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Com esta entrada concluímos a revisitação de um artigo do Professor Doutor Nelson Correia Borges, dedicado a uma tradição popular – a Volta de S. João – que tinha lugar na freguesia de Cernache e que, infelizmente, voltou a ser esquecida.
A «Volta compõe-se de um grupo a cavalo e outro apeado. O grupo a cavalo é constituído por homens que montam cavalos ou éguas. de jaezes enfeitados com fitas ou flores de papel de cores garridas. Um destes cavaleiros é o porta-bandeira e segue no melo dos outros que se dispõem em duas filas de um e outro lado. Os restantes empunham lanças de madeira enfeitadas com duas fitas de seda, em reminiscência das primitivas cavalhadas. Estas fitas, nas cores verde e rosa, eram, no final, oferecidas às pessoas amigas.
No início deste século o trajo dos cavaleiros era formado por botas com polainas ou botas de cano alto, com esporas; calça preta, lisa ou de casimira às riscas, com fivela atrás; camisa branca de linho ou popelina. com peitilho e colarinho simples, sem vira; cinta azul com riscas finas transversais vermelhas e amarelas, de pontas franjadas, enrolada aberta, deixando pender uma ponta ao lado esquerdo; colete simples, ou com pequenina gola na parte da frente, de tecido geralmente igual ao das calças, com costas de riscado de cores vivas; chapéu preto de feltro, de aba larga, ou carapuça.
À frente dos cavaleiros seguia o grupo apeado, constituído por mulheres (as «mulheres da Volta»), igualmente dispostas em duas alas.
O trajo feminino utilizado na mesma época era também multo característico.
Sobre duas ou três saias brancas a mulher vestia uma sala preta de armur ou outro tecido, ou até de chita estampada; a saia atava à altura da anca com uma cinta de tecido de lã nas cores azul ou vermelha, formando grande laço atrás. O chambre era do tipo usual na região, em tecido de algodão liso, com lavrados ou estampados, em cores que podiam ir do rosa ao azul claro, com predomínio do branco; continha um forro interior que só na parte das costas era costurado conjuntamente com o tecido exterior, ficando a parte da frente a formar um corpete apertado sob o tecido solto de fora; muito justo ao pescoço, formava um espelho sobre o peito, enfeitado com rendas, espiguilhos ou favos; as mangas apertavam no pulso com elástico ou botão, colocado de modo a formar um folho rematado com renda, mas habitualmente usavam-nas puxadas até ao cotovelo. Este tipo de chambre, de corte rebuscado para fazer realçar as linhas do corpo, vestia muito justo nas costas e algo folgado à frente, conferindo grande elegância a quem o usava. Por cima da saia levavam ainda um avental de zampa ou outro tecido de algodão de cor clara – as preferências iam para o rosa, o azul e o branco – com terminação arredondada ou em bico, bordado com raminhos e flores. Nos pés calçavam chinelas, que multas vezes levavam na mão para poderem caminhar mais desembaraçadamente. A cabeça era coberta com o cachené de ramagens, atado sob a nuca, a deixar cair uma das pontas sobre o peito. Restam ainda dois complementos indispensáveis a este trajo: o xaile «chinês», ou de quadradinhos pretos e brancos, de oito pontas, levado à cabeça, cuidadosamente dobrado, e a sombrinha para defesa da ardência dos ralos solares.
Trajos da VOLTA DO S. JOÁO de cerca do 1900, apresentados na exposição «Coimbra Etnográfica», realizada pelos Serviços Municipais de Cultura e Turismo, em agosto de 1982. Op. cit., pg.17
Hoje em dia os trajos modernizaram-se em muitos aspetos, mas a maioria das pessoas manifesta a vontade de manter a tradição, utilizando algumas peças talhadas «à moda antiga», ou mesmo antigas, de acordo com as possíbilidades e o gosto de cada um.
Juntam-se ao grupo várias pessoas que vão a cumprir promessas, bem como outros homens e mulheres que queiram acompanhar, a pé.
O cortejo organiza-se junto à capela de Vila Nova e inicia a volta, sempre através de carreiros velhos, pela Feteira, onde o povo o recebe com colchas às janelas e lançando flores sobre a bandeira. Passa em frente da capela de Nossa Senhora da Conceição.
Capela de Nossa Senhora da Conceição. Fotografia de Zizas Bento, acedida em: Capela da Feteira - Google Maps
Aqui os feteirenses presenteiam os cavaleiros e «mulheres da Volta» com bolachas e bebidas e há pessoas que oferecem fitas à bandeira, em pagamento de promessas.
De Feteira seguem para Pousada, onde dão três voltas à capela de S. Pedro.
Pousada, capela de S. Pedro. Imagem acedida em: Rua do Ribeiro - Google Maps
Renova-se o ritual da oferta de bebidas e bolos e cumprimento de promessas, como aliás, em todos os lugares por onde a «Volta» passa.
Cernache é a próxima etapa, com passagem em frente da capela de S. João Evangelista. De uma janela pende a bandeira do titular da capela, a saudar o cortejo.
Continuam em direção a Vila Pouca, onde entram no adro da capela de` Santo António por uma porta e saem por outra.
