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Monsenhor Nunes Pereira, conimbricense por adoção, foi um Homem, um Sacerdote e um Artista cuja grandeza e simplicidade se tornaram reconhecidas pela Cidade onde viveu a maior parte da vida e que o identificou como um dos seus maiores.
Importa lembrar que o atual Executivo, já perto de terminar o seu mandato, por certo vai, em breve, honrar o compromisso que assumiu, procedendo à inauguração do monumento que o lembrará aos vindouros e cujo projeto foi delineado pelo artista plástico José Maria Pimentel e pelo arquiteto António José Monteiro.
Projeto do monumento a instalar na R. Nunes Pereira
De Nunes Pereira, podemos atualmente admirar muitas obras que se encontram espalhadas por igrejas e por casas particulares, o vitral da Ressurreição que orna, em Coimbra, a capela-mor da igreja de S. José e que pode ser considerado o seu testamento artístico, bem como o espólio que se encontra na Oficina-Museu Nunes Pereira, localizada no Seminário Maior de Coimbra, local onde trabalhou até ao fim da vida.
De momento está ali exposta uma mostra temporária intitulada “Da Terra e do Céu - No Caminho da Esperança” que bem merece ser visitada.
Oficina-Museu Nunes Pereira. Cartaz da mostra temporária
E, se pretenderem aprofundar o conhecimento da sua obra, poderão deslocar-se a Fajão, sua terra natal (concelho da Pampilhosa da Serra), a fim de visitar a Casa-Museu Nunes Pereira.
Uma aldeia típica e um museu que vala a pena ir conhecer.
Casa-Museu Monsenhor Nunes Pereira. Acedida em: https://www.aldeiasdoxisto.pt/media/filer_public_thumbnails/filer_public/ce/...
À dimensão artística da obra de Nunes Pereira há ainda que acrescentar a sua vertente de investigador, com destaque para a antropologia cultural, neste caso, local, de que o seu livro Contos do Fajão é um excelente exemplo.
Nesse volume traduziu, em registo escrito e ilustrado, os contos de raiz popular que foi recolhendo ao longo dos anos, relacionados com a cultura e com as tradições da antiga vila de Fajão.
É para ele que, agora, chamamos a atenção dos nossos leitores.
Capa do livro
Na “Nota Prévia” à 1.ª edição”, a Direção do Museu e Laboratório Antropológico, salienta que Os «Contos de Fajão» tão oportunamente recolhidos por Monsenhor Nunes Pereira tornam-nos espectadores de tramas movimentadas e pitorescas representadas por uma galeria de personagens finamente recortadas pelo olhar perspicaz, atento e sensível do artista, sobre a cultura e tradições da antiga vila de Fajão. Efetivamente, sem perda do colorido e sabor tradicionais, o recolector soube captar com todo o rigor e expressividade o imaginário da autocaricatura introspetiva„ contrastante na sua ingenuidade e sagacidade jocosa, por vezes brejeira, mas acima de tudo de raiz popular, traduzida no registo escrito dos contos.
O valor pedagógico desta obra é referenciado sobretudo na figura do «almocreve», herói cultural que introduz soluções oportunas e «miraculosas», nem sempre devidamente assimiladas, a exemplo de «A caça aos ratos» ou «Como os de Fajão iam à serra todos os dias buscar a manhã», como ainda na emblemática personagem do «Juiz», tão irreverente quanto protagonista de sentenças justas e prontas.
Ao que o Autor acrescenta na “Nota prévia à 2.ª edição”, historiando o seu trabalho. Quando resolvi publicar a coletânea dos Contos de Fajão, que fui recolhendo ao longo de cerca de vinte anos, bem certo estava do seu enorme interesse no campo da literatura oral portuguesa. O interesse com que o Museu
Antropológico da Universidade de Coimbra prefaciou e publicou a primeira edição desta obra, e o facto de ela se ter esgotado, confirmam essa minha convicção.
Ao publicar uma segunda edição, agora a cargo da Junta de Freguesia, através do Museu de Fajão, pareceu-me oportuno acrescentar uma nota.
Numa das minhas viagens à Alemanha, sucedeu hospedar-me em Beckum, pequena cidade da Vatesfália, num hotel dos arrabaldes da cidade. Qual não foi a minha surpresa quando vi nas paredes do hotel pinturas de cenas que lembram os Contos de Fajão.
Soube então que são famosos os "Contos de Beckum", ao ponto de serem referidos nos Guias turísticos e um deles ter figurado numa nota de banco.
Obtive mais tarde fotografias das referidas pinturas, e até um livro, publicado em 1985, mas baseado noutro de 1924, com uma coletânea ilustrada desses contos.
O título do livro é: UNSERE BECKUMER ANSCHLAGE. Não sendo iguais aos de Fajão, são, contudo, semelhantes alguns deles.
Dos vinte e quatro contos compilados no livro, destaco o intitulado “Assim se rosna por sua Vila e termo”, não só pela sua beleza divertida e pedagógica, mas também porque me foi revelado por Monsenhor numa das nossas conversas. Recordo com saudade o seu riso divertido e feliz.
