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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 30.03.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 3

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Illustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 148

Nunca foi narrada por escrito, que eu saiba, a verdadeira história da Rosa, mais da sua tragédia; o os leitores desta «Illustração» vêm a ser os primeiros, segundo creio, que possam medir-lhe cabalmente o pitoresco.

Há dez ou onze anos estudavam em Coimbra Afonso Lopes Vieira e D. Thomaz de Noronha, um curioso topo de estudante à antiga, boémio, desfrutador, estoira-vergas, gozando em gourmet as aventuras e os grandes lances dramáticos.

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Op. cit., p. 148, pormenor 1

 Lopes Vieira, prestigioso entre as mulheres pelos seus versos e pelo estranho do seu tipo de loiro sonhador, era um pouco talvez por snobismo - porque toda a tricana é snob - um pouco, sem dúvida, por sentimento, amado e perseguido pela Rosa Espanhola, cachopa célebre, que por seu turno punha a cabeça á roda a muitos bacharelandos do tempo, desprovidos, por seu mal, do buço fino e da bagagem literária daquele outro.

As coisas seguiam os seus tramites e encaminhavam-se, provavelmente, para o desfecho habitual de incidentes tais, quando feriu lume o génio teatral de D. Thomaz.

 

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Op. cit., p. 148, pormenor 2

 Um poeta, uma tricana airosa, uma paixão - que três incomparáveis elementos para o preparo duma destas cenas de melodrama, que dão brado e deixam um autor para sempre em paz com a sua consciência !...

Isto foi pensado de noite. Na manhã seguinte, D. Thomaz faltou ás aulas, chamou a tricana à fala, e com o ar compungido e austero de quem vai dizer solenes coisas, deu parte à triste do uma grande calamidade: Lopes Vieira, prometido em casamento a uma duquesa de Lisboa, não podia de modo algum baixar os olhos até ao tugúrio humildo da mal-aventurada; mas, enternecido pela pureza dos sentimentos que animavam Rosa (e dos quais Afonso - insinuava D. Thomaz - não andaria longe, porventura) pedia-lhe resignação, convidando-a a acolher-se, ao menos temporariamente, ao severo claustro dum convento bracarense, que nomeava.

A Rosa Espanhola, quando tal ouviu, dizem que pôs a mão na anca, arrebitou o nariz, e perguntou a D. Thomaz se estava doido, ou se julgava que ela fosse parva. Porém o mistificador acudiu com cópia de argumentos, aventou a possibilidade de vir tudo a acabar em bem, volvidos meses, discorreu sobre os regalos e confortos da vida monástica, acenou com o engodo de uma abundante mesada, para as doçarias o licores: e com tais artes se houve, em suma, que a pobre moça, bastante lida em Camilo, foi atentando na proposta, no começo com desprazer, depois condescendente, e por fim com o alvoroço de uma noviça que houvesse sido catequisada, não pelo malicioso D. Thomaz, mas pelo mais virtuoso e inspirado de todos os padres da Igreja.

 

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Op. cit., p. 148, pormenor 3

 A   notícia da próxima profissão da Rosa estalou em Coimbra como um petardo. Lopes Vieira, ficou, no primeiro instante, fulminado; e mais ainda quando se empalharam pela cidade as quadras vesgas assinadas pela nova e rude Soror Mariana, mas entregues na tipografia por D. Thomaz, clandestinamente, em original escrito por seu punho...

Nada mais cómico, por esses dias, que ver a Rosa Espanhola, a Rosa das fogueiras e das ceias, atravessar desalentadamente as ruas do Coimbra, pendida a fronte, o rosto macerado, com a mala arranjada em casa para a partida - fazendo às companheiras e ao mundo pecaminoso os seus derradeiros adeuses. Alguns estudantes encontravam-na, exclamavam espantados:

- Ó Rosa, pois tu vais enterrar-te num convento?!

A Rosa logo, com um fulgor momentâneo no olhar:

- Que importa? Ao menos fico na legenda!

E este na legenda cheirava a D. Thomaz, que tresandava...