Vila Pouca, Capela de` Santo António. Imagem acedida em: Capela De Santo António - Google Maps
Aqui os cavaleiros dão três corridas pelas ruas do lugar, enquanto as mulheres vão seguindo para a frente, pela velha estrada da Ribeira do Pão Quente, até atravessar a Quinta das Senhoras, no Orelhudo.
Casconha é a última povoação a ser visitada. Noutros tempos mudava o ritual neste lugar: os cavaleiros apeavam-se, à exceção do porta-bandeira e passavam a levar os animais pela arreata. Uma banda de música que os esperava incorporava-se no cortejo e seguiam todos de regresso a Vila Nova.
A missa da festa marca o ponto final da «Volta». As fitas que ornamentaram as lanças eram oferecidas às pessoas amigas ou às namoradas dos cavaleiros solteiros.
Não é única no seu género esta tradição na zona do campo de Cernache, pois assinalam-se manifestações semelhantes em Vila Pouca, em honra de Santo António, e em Cernache, dedicadas a S. João Evangelista que, todavia, se afastaram um pouco do costume tradicional. De facto, trata-se de um acontecimento típico dos festejos dos santos populares de junho e em especial de S. João Batista, o santo de mais rico folclore.
A «Volta do S. João» de Vila Nova de Cernache é uma expressão coletiva rica de sincretismo onde se caldeiam memórias da velha Cavalaria nas lanças e na carga que tem lugar em Vila Pouca e de antiquíssimos rituais pagãos propiciatórios cristianizados, nas três voltas à capela de S. Pedro da Pousada, com outros costumes menos antigos. Na caminhada através dos campos destes romeiros sem romaria, a cavalo e apeados, há como que o perpetuar de ancestrais ritos quase tão velhos como o próprio homem, como que o ecoar de uma ladainha do maio vinda da própria natureza. É a festa de solstício transformada pela igreja para honra de S. João e dos dois outros grandes santos populares de junho.
Nada disto conta, porém, para as gentes de Vila Nova de Cernache que teimam briosamente em não deixar morrer a tradição, numa afirmação da sua identidade como povo.
Borges, N.C. «A Volta de S. João» em Vila nova de Cernache. In. Munda, n.º 5 Maio 1983. Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Pg. 15 a 18
Nesta e na seguinte entrada relembramos um excelente artigo do Professor Doutor Nelson Correia Borges, dedicado a uma tradição popular – a Volta de S. João – que tinha lugar na freguesia de Cernache. Tradição que, infelizmente, entre 1983, data de publicação do artigo na revista Munda, e o presente voltou a ser esquecida.
A tradição é o canteiro onde germinam as sementes dos frutos novos. Neste despertar para a fraternidade como fruto amadurecido da arte de viver, um povo que sabe manter a festa como irmã do trabalho é um povo próximo do futuro.
Numa época voltada para o consumo imediato, como é a que vivemos, em que o automóvel destronou para sempre a diligência, o trator o boizinho pachorrento, a rádio e a televisão alienaram os serões familiares, o motor de tirar água fez parar a nora de alcatruzes gotejantes à beira do rio ou no poço, com o burrico paciente andando à volta horas e horas, e em que a lâmpada elétrica apagou a velha candeia de azeite, o lampião ou o próprio candeeiro de petróleo, causa admiração ver como ainda se pode manter o culto popular de certas velharias que permanecem indiferentes à evolução da vida moderna.
Quando a sobrevivência destas manifestações populares se verifica em aldeias recônditas onde as formas de vivência ainda não foram muito alteradas pelo progresso do presente, o facto poderá ter fácil explicação. Mas, nas imediações dos grandes centros, onde o contacto com as novas ideias e as novas modas de todos os dias é direto e permanente, o caso é de admirar e refletir, evidenciando bem como a prática de certos costumes, fruto de séculos de aculturação, se arreigou profundamente na alma coletiva do nosso povo.
As cavalhadas, que sobrevivem em alguns pontos do país, são um exemplo. Ainda há bem pouco tempo se realizavam na Malveira, às portas de Lisboa e continuam a ter lugar em Vil de Moinhos – Viseu.
Tal é também o caso de Vila Nova de Cernache.
Trata-se de uma pequena povoação, a cerca de 8 quilómetros ao sul de Coimbra, inscrita numa zona agrícola de certa importância que no passado foi um dos principais centros abastecedores do mercado da cidade do Mondego …. Pois aqui em Vila Nova do Cernache, sobrevivem as cavalhadas sob forma híbrida e transformada, numa manifestação anual de cultura popular a merecer registo e atenção.
Vila Nova, Capela de S. Vicente Fotografia de Zizas Bento, acedida em: Capela de S. Vicente - Google Maps
As cavalhadas têm as suas origens na longínqua (e ainda tão próxima...) Idade Média, época em que floresceu a Cavalaria que, com suas justas e torneios lhes serviu de modelo. A Cavalaria, de autêntica lnstituição que era, degenerou para o espetáculo. O povo copiou e parodiou, misturou o sério com o cómico, o profano com o religioso, juntou-lhe reminiscências de lutas entre mouros e cristãos, celebradas nas «mouriscas», fez as mais variadas versões: a corrida ou jogo de argolinhas, jogos de canas, festejos equestres combinados com touradas ou «combates com os infiéis», cortejos de bandeiras, de círios ou alegóricos, etc.