O Juiz de Fajão estava um dia sentado à porta do tribunal com um pé calçado e outro não, a dobar uma meada, quando chegou um sujeito ali dos lados do Vidual
e perguntou: Diz-me onde é que aqui mora o Juiz de Fajão? (Não pediu por favor nem tratou por Senhoria).
E vai aqui assim o Juiz - Olhe: o senhor vá por esta rua acima e volte por aquela rua abaixo; onde encontrar um homem sentado à porta, a dobar uma meada, com um pé calçado e outro não, esse é que é o Senhor Doutor Juiz de Fajão.
O homem foi por aquela rua acima, voltou por aquela rua abaixo, e não encontrou nenhum homem sentado à porta, a dobar uma meada, com um pé calçado e outro não, senão aquele. Então caiu nela e disse: Saberá Vossa Senhoria que eu fui por esta rua acima e voltei por aquela rua abaixo, e não encontrei nenhum homem sentado à porta, a dobar uma meada, com um pé calçado e outro não, senão Vossa Senhoria. Vossa Senhoria é que é o Senhor (Doutor) Juiz de Fajão?
- Assim se rosna por sua Vila e termo!
(Versão de José Maria Simão, de Fajão)
Assim se rosna por sua Vila e termo!
Pereira, A. N. Os Contos de Fajão. 2.ª edição. 2008. Pampilhosa da Serra, Junta de Freguesia de Fajão.
O Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila ao terminar o ciclo de realizações comemorativas dos seus 50 anos de existência, que designou por “50 anos, 50 eventos” realizou, no passado domingo, no auditório do Convento de S. Francisco, um espetáculo, no qual contou com a colaboração da Filarmónica União Taveirense, onde se fundiram harmoniosamente o amor pelas tradições ancestrais e a beleza de um espetáculo de luz e som.
O Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila é hoje, entre os grupos similares, um grupo de referência que se vem destacando pela sua ação na defesa do património. Trabalho assente na recolha de elementos etnográficos, realização de debates, jornadas culturais, exposições, recuperação de festas, de jogos e outras tradições que estavam a desaparecer. Tem sido também sua preocupação a defesa do artesanato, na qual as “esteiras” de Arzila, assumem papel de destaque.
Estamos perante um grupo que dignifica Coimbra e que muito contribui para o melhor conhecimento da história local da zona rural do nosso Concelho.
O espetáculo "Num Só Mundo", foi estruturado em 13 cenas das quais destacamos:
- A cena dois, o musical “Medley FUT” que João Paulo Fernandes, Diretor Artístico da Filarmónica União Taveirense, recriou para este agrupamento algumas das recolhas musicais realizadas pelo GFE de Arzila. Recriação que voltou a ocorrer em outras cenas do espetáculo.
- A cena três em que Afonso Santana tocou, em violino solo, uma peça de Lino Silva, baseada na “Oração de Peregrino”, outra recolha do CFE de Arzila.
- As cenas quatro, seis, sete e doze, nas quais que foram encenadas, respetivamente as recolhas efetuadas sobre o “azurrar”, o cavar a terra ou “mandar a manta”, a merenda no campo e o “corte do cobrão”. Obviamente presente a confeção e venda das esteiras de Arzila.
De lembrar ainda a participação dos gaiteiros e sete das danças recolhidas pelo GFE de Arzila.
O espetáculo foi um presente à Cidade, vindo das gentes de Arzila.
O excelente texto que uniu e contextualizou as diversas cenas do espetáculo, ao falar da oferta de uma travessa de arroz-doce com que os moradores de Arzila eram presenteados pelas noivas, salientou que essa oferta significava a união e o carinho que sempre uniu as gentes daquela Comunidade, lembrando a todos que, quando a alegria é dividida, o amor é multiplicado.
O espetáculo oferecido a Coimbra, foi sem dúvida um espetáculo feito de amor pela terra e pelas suas tradições, com um recurso adequado às novas tecnologias, e que, mais uma vez reafirmou a importância da etnografia e folclore, enquanto estudo das raízes do nosso passado.
Só teve um senão, os únicos lugares livres, eram alguns dos reservados às autoridades e demais convidados.
A que se acrescenta uma nossa perceção: estando o auditório completamente cheio, eram mais as gentes vindas de todo o País, do que as gentes de Coimbra.
Perderam um espetáculo memorável, no dizer do Presidente da Federação Portuguesa de Folclore.
Perderam, permitam-me acrescentar, para além de um belíssimo espetáculo, um verdadeiro cântico que sabiamente misturou quer o saber do passado e a arte do presente, bem como o erudito com a arte popular.
Um espetáculo que é uma lição e que espero possa ser reapresentado.
Bem o merece.
Rodrigues da Costa
Segunda e última entrada extraída da obra das Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, intitulada Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra.
