Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Quinta entrada dedicada à obra António Nunes, intitulada A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra.
Cronologicamente [o Palácio da Justiça de Coimbra] é o segundo edifício destinado a albergar um Tribunal Superior a surgir em Portugal, quase 130 anos após a entrada em funcionamento da vetusta Casa da Relação e Cadeia do Porto.
O imóvel adquirido pelo Estado em 1928 com vista à integral instalação dos Serviços de Justiça de Coimbra atravessou dois grandes ciclos de obras. A primeira empreitada estendeu-se pelos anos de 1928 a 1940. Nesta fase o Palácio da Justiça adquiriu a sua feição plástica atual. … Um segundo ciclo de obras, dirigido pelo arquiteto Amoroso Lopes, teve início em 1959 e prolongou-se até 1962.
…. as representações técnicas do espaço construído são reveladoras da temporalidade, isto é, da conjuntura sociopolítica e estética em que o edifício foi construído.
Planta do Primeiro Piso: o desenho do primeiro piso, datado de 1929, propõe uma lógica de organização espacial, polarizada em tomo de um claustro aberto, tendo por centro de distribuição funcional o Vestíbulo.
Planta do Primeiro Piso do Palacete Ameal, com indicação dos espaços existentes em 1928. Castelo Branco. ATRC. Op. cit., pg. 92
Para os mais interessados refere-se que, para cada um dos pisos constitutivos do edifício, são apresentadas as respetivas plantas, complementadas por uma descrição pormenorizada dos trabalhos realizados e do destino dado aos diferentes espaços criados. Da mesma forma é apresentada uma descrição 9exaustiva dos trabalhos realizados nas frontarias, até atingirem o aspeto atual].
…. Num documento datado de 3 de fevereiro de 1931 apura-se que as obras de abertura das fundações haviam começado recentemente.
…. O projeto decorativo do Palácio da Justiça cuidadosamente pensado entre 1928 e 1929, foi delineado nos seus mais ínfimos pormenores.
…. Um olhar prospetivo sobre a obra construída parece indicar soluções de continuidade relativamente às empreitadas concluídas antes de 1928. O programa decorativo, assaz vasto, deixou marca nos lavores de pedra de Outil, nas madeiras, entalhados e mobiliário, na serralharia artística e na azulejaria.
Como demonstrou sobejamente Elizabete Carvalho, a produção escultórica do Palácio da Justiça foi marcada por duas gerações familiares formadas na Escola Livre das Artes e do Desenho.
Daniel Rodrigues. Bandeira do portão principal. Op. cit. Pg.133
Álvaro Ferreira. A Justiça e a Lei. Op. cit., pg. 141
Jorge Colaço. São Rosas Senhor. Op. cit., pg. 149
…. Aparentemente nada fazia prever uma cerimónia solene de inauguração das obras em curso no Palácio da Justiça. No entanto o jovem «Diário de Coimbra» encetou em 5 de março de 1934 uma galvanizadora campanha … A 23 de abril o mesmo jornal procedia à divulgação do programa … estando prevista a inauguração oficial do Palácio para o dia 6 de maio.
Rosto do «Diário de Coimbra» de 7 de maio de 1934. Op. cit., pg. 112
Não obstante a chuva teimosa e persistente, a Rua da Sofia estava pejada de povo, jornalistas e convidados vindos de quase todas as comarcas do Distrito Judicial.
A Banda Filarmónica da PSP, fardada a preceito, tocou o hino da Maria da Fonte. O remanescente daquela corporação fazia a guarda de honra.
Henrique Moreira. Grupo escultório do frontão do templete da fachada principal. Imagem Varela Pécurto. Op. cit., pg. 104
Nunes, A. A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra. Fotografias Varela Pécurto. 2000. Coimbra, Ministério da Justiça, «Diário de Coimbra»,
Quarta entrada dedicada à obra António Nunes, intitulada A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra.
No último quartel do século XIX a família dos Condes do Ameal adquiriu o imóvel quinhentista numa fase em que este funcionaria como armazém de madeiras. O anúncio público de venda surgira na edição de 7 de Maio de 1892, no jornal local «O Conimbricense».
O arquiteto Augusto da Silva Pinto recebeu, cerca de 1895, a incumbência de projetar e orientar a transformação do Colégio de São Tomás em palacete senhorial.
Do projeto Silva Pinto chegou até nós o alçado principal, de linhas neorrenascença, que não chegou a concretizar-se. O projetista propunha uma fachada simétrica, de articulação horizontal, demarcando como eixo nuclear da estrutura arquitetónica o templete de entrada. Este elemento, em diálogo com os corpos extremos da fachada. imprimia ao projeto um ritmo vertical, pontuado por quatro frontões triangulares e um remate central alteado em jeito de "arco triunfal" ornado de estátuas.
