utilizado se obtém cortando a madeira no sentido horizontal; esta trabalha-se com buris das mais variadas secções, semelhantes aos utilizados pelo gravador na chapa de metal.
Por último uma nota pessoal. Dos textos de Alexandre Herculano que tenho lido ressalta o pouco apreço do autor por Coimbra e, principalmente, pelo ensino que então se ministrava na Universidade. O texto ora apresentado vai, inequivocamente, nessa linha.
Apesar do profundo respeito pela figura maior que Herculano é, não posso esquecer que foi ele o responsável pela saída de Coimbra das duas cousas mais importantes que havia no convento [de Santa Cruz e que] eram a livraria e o sanctuario: as preciosidades d’um e d’outro foram levadas para a cidade do Porto.
COIMBRA
Depois de Braga é Coimbra, em nosso entender, a mais bem assentada cidade de Portugal; e até não sabemos se a vizinhança do Mondego lhe dá a primazia sobre a antiga capital do Minho. É verdade que as sendas [o nome de estradas não o merecem] que de várias partes conduzem a Braga, acompanhadas em quase toda a sua extensão de vales cultivados, de ribeiros deleitosos, de montes selvosos, de pequenas povoações, não contrastam com o painel que descobrimos ao aproximarmo-nos da cidade; enquanto as estradas que do Porto ou de Lisboa conduzem a Coimbra, comumente por brenhas cerradas, descampados inférteis, pinhais extensíssimos, mas sem majestade, e povoações pobres e derramadíssimas, preparam o caminhante com hábitos de tristeza e de tédio, para contemplar a cena de Coimbra, que, semelhante a uma pirâmide esculpida, se levanta dominadora dos seus fresquíssimos e saudosos arredores, e do tranquilo Mondego, que se revolve mansamente a seus pés, como uma fita branca, lançada por meio de um tapete de verdura.
Da «Collimbria», «Conimbrica» ou «Conimbriga» dos romanos já não existem há seculos, senão umas gastas ruinas, no sitio chamado Condeixa velha, a duas léguas da moderna Coimbra. Esta, fundada por Ataces, segundo dizem, só data do tempo da dominação dos Alanos e Suevos. Da época da sua fundação pretendem alguns ainda sejam as armas atuais da cidade; mas semelhante crença tem todos os visos de fabulosa.
No tempo da invasão dos mouros, Coimbra, como todas as demais povoações de Portugal, caiu debaixo do jugo dos conquistadores. Seguiu-se a longa luta dos cristãos com os muçulmanos: no mesmo século Coimbra foi resgatada; mas no século seguinte tornou ao poder dos infiéis, até que em 1064 D. Fernando o Magno, rei de Castela e Leão, a conquistou pela última vez. Parece que os monges beneditinos de Lorvão, que tinham trato com os cristãos da cidade, ajudaram D. Fernando a levá-la de salto, entrando pela porta da traição. – Houve aqui grande estrago de mouros, e querem afirmar que o arco de Almedina é um monumento desta vitória, dando aquela palavra a significação de «porta do sangue»; mas nem esta é a verdadeira tradução do vocábulo arábico, nem por certo o arco que existe junto á igreja de S. João d’Almedina, é de tão remota antiguidade.
Divididas as conquistas de D. Fernando entre seus filhos, guerrearam uns com os outros por causa da herança paterna, pertencem essas guerras á historia de Espanha. Basta saber que no tempo de D. Afonso 6.º de Leão, neto do conquistador de Coimbra, a cidade foi entregue ao conde D. Henrique com o resto de Portugal, dado em dote da rainha D. Tareja, sua mulher. Desde este tempo até o de D, João 1.º Coimbra foi o principal assento da corte dos reis portugueses; porque a sua posição geográfica, a salubridade do clima, e a fertilidade do território lhe davam jus a semelhante primazia. Lisboa, entretanto, crescia em poder e riqueza, que lhe atraía o seu porto magnifico, propriíssimo para o trato de comércio, e nas cortes celebradas na mesma Coimbra, em tempo de D. João 1.º, os povos pediram a el-rei mudasse a residência da corte para a cidade do Tejo.
O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 121
As opiniões sobre a data das muralhas de ‘Aeminium’ são diversas. Fernandes Martins atribuiu-as ao século V. Nogueira Gonçalves concluiu que a data «mais provável é a da primeira reconquista, no governo de Afonso III, no século IX, a seguir à tomada de 878». Vergílio Correia admitiu uma data visigótica. A incorporação na cerca citadina de grandes silhares romanos de pedra branca, de elementos arquitetónicos, de lápides, cistas e cipos era, em sua opinião, prova indireta da construção das muralhas numa altura em que «aflorassem ainda na terra, ou constituíssem ‘res nullius’ os edifícios de que faziam parte». «Por outro lado, acrescenta, não se encontraram, até agora, nas muralhas, pedras de ornato paleocristão ou bárbaro». Ora, Coimbra foi cidade importante na época visigótica e quatro reis visigóticos cunharam aqui moeda. Esta principalidade politica poderia explicar a fortificação da cidade. Acrescentemos que a transferência da sede episcopal de Conimbriga para ‘Aeminium’, ocorrida entre 569 e 589, isto é, por alturas da queda do reino suévico, poderia ter contribuído para a edificação das muralhas.