Sé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA
Sé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem, pormenor. Acervo RA
Sé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor da predela. Acervo RA
A origem do tesouro.
O tesouro deixado por António de Vasconcelos inclui as suas memórias pessoais e as memórias da Companhia, ameaçada de extinção. Para o salvar, o jesuíta teria subido ao altar da Coroação e Assunção da Virgem e ali depositado o conjunto, certamente na esperança de um dia regressar e poder reaver aquilo que era por todos os meios impedido de levar consigo.
…. as cartas reunidas no macete eram mais do que um objeto de devoção pessoal. Eram cartas com mais de duzentos anos, escritas por Santo Inácio, S. Francisco Xavier, e João de Polanco.
Além das cartas, o jesuíta conservou dois volumes manuscritos: um de controvérsia filosófica e teológica e outro do Padre António Vieira; e por fim uma bolsa de serapilheira contendo um conjunto de pequenos embrulhos bem fechados, cinco ao todo: um único embrulho de papel identificado com o monograma AV e quatro de pano, identificados com o nome de Ant. de Vasconcelos e com as designações “Apontam, e Nom.”; “Cartas mhs e alh”; “Matrim.”
Sé Nova, frontão. Acervo RA
Descrição do corpus
Descrevemos agora de forma sumária o conteúdo das cerca de 1000 páginas que constituem o corpus, agrupando-o em quatro secções distintas:
Documentos fundacionais: o macete de cartas atadas por cordel corresponde a um conjunto de documentos fundacionais de elevado poder simbólico. O interesse do investigador aumenta com a inscrição que se lê na face superior, sob o cordel: “Somente o Superior deve ter estas cartas em Coimbra” (Soli supri/õ[m]nes hae epistolae cohimbricaé). São cartas dos fundadores, na sua maioria enviadas de Roma pelo Governo central, por Santo Inácio de Loyola e por João de Polanco, seu assistente e secretário pessoal, mas também enviadas de Cochim, na índia, por S. Francisco Xavier, ou enviadas de Lisboa para Roma, como alguns textos de Dom João III. O monarca responsável pelo bom acolhimento da Companhia no reino antes mesmo da sua confirmação pela Sé Apostólica, escreve para diferentes destinatários, acerca do P. Luís Gonçalves da Câmara e das obras da Companhia de Jesus que em 1553 ele deveria representar em Roma.
De Santo Inácio conservam-se pelo menos sete cartas diferentes: duas dirigidas a Simão Rodrigues, de 1542 e 1545; a célebre carta sobre a obediência como” virtude mais necessária e mais especial que nenhuma outra na Companhia”, de 1552; e ainda quatro cartas do ano de 1555: uma dirigida ao P. João Nunes Barreto que fora nomeado patriarca da Etiópia; outra a D. João III, sobre assuntos relacionados com Dom Teodósio de Bragança; uma carta a Diogo de Mirão, provincial, sobre as relações entre o Patriarca eleito, o Provincial da índia e o Visitador [da Companhia] e as obrigações de obediência de cada um; e por fim uma carta dirigida ao P. Francisco [Boija?] e aos Provinciais e Reitores dos Colégios da Companhia de Jesus, em Espanha e Portugal.
…. Numa segunda secção, o volume de controvérsia filosófica e religiosa traz consigo o nome de Francisco Soares [Lusitano] e a data de 1652. Corresponde a um conjunto daquilo que se designava Conclusiones mas que também podia designar-se por theses, quaestiones, controuersiae, propositiones, ou no singular, dissertado ou disputado.
…. Como terceira secção temos um manuscrito da Clavis Prophetarum do P. António Vieira, que chegou até nós em excelente estado de conservação. Compõe-se de uma junção de seis cadernos cosidos, num total de 495 páginas de texto, para além de 11 páginas de índice e uma página de título.
…. A quarta e última secção corresponde aos documentos coevos da expulsão, nomeadamente um caderno de matéria hagiográfica e o espólio pessoal de António de Vasconcelos.
Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.
As Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, investigadoras do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra publicaram um muito interessante trabalho intitulado Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra, sobre o achado de documentos jesuíticos escondidos na Sé Nova.
Desse trabalho destacamos o texto que ora se apresenta.
O Altar da Coroação, um esconderijo com mais de 250 anos.
Sé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA
Já ninguém imaginava que segredo algum pudesse subsistir nos espaços que outrora pertenceram aos religiosos exilados. A Fábrica da Sé Nova também não podia imaginar que a limpeza e restauro da sua talha dourada pudesse revelar bem mais do que o brilho original do ouro; mas ciente do elevado património que tem à sua guarda, o Cónego Sertório Baptista Martins, confiou a missão a uma equipa de profissionais. E eis que o Altar da Coroação e Assunção da Virgem, no transepto do lado do Evangelho (ou seja, à esquerda da Capela Mor), guardava um inesperado tesouro.
… A Técnica de restauro aspirava o interior das quatro colunas quando encontrou um objeto em forma de cunha, colocado no interior de uma das colunas do lado direito do altar.