Os corpos intermédios sugeriam ritmos de leitura horizontal ordenados. À semelhança da fachada atual, adotava-se uma estruturação em primeiro pavimento, sobreloja e piso superior, muito marcada nos esquemas de fenestração. Algumas das janelas do piso superior adotavam parapeitos de balaustrada, sendo os lintéis alternadamente rematados por formas curvas e triangulares. Esta análise de ordem genérica parece indiciar que o projetista do Palácio da Justiça, engenheiro Castelo Branco, conheceu o trabalho de Silva Pinto, embora tenha optado por uma gramática decorativa acentuadamente mais austera e despojada.
O certo é que a fachada principal nunca chegou a entrar em obras, tendo mantido até 1928 a estrutura herdada do Colégio de São Tomás.
Fachada principal do Palacete Ameal e prédios adjacentes destinados a aquisição amigável. ATRC. Op. cit., pg. 59
A visualização de um antigo postal ilustrado, com a "vista norte da cidade", apresenta uma ampla panorâmica da Rua da Sofia nos primeiros anos do século XX.
Postal ilustrado do início do século XX. Visível o aspeto do Palacete Ameal, entre a Rua da Sofia e a chaminé fabril. Acervo RA
O Palacete Ameal figura em grande plano, sendo de concluir que as fachadas voltadas às atuais Rua Manuel Rodrigues e Rua Rosa Falcão já tinham adquirido um aspeto muito próximo daquele que hoje conhecemos. De acordo com a imagem citada, a fachada principal não sofrera quaisquer modificações em relação ao período religioso do colégio. A fachada voltada à Rua João Machado apresentava-se desnivelada em relação aos alçados principal e posterior, sendo visível o claustro superior sobre o telhado.
A análise de uma fotografia realizada em 1928, aquando da aquisição do palacete, ilustra o estado das obras realizadas pelo arquiteto Silva Pinto nas fachadas sul e posterior.
Vista das fachadas sul e posterior, à data da aquisição do imóvel [pelo Ministério da Justiça] construídas sob direção do Arq.º Silva Pinto. Op. cit., pg. 59
O alçado sul, voltado à Rua Manuel Rodrigues, atingira o estado que hoje lhe conhecemos faltando concluir apenas o entablamento e cornija. Os contrafortes exteriores alinhados entre o torreão sul e a caixa das escadarias estavam construídos, funcionando como suportes dos tetos abobadados das futuras salas dos Advogados e dos Solicitadores. Quanto à fachada posterior, o corpo central apresentava um grande terraço aberto ao nível do piso superior, espaço que Castelo Branco viria a vedar e converter em Sala de Audiências da Relação, após homologação do projeto em sede do Conselho Superior Judiciário. No tocante à inexistente fachada norte, a "planta do estado atual do Palácio da Justiça de Coimbra com indicação das casas e terrenos a expropriar para a construção do edifício conforme o projeto aprovado", esboçada pelo engenheiro Castelo Branco em Março de 1929, mostrava bem os engulhos e dificuldades da empreitada a levar a cabo.
Ainda sob a direção de Silva Pinto, os espaços interiores foram submetidos a obras de remodelação, particularmente a zona do claustro. No mainel de uma das portas geminadas do claustro superior ficaram gravadas as iniciais JM e a data de 1907, marcas evidentes dos trabalhos lavrados por João Machado (Pai). Datam deste período as obras de elevação do antigo claustro renascentista, em parte soterrado devido às periódicas cheias do Mondego.
Com direção e acompanhamento do arquiteto Silva Pinto, o claustro foi levantado e reconstruído sobre um engenhoso dispositivo de pedraria abobadada, disposto sob os alicerces, a cerca de 15 metros de profundidade. Parte desta estrutura suporte é ainda observável a partir do alçapão detetado nos antigos calabouços da Polícia Judiciária.
…. Falecido o primeiro titular da casa fidalga em 1920, João Correia Aires de Campos … [foram] interrompidas as obras de remodelação, o palecete seria posto à venda. Ficou a memória de um espaço votado ao colecionismo, ao amor pelas artes e literatura. Não mais se animaram os jardins do palacete onde o conde mandara erguer um teatro desmontável cuja plateia conheceu dias de glória.
Nunes, A. A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra. Fotografias Varela Pécurto. 2000. Coimbra, Ministério da Justiça,
Terceira entrada dedicada à obra António Nunes, intitulada A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra
Vale a pena viajar ao interior dos usos e memórias deste imóvel [Colégio de S. Tomás] cuja traça primitiva remonta ao século XVI.