Breve lhes conto o remate da história. Não é banal: a Rosa Espanhola, cansada em curto espaço da monotonia da cela, rasgou o hábito, disse adeus á madre superiora, e reapareceu em Coimbra ao tempo em que D. Thomaz obtinha ao fim o seu solicitado emprego público.

Em virtude do que, o interessante funcionário resolveu levá-la consigo para a Índia, onde a esta hora, provavelmente, a ama entre palmares... 

Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

 

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por Rodrigues Costa às 11:03

Quarta-feira, 29.03.23

Conversa Aberta: Terras do aro de Coimbra

É já depois de amanhã, 6.ª feira que a partir das 18h00, decorrerá mais uma Conversa Aberta que conforme o habitual terá lugar na Sala D. João III do Arquivo da Universidade de Coimbra (por baixo e nas traseiras da Biblioteca Geral), com entrada pela Rua de S. Pedro.

A entrada é livre e após a apresentação do tema segue-se o debate, no qual todos poderão colocar as suas questões e pedir esclarecimentos.

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Desta vez o tema a ser tratado será As Terras do Aro de Coimbra nos documentos e objetos do Arquivo Histórico Municipal de Coimbra

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A palestrante. Dr.ª Paula França é a responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, profundamente conhecedora do mesmo e sempre pronta a ajudar aquele que ali fazem as suas investigações.

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Aliás o Arquivo Histórico Municipal de Coimbra merece uma visita. Quanto mais não seja, pelas pequenas exposições, periodicamente renovadas, que ali são apresentadas.

Participe no debate e ajude por favor na divulgação do evento.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 11:15

Terça-feira, 28.03.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 2

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llustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 147

 A tricana de Coimbra é uma desterrada dos ócios aristocráticos de salão para a subalternidade vexatória e injusta da vida plebeia. Em cada qual somos forçados a ver uma princesa encantada por artifícios de fada má e constrangida a correr a sua sina enquanto um conde não vem de terras longes pronunciar a palavra misteriosa que lhe quebre o encantamento…

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Op. cit., p. 147, pormenor 1

 E não é rara, em verdade, a aparição desse conde na pessoa de um bacharel enamorado que as arranca das penas e trabalhos do ferro de engomar para o tranquilo remanso da sua casa de lavoura na província, onde elas ao depois vêm a tornar-se senhoras, e gordas.

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Op. cit., p. 147, pormenor 2

 Filha, quase sempre, de estudante e engomadeira, descendente, muitas vezes, das mais nobres casas deste reino - algumas delas sendo mesmo conhecidas e tratadas, com geral consenso, pelos seus apelidos fidalgos - a tricana tem mui pouco do povo em que arbitrariamente se encontra classificada, e herdou da degenerescência das classes altas, além da agudeza do espirito, a mórbida palidez das carnes, certa perversão das tendências e desejos, o apetite dos prazeres pouco banais, o romanticismo postiço das paixões e a queda para os ócios deleitosos, que afinam a sensualidade e dão ensejo às aladas fugas da fantasia... Tudo isto, sem fazer da tricana, positivamente, o que se chama uma boa dona de casa, a torna apta, por excelência, para o desempenho da sua missão social, que é a de tornar ligeira o alegre, quão possível, a preparação científica de quase toda a mocidade portuguesa.

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Op. cit., p. 147, pormenor 3

 Esta austeridade aristocrática a todo o instante se comprova, mesmo nos costumes instintivos da tricana.

Quem não sabe dos chás galantes da Assunçãozinha dos bandós, célebre pelo seu pálido perfil de santa bizantina, e só rival na graça, ao tempo, da flexuosa Isabel - a tricana que eu conheci antes de todas em Coimbra, e com quem joguei idiotamente a bisca nos meus primeiros dias de caloiro?...