Sé Nova, colunas. Pormenor. Acervo RA
Na face posterior da coluna encontrava-se uma caixa de madeira, em forma de cunha, que continha um pequeno crucifixo de marfim envolvido em estopa de linho. Nessa mesma coluna (a coluna interior do lado direito do altar) encontrava-se ainda um saco cilíndrico, de pano branco muito escurecido pelo tempo. O seu interior guardava um grosso volume manuscrito e dentro dele um caderno de menor dimensão.
Surpreendida pelo sucedido, a Técnica que procedia à limpeza, a senhora Fernanda Monteiro Vouga, decidiu examinar as restantes colunas dos espaços congéneres da igreja, para se certificar de que nada ficava esquecido. E acabou por encontrar um novo conjunto. Na coluna interior, à esquerda do mesmo altar, encontravam-se mais dois objetos: um códice enrolado em cilindro (de modo a caber no interior da coluna) contendo um macete de cartas atadas por um cordel; e uma bolsa de serapilheira identificada pelo nome António de Vasconcelos, contendo vários embrulhos de pano (de 12-14 cm) cuidadosamente fechados a ponto de costura e identificados por fora; e ainda um último embrulho com o mesmo formato, mas em papel.
…. À medida que procedíamos no inventário, tornava-se cada vez mais clara a origem daquele pequeno tesouro. O recorte temporal dos documentos examinados dava-nos desde logo a sua chave: se os mais antigos remontam ao século XVI (a carta mais antiga é de Santo Inácio, escrita em 18 de Março de 1542), os textos mais recentes têm a data de Setembro de 1759, ou seja, são contemporâneos do decreto de expulsão dos Jesuítas (de 3 de Setembro de 1759) e dos acontecimentos que precederam a partida dos últimos jesuítas de Coimbra, no dia 24 de Outubro daquele ano. Ou seja, pouco antes da partida, um jesuíta teve a coragem de salvar da destruição um conjunto de documentos que considerava preciosos, na expectativa certamente de que um dia eles fossem resgatados por alguém que soubesse apreciá-los mais do que o poder persecutório instituído, ou, quem sabe, na esperança de um dia regressar a casa e de os recuperar.
Sé Nova. Fotografia aérea, inícios do século XX. Acervo RA
A expulsão do Colégio de Coimbra
De acordo com o relato do Padre José Caeiro, o colégio de Coimbra foi cercado por soldados na noite que precedeu o dia 15 de Fevereiro de 1759. Os jesuítas tinham tomado conhecimento da Carta Régia que determinava o cerco, três dias antes. Desde a manhã de 15 de Fevereiro, quando entraram no Colégio as forças militares, até ao dia da partida dos últimos, os jesuítas viveram um rigoroso isolamento do exterior. Nenhuma notícia do que se passava no exterior podia chegar aos jesuítas. Não lhes era permitido receber cartas nem presentes. Quando em Julho foram autorizados a descer à cerca do colégio e demorar-se algum tempo nos quintais, a vigilância foi reforçada, bem como o número de sentinelas.
…. A ofensiva do cerco ia muito além do isolamento. A parte do edifício destinada às aulas foi totalmente ocupada pela infantaria, que nele praticava tudo quanto se faz habitualmente num quartel. Mas nem assim os estudos foram interrompidos.
…. Para reforçar o isolamento dos padres, estes eram cuidadosamente separados dos soldados, a fim de evitar qualquer fuga de informação. Cerraram-se portas com trancas de madeira, com cal e cimento. Uma vigilância especial foi reservada à igreja do Colégio - onde o tesouro seria escondido. Era aí que as entradas eram mais restritas e sumamente vigiadas …No dia 30 de Setembro os jesuítas tomaram conhecimento de que os mais velhos … partiriam nessa mesma noite … Finalmente, no dia 24 de Outubro de 1759, também eles [os membros da comunidade, mais novos] foram forçados a partir do Colégio.
Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.
O arquiteto Rafael Vieira acaba de publicar um livro intitulado Os salatinas. Coimbra da saudade.
Op. cit., capa
O Autor caracteriza do seguinte modo a obra: Este retrato narra a migração forçada de uma comunidade de cerca de três ml pessoas para bairros sociais construídos além dos limites de Coimbra. Recria a perda do sentido de pertença original, que levou os salatinas a forjar novas comunidades assentes na saudade e na memória, na revivificação de velhas tradições e na entreajuda: uma ferida ainda por cicatrizar.
A obra – que se lê com muito agrado – desenvolve-se por uma síntese inicial da história e do espaço da Alta Coimbrã e assenta num significativo conjunto de entrevista a antigos salatinas, da qual destacamos o texto que se segue.