A edificação do antigo Colégio de São Tomás de Aquino pode considerar-se reflexo da política reformista ensaiada por D. João III. Cogitando sobre a transferência da Universidade de Lisboa para Coimbra, frei Brás de Braga, monge culto e bem informado, conjeturou o traçado da nova Rua de Santa Sofia, ou da Sabedoria, onde seriam alinhados os vários colégios universitários a edificar pelas instituições religiosas e monásticas. A nova rua, de feição renascentista, causou espanto geral, dada a considerável largura e extensão das paralelas que delimitavam o retângulo, alinhado da Praça de Sanção ao Arco de Santa Margarida. El-Rei acompanhou de perto os anteprojetos dos vários edifícios a construir. A norte foram sucessivamente alinhados os colégios de São Pedro, da Graça, do Carmo, de São Bernardo e os blocos do primitivo Real Colégio das Artes. Do lado poente apenas se edificaram os colégios de São Tomás e de São Boaventura.
Planta de Coimbra assinalando a posição dos Colégios edificados a partir do séc. XVI. A letra A corresponde ao Colégio de São Tomás. In António de Vasconcelos. Escritos Vários I. 1987. Estampa XV. Op. cit., pg. 55
Visando acompanhar a reforma régia da Universidade, a Ordem de São Domingos mandou instalar os seus monges estudantes no Convento de São Domingos, sito na margem direita do Mondego. Solução precária, pois a Ordem em breve entendeu mandar construir um Colégio tendo por patrono São Tomás de Aquino, onde estudantes e mestres pudessem descansar longe das ameaçadoras cheias do Mondego.
As obras do novo imóvel terão começado pelo ano de 1549, com risco do apaniguado régio Diogo de Castilho, estando em bom andamento por 1556. O terreno loteado para a construção não estaria ainda urbanizado. Pouco se sabe dos seus usos anteriores, dado que as fundações do Palácio e jardins adjacentes não foram alvo de trabalhos de prospeção arqueológica.
No entanto, durante as obras de restauro e consolidação iniciadas em finais de 1998, descobriram-se fendas na estrutura. Tais fendas seriam provocadas pelo apodrecimento de uma estacaria de pinho, implantada cerca de 15 metros sob os alicerces primitivos. em processo de degradação após o rebaixamento do nível freático do leito do rio e o fim das cheias mondeguinas.
Na gravura assinada por Georg Hoefnagel em 1572 … O autor não menciona o Colégio de São Tomás. sendo de presumir que este se integre no lote de prédios do convento de São Domingos, confinantes com o Campo do Amado.
Da fábrica primitiva apenas resta o claustro renascentista …riscado por Diogo de Castilho no crepúsculo da primeira metade do século XVI. Iniciada a construção por Abril de 1547, ou em 1549 como querem alguns autores, as obras estiveram a cargo dos mestres pedreiros Pero Luís, António Fernandes e João Luís.
Aspeto do claustro térreo em 1928. ATRC. Op. cit., 58
Reintegrado sob direção do arquiteto Silva Pinto, o claustro apresenta planta quadrilátera, com cerca de 18,40 por 18,20 metros.
Observado a olho nu sugere um quadrilátero perfeito, com o eixo central marcado pelo tanque de água, numa possível evocação simbólica do Jardim do Éden e da Fonte da Vida. Cada uma das quatro alas é pontuada por três grupos de arcadas, cindidas por contrafortes paralelepipédicos, salientes na direção do jardim.
O antigo tanque renascentista, marcando o centro do claustro, é um dos raros vestígios do velho colégio. Imagem Varela Pécurto. Op. cit., pg. 18
…. Remontará também ao século XVI o portal da fachada nobre, em arco de volta perfeita, encimada pela estátua do patrono, hoje implantado na fachada lateral do Museu Machado de Castro.
Portal do Colégio de S. Tomás, implantado na fachada lateral do Museu Machado de Castro. Acervo RA
…. Uma fotografia de princípios do século XX confirma que o andar superior da fachada principal foi alvo de remodelação no século XVIII, visível no acrescento dos oito janelões de avental e no varandim de honra que coroava o portal. No piso inferior mantinham-se cinco dos antigos janelões com os lintéis rematados em arco redondo.
Colégio de São Tomás antes de ser transformado em Palacete Ameal. Acervo RA
No corpo direcionado para o demolido Arco de Santa Margarida, o rasgamento do piso inferior espelhava grande assimetria, visível na distribuição das janelas e porta de serviço que dava serventia a uma oficina expropriada amigavelmente em 30 de Novembro de 1929 e adquirida mediante escritura datada de 2 de Dezembro do mesmo ano em conjunto com outros lotes particulares.
À semelhança dos restantes colégios universitários tutelados pelas congregações religiosas, o edifício foi incorporado na Fazenda Nacional, conforme o estipulado no Decreto de 31 de Maio de 1834.
Nunes, A. A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra. Fotografias Varela Pécurto. 2000. Coimbra, Ministério da Justiça.
As Conversa Abertas deste ano aproximam-se do seu fim.