Em Vila Nova de Cernache as cavalhadas são em honra de S. João Baptista,
S. João Batista. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?...
seu orago, como aliás em muitas outras terras onde se realizavam, e constituem uma variante da região, isto é, da forma de cortejo de condução da bandeira. Este cortejo podia assumir aspetos que iam desde o carnavalesco, como outrora na Figueira da Foz, ao ar mais compenetrado, como aqui.
Chamam-lhes, expressivamente, a «Volta do S. João».
Não há memória de quando, como ou porquê se deu início a esta tradição, retomada em 1976, depois de mais de três décadas de interregno. Organizada pelos mordomos da festa, tem lugar no dia 24 de junho de manhã e consta fundamentalmente de um cortejo composto por homens e mulheres, envergando trajos típicos e conduzindo a bandeira de S. João que se encontra na capelinha da aldeia. A «Volta, para além de ser uma expressão da religiosidade popular, tem o sabor de uma visita de cortesia às capelas e povoações limítrofes.
Borges, N.C. «A Volta de S. João» em Vila nova de Cernache. In. Munda, n.º 5 Maio 1983. Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Pg. 15 a 18
A estrutura de acesso ao interior do Sacrário da Capela do Seminário insere-se numa moldura e surge decorada com elementos relacionados com a Paixão de Cristo. No interior de um friso dourado retangular, rematado superiormente em hemiciclo pode observar-se a Cruz, que tem uma forte carga simbólica, sobrepondo a coroa de espinhos e os cravos.
Cruz, coroa de espinhos e cravos
A tradição cristã engrandece prodigiosamente o simbolismo da Cruz ao condensar nesta imagem a história da Salvação e da Paixão do Salvador e a iconografia utiliza-a tanto para expressar o suplício do Messias, como a sua presença. Onde está a Cruz, está o Crucificado.
Abaixo da Cruz podem ver-se duas palmas cruzadas que, de alguma forma, envolvem o crismon.
Palmas e crismon
A palma simboliza a vitória, a regeneração, a imortalidade e, para os cristãos, representa a Ressurreição de Cristo depois da Paixão. Por seu turno, o crismon é um importante símbolo da Igreja primitiva formado pelas letras gregas do nome de Jesus Cristo, isto é, XP. Na Idade Média foi substituído pelas três primeiras letras do seu nome IHS.
Enjunta a alfiz
A zona superior do Sacrário, a enjunta, ou seja, a zona triangular compreendida entre o friso semicircular superior e o alfiz (moldura que rodeia a frente da estrutura) encontra-se decorada com duas rosas estilizadas. Na iconografia cristã, a rosa simboliza tanto o cálice que recolhe o sangue de Cristo, como a transfiguração das gotas deste sangue, ou ainda se pode assumir como símbolo das chagas de Cristo.
Fechadura
No centro da porta, rodeia a fechadura uma fina grinalda.
Em suma, Mestre Albertino Marques bem podia sentir-se orgulhoso com o Sacrário que havia forjado e cinzelado, na sua oficina da Rua João Machado, para a Capela do Seminário Maior de Coimbra.
Sacrário da Capela do Seminário Maior de Coimbra
Anacleto, R. Albertino Marques. Sacrário do Seminário Maior de Coimbra. 2024. Texto inédito.
Albertino Marques também bateu, para a capela do Seminário Maior de Coimbra, um Sacrário. De acordo com a notícia saída no Correio de Coimbra de 13 de outubro, em 1948, o Tabernáculo, já se encontrava forjado e cinzelado.
Sacrário da Capela do Seminário Maior de Coimbra
Na notícia do periódico, que transcrevo, pode ler-se: “Nas oficinas do conceituado artista conimbricense sr. Albertino Marques foi agora construído um Sacrário em ferro forjado e cinzelado que bem pode considerar-se uma obra prima daquele distinto serralheiro. O aludido Sacrário, que se destina à capela do Seminário, foi construído segundo as regras da Liturgia e pode bem considerar-se um autêntico cofre de segurança pelas condições que presidiram à sua execução. Com a construção deste augusto tabernáculo são já em número de doze os sacrários que Albertino Marques tem executado para esta diocese, gravando-se em todos eles o apurado gosto artístico e raras aptidões que distinguem os trabalhos daquele nosso amigo, exímio artista que tão distintamente fez ressurgir entre nós a joalharia do ferro no período áureo da sua mais bela renascença”.
Esta notícia levanta-me dois problemas, pois leva-me a questionar qual o pontificado em que teria sido encomendado. Como refere a notícia, o “cofre de segurança” e qual a razão que levou à feitura, naquela época, de tantos Sacários em ferro destinados a guardar o Santíssimo Sacramento, bem como as localidades que os acolheram.
D. António Antunes
Examinando a listas dos Bispos que se sentaram na cadeira episcopal conimbricense chega-se à conclusão que D. António Antunes (Cumeira, 1875.11.18-Coimbra, 1948.07.20), que foi o 59º bispo de Coimbra, toma posse da diocese em 1936 e governa-a até à sua morte, acontecida em julho de 1948. Por seu turno, D. Ernesto Sena de Oliveira (Funchal, 1892.04.30-Coimbra, 1972.10.13) entra a 2 de fevereiro de 1948 e encontra-se à frente da diocese aeminiense, onde entrou em 13 de março de 1949, até 12 de agosto de 1967, data em que resignou. Foi o 50º Bispo da diocese e o 25.º conde titular de Arganil, de juro e herdade, entre 1948 e 1967 e veio a falecer a 13 de outubro de 1972.