A Assunção reunia então em sua casa tudo o que a Academia contava de melhor, nas letras, na boémia e na estirpe. Certamente, era indispensável que os convivas - o D. Thomaz de Noronha, hoje na Índia, o poeta Lopes Vieira, o estúrdio Pad-Zé, agora transmutado em   dr. Alberto Costa, Emérico d'Alpoim, D. Sebastião da Grama e outros mais - tivessem o cuidado de levar no bolso, para o festim, uma garrafa de Madeira, um pacote de chá e alguns bolos. Tornava-se mesmo necessário que um deles se prestasse a acender o fogareiro, pôr a água ao lume e agitar o abano, até que se aprontasse a infusão; mas, feito isto, a Assunção dos bandós presidia á festa com a gentileza o «donaire» que uma grande dama não excede, no «five o-clock»  mais distinto o precioso…

 

Imagem 2, pormenor 4.jpgOp. cit., p. 147, pormenor 4

 Esta parte anedótica da vida coimbrã afigura-se-me extremamente curiosa, e sobretudo muito elucidativa no que respeita á psicologia desse estranho entesinho que é a tricana, vivendo na sombra da Universidade, em êxtase, como a sonhadora do Zola no sopé da Catedral, ou amando o estudante com o amor meio carnal e meio místico, que a beata oferece aos santos o aos padres. Que pode haver mais interessante, sob este aspeto, do que a lenda da Rosa Espanhola, que por amor se foi a um convento, o que há poucos anos chamou lágrimas aos olhos de todas as donzelas da província, com a patética elegia, cantada em verso coxo, dos seus amores inditosos?

 Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5. Primeiro semestre. 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

 

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por Rodrigues Costa às 21:06

Quinta-feira, 23.03.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 1

Começamos hoje a divulgar um artigo publicado em 1906, na Illustração Portugueza, onde o autor traça um retrato amargo das tricanas de Coimbra, quiçá excessivo, mas representativo da época em que foi escrito. Como se verá, na última entrada vislumbra-se no texto a face negra desse retrato.

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Illustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 146, pormenor

E considero-o excessivo e a apontar para uma face negra, porque, do que conheço sobre o assunto e face ao que com ele estive relacionado, a tricana de Coimbra não passava só pelo retratado, mas existiam outras realidades, bem diferentes das descritas.

Como acentuou Nelson Correia Borges, o que caracterizava a tricana era a forma de trajar: «O cachené emoldura-lhe o penteado feito com desvelo e o rosto, que avulta entre duas alentadas argolas.

Cinge-lhe o busto o aristocrático chambre das avós, tufado nas mangas de bofe.

O aventalinho, com aplicação arrendada, é traço quase exclusivo da mulher de Coimbra. Por sobre tudo traça o xaile naquele jeito como só ela sabe e ninguém consegue copiar. A paisagem urbana situa-a. É a tricana. É Coimbra.

Decorre de aí concluirmos que o artigo peca por generalizar o que não é generalizável. Poderá descrever, parcialmente, a realidade da época, mas é injusto e desajustado no que respeita à maioria das mulheres de Coimbra, dado que elas pisavam outros caminhos.

O artigo, profusamente ilustrado, do qual só reproduzimos parte é o seguinte.

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Op. cit., p. 146

 

«Ninguém como ella traja

A gosto do namorado:

Lenço de pontas atraz,

Chalinho de sobraçado,

Chinella curta, a fugir,

Embora o pé seja leve

E pequenino de ver

Na meia branca de neve;

Corpete todo a estalar,

Saia subida e ligeira,

Aventalinho tamanho

Como folha de figueira.»

 

Manuel da Silva Gaio.

 

O que maiormente enleva e surpreende, a quem aborda pela vez primeira a terra sagrada pelos amores de Inês, não é tanto a pompa dos seus lentes, o sabor das suas arrufadas ou a hirta majestade dos oito séculos de monarquia enfileirados na Sala dos Capelos, mas a subtil harmonia, a maravilhosa proporção e congruência que a Natureza estabeleceu ali, em tudo o que é criado.

Num clima benfazejo e quase sempre igual, nada de grandes traços, de fortes vegetações, ou dos coloridos berrantes na paisagem. Esta é alguma coisa como um quadro do japonês, místico sacerdote da arte, comprazendo-se em tirar os seus efeitos sempre de linhas breves, ondulantes, fugidias, de levezas de cor, de atitudes martirizadas nos caules finos e dolentes do arvoredo.