De hoje a oito dias, na 6.ª feira dia 30 de maio, às 18h00, o estudioso do assunto Doutor Sérgio Dias Branco, Professor Associado de Estudos Fílmicos da Universidade de Coimbra irá fazer a sua palestra dedicada ao tema O passado e presente do cinema em Coimbra.
Para aqueles que no seu tempo de juventude saltitavam entre o Tetro Avenida, o Tivoli e o Sousa Bastos na procura de realidades e de sonhos, é por certo um tema que lhes interessa.
Fica o convite para participarem, na formato habitual, de hoje a oito dias, às 18h00, no Arquivo da Universidade de Coimbra.
Venham e tragam um ou uma Amigo/a.
Rodrigues Costa
Sexta e última entrada dedicada à divulgação do livro de historiador brasileiro Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
Estabelecendo a vital ligação entre os dois lados do rio Mondego, a antiga ponte real foi durante séculos a principal entrada em Coimbra, integrando a via terrestre que ligava Lisboa ao Porto – não no trajeto conhecido através das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz –, mas sim através da íngreme Couraça de Lisboa.
Alguns autores defendem a tradição de que as primeiras pontes construídas sobre o Mondego tiveram, tal como no caso do aqueduto citadino, uma origem romana.
Fig. 4. Ponte da cidade de Coimbra (pormenor) | Civitates Orbis Terrarum, vol. V, 1598, pg. 235
Depositada no Museu Nacional Machado de Castro
Ponte Manuelina e vista de Santa Clara. 1860. Acervo RA
Entretanto, iniciada a formação do Reino de Portugal, consta que D. Afonso Henriques … mandara reconstruir a ponte no ano de 1132, seguida dos arranjos planeados por D. Sancho I, em 1210, e pelos seus sucessores ao longo de toda a Baixa Idade Média.
Estas sucessivas reconstruções ficar-se-iam a dever, sobretudo, devido aos danos provocados pela força das correntes, como se verifica numa carta enviada por D. João II ao conselho da cidade: “a ponte dessa cidade está muito danificada das cheias passadas e em mui grande perigo”
Com efeito, os autores mais fidedignos apontam para uma intervenção sabiamente estruturada durante o reinado de D. Manuel I, nos alvores do século XVI. Segundo o que as fontes documentais apontam, o monarca … ordenara aos mestres Boytac e Mateus, em Setembro de 1510, de promoverem os estudos necessários para o “corregimento da ponte” campanha seria efetivamente concluída nos três anos seguintes, pois, em 1513, a ponte estava aberta ao tráfego.
A estrutura ficava assim a dispor de vinte e quatro arcos, executados em pedra, provavelmente em calcário dolomítico da cidade, inclusive as guardas laterais, que na seção correspondente ao oitavo arco eram encimadas em cada um dos flancos pelas esferas armilares do monarca reinante. No extremo sul, já próximo da margem de Santa Clara, parte do troço da ponte fora alargado, com acessos a jusante e a montante, como se vê ainda nalgumas das gravuras antigas dedicadas a Coimbra.
A extremidade norte era rematada por um torreão-peagem, quadrangular, destinado à aplicação das taxas e impostos sobre quem entrava na cidade. No frontispício principal, sobre o arco de entrada, fora colocada uma lápide brasonada ladeada das esferas armilares, retirada para o Museu do Instituto de Coimbra e hoje depositada no Museu Nacional de Machado de Castro … sobre o referido padrão estaria a representação escultórica com a Virgem Maria, segurando Cristo Menino, que se encontra igualmente no principal museu da cidade, provavelmente ambos da autoria de Diogo Pires o Moço.
…. D. Filipe I de Portugal determinava, por carta régia, o lançamento da finta para se proceder à reconstrução da dita ponte e das margens envolventes onde aquela assentava. Muito provavelmente, as obras não teriam sido logo executadas, pois na correspondência epistolar trocada com o arcebispo de Braga, em 1586, o monarca salientara os estragos provocados pelos “grandes invernos do anno passado”.
A ponte quinhentista, reformada pela última vez naquela centúria pelo arquiteto régio Fillipo Terzi, teria outras obras de consolidação até ser substituída por uma nova em Maio de 1875, não devido ao assoreamento do leito do rio, mas sim às necessidades de permitir, com maior segurança, a passagem do trânsito rodoviário.
Setenta e nove anos depois, a estrutura de ferro assente em pilares de alvenaria ...
Ponte de ferro (finais dos anos 30). Acervo RA
... deu lugar à atual ponte, uma estrutura de betão armado, dotada de tabuleiro plano e assente em cinco pilares pendulares, com talha-mares elípticos … Erguida em local próximo da anterior, a nova ponte, desenhada pelo arquiteto Peres Fernandes.