A partir desta análise pode concluir-se, com grande margem de certeza, que o Sacrário destinado à Capela do Seminário de Jesus, Maria e José, foi encomendado a Mestre Albertino na liderança de D. António Antunes.
A notícia do Correio de Coimbra refere que “com a construção deste augusto tabernáculo são já em número de doze os sacrários que Albertino Marques tem executado para esta diocese”. A quantidade de Sacrários que o Mestre cinzelou para a diocese não pode deixar de me levar a questionar qual a razão de um tão vultuoso número de encomendas, até porque era normalmente referido tratar-se de verdadeiros cofres fortes, providos na porta de duas fechaduras com segredo, e colocados sobre o altar ou na banqueta, a fim de guardar a píxide ou a custódia.
A porta destes pequenos cofres era, quase sempre, decorada com iconografia relativa à eucaristia, o que não se verifica no presente caso.
Anacleto, R. Albertino Marques. Sacrário do Seminário Maior de Coimbra. 2024. Texto inédito.
Albertino Marques, verdadeiro burilador do ferro, ao longo da vida, na sua oficina da Rua João Machado, local onde passou a trabalhar a partir de 1929, bateu diversas peças de cariz religioso encomendados por variadas instituições.
A título de exemplo, e como mera nota de rodapé, recorde-se que, em 1931, bateu para a capela do Colégio da Rainha Santa, então ainda instalado no edifício do antigo Colégio da Trindade, a lâmpada do Santíssimo e a impropriamente denominada banqueta, composta por seis castiçais e pelo respetivo crucifixo. E digo impropriamente, porque a banqueta é um pequeno degrau colocado na retaguarda da mesa de altar, destinado a servir de apoio à cruz e aos seis castiçais. O conjunto, por assimilação, passou a ser, normalmente, designado por banqueta. E é na aceção comummente aceite que vou continuar a usar esta designação.
Banqueta
Em 1939, a Madre Superiora do Colégio Missionário de S. José de Cluny, sito em Nogueiró (Braga), encomendou também, ao mestre, uma banqueta.
A Confraria da Rainha Santa, em 1944, mandou executar um Sacrário destinado ao templo.
Entre 1947-1948, por encomenda do Dr. Santos Costa, então Ministro da Guerra, e sob a direção do P. Luís Lopes de Melo (capelão militar e pároco da Sé Velha), que muito se interessou pela boa execução dos trabalhos e pela sua obediência aos preceitos litúrgicos, Albertino Marques bateu, para a Capela do Colégio Militar (Lisboa) uma banqueta, as Sacras, uma estante para missal e um Sacrário.
As Sacras, que normalmente integram três peças, uma central, maior do que as duas laterais, são painéis escritos em latim e emoldurados, contendo alguns dos textos imutáveis da missa, a fim de serem utilizados pelo celebrante como auxiliares de memória.
Sacrário do templo da Rainha Santa
Acerca do Sacrário que se destinava ao templo conimbricense da Rainha Santa, o Correio de Coimbra, de 15 de julho de 1944, escrevia: “Com destino à igreja da Rainha-Santa, acaba de ser executado na acreditada oficina do conceituado artista Sr. Albertino Marques, um sacrário de ferro forjado e cinzelado, cofre precioso onde aquele distinto serralheiro revela toda a competência que o celebriza como um dos melhores joalheiros de ferro do nosso país e onde vincou, com relevante mestria, todas as suas aptidões na execução de tão maravilhoso cofre sagrado. Este sacrário, construído com todas as regras da liturgia, é dotado de duas fechaduras de segredo, ostentando na sua portada o brasão de Portugal e Aragão sobreposto no emblema da confraria da Rainha-Santa”.
Anacleto, R. Albertino Marques. Sacrário do Seminário Maior de Coimbra. 2024. Texto inédito.
Iniciamos hoje a divulgação de dois textos inéditos, que dividimos por quatro entradas, da autoria de Regina Anacleto e que têm como objetivo a divulgação sumária da vida de Mestre Albertino Marques e o estudo de uma peça que ele cinzelou para a Capela do Seminário Maior de Coimbra.
Albertino Marques que nasceu em Coimbra, na freguesia de Santa Cruz, a 27 de abril de 1890, é um dos artistas que, na primeira metade do século XX, trabalhavam o ferro forjado na cidade do Mondego.
Albertino Marques (Coimbra, 1890-Coimbra, 1966)
O artífice frequentou a Escola Industrial Brotero e quando, em 1907, apenas com 14 anos, terminou o curso iniciou o seu percurso como obreiro do ferro com o serralheiro António Maria da Conceição (Rato) e, posteriormente, em 1918, na oficina de Francisco Nogueira Seco, localizada no Quintal do Prior.