A cada passo uma colina, um montículo, um outeiro; mas até quando os horizontes se alargam, a planície a perder de vista não ganha nunca a bruteza da charneca, ou sequer a uniformidade fatigante do pastio da campina estremenha — antes fica toda feita em detalhes, e tão terna nas suas meias-tintas, que jamais a fitou um olhar nostálgico, sem pressentir nessas jardas de terreno como que a expressão dum instante de tristeza — que deveria ser branda e suavíssima — do Criador dos mundos...

O artista, por seu turno, possuído do espírito regional, buscou talhar na pedra afeiçoável das velhas construções do burgo, coisas ingénuas e sinceras, que não pudessem ofender a carinhosa melancolia das terras: e, havendo-o conseguido, só faltara que a mulher, fecho e síntese de toda a obra de beleza, não destoasse dos elementos do quadro, antes viesse traduzir, em quintessência, a alma de quanto a rodeava.

 

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Op. cit., pg. 146, pormenor

 Ponham no campo coimbrão uma alentejana bem fornida, ou a beiroa máscula e alvar, e aí teremos anulada toda a obra, como se, numa tela delicada de Ho-Ko-Sai, alguém fosse pintar em suplemento uma «touriste» alemã, pesada, inestética, de «canotier» e mala de viagem.

Por felicidade, ainda neste ponto foi coerente e sábia a Natureza.

 

Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5. Primeiro semestre. 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

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por Rodrigues Costa às 20:22

Sexta-feira, 17.03.23

Conversa Aberta: Terras do aro de Coimbra

De hoje a 15 dias vai realizar-se mais uma Conversa Aberta que conforme, o habitual, decorrerá na Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra (junto ao Instituto Justiça e Paz, antigo CADC), na última sexta-feira de cada mês, a partir das 18h00, com entrada livre.

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Desta vez o tema a ser tratado será As Terras do Aro de Coimbra nos documentos e objetos do Arquivo Histórico Municipal de Coimbra.

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A palestrante, Dr.ª Paula França que é a responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, profundamente conhecedora do mesmo e sempre pronta a ajudar aquele que ali fazem as suas investigações.

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Aliás, o Arquivo merece uma visita. Quanto mais não seja, pelas pequenas exposições, periodicamente renovadas, que ali estão patentes.

Participe no debate e ajude por favor na divulgação do evento.

Rodrigues Costa

 

 

 

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por Rodrigues Costa às 21:17

Quarta-feira, 22.02.23

Conversas Abertas: A importância da pesquisa e da recolha direta no trabalho de um grupo de folclore 

É já depois de amanhã, 6.ª feira, dia 24 de fevereiro, pelas 18:00 que irá decorrer na Sala D. João III, no Arquivo da Universidade de Coimbra, a segunda sessão de 2023 do ciclo Conversas Abertas.

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O tema da palestra, tantas vezes e infelizmente menosprezado pela intelectualidade, aborda a importância da cultura popular, raiz da nossa identidade, e tem por título, A importância da pesquisa e da recolha direta no trabalho de um grupo de folclore.

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O palestrante será o Professor Doutor António José dos Santos Gabriel que para além da sua carreira universitária, tem uma assumida paixão pela cultura popular, sendo hoje uma figura de referência no meio folclórico.

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A entrada, como sempre, é livre e após a apresentação do tema segue-se um tempo de debate.

Agradecemos a sua participação e a ajuda na divulgação do evento.

 

PRÓXIMAS SESSÕES DAS CONVERSAS ABERTAS

  • 31 MAR

Tema: As terras do aro de Coimbra e o seu relacionamento com o município coimbrão.

PALESTRANTE: Dr.ª PAULA FRANÇA, Arquivo Histórico Municipal de Coimbra

  • 28 ABR

Tema: Igreja de Santo António dos Olivais: de ermitério à realidade atual.

PALESTRANTE: Doutora REGINA ANACLETO, Prof.ª Jubilada da FLUC

  • 26 MAI

Tema: O Castelo de Coimbra

PALESTRANTE: Arq.ª ISABEL ANJINHO

  • 30 JUN

Tema: A Escola Tipográfica da Imprensa da Universidade de Coimbra.