Ponte de Betão, em construção
Pontes de Ferro e de Betão
Ponte de Santa Clara. Inaugurada em 1954
Curiosamente, em 1950, durante as sondagens geológicas realizadas no seguimento dos estudos de engenharia, seriam encontrados, a 14 metros de profundidade, nas proximidades da margem de Santa Clara, vestígios de uma escada executada em cantaria. Pertenceriam estes achados arqueológicos à ponte real manuelina como sugeriram os engenheiros responsáveis pela última obra?
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:
Quarta entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
A irregularidade volumétrica do primitivo resulta de um conjunto de sucessivas construções e ampliações efetuadas ao longo de diversas épocas, desde o século XII aos inícios do século XX.
Em todo o conjunto edificado é possível verificar a expansão das áreas residenciais, a norte, para o flanco sul da área do criptopórtico, anteriormente ocupado pelas cavalariças, celeiros e outras dependências e sua cristalização sob as formas e fórmulas arquitetónicas responsáveis pela anulação das características medievais.
Assim, a inexistência de vestígios materiais do período manuelino no flanco sul do monumento aponta para que a construção das primeiras dependências residenciais neste setor sejam da responsabilidade de D. Afonso de Castelo Branco (c. 1522-1615), Não dispondo de nenhum documento que assinale a data exata de início da colossal campanha levada a cabo pelo prelado residencial sabemos seguramente o seu término através do dístico colocado no portal de entrada, no ano de 1592.
…. Entretanto, o erudito conimbricense Martins de Carvalho (1861-1921) sugere que as obras efetivadas sob a égide do grande prelado conimbricense tenham tido início em 1585, no ano em que entrou como bispo residencial na diocese de Coimbra.
…. Acreditamos, assim, que todo o processo construtivo no palácio da mitra, “com suas galarias, chafarizes, patios”, tenha começado efetivamente entre os finais de 1585 e os inícios do ano seguinte, com a realização dos acordos estabelecidos entre as diversas autoridades, a elaboração de projetos e a obtenção das mais variadas licenças junto da vereação … Será que podemos relacionar as avultadas somas de dinheiro doadas pelo prelado à vereação de Coimbra com a obra de encanamento de água do paço? Seriam somente doações ou também pagamentos uma vez que o prelado veio a adquirir o direito perpétuo de abastecimento de água ao Palácio Episcopal?
…. Mais tarde, a 10 de Setembro de 1611, D. Filipe II de Portugal (1578|1598-1621) despacharia um alvará … “não se poderá mudar o curso e cano desta água que ora vai ao pátio do dito bispo-conde por outra nenhuma parte diferente daquela por onde ora vai [pela rua do Rego d’Água]” … Ficava esta rua, chamada do Rego d’Água, entre os contíguos prédios de habitação e da antiga escola primária, ou seja, entre o Largo da Sé Nova e o Largo do Bispo.
Chafariz do Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra (hoje MNMC). Acervo RA
Chafariz do Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra (hoje MNMC), pormenor. Acervo RA
…. A cisterna do paço, identificada aquando das campanhas de arqueologia realizadas entre 1992 e 1997 … Abastecida por águas pluviais, ou manualmente, o depósito poderá ter sido reaproveitado durante as obras promovidas por D. Afonso de Castelo Branco quando dotou o edifício com água potável canalizada a partir da Fonte dos Bicos no Largo da Feira dos Estudantes.
…. Quase um século mais tarde, entre 1672 e 1683, o chafariz erguido no pátio principal do Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra por D. Afonso de Castelo Branco seria substituído por um outro.
Chafariz do Museu Nacional Machado de Castro. Acedido em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https%3A%2F%2Fd2dzi65yjecjnt.cloudfront.net%2F141051...
Chafariz do Museu Nacional Machado de Castro, pormenor.
Erguido no pátio central, o fontanário apresenta tanque circular com coluna central dotada de dois pratos, de diferentes dimensões e ornamentados com quatro mascarões cada um, tendo no topo as armas episcopais do seu encomendante.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_%C3%81GUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS
Terceira entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
O Chafariz do Largo da Feira dos Estudantes, culminaria a conduta do aqueduto de São Sebastião … Embora as fontes documentais não permitam conhecer a data precisa para a sua construção julgamos que a mesma tenha sido edificada no seguimento da conclusão do reservatório para a água transportada pelo aqueduto, a qual surge como parte integrante.
Neste terreiro … foi então construído, entre 1570 e 1572, o depósito de água. Este não só veio a permitir o funcionamento do fontanário local – que a história viria a consagrar como Fonte dos Bicos devido aos motivos decorativos em ponta de diamante salientes que ornamentavam a sua frontaria principal –,
Fonte dos Bicos. Acervo RA
como garantiu o abastecimento de outros equipamentos aquíferos, como o Chafariz da Sé,
Chafariz da Sé. In: Archivo Pittoresco. 1866.09. Acervo RA
onde existia um segundo reservatório para levar água até ao fontanário localizado na Praça de São Bartolomeu.