Após a morte deste artista sucedeu-lhe na sociedade, de parceria com os descendentes do industrial e com Daniel Rodrigues. A sociedade girava sob o nome de “Seco, Graça & Marques”. Contudo, Daniel, em 1919, separou-se e inaugurou a sua serralharia no Terreiro da Erva, n.º 36, local onde permaneceu até ao fim da vida e Albertino, a partir de 1929, instalou a sua oficina na Rua João Machado.
Albertino Marques, que jamais deixou de estudar, com o desejo de melhorar a sua formação, passou a frequentar a Escola Livre das Artes do Desenho e a ter como mentor mestre João Machado.
A sua capacidade de saber fazer falar o ferro tosco, tornando-o delicado, introduziu o seu nome entre os mais conhecidos artistas que, em Portugal, se dedicaram à arte de forjar.
A serralharia artística constituiu o objetivo primacial de toda a vida de Albertino Marques, mas, nomeadamente por questões de ordem económica, tornou-se-lhe impossível colocar à margem outros trabalhos mais vulgares.
Lanterna do Parque de Santa Cruz
Ativista das antigas organizações operárias, cedo compreendeu a importância da publicidade na difusão da arte do ferro, facto que, de algum modo, lhe permitiu espalhar as peças saídas da sua oficina por todo o país; os artefactos passavam por tocheiros, em estilo gótico, renascentista ou ‘modernizado’, por lâmpadas cinzeladas ou por portas e grades para jazigos e campas.
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No meio artístico conimbricense, sobretudo no ligado ao ferro forjado, a partir de 1933, instalou-se uma grave crise que se foi prolongando até meados da centúria, agravada por vicissitudes várias, a passarem pela falta da encomenda de trabalhos importantes que ajudassem os artistas a preservar a sua arte e pelo panorama económico da sociedade, que dificilmente permitia às pessoas dispor de numerário passível de possibilitar a compra de obras já que estas não se assumiam como bens necessários à sobrevivência.
Albertino Marques, antes de, em 1955, por razões de saúde, ter encerrado, definitivamente, a sua oficina, realizou várias obras em serralharia artística para instituições religiosas.
Posteriormente, passa a entreter as horas de ócio escrevendo sobre coisas de Coimbra e da sua arte. Nesses escritos, publicados no jornal «O Despertar», revela o gosto e o conhecimento das várias formas de arte, bem como o seu interesse por tudo o que diz respeito à sua cidade natal.
Caricatura de Albertino Marques
A 27 de abril de 1966, com 76 anos de idade, depois de ter dedicado 62 à arte do ferro forjado, morre em Coimbra na sua residência, sita na Rua João Machado, o artista Albertino Marques.
Anacleto, R. Albertino Marques (Coimbra, 1890-Coimbra, 1966). Breves notas soltas. 2024. Texto inédito.
É já amanhã, 6.ª feira, que no Arquivo da Universidade de Coimbra, partir das 18h00 que irá decorrer mais uma Conversa Aberta, esta dedicada à história do Instituto de Coimbra.
Folha de sala
A atividade desta academia ao longo dos anos reflete o pensamento de cada um dos seus presidentes, que foram personalidades influentes da história nacional, de Adrião Forjaz Sampaio a Orlando de Carvalho, passando por Bernardino Machado, Francisco Miranda da Costa Lobo e muitos outros. O Instituto ocupou diferentes espaços da Alta de Coimbra, dispondo de salas de reunião, uma biblioteca e gabinete de leitura e, a certa altura, um museu de antiguidades.
A revista O Instituto foi uma das revistas científicas portuguesas de maior longevidade, com 141 volumes publicados entre 1852 e 1981.
A palestrante será a Doutora Licínia Rodrigues Ferreira, Técnica Superior na Divisão de Promoção da Qualidade da Reitoria da Universidade de Coimbra.
Licínia Rodrigues Ferreira. Imagem acedida em https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid...
Como é habitual a entrada é livre e após a apresentação do tema, segue-se um tempo em que todos os participantes são convidados a apresentar os pedidos de esclarecimento que julguem relevantes.
Cartaz
Pedimos ajuda de todos na divulgação deste evento.
Obrigado.
Rodrigues Costa
Conclusão do texto assinado pelo Professor Doutor Pedro Dias, publicado na revista Munda em novembro de 1981.
Até 1537, o aglomerado urbano de Coimbra manteve-se sem grandes alterações: pequenas e acanhadas ruelas que serpenteavam nas encostas, adaptando-se às construções que sempre, precediam e definiam os traçados das vias. Nunca a almedina esteve superlotada. Continuando a existir, intramuros hortas e quintais, onde se praticou a horticultura, até à atualidade. O crescimento era moderado e fez-se sem sobressaltos. Mas nesse ano, D. João III reinstalou os Estudos Gerais, na cidade e a sua fácies começou a mudar. Frei Brás de Braga, reformador do mosteiro crúzio, com o beneplácito do monarca, abriu a Rua da Sofia que viria a ser o orgulho dos conimbricenses quinhentistas, cantada mesmo. em versos latinos, por Inácio de Morais. Aí se edificaram os Colégios de S. Miguel e de Todos os Santos, de S. Bernardo, do Carmo, da Graça, de S. Pedro, de S. Boaventura e de S. Tomás, além do Convento Novo de S. Domingos e a nova igreja de Santa Justa. O frade reformador urbanizou outras áreas, como a de Montarroio. incluindo o largo que se viria a chamar Pátio da Inquisição, as ribas de Corpus Christi e das Figueirinhas, o Largo de Sansão, etc. Já antes, o Bispo D. Jorge de Almeida dera maior dignidade ao adro da Catedral, e a Camara arranjara de novo a ponte, os cais do Mondego e algumas ruelas que calcetou.