A palavra «salatina» tem origem obscura e a sua etimologia não é conclusiva. O dicionário é sintético e resume que salatina era habitante ou natural da Alta de Coimbra. Ricardo Figueiredo, salatina de 87 anos residente em Lisboa e que morou no Bairro de Celas até 1962, diz que «salatina é, por definição, o que nasceu na Alta. Salatinas é definição do local de nascimento. Não há diferenças ou categorias». A certeza é de que a palavra termina sempre em «a» - apesar de haver uma ou outra pessoa que diga «salatino», sem que daí caia o mundo - e o consenso geográfico é que se aplica a quem nasceu numa zona específica da Alta da cidade de Coimbra e não a toda a Alta … «O meu avô paterno Zé Trego "velho" (o conhecido músico-barbeiro José Lopes da Fonseca), dizia que era salatina quem nascesse na parte Alta da Sé Velha, com limite geográfico nas escadas do Quebra Costas.»
Os limites do território salatina são assim definidos por toda a Alta acima das curvas de nível onde se implanta a Sé Velha e até ao Bairro Sousa Pinto a nascente, na zona dos Arcos do Jardim. Esta é a geografia usual e a tradicionalmente referida pela malta salatina.
Já sobre a etimologia, o historiador Eduardo Albuquerque aponta a origem na Batalha do Salado … [onde se terá] distinguido pela bravura um batalhão coimbrão.
… No entanto, o historiador Luís Reis Torgal acha-a «pouco provável», devido à distância temporal, e lança outra possibilidade, que evoluiu de um topónimo alternativo para a parte superior da Alta, Bairro Latino, correspondendo à Alta dos estudantes.
… O jornalista Fernando Falcão Machado, em 1957 … [referindo que] a palavra teria despontado enquanto invetiva, um impropério destinado às gentes do alto da cidade pelos seus antagonistas.
…. Os adversários dos salatinas eram os chibatas … «Na zona do [Teatro] Sousa Bastos, antiga Igreja de S. Cristóvão, já não são salatinas, são chibatas.
…. Dir-se-ia, ainda no campo das suposições, que tanto salatinas como chibatas seriam impropérios com que cada um destes gangues urbanos visava o outro, para o injuriar.
…. Se o topo da Alta era o território dos salatinas e, logo abaixo desses, dominavam os chibatas, já a Baixinha era o território da miudagem do ranho ao nariz, perto de onde na Idade Média existiu a segunda judiaria de Coimbra, na Rua Nova.
…. Para outros subgrupos de futricas, outras alcunhas existiam. Algumas caíram no esquecimento, como carecas, que designava aqueles que viviam na Baixa em torno da Igreja de São Bartolomeu; os da área do Mosteiro de Santa Cruz seriam os fidalgos e, junto à Sé Nova, moravam os filhos da desventura. Há ainda outros apodos vagamente recordados, como judeus para os residentes em Santo António dos Olivais, pés-descalços para os a zona do Arnado e vacões para aqueles que vinham da periferia de Coimbra.
Vieira, R. Os salatinas. Coimbra da saudade. 2025. Coimbra, edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos e Rafael Vieira.
Será já amanhã, dia 28 de fevereiro, última 6.ª feira do mês, que às 18h00 que prosseguirão as Conversas Abertas, Esta dedicada ao tema “A Porta Nova e a Cerca de A. Agostinho", decorrerá como é hábito da Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra e terá como palestrantes Isabel Anjinho e Rodrigues Costa.
Folha de sala que será distribuída
A primeira palestrante apresentará as razões que a levam a localizar a designada “Porta Nova” da muralha coimbrã, no lugar onde foi erguida a chamada “Casa da Cerca”. O segundo palestrante abordará as suas memórias e reflexões sobre Cerca onde nasceu, vai para 83 anos e ali viveu até 1964.
Cartaz do evento
Como é habitual após as referidas intervenções seguir-se-á um período de debate aberto a quantos nele queiram participa.
A entrada é livre e todos os que amam Coimbra são convidados a participar.
Fotografia mais antiga que se conhece da Cerca de S. Agostinho. Acervo RA
A “Cerca” na atualidade. Acervo IA
Rodrigues Costa
Fotografia mais antiga que se conhece da Cerca de S. Agostinho. Acervo RA
Será já, de amanhã a oito dias, dia 28 de fevereiro, última 6.ª feira do mês, que às 18h00 que prosseguirão as Conversas Abertas.
Esta dedicada ao tema “A Porta Nova e a Cerca de A. Agostinho, decorrerá como é hábito da Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra e terá como palestrantes Isabel Anjinho e Rodrigues Costa.
A primeira palestrante apresentará as razões que a levam a localizar a designada “Porta Nova” da muralha coimbrã, no lugar onde foi erguida a chamada “Casa da Cerca”.
A “Cerca” na atualidade. Acervo IA
O segundo palestrante abordará as suas memórias e reflexões sobre Cerca onde nasceu, vai para 83 anos e ali viveu até 1964.
Como é habitual após as referidas intervenções seguir-se-á um período de debate aberto a quantos nele queiram participa.
A entrada é livre e todos os que amam Coimbra são convidados a participar.