PALESTRANTE: Dr.s ANA MARIA BANDEIRA e ILÍDIO BARBOSA PEREIRA, Arquivo da Universidade de Coimbra

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por Rodrigues Costa às 11:07

Quinta-feira, 16.02.23

Coimbra: Faculdade de Letras, Ícone do Poder 5

Quadros de Pedra

A Leitura e A Escrita. A inspiração e a Criação: relevos da entrada principal e da entrada da biblioteca pela mão de Numídico Bessone.

 Observemos, pois, os quadros esculpidos na técnica do baixo-relevo: dois na entrada principal e outros tantos na entrada secundária, no vestíbulo mais inferior.

…. Para a entrada menor da faculdade de Letras … figuram-se duas das atividades mais caras a uma Faculdade de Letras; atividades essas cuja evocação junto à biblioteca seria, obviamente, de grande pertinência. Trata-se da representação da «Leitura» e da «Escrita».

A Leitura é um ato abstrato; a sua concretização é a própria ação de a efetuar, o próprio ato de ler.

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A Leitura. Op. cit., pg. 164

 Uma figura masculina, vigorosa nos seus músculos, segura um rolo de papel para onde olha: está a ler – é a imagem da leitura.

A outra, que lhe está em paralelo, é-lhe semelhante; difere apenas por na mão direita segurar um material escrevente – é a alegoria da «escrita».

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A Escrita. Op. cit., pg. 165

As figuras cinzeladas sobre o granito, mais do que gémeas, parecem ser a mesma. diz que estes homens são “figuração invertida um do outro”.

…. As esculturas da entrada principal, do mesmo autor, embora também vigorosas, são menos rudes que as da portaria da subcave. Talvez para este facto tenha contribuído o próprio tipo de pedra em que foram fabricadas: vidraço banana, pedra calcária, que é por natureza (inclusivamente pela valoração da sua coloração mais alva) mais delicada que o duro e áspero granito das esculturas do piso inferior. Todavia não é apenas este o motivo para a sensação de maior leveza, pois a própria forma de representar, nos quadros escultóricos do piso nobre, se aligeirou.

…. Parece tratar-se também, do mesmo indivíduo operando ações diversas, mas, como as do piso da cave, ações plenamente complementares. Assim, representam, em nosso entender, a «inspiração» (a ação inventiva) de um lado

Op. cit., pg. 167.jpg

A inspiração. Op cit., pg. 167

E, do outro a ação criadora, a «inspiração» ou a «criação»

op. cit., pg. 168.jpg

A criação. Op. cit., pg. 168

 …. No primeiro painel relevado, a imagem masculina coloca o dedo indicador direito em paralelo à testa e, da sua mão esquerda, acende-se-lhe uma chama. A alegoria da força da criação faz-se representar com um material riscador (ou uma caneta ou um cinzel) sobre o suporte que a pulcra personagem segura com a mão esquerda. A mão direita levanta-se vigorosamente para sustentar o buril que, junto à cabeça do criador, faz brotar, de forma viril, dois poderosos, imagens do génio criador.

 Duarte, M.D. 2003. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Ícone do Poder. Ensaio iconológico da imagética do Estado Novo. Prefácio de Regina Anacleto. Coimbra, Câmara Municipal.

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por Rodrigues Costa às 10:38

Terça-feira, 14.02.23

Coimbra: Faculdade de Letras, Ícone do Poder 4

Lição tecida com Imagens de Linha (Tapeçaria da Sala do Conselho da autoria de Guilherme Camarinha).

Esta é uma espécie de joia que se expõe na parede da Sala do Conselho, sala, íntima e nobre, das deliberações dos corpos dirigentes da Faculdade de Letras.

Sala do Conselho. Op. cit., 129.jpg

Sala do Conselho da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Op. cit., pg. 129

 A técnica que ali se quis utilizar não foi a pintura, mas a tapeçaria … De entre os vários artistas que, nos meados da centúria de Novecentos fizeram cartões para tapeçaria, aparece o que mais trabalhou esta técnica, autor escolhido para progenitor da tapeçaria das Letras: Guilherme Duarte Camarinha.

…. É a representação simbólica que a tapeçaria de Camarinha encerra que mais nos interessa, não obstante o traçado do autor ser manifestamente feliz.