Chafariz de S. Bartolomeu. Última remodelação, hoje instalada à entrada do Museu dos Transportes Urbanos
Alguns anos mais tarde, este mesmo reservatório acabaria por ser dotado com os encanamentos destinados a abastecer o vizinho Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra e outros institutos religiosos existentes na Alta citadina, como os colégios de Jesus, o da Sapiência e o da Estrela. De acordo com as informações recolhidas, nos anos de 1715-1858, julgamos que o depósito do fontanário do paço episcopal, e, provavelmente o da catedral, a Sé Velha, eram abastecidos durante o dia, sendo os depósitos dos colégios dos Jesuítas e dos Agostinhos durante o período noturno.
…. Terá sido construído no seguimento da carta régia outorgada por D. Sebastião em 7 de maio de 1573, no qual ordenava a construção do chafariz da Feira.
Fonte dos Bicos. Acervo RA
Tratar-se-ia, muito provavelmente, de uma ampliação ou reedificação material, pois, quer esta bica de água, quer a localizada junto da catedral de Santa Maria de Coimbra, já são mencionadas em datas anteriores.
No que diz respeito à composição arquitetónica do primitivo fontanário da Praça da Feira pouco ou nada sabemos. Teria, ao que parece, três bicas para o fornecimento de água, número que manteria ao longo da sua existência, mesmo após as obras de beneficiação de que foi alvo, em 1747 ou em 1864, a primeira para renovação do frontispício e a segunda para a colocação das armas da cidade.
Até à destruição do Fontanário dos Bicos, ocorrida durante a construção da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e do Instituto de Medicina Legal, nos finais da década de 1940, a água ainda era utilizada para regas e limpezas locais.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:
O Dr. Mário Araújo Torres, prossegue na tarefa a que meteu ombros de puxar para o nosso tempo, textos esquecidos: uns em que se faz a história, outros em que se contam vivências na nossa Cidade.
Daí, considerar que todos os conimbricenses lhe devem, mais uma vez, um reconhecido: Muito obrigado.
Na prossecução desse caminho acaba de publicar mais uma obra.
Op. cit., capa
Obra que leva o título Coimbra Doutora seguido de Livro de Horas (1908-1911) e que Mário Araújo Torres sintetiza, na contracapa da seguinte forma:
«Coimbra Doutora» foi o título dado por Hipólito Raposo à edição em livro, em livro da sua «Memória sobre tradições universitárias de Coimbra», com que concorreu e foi premiado nos jogos Florais Hispano-Portugueses de Salamanca, de 1909, onde descreve as fases principais da história da instituição universitária portuguesa, desde a fundação em Lisboa em 1290 por D. Dinis, passando pelo ambiente do século XV até ao esplendor após a transferência para Coimbra em 1537, o declínio subsequente à entrada dos jesuítas e insta]ação da inquisição, ao ressurgimento dos estudos com a reforma pombalina, até ao século XIX e a luta pela modernização e europeização. Não se limitou somente à história institucional, traçando impressivos quadros da vivência quotidiana dos membros da Universidade, suas praxes e costumes. Conclui a obra com transcrições de poesias constantes de manuscritos descobertos, graças ao seu labor investigatório, na Biblioteca Joanina, designadamente sobre a jornada da Academia a Elvas, em 1645, na Guerra da Restauração.
Ainda escolar em Coimbra, Hipólito Raposo editou o seu «Livro de Horas», cobrindo o período de 1908 a 1911, onde, em pequenos capítulos, evoca monumentos e suas histórias (Mosteiro de Lorvão e Santa Comba), lentes (Avelino Calisto e Paiva Pita), estudantes (Diogo Polónio), a famosa Maria Marrafa (servente de estudantes e distribuidora de sebentas), artistas famosos (Mimi Aguglia), e diversos episódios da sua vivência coimbrã.
Com diversos condiscípulos seus (entre eles, Alberto de Monsaraz, Alberto da Veiga Simões, António Sardinha, Luís de Almeida Braga, Luís Cabral de Moncada, Manuel Eugénio Massa, Manuel Paulo Merêa), integrou o grupo, de Tendências literárias, designado por Exhoterikos, de cujo órgão – a Treiskaidekopeia – se publicou um único número, reproduzido no presente volume.
Op. cit., capa, pormenor
Sobre o autor dos textos ora relembrados é apresentado a seguinte nota biográfica.
Hipólito Raposo. In. Op. cit., capa, pormenor
José Hipólito Raposo nasceu em S. Vicente da Beira (Castelo Branco), a 13 de fevereiro de 1885. Filho de João Hipólito Raposo e de Maria Adelaide Gama, no seio de uma família de agricultores, profundamente religiosa, ingressou em 1902 no Seminário da Guarda, donde seria expulso em 1904, devido a atitudes de independência e frontalidade, que sempre o caraterizaram.