Rodrigues Costa
Completamos a recolha de informações sobre a igreja de S. Cristóvão com excertos de um trabalho realizado por Sérgio Madeira e Maria Antónia Lucas da Silva, intitulado Vestígios arqueológicos na Alta de Coimbra: Redescobrir a igreja de S. Cristóvão.
Trata-se do relatório do acompanhamento arqueológico da remodelação do edifício da Rua Joaquim António de Aguiar, n.os 26 e 28, contíguo ao que resta do Teatro de Sousa Bastos, resultante da obrigatoriedade de este se situar numa área a que o Plano Diretor Municipal vigente atribui o Grau de Proteção 1 (grau máximo de proteção no que diz respeito ao património histórico e arqueológico).
Desse documento, destacamos:
Através da picagem de rebocos e arranque de taipas, para além de aparelhos construtivos pobres, de pedra e argamassa, ficou a descoberto, no interior do edifício, a partir do 1º piso, um cunhal composto por pedras de grandes dimensões. Comparando a localização destes vestígios com a planta da antiga Igreja de S. Cristóvão poder-se-á concluir que tais vestígios poderão pertencer à parede de um anexo do lado norte da igreja, talvez no espaço que outrora abrangeu «uma casa annexa de religiosos da regra de Santo Agostinho».
O prolongamento vertical do cunhal revela a existência de, pelo menos, dois níveis de alteamento, visíveis sobretudo no 3º piso e, muito provavelmente, relacionados com a construção e adossamento do imóvel (séculos XVIII/XIX) e o posterior alteamento desse mesmo piso (eventualmente após a destruição da igreja no século XIX).
Remoção de argamassas inerentes ao projeto de empreitada e aspeto do cunhal em evidência. Op. cit., sem numeração.
A referência mais antiga à Igreja de São Cristóvão remonta ao século XII, altura em que foi construída à semelhança da Sé Velha no seu estilo e disposição, ainda que de mais reduzidas dimensões. Sob a tutela de um grupo de Religiosos Agostinhos vindos de França este foi, assim, um dos templos mais antigos de Coimbra, sendo que se idealiza a hipótese de ter sido edificado sobre um outro templo religioso mais antigo, fundamentando-se essa teoria em vestígios de ossadas com cronologia anterior à construção da igreja românica, descobertas em escavações na década de 90 do século passado. Na planta da Igreja de S. Cristóvão (1859) pode observar-se a representação de uma cripta que poderá corresponder ainda ao vestígio dessa pré-existência.
O edifício medieval manteve-se ao longo dos séculos quase sem alterações estruturais, à exceção de algumas obras no 2º quartel do século XVIII, das quais constam um alongamento lateral a Norte no terceiro e quarto tramos e a abertura de cinco novas frestas.
Sobreposição da Planta do 1º piso dos números 26-28 da Rua Joaquim António de Aguiar e da Planta da Antiga Igreja de São Cristóvão. Op. cit., sem numeração.
No entanto, em meados do século XIX, a igreja encontrava-se muito arruinada e desprovida da importância que havia tido em tempos anteriores. Após várias ponderações, acabou por se avançar em 1859 com o desmonte integral da igreja, com vista à construção do Teatro D. Luís, inaugurado a 22 de Dezembro de 1861. A leitura da planta do teatro permite verificar que manteve grosso modo a implantação da igreja destruída, com alargamentos que resultaram na eliminação da rua e consequente adossamento da fachada sul às construções existentes e na redução da rua a nascente. Em resultado de falta de obras de manutenção e da apressada demolição da igreja, este novo edifício irá cair também em ruína e acabará por sofrer outras alterações arquitetónicas importantes na sua adaptação a cinema em meados do século XX para dar origem ao Cine-Teatro Sousa Bastos em 15 de Junho de 1914, em homenagem ao empresário ligado ao mundo do teatro.
Após uma vida de vários momentos de notoriedade o Cine-Teatro Sousa Bastos entrou num declínio que culminou com o seu fecho em 1978, ficando o edifício votado ao abandono até aos dias de hoje, encontrando-se a edificação totalmente devoluta e com sinais evidentes de degradação.
Estado atual do edifício do extinto Teatro Sousa Bastos, na sua maioria desprovido de cobertura e de miolo e fachadas com janelas partidas, rebocos soltos, vegetação nos beirados. Op. cit., sem numeração.
Por entre todas as alterações que o espaço sofreu ao longo de quase mil anos de História, o cunhal posto em evidência aquando da recuperação do imóvel sito nos números 26-28 da Rua Joaquim António de Aguiar mantém-se como vestígio dessa Igreja cuja imponência se pode agora reconstituir e que, a seu tempo, foi sede de paróquia e de freguesia e onde nas ruas que dela radiavam, agora camufladas pela atual malha urbana, múltiplos mesteres e respetivas confrarias se fixaram, numa importante dinâmica económico-social.
Considerando o seu potencial patrimonial e estético, propôs-se como medida de minimização e salvaguarda que o cunhal fosse mantido a descoberto e integrado no projeto de remodelação do imóvel em apreço.