Estabeleça-se, porém, um paralelo com as muralhas de Conimbriga, que são, sem dúvida, da época romana. Já existiam pelo menos em 468, pois nessa data tomaram os Suevos a cidade, destruindo parte da cerca. São mesmo anteriores aos inícios do século V, pois nessa época se fez um enterramento que temos de supor, pela sua posição, anterior à muralha. Ora, silhares de boa pedra branca idênticos aos que aparecem na muralha de Coimbra, elementos arquitetónicos, inscrições, também se encontram nas muralhas de Conimbriga. Nada obsta a que as de ‘Aeminium’ sejam contemporâneas. A cronologia das muralhas romanas peninsulares é ainda um problema, mas os elementos reunidos inclinam-nos a atribuí-las a um grande plano de fortificação de Dioclesiano e Maximiniano, iniciado nos fins de século III e naturalmente continuado pelo IV … Se estas datam dos inícios do século IV, não podemos, porém, deixar de admitir reconstruções posteriores, talvez profundas nalgumas zonas.
Em diversos pontos do recinto amuralhado da cidade se tem descoberto vestígios romanos, para além do criptopórtico e do arco à Estrela … Estes materiais, dispersos em vários pontos da cidade, sugerem, embora não provem, que a área circuitada pela muralha era toda ela ocupada. Aliás, seja a muralha do século IV ou do IX, não é muito verosímil que se tenha construído com largueza, incluindo amplos espaços não habitados.
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 36 a 39
No primeiro concilio de Braga, do ano de 561, aparece a assinar as respetivas atas «Lucentius Conimbriensis». Daqui pode inferir-se que, não obstante ter sido, segundo a tradição, conquistada e arrasada a cidade de Conímbriga no ano de 409, século e meio mais tarde funcionava ainda a sua igreja …
Lucêncio era natural da cidade que posteriormente tomou a denominação de Coimbra, e é talvez a mais antiga notabilidade aqui nascida, de que haja notícia certa, pois que foi o primeiro abade do mosteiro do Lorvão, fundado possivelmente no meado do século VI, e foi o primeiro bispo de Conimbriga, de que resta memória nos documentos autênticos …
Pela divisão de Teodemiro, no concílio de Lugo do ano de 569, a paróquia de Emínio teria ficado a pertencer à sé conimbrigense («Conimbricensis sedes teneat ipsam Conimbriam, Eminio, Selio, Insula, Astrucion, et Portugali Castrum antiquum»)…
Pela divisão eclesiástica de Wamba, do ano de 675, Emínio continuou sujeita à Sé de Conimbriga …
No terceiro concílio de Toledo, celebrado no ano de 589, registou-se, pela primeira vez, a assinatura de um bispo de Emínio, que subscreveu «Posidonius eminiensis ecclesiae episcopus …
E esta – a Igreja -, nem sempre esteve organizada, já que, por muito tempo, a diocese de Coimbra esteve sem bispo ou com ele residente em Oviedo ou Compostela …
As atas do concílio ovetense do ano de 873 encontram-se subscritas pelo bispo de Conimbriga («Naustus episcopus conimbrigensis») e pelo conde de Emínio («Arias filius ejus - de Hermenegildo – Eminio comes»).
E pouco depois, no ano de 876, Naústo ascendeu a bispo de Emínio …
No primeiro quartel do século X, distinguiram-se três prelados naturais de Coimbra que mereceram as honras da canonização e de cujos méritos e virtudes ficou pertinaz, imorredoiro registo.
O primeiro foi S. Gonçalo Ossório (ou Orósio) bispo de Coimbra no ano de 908 … Este prelado teria sucedido a Froarengo I no sólio episcopal conimbricense.
O sucessor – S. Froarengo II – foi também bispo de Coimbra, nos anos de 914-915 …
O terceiro foi Santo Hermógio, bispo de Tui.
Loureiro, J.P. 1964. Coimbra no Passado, Volume I. Coimbra, Edição da Câmara Municipal, pg. 23 a 26, 28, 29
Oficinas monetárias da época suévica e visigótica (segundo L. Garcia Moreno, 1989), na zona entre Douro e Mondego: Valegia (1); Lamecum (3); Viseum (1); Eminium (6), entre parênteses é referido o número de reis que cunharam moeda.
Mattoso, J. A época sueva e visigótica. In Mattoso, J. (Coordenador) 1997. História de Portugal. 1 Antes de Portugal, pg. 306 (dados retirados da gravura)
Das cinco moedas de oiro cunhadas em Emínio, as duas mais antigas são do reinado de Recaredo, o qual decorreu do ano de 561 ao de 601, não podendo determinar-se, em relação a qualquer delas, o ano exato ou aproximado da cunhagem.
… Do reinado de Liúva (601-603) existe uma moeda de oiro cunhada em Emínio, em data desconhecida. De outra moeda do mesmo metal, do reinado de Sisebuto, igualmente se desconhece o ano certo em que foi cunhada. E o mesmo sucede com outra moeda, também de oiro, cunhada no reinado de Chintila (636-640) …
Loureiro, J.P. 1964. Coimbra no Passado, Volume I. Coimbra, Edição da Câmara Municipal, pg. 24
…autores admitem que … se seguiu um período de estabilização dos territórios ocupados pelos Suevos na Galécia e na Lusitânia setentrional e pelos Visigodos na Bética e Lusitânia meridional. Os primeiros teriam as suas praças de fronteira em Astorga, Idanha e Coimbra, enquanto os segundos se apoiariam em Palência, Cória, Salamanca, Santarém, Lisboa e Mérida.
…
Paróquias suevas (segundo Almeida Fernandes, 1968), na zona entre Douro e Mondego: Olivia, Lamego, Caliabra, Tarouca, Aravoca, Osonia, Ovelione, Autanane, Viseo, Coleia, Lurbane, e Eminio.
Mattoso, J. A época sueva e visigótica. In Mattoso, J. (Coordenador) 1997. História de Portugal. 1 Antes de Portugal, pg. 282, pg. 285 (dados retirados da gravura)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.