Op. cit., pg. 137.jpg

Campo pictórico central da tapeçaria. Op. cit., pg. 137

“Onde o Espírito sopra, acende-se a palavra”, diz a filactéria que preside ao tecido … A chama incendiou todo o painel. O fogo propaga-se em todo o quadro quer de um lado, quer do outro, mas o cromatismo que o autor utilizou confere-lhe bem duas ideias distintas; mais ainda, contraditórias – quer nas cores do «bem» quer nas cores do «mal» – são chamas, fogo vivo que avança e recua para mostrar as cenas representadas; contudo chamas, com formas de arestas vivas, línguas de fogo, imagens do «espírito» que move, «acende» a «palavra».

… A «tela» não termina na representação destes mundos que ladeiam a vista central. Em ambas as extremidades da tapeçaria que, no espaço da Sala do Concelho, ocupam já as paredes laterais, representam-se duas alegorias relacionadas com o espaço do mundo apresentado no lado em que se encontra.

Do lado esquerdo de quem se vira para a tapeçaria, aparecem as figuras identificadas da «Ciência» e da «Arte».

Op. cit., pg. 157 1.jpg

Figuras que ocupam a parede lateral: Ciência e Arte. Op. cit., pg.15.

Do posto em frente, permanecem a «Religião» e a «Filosofia».

Op. cit., pg. 157 2.jpg

 Op. cit., pg. 157 

Em redor de cada um destes conjuntos de duas figuras, desenha-se uma silhueta, não muito marcada, mas visível, mais uma vez do “infinito” ( ), entrelaçando-se as alegorias como que significando a sua interconexão.

 Duarte, M.D. 2003. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Ícone do Poder. Ensaio iconológico da imagética do Estado Novo. Prefácio de Regina Anacleto. Coimbra, Câmara Municipal.

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por Rodrigues Costa às 10:36

Sábado, 11.02.23

Conversas Abertas: A importância da pesquisa e da recolha direta no trabalho de um grupo de folclore 

É já no dia 24 de fevereiro, pelas 18:00 que irá decorrer na Sala D. João III, no Arquivo da Universidade de Coimbra, a segunda sessão de 2023 do ciclo Conversas Abertas.

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O tema da palestra, tantas vezes e infelizmente menosprezado pela intelectualidade, aborda a importância da cultura popular, raiz da nossa identidade, e tem por título, A importância da pesquisa e da recolha direta no trabalho de um grupo de folclore.

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O palestrante será o Professor Doutor António José dos Santos Gabriel que para além da sua carreira universitária, tem uma assumida paixão pela cultura popular, sendo hoje uma figura de referência no meio folclórico.

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A entrada, como sempre, é livre e após a apresentação do tema segue-se um tempo de debate.

Agradecemos a sua participação e divulgação.

 

PRÓXIMAS SESSÕES DAS CONVERSAS ABERTAS

  • 31 MAR

Tema: As terras do aro de Coimbra e o seu relacionamento com o município coimbrão.

PALESTRANTE: Dr.ª PAULA FRANÇA, Arquivo Histórico Municipal de Coimbra

  • 28 ABR

Tema: Igreja de Santo António dos Olivais: de ermitério à realidade atual.

PALESTRANTE: Doutora REGINA ANACLETO, Prof.ª Jubilada da FLUC

  • 26 MAI

Tema: O Castelo de Coimbra

PALESTRANTE: Arq.ª ISABEL ANJINHO

  • 30 JUN

Tema: A Escola Tipográfica da Imprensa da Universidade de Coimbra.

PALESTRANTE: Dr.s ANA MARIA BANDEIRA e ILÍDIO BARBOSA PEREIRA, Arquivo da Universidade de Coimbra

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por Rodrigues Costa às 12:12

Quinta-feira, 09.02.23

Coimbra: Faculdade de Letras, Ícone do Poder 3

O Átrio Professor (Frescos do vestíbulo principal).

As duas alegorias que aqui habitam, todavia, resultando de painéis diferentes, unem-se bem através de um traço que, em linha gerais, as aparenta, dando ao local grande homogeneidade pictórica. Na verdade, as obras são de autores diferentes, mas suas cores e até a maneira de distribuir as manchas pintadas, tanto num como noutro painel, se podem fazer equivaler.