Madeira, S. e Silva, M. A. L. Vestígios arqueológicos na Alta de Coimbra: Redescobrir a igreja de S. Cristóvão. Texto acedido em file:///C:/Users/Fernando/Desktop/Rel%C3%ADquias%20da%20Arquitectura%20Romano/Vestigios%20arquel%C3%B3gicos%20...%20-Igreja-de-S.-Cristovao.pdf
Concluímos a divulgação de um trabalho do Professor Doutor José Amado Mendes. sobre a história do abastecimento de água ao domicílio em Coimbra.
Finalmente, após mais de duas décadas de avanços e recuos, em 1887, a Câmara Municipal da cidade do Mondego abriu concurso para o abastecimento domiciliário de água à cidade, ao qual concorreram três empresas, uma portuguesa e duas estrangeiras:
…. A adjudicação foi feita à segunda concorrente [ Albert Nillus & C.ª, de Paris, representada por E. Béraud, residente em Lisboa (pelo preço de 83 700$réis].
…. Os trabalhos terão começado pouco depois da adjudicação (em 05 de janeiro de 1888), pelo que, após cerca de ano e meio, “provavelmente na segunda quinzena de Maio de 1889, Coimbra vê chegar o extraordinário melhoramento, que é o abastecimento de água pelos métodos modernos”.
…. Cerca de dois meses depois, foi igualmente iniciado o processo de instalação do sistema de saneamento, confirmando assim a justeza da mencionada proposta, então recusada, do eng.º James Easton.
O sistema de abastecimento domiciliário de água processa-se sequencialmente
em várias fases, das quais se destacam a elevação e o tratamento, o armazenamento e a distribuição. O processo já foi assim descrito: “A instalação dos serviços de abastecimento da cidade de Coimbra compreende successivamente: poços de captação, tubos aspiradores e impulsores accionados mechanicamente; reservatório de contenção e aprovisionamento; rêde de distribuição pública”.
…. [Em] Coimbra aproveitou-se a proximidade do rio Mondego, que tem oferecido água de boa qualidade, com origem na Serra da Estrela. Entre 1889 e 1953, a captação da água fez-se junto ao Parque Dr. Manuel Braga, próximo do centro da cidade.
…. Como descreve José Cid: «Em primeiro logar a agua é tomada no leito do rio em dois poços de captação, abertos na margem direita numa chanfradura da mota-dique, uma centena de metros a montante da ponte … Esses poços, cujo diâmetro é de 3m,5, penetram 9m,0 abaixo da estiagem e assentam sobre camadas alternadas
de sexo branco e areia, dispostas em substituição das camadas naturaes do leito do rio, com o fim de realizar uma filtração mais perfeita […]. No interior de cada poço penetra um tubo aspirador, de ferro fundido, com o diâmetro de 0m, 30, descendo 3m abaixo da estiagem ou da superfície filtrante. A agua, entrando pela parte inferior do poço faz pois um trajecto de 6m, através das camadas filtrantes até ser absorvida pelo tubo de aspiração».
À medida que foi sendo necessário reforçar o sistema e aumentar a sua eficiência, foi também aumentando o número de furos e deslocado o ponto de captação para a Boavista – onde, a partir de 1953, passaria a estar instalado o centro nevrálgico do sistema –, a montante do local inicial, para evitar contaminação da água suscetível de ocorrer, devido à proximidade do centro urbano.
Estação de tratamento de águas da Boavista. Imagem em https://www.aguasdocentrolitoral.pt
Já em 1902 se aludia aos procedimentos que poderiam impedir ou, pelo menos, mitigar a contaminação da água captada no local inicial: “Transferindo a lavagem das roupas para juzante, ou instalando nas proximidades da cidade lavadouros sujeitos a rigorosas condições hygienicas; afastando do rio os esgotos da cidade e, suprimindo assim as causas apontadas, a riqueza microbiana das aguas poderia descer, pelo menos, ao numero de 600 germens, numero que a analyse encontra nas Torres [do Mondeego] e a Montante” (Cid, 1902, p. 153).
Após a captação, a água era elevada para a central elevatória, então localizada a cerca de 300m, na Rua da Alegria, e daí era de novo impulsionada para os reservatórios do Jardim Botânico e da Cumeada.
Reservatório do Jardim Botânico. Imagem
Reservatório da Cumeada. Imagem
Em 1922, a estação elevatória foi deslocada para as proximidades da captação, na margem direita do rio Mondego, para edifício próprio onde atualmente se encontra instalado o Museu da Água.
Edifício da estação elevatória do Parque Dr. Manuel Braga. Imagem acedida em: https://www.cm-coimbra.pt/wp-content/uploads/2018/11/linha-do-botanico_18_720x720_acf_cropped.jpg
Também foi nos anos de 1920 que o sistema começou a ser eletrificado, tornando-se progressivamente menos dependente da energia a vapor.
…. Com a expansão da área urbana e o abastecimento de água a freguesias rurais do Município … os reservatórios totalizavam, no dealbar do século XXI, 14 enterrados e cinco elevados.