Mas foi a partir de 1537 que se operou a grande mudança. com a instalação de inúmeros colégios universitários, que todas as ordens religiosas quiseram fundar na cidade, para alojarem os seus religiosos que, em Coimbra, buscavam o Saber e os graus académicos.
Grandes edifícios, planeados por arquitetos de mérito e construídos com apreciáveis meios económicos por construtores hábeis, surgiram, em poucas décadas. em zonas desabitadas do arrabalde ou mesmo na almedina, cabendo salientar os grandes complexos da Companhia de Jesus, e de Santa Cruz.
Os próprios burgos vizinhos de Celas e Santa Clara, que tinham nascido à sombra de mosteiros, desenvolveram-se fornecendo mão de obra para os trabalhos de construção.
Em poucos anos, o número de habitantes de Coimbra duplicou, e aos 5.200 de 1527 opunham-se os 10.000 de 1570. Não eram só estudantes, mas também todo um grupo social que nascera, para garantir a alunos e mestres os serviços necessários para a sua permanência na cidade. No fim do séc. XVI a zona urbana crescera e redefinira-se, para não mais se alterar até ao final do séc. XIX. As zonas agora ocupadas, além das que já o eram em 1537, situavam-se entre o Mondego o a parte final da Rua da Sofia, nos arnados, que foram sendo conquistados para a construção e para pequenas hortas, e na encosta de Montarroio.
Terminou-se a ligação entre os adros de Santa Justa, o largo de Sansão e a Praça Velha, formando-se um aglomerado contínuo.
Largo de Sansão no final do séc. XVIII. Op. cit., pg. 6
No séc. XVII a evolução é lenta e a população aumenta gradual e sistematicamente, mas, para além de construções pontuais, algumas de grande volume, viário ou os limites da urbe não sofrem alterações, o mesmo se passando ao longo de toda a primeira metade do séc. XVIII. Em 1765 os alunos matriculados na Universidade eram já 4.629 que, juntos com os dos colégios, perfaziam o elevado número de cerca de 8.000, ou seja, metade de toda a população de Coimbra. A vocação académica da cidade mantinha-se.
Foi nesta época que o Marquês de Pombal, desejou mudar o aspeto e a estrutura da sua cidade universitária, mas dos seus planos mais não resultou que a criação da praça que hoje tem o seu nome, em terrenos e edifícios da Companhia de Jesus, onde fez levantar dois institutos universitários ao gosto da moderna Europa de além-Pirenéus. Na Quinta dos Bentos levantou também o Jardim Botânico que seria um novo polo de atração e iria fazer a ligação com novos bairros da cidade contemporânea, mas antes, ainda, no séc. XVIII, com o Seminário e o Colégio de S. José dos Marianos.
Durante o séc. XIX a cidade só aumentou o seu número de habitantes em 6.000 e ao ser implantada a República viviam aqui 29.115 almas. Foi a partir de 1880 que a fácies de Coimbra mudou e acompanhou a modernização que também Lisboa conheceu, quem sabe se não influenciada pelas obras que corriam na capital. É o momento em que a malha quinhentista rompe os seus tradicionais limites e se espalha por zonas antes desabitadas ou, quando muito, onde se implantavam algumas moradias rodeadas de quintas de pleno carácter rural.
Junto ao rio, arranjam-se as margens, sobretudo a do lado Norte, alarga-se a Portagem e a avenida e parque juntos, cujas obras se prolongam durante váriasdécadas, a partir de 1888. Aí nasce a estação de caminho de ferro e se instalam as unidades hoteleiras mais importantes da cidade novecentista. Em 1882. na Quinta de Santa Cruz, começa a abrir-se a que haveria de ser a mais larga e bela das novas artérias citadinas, hoje a Avenida Sá da Bandeira. que termina na Praça da República, local onde, já em 1901 os académicos disputavam as suas partidas de um novo desporto importado das Ilhas Britânicas: o futebol. As vias adjacentes, de traçado regular e com largura invulgar para a época. em breve servidas por transportes públicos, são projetadas e começam a ser abertas, a partir de 1889: Rua Castro Matoso, Rua Alexandre Herculano Rua Garret, etc. A ligação da Praça da República com Celas – a rua Lourenço Almeida Azevedo – inicia-se em 1893, e a vizinha Rua Tenente Valadim é traçada entre 1894 e 1903. É toda uma nova zona onde se vão levantar prédios elegantes, uma escola, na esquina da Rua da Manutenção Militar que, em 1901 vai estabelecer a ligação com Montarroio e com a Conchada, e um teatro circo, já inaugurado em 1892.
Em 1918 a zona residencial estende-se a outras áreas, sendo nesse ano regularizada a Alameda do Jardim Botânico. e dois anos depois, a região da Cumeada, com a definição da sua espinha dorsal, a Avenida Dias da Silva.