Cursou o ensino secundário no Liceu de Castelo Branco, finalizando-o no Liceu de Coimbra, cidade onde se matriculou na Faculdade de Direito em 1906, formando-se em 1911.
Ainda estudante, distinguiu-se pela frequente colaboração na imprensa periódica (crónicas semanais no «Diário de Notícias») e publicou os primeiros livros, sobre temas históricos e literários.
Terminado o curso, enveredou pelo ensino (Conservatório Nacional e Liceu Passos Manuel) em Lisboa, onde se fixou.
Em 1914 foi um dos fundadores do movimento politico-cultural «Integralismo Lusitano».
Teve papel relevante no pronunciamento monárquico de Monsanto, em 1919, tendo sido demitido das funções públicas que exercia e condenado a prisão no Forte de S. Julião da Barra. Cumprida a pena de prisão, exilou-se em Angola (1922-1924), dedicando-se à advocacia.
De regresso a Portugal, continuou a exercer a profissão de advogado e publicou diversas obras políticas, literárias e históricas.
Reintegrado no cargo de professor do Conservatório (1926), prosseguiu a sua atividade de doutrinador político independente.
Em 1940, a publicação da obra «Amar e Servir» em cujo prólogo tecia críticas à «Salazarquia», provocou de novo a sua demissão das funções públicas e a sua prisão, com subsequente deportação para a Ilha Graciosa.
Hipólito Raposo faleceu em Lisboa, a 26 de agosto de 1953, deixando uma vasta obra publicada sobre temas políticos, históricos, literários e artísticos.
Numa primeira leitura, Coimbra Doutora é uma visão muito própria da história da Universidade de Coimbra, dos factos e das pessoas que a marcaram. Visão polvilhada de memórias de estudantes que se destacaram aos longo dos séculos.
O Livro de Horas e a Treiskaidekopeia, cada um por si, constituem quadros que, para os princípios do século XX, nos permitem conhecer não só acontecimentos que em Coimbra ocorreram, bem como a idiossincrasia das pessoas que aqui se preparavam e construíam as bases do seu futuro pessoal e do futuro do País.
A leitura e a ponderação da obra ora editada merecem uma leitura e reflexão atenta. Quanto mais não seja para se aquilatar das profundas diferenças entre esse passado e o nosso presente.
Rodrigues Costa
Textos citados do livro: Raposo, H. Coimbra Doutora seguido de Livro de Horas (1908-1911). Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres. 2025. Lisboa, Edições Ex-Libris.
O Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila ao terminar o ciclo de realizações comemorativas dos seus 50 anos de existência, que designou por “50 anos, 50 eventos” realizou, no passado domingo, no auditório do Convento de S. Francisco, um espetáculo, no qual contou com a colaboração da Filarmónica União Taveirense, onde se fundiram harmoniosamente o amor pelas tradições ancestrais e a beleza de um espetáculo de luz e som.
O Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila é hoje, entre os grupos similares, um grupo de referência que se vem destacando pela sua ação na defesa do património. Trabalho assente na recolha de elementos etnográficos, realização de debates, jornadas culturais, exposições, recuperação de festas, de jogos e outras tradições que estavam a desaparecer. Tem sido também sua preocupação a defesa do artesanato, na qual as “esteiras” de Arzila, assumem papel de destaque.
Estamos perante um grupo que dignifica Coimbra e que muito contribui para o melhor conhecimento da história local da zona rural do nosso Concelho.
O espetáculo "Num Só Mundo", foi estruturado em 13 cenas das quais destacamos:
- A cena dois, o musical “Medley FUT” que João Paulo Fernandes, Diretor Artístico da Filarmónica União Taveirense, recriou para este agrupamento algumas das recolhas musicais realizadas pelo GFE de Arzila. Recriação que voltou a ocorrer em outras cenas do espetáculo.
- A cena três em que Afonso Santana tocou, em violino solo, uma peça de Lino Silva, baseada na “Oração de Peregrino”, outra recolha do CFE de Arzila.
- As cenas quatro, seis, sete e doze, nas quais que foram encenadas, respetivamente as recolhas efetuadas sobre o “azurrar”, o cavar a terra ou “mandar a manta”, a merenda no campo e o “corte do cobrão”. Obviamente presente a confeção e venda das esteiras de Arzila.
De lembrar ainda a participação dos gaiteiros e sete das danças recolhidas pelo GFE de Arzila.
O espetáculo foi um presente à Cidade, vindo das gentes de Arzila.
O excelente texto que uniu e contextualizou as diversas cenas do espetáculo, ao falar da oferta de uma travessa de arroz-doce com que os moradores de Arzila eram presenteados pelas noivas, salientou que essa oferta significava a união e o carinho que sempre uniu as gentes daquela Comunidade, lembrando a todos que, quando a alegria é dividida, o amor é multiplicado.