Mendes, J.A. 2024. Abastecimento de água ao domicílio a Coimbra: “o milagre da torneira”1, 1889-2019. In: La gestión del agua en la Península Ibérica (siglos XIX y XX). Madrid. Pg. 353-379.
Na entrada anterior já nos referimos ao projeto que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, “50 anos, 50 eventos”, está a concretizar no ano em curso e que pretende constituir-se como ponto de partida para um caminho ainda mais exigente e rigoroso. No âmbito das iniciativas deste projeto encontra-se inserida a atividade que foi rotulada como “Casa do Lavrador”. Trata-se da instalação de peças recolhidas pelo Grupo ao longo dos anos, relacionadas com o mobiliário existente na habitação de um lavrador arzilense, com alguns haveres, na primeira metade do século XX.
Se a instalação foi conseguida, a casa onde foi efetivada – em conjunto com uma outra que lhe é vizinha e se encontra em adiantado estado de ruína – merecem, por si só, uma visita.
Estamos perante casas muito antigas que nos possibilitam o conhecimento da tipologia das habitações de Arzila, construídas com recurso a materiais que ali abundavam, ou seja, seixos rolados e argila. Estes elementos asseguravam não só uma grande durabilidade do imóvel, como uma adequada qualidade de vida, pois no verão tornavam o seu interior fresco e seco e, no inverno, retinham o calor e absorviam a humidade.
Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul
Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul, pormenor. Foto Manuela Gabriel
Arzila. “Casa do Lavrador”, parede lateral virada a nascente. Foto Manuela Gabriel
Arzila. “Casa do Lavrador”, tardoz, virado a norte. Foto Manuela Gabriel
Arzila. Casa em ruína, fachada virada a norte. Foto Manuela Gabriel
Arzila. Casa em ruína, parede lateral virada a poente. Foto Manuela Gabriel
Na construção utilizavam a técnica da taipa, também designada por taipa de pilão, que, de acordo com a revista “História”, n.º 19, da National Geographic, começou a ser usada na Mesopotâmia há 7.500-5.500 AC.
A técnica referida também foi identificada pela Sr.ª Dr.ª Helena Moura, da Divisão de Salvaguarda, Gestão e Conhecimento do Património Cultural da CCRC, como sendo utilizada em casas antigas, localizadas na freguesia de S. Martinho do Bispo.
Se tomarmos como referência, por permitir uma mais fácil leitura, a parede virada a poente da casa em ruína já atrás referida, na análise de um leigo na matéria, o construído poderá ser descrito como se segue.
A parede, constituída por camadas sobrepostas de argila e de seixos, estes com diferentes dimensões, mostra uma espessura da ordem dos 44-45 cm, tem cerca de três metros de altura e cerca de 4 metros de largura.
Na zona superior ainda são visíveis os buracos que, no decurso da construção, serviam para fixar as taipas. Contudo, na parte inferior da parede esses orifícios não são percetíveis e, por isso, provavelmente será de se aceitar que a construção ou seria executada sem recurso à taipa ou esta seria escorada.
Os materiais utilizados na construção desta casa devem ter sido recolhidos em barreiros situados em Arzila, nos lugares conhecido por “Mortal” e “Cova dos Cortiços”. Através de referências que chegaram aos nossos dias sabemos que o barro seria, previamente, amassado no exterior, a fim de se conseguir uma maior homogeneização.
Neste imóvel ainda se torna possível caracterizar três tipos de camadas construtivas.
- Caboucos e camada inferior da parede, esta com cerca de 60 cm de altura, onde foram utilizados seixos rolados com maior dimensão e os espaços intersticiais preenchidos com barro.
- Camada intermédia, com cerca de 50 cm de altura, constituída, predominantemente, por seixos miúdos, aglutinados por argila.
- Camada(s) superior(es), com cerca de 50 cm de altura, utilizando seixos de dimensão um pouco superior aos da camada intermédia e em menor número.
Deve assinalar-se, ainda, a existência de dois outros tipos de camadas.
- Camadas horizontais, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura e 44-45 cm de comprimento, que utilizam na construção um material branco, muito presumivelmente, cal.
- Camadas verticais e/ou oblíquas, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura, e 44-45 cm de comprimento.
A constatação da existência deste tipo específico de casas em Arzila constitui uma descoberta que, em nossa opinião, carece necessariamente de uma intervenção de emergência por parte dos serviços municipais e de um estudo mais aprofundado por entidades com competência para tal.
Fica o alerta na esperança de que estes testemunhos do passado e da nossa cultura não sejam rapidamente destruídos, tal como tem acontecido a tantos outros bens culturais do povo que fomos e que somos.
Rodrigues Costa
Agradeço ao Senhor Professor Doutor José António Gabriel e à sua Esposa, Sr.ª D.ª Manuela Gabriel - um dos casais fundadores do Grupo de Arzila -, a ajuda na recolha de informações e de imagens.
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