Só em meados do século. Coimbra conheceria novas alterações em alguns dos seus pontos mais centrais, multo especialmente na Alta, onde. para se construíram novos edifícios universitários, se destruíram grandes áreas de antiga ocupação. incluindo muitos edifícios notáveis, como as igrejas de S. Bento e de S. Pedro, e os Colégios dos Militares e dos Loios.
Planta da Alta com indicação das áreas destruídas, para a construção dos novos edifícios universitários. Op. cit., pg. 10
É também, por outro lado. o momento em que se constrói o primeiro bairro periférico dentro de um plano ordenado e com finalidade de alojar condignamente, em moradias. famílias de recursos médios;
Urbanização inicial do Bairro Marechal Carmona. Op cit., pg. 9
nascia assim o Bairro Marechal Carmona, ao dobrar-se o meado do século.
Dias, P. Evolução do Espaço Urbano em Coimbra. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2, pg. 5-11.
Segunda e última entrada sobre um texto do meu Mestre, Jorge Paiva.
O Jardim tem uma área de 13,5 hectares, estando admiravelmente traçado à maneira italiana, com socalcos, escadarias e alamedas, cercado por um opulento gradeamento de ferro e bronze, do lado da Alameda Júlio Henriques e Rua Vandelli.
Planta do Jardim Botânico, Op. cit., pg. 42
Tem três majestosos portões, sendo o mais aparatoso o de leste. com oito grandes colunas monolíticas rematadas por volutas e pináculos, num conjunto barroco multo decorativo.
Portão principal do Jardim Botânico. Executado por António Bernardes Galinha. Acervo RA
Pormenor do portão principal do Jardim Botânico. Acervo RA
Percorrendo o Jardim, logo se nota que o acidentado do terreno favoreceu multo o bom gosto do talhe dos socalcos e arruamentos, todos gradeados.
Pode considerar-se dividido em duas zonas fundamentais: uma superior, onde se inicia um vale por onde corre um regato, e outra inferior. A primeira consiste na zona mais formal do Jardim, e é constituída por alguns terraços em socalco. O mais inferior, o Quadrado Grande, com um fontenário, constituiu a parte primitiva do Jardim. Nele ainda existem três árvores que datam dos primórdios do Jardim e, portanto, do tempo em que Brotero foi Diretor (1791-1811): Cunninghamia sinensis R. Br.; Cryptomeria japonica (L.f.) D. Don; e Erythrina crista-galli L..
No primeiro socalco, junto ao portão principal, está a estátua de Brotero, do escultor Soares dos Reis, Inaugurada em 1 de Abril do 1887.
Estátua de Brotero da autoria de Soares dos Reis. Acervo RA.
Além da estátua de Brotero, existe ainda a de Júlio Henriques, no primeiro terraço, junto ao Instituto, e um medalhão de Luiz Carrlsso, em frente ao pórtico de D. Maria (1791) do «Quadrado Grande».
Estes monumentos, assim como mutos outros melhoramentos do Jardim (por ex. fonte-cascata do lago principal. estufa fria, etc.). foram efetuados entre 1942 e 1954 pela CAPACUC sob a orientação do então diretor Prof. Dr. Abílio Fernandes. No ângulo Nordeste, o mais exposto ao sol, existe um pujante recanto de vegetação tropical e subtropical, com fetos arbóreos, cicadáceas, palmeiras e Strelizla augusta Thunb., que o vulgo confunde com a bananeira.
Do lado oposto (Sul) fica a frondosa «Avenida das Tílias».
Alameda Central com prolongamento da rua das tílias. Op. cit., pg. 40
… Anexo ao Jardim está o Instituto Botânico, instalado em parte do edifício do antigo Colégio de S. Bento, fundado em 1555 por Diogo de Minca. então reitor da Universidade. Nesse edifício encontram-se os Herbários. Laboratórios, Biblioteca e Museu.
As aulas de Botânica eram inicialmente ministradas no Museu de História Natural e no próprio Jardim, ao ar livre, transitando depois para uma casa mandada construir para o efeito no Jardim.
Durante a direção do Dr. Júlio Henriques, o Jardim foi muito beneficiado com a cultura de muitas plantas novas, particularmente da flora australiana, sendo hoje o Jardim Botânico da Europa com a maior e melhor coleção de Eucalyptus. Isto porque o Dr. Júlio Henriques se correspondia com o Barão Von Muller, que lhe enviava sementes da Austrália.
Durante a vigência do Dr. Luís Carriço, o Jardim foi enriquecido com plantas das antigas colónias africanas, resultantes das explorações efetuadas a Angola.
Só a partir de 1868 foi entregue à Faculdade de Filosofia parte do edifício de S. Bento, onde se instalou o que é hoje designado por Instituto Botânico Dr. Júlio Henriques.
A Biblioteca tem cerca de 111.000 volumes, sendo a Biblioteca de Botânica mais importante no País. Os Herbários têm cerca de 700.000 espécimes e constituem os maiores de Portugal. Editam-se três revistas periódicas (Anuário. Boletim e Memórias da Sociedade Broteriana), que servem de material de permuta com 1.231 bibliotecas congéneres no globo, além de colaborar ou ter colaborado na elaboração das segu]ntes obras: Conspectus Florae Angolensls, (editados já 8 volumes); Flora Europaea (publlcação de 5 volumes); Floia Zambesíeca (editados até agora 7 volumes); lconographla Selecta Florae Azoricae (editado o 1.° volume em 1980) e Flora de Moçambique (editados 44 volumes).