O espetáculo oferecido a Coimbra, foi sem dúvida um espetáculo feito de amor pela terra e pelas suas tradições, com um recurso adequado às novas tecnologias, e que, mais uma vez reafirmou a importância da etnografia e folclore, enquanto estudo das raízes do nosso passado.
Só teve um senão, os únicos lugares livres, eram alguns dos reservados às autoridades e demais convidados.
A que se acrescenta uma nossa perceção: estando o auditório completamente cheio, eram mais as gentes vindas de todo o País, do que as gentes de Coimbra.
Perderam um espetáculo memorável, no dizer do Presidente da Federação Portuguesa de Folclore.
Perderam, permitam-me acrescentar, para além de um belíssimo espetáculo, um verdadeiro cântico que sabiamente misturou quer o saber do passado e a arte do presente, bem como o erudito com a arte popular.
Um espetáculo que é uma lição e que espero possa ser reapresentado.
Bem o merece.
Rodrigues da Costa
O arquiteto Rafael Vieira acaba de publicar um livro intitulado Os salatinas. Coimbra da saudade.
Op. cit., capa
O Autor caracteriza do seguinte modo a obra: Este retrato narra a migração forçada de uma comunidade de cerca de três ml pessoas para bairros sociais construídos além dos limites de Coimbra. Recria a perda do sentido de pertença original, que levou os salatinas a forjar novas comunidades assentes na saudade e na memória, na revivificação de velhas tradições e na entreajuda: uma ferida ainda por cicatrizar.
A obra – que se lê com muito agrado – desenvolve-se por uma síntese inicial da história e do espaço da Alta Coimbrã e assenta num significativo conjunto de entrevista a antigos salatinas, da qual destacamos o texto que se segue.
A palavra «salatina» tem origem obscura e a sua etimologia não é conclusiva. O dicionário é sintético e resume que salatina era habitante ou natural da Alta de Coimbra. Ricardo Figueiredo, salatina de 87 anos residente em Lisboa e que morou no Bairro de Celas até 1962, diz que «salatina é, por definição, o que nasceu na Alta. Salatinas é definição do local de nascimento. Não há diferenças ou categorias». A certeza é de que a palavra termina sempre em «a» - apesar de haver uma ou outra pessoa que diga «salatino», sem que daí caia o mundo - e o consenso geográfico é que se aplica a quem nasceu numa zona específica da Alta da cidade de Coimbra e não a toda a Alta … «O meu avô paterno Zé Trego "velho" (o conhecido músico-barbeiro José Lopes da Fonseca), dizia que era salatina quem nascesse na parte Alta da Sé Velha, com limite geográfico nas escadas do Quebra Costas.»
Os limites do território salatina são assim definidos por toda a Alta acima das curvas de nível onde se implanta a Sé Velha e até ao Bairro Sousa Pinto a nascente, na zona dos Arcos do Jardim. Esta é a geografia usual e a tradicionalmente referida pela malta salatina.
Já sobre a etimologia, o historiador Eduardo Albuquerque aponta a origem na Batalha do Salado … [onde se terá] distinguido pela bravura um batalhão coimbrão.
… No entanto, o historiador Luís Reis Torgal acha-a «pouco provável», devido à distância temporal, e lança outra possibilidade, que evoluiu de um topónimo alternativo para a parte superior da Alta, Bairro Latino, correspondendo à Alta dos estudantes.
… O jornalista Fernando Falcão Machado, em 1957 … [referindo que] a palavra teria despontado enquanto invetiva, um impropério destinado às gentes do alto da cidade pelos seus antagonistas.
…. Os adversários dos salatinas eram os chibatas … «Na zona do [Teatro] Sousa Bastos, antiga Igreja de S. Cristóvão, já não são salatinas, são chibatas.
…. Dir-se-ia, ainda no campo das suposições, que tanto salatinas como chibatas seriam impropérios com que cada um destes gangues urbanos visava o outro, para o injuriar.
…. Se o topo da Alta era o território dos salatinas e, logo abaixo desses, dominavam os chibatas, já a Baixinha era o território da miudagem do ranho ao nariz, perto de onde na Idade Média existiu a segunda judiaria de Coimbra, na Rua Nova.
…. Para outros subgrupos de futricas, outras alcunhas existiam. Algumas caíram no esquecimento, como carecas, que designava aqueles que viviam na Baixa em torno da Igreja de São Bartolomeu; os da área do Mosteiro de Santa Cruz seriam os fidalgos e, junto à Sé Nova, moravam os filhos da desventura. Há ainda outros apodos vagamente recordados, como judeus para os residentes em Santo António dos Olivais, pés-descalços para os a zona do Arnado e vacões para aqueles que vinham da periferia de Coimbra.
Vieira, R. Os salatinas. Coimbra da saudade. 2025. Coimbra, edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos e Rafael Vieira.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.