… Tomando como guia o deus Cronos (a cronologia), o tema central do painel da parede esquerda (para quem atravessa as portas de fora para dentro) aparece primeiramente exposto na lição. Com efeito, a aula que toma lugar no átrio da Faculdade de Letras desenrola-se em dois tempos, segundo o próprio título dos panéis, a «Alegoria da Antiguidade Clássica» e, depois, do lado direito, a «Alegoria do Génio Português». A autoria artística do primeiro fresco é de Joaquim Rebocho e o autor do segundo painel é Severo Portela Júnior.

Alegoria da Antiguidade Clássica

Op. cit., pg. 63.jpg

“Alegoria da Antiguidade Clássica” de Joaquim Rebocho, pintura a fresco de 1951. Op. cit., pg. 63

 O exame iconográfico do fresco torna-se muito complexo pela multidão de personagens e de sítios e monumentos desenhados, melhor dito, monumentos citados, que ali, em conjunto, fazem a alegoria à Antiguidade Clássica. Elas são aproximadamente vinte e quatro figuras humanas e estas juntam-se a outras figurações que apontando para variadas situações (cenários, paisagens, lendas, mistérios: enfim, figuração do que é Clássico).

… Porém, a lição que se expõe nas imagens pintadas não é uma mera apresentação de figuras do antigamente. As figuras são ali lisonjeadas, por fazerem parte de uma memória coletiva que é comum, não só à cultura portuguesa, como a toda a cultural ocidental. A lição tem um objetivo claro que terá se ser por nós perscrutado, tendo, por isso, de se olhar o painel de Rebocho por zonas grupais. Assim, surgem logo destacados dois grandes mundos: na metade inferior do campo pictórico, o mundo grego, que na ilharga do lado mais interior da faculdade se prolonga até à zona cimeira, onde o autor «arquitetou» os edifícios da acrópole;

 

Op. cit., pg. 74.jpg

A acrópole ateniense merece uma representação muito fiel. Op. cit., pg. 74.

 do lado das portas do edifício, o mundo romano, circunscrito à zona cimeira do fresco.

 

Alegoria da Glorificação do Génio Português (pintada por Portela Júnior)

Op. cit., pg. 86.jpg

Fresco de Severo Portela Júnior, datado de 1951. Op. cit., pg. 86.

O fresco que deste pintor vamos estudar é, na opinião de Jorge Segurado, «um mural de grades dimensões com a figuração dos mais notáveis vultos da cultura portuguesa» e, nas palavras de Fernando Pamplona, «dá-nos uma bela síntese da história da Cultura Portuguesa».

… A tática de representação é semelhante à do outro fresco: recorre-se às figuras mais importantes que evocam os grandes feitos da nação portuguesa. Evocam-se situações que medeiam desde os alvores da nacionalidade, no século XII, até ao século XX. São cerca de oitocentos anos de cronologia através dos acontecimentos que se acharam merecedores de figurarem como ilustrativos de tão alta história. Continuamos, portanto, a projetar o olhar para a História de Portugal.

…. Distinguem-se, à primeira observação, o grupo dos homens ligados à expansão marítima (Infante D. Henrique, João Gonçalves Zarco e Afonsos de Albuquerque).

 

Op. cit., pg. 92.jpg

Os homens escolhidos para figuração das Descobertas. Op. cit., pg. 92

Estamos, agora, em condições de concluir sobre o painel, ou talvez, o retábulo pintado por Severo Portela Júnior… A legenda é mais abrangente; retirada das palavras de Camões, diz «aqueles que por obras valerosas/ se vão da lei da morte libertando». Quem são esses? Todos os que ali estão perpetuados e que, somados, formam a figura da Pátria cujo nome aparece inscrito no fundo do «sacrário» … «São Portugal».

Duarte, M.D. 2003. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: Ícone do Poder. Ensaio iconológico da imagética do Estado Novo. Prefácio de Regina Anacleto. Coimbra, Câmara Municipal.

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por Rodrigues Costa às 21:19


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