Permutam-se sementes com cerca de 1.100 lnstituições botânicas estrangeiras enviando-se por ano cerca de 40.000 pacotes de sementes, correspondendo a 500-600 solicitações, o recebendo.se geralmente cerca de 2.000 para trabalhos de investigação em curso no instituto Botânico.
Permuta-se material de herbário com cerca de 150 outros herbários, enviando-se por empréstimo 4.000 a 5.000 exemplares por ano e recebendo-se a mesma quantidade. Além destes serviços e do estudo da Flora de Portugal. fazem-se anualmente várias explorações florísticas. Estuda-se a cariologia da flora vascular do País e fazem-se ainda estudos citológicos.
…. Além destes estudos e serviços, o Jardim Botânico de Coimbra presta colaboração, sempre que solicitada, a outras lnstituições. Universitárias ou não, como por exemplo à Medica Legal (fito-envenenamentos), Hospitais, Escolas Secundárias e Primárias. Museus e lnstituições de Arqueologia, Proteção da Natureza, apoio e auxílio a programas de investigação de laboratórios de produtos farmacêuticos nacionais e estrangeiros, e a programas de investigação a nível mundial.
Paiva, J.A.R. Jardins Botânicos. Sua origem e importância. In: Munda, n.º 2 novembro de 1981, pg.35 a 43.
Primeira de duas entradas, sobre um texto subscrito por um dos Professores que marcaram a da minha vida e de quem me orgulho de ter sido aluno: Jorge Paiva.
Existentes desde a antiguidade, só nos tempos modernos os Jardins Botânicos adquirem real interesse e inegável importância em vários domínios.
… Lugar edénico e pulmão da cidade, o Jardim Botânico de Coimbra é mais solicitado, mais apreciado e mais conhecido no estrangeiro do que no nosso país e até na própria cidade do Mondego.
… O primeiro Jardim Botânico parece ter sido o de M. Sylvaticus em Salerno, no século XIV, tendo-lhe seguido o Jardim Botânico e Médico de Veneza (1333). Os Jardins Botânicos modernos originaram-se dos jardins particulares dos «herbalistas».
…. Inicialmente os Jardins Botânicos foram criados com o intuito de apoiar a Medicina.
…. O Instituto Botânico da Universidade de Coimbra tem a sua origem em 1772 no gabinete de História Natural, criado pelos Estatutos Pombalinos da Universidade de Coimbra, os quais estabeleceram também um Jardim Botânico, anexo à Universidade.
O primeiro plano para o Jardim Botânico de Coimbra que se conhece data de 1731, foi traçado por Jacob de Castro Sarmento, baseado no Chelsea Physic Garden de Londres e por ele oferecido ao então reitor reformador da Universidade de Coimbra.
Depois do Reitor (Francisco de Lemos) ter escolhido o local para o Jardim (parte da Quinta do Colégio de S. Bento), em 1772, o Marquês de Pombal enviou a Coimbra, em 1773 o engenheiro e tenente-coronel William Elsden, para que, conjuntamente com os Professores de História Natural Domingos Vandelli e Dalla-Bella e o Reitor, traçarem o plano do Jardim.
Aqueles Professores italianos e William Elsden não seguiram o projeto do Dr. Jacob Sarmento por o considerarem muito modesto. O plano que delinearam era de tal modo grandioso e dispendioso que foi completamente rejeitado pelo Marquês (5 de outubro de 1773).
… Os trabalhos começaram então segundo planos mais modestos, tendo o Marquês enviado a Coimbra (1774) o jardineiro Julio Mattiazi, do Real Jardim da Ajuda, responsável pela cultura das plantas enviadas. por via marítima, da Ajuda para Coimbra. acompanhadas pelo que seria o primeiro jardineiro do Jardim Botânico do Coimbra, João Rodrigues Vilar.
A parte botânica do Jardim foi primeiramente orientada por Domingos Vandelli, a que se seguiu, a partir de 1791, Félix de Avelar Brotero, o qual passou a lecionar a cadeira de Botânica e Agricultura, que, nessa data, foi separada da restante História Natural (Mineralogia e Zoologia).
Domingos Vandelli. magem acedida em: https://www.bing.com/images/search?form=IARRTH&q=domenico+vandelli&first=1
Felix de Avelar Brotero Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero#/media/Ficheiro:F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero01.jpg
A primeira parte do Jardim que se constituiu é a que ainda hoje é conhecida por «Quadrado Grande».
Quadrado Grande do Jardim com fontenário ao centro. Op. cit., pg. 38
Os trabalhos do Jardim prosseguiram através dos séculos XIX e XX.
Jardim Botânico, em 1877. Col. RA
Apresentando o traçado atual apenas muito recentemente, com as remodelações efetuadas pela Comissão Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra, sob a orientação do então Diretor do Jardim Prof. Dr. Abílio Fernandes.
Paiva, J.A.R. Jardins Botânicos. Sua origem e importância. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2 novembro de 1981, pg.35 a 43.
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