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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 29.04.25

Coimbra: Seminário Maior, a sua construção

O Professor Doutor Nelson Correia Borges teve a responsabilidade de redigir o tomo nono, intitulado Do Barroco ao Rococó, que integra o conjunto de 14 volumes da História da Arte em Portugal, editados pelas publicações Alfa, entre 1986 e 1988. Num texto, necessariamente breve, dedicado à história da construção do Seminário Maior de Coimbra, deu a conhecer o nome do religioso capucho Frei João da Soledade, que, de acordo com as Constituições do Cabido da Sé de Coimbra, depositadas no Arquivo da Universidade, foi quem, por ordem do bispo D. Miguel da Anunciação, planeou o edifício, posteriormente intervencionado por outros arquitetos.

Seminário. NCB, entrada.jpg

O Seminário de Coimbra foi ainda planeado e começado a construir em pleno reinado de D. João V, por ordem do bispo D. Miguel da Anunciação. Estão ainda mal conhecidos a obra e o estilo do seu autor, mas a maneira como os elementos arquitetónicos se dispõem ao longo da fachada indica artista de personalidade que bem poderia ter evoluído para o neoclassicismo. Op cit.

Outro arquiteto que marcou ainda o barroco coimbrão foi o religioso capucho Frei João da Soledade, que projetou e dirigiu várias obras no seu Colégio de Santo António da Pedreira.

O bispo D. Miguel da Anunciação mandou delinear a traça do pequeno convento das ursulinas de Pereira, já desaparecido, e do Seminário de Jesus, Maria e José, de Coimbra, com sua igreja e colégio.

Este edifício, embora com alguma utilização de elementos arquitetónicos de tipo simplista, é por si só suficiente para enaltecer o arquiteto que o planeou.

Na fachada norte, a principal, destaca-se um corpo central, correspondente à igreja, e as torres de grandes ventanas de balaústres, erguendo-se um só piso acima da cimalha real. O último andar parece ser um acrescento posterior, talvez dos italianos Tamossi e Azzolini, que mais tarde dirigiam as obras; sem ele o conjunto pareceria mais elegante e menos compacto.

Seminário.pngSeminário de Coimbra, fachada norte. Acervo RA

A fachada do Sul, mais alta devido ao declive do terreno, resulta mais monumental, apesar de mais sóbria.

Semin├írio. Pormenor 04.jpgSeminário de Coimbra, fachada sul. Acervo RA

A igreja é pequena, mas muito elegante e atinge um nível excecional pela sua estrutura arquitetónica e decoração. Segue a planta de outros templos traçados por portugueses: um quadrado com os ângulos cortados, do que resulta um octógono irregular.

O espaço ganha novo alento com a cúpula pintada a fresco.

Fig. 12. Cúpula do Seminário.png

Seminário de Coimbra, cúpula da capela. Acervo RA

A obra de Frei João da Soledade situa-se já nos meados do século.  O seminário foi contratado pelo mestre-de-obras Manuel Rodrigues em 11 de junho de 1748 e terminado em 1765.

BORGES, Nelson Correia, Do Barroco ao Rococó, em História da Arte em Portugal, vol.9, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, p. 27-28.

 

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por Rodrigues Costa às 10:23

Quinta-feira, 24.04.25

Coimbra: Chafariz do Largo da Feira dos Estudantes

Terceira entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.

O Chafariz do Largo da Feira dos Estudantes, culminaria a conduta do aqueduto de São Sebastião … Embora as fontes documentais não permitam conhecer a data precisa para a sua construção julgamos que a mesma tenha sido edificada no seguimento da conclusão do reservatório para a água transportada pelo aqueduto, a qual surge como parte integrante.

Neste terreiro … foi então construído, entre 1570 e 1572, o depósito de água. Este não só veio a permitir o funcionamento do fontanário local – que a história viria a consagrar como Fonte dos Bicos devido aos motivos decorativos em ponta de diamante salientes que ornamentavam a sua frontaria principal –,

Fonte do Largo da Feira.jpgFonte dos Bicos. Acervo RA

como garantiu o abastecimento de outros equipamentos aquíferos, como o Chafariz da Sé,

Fonte da Sé Velha. 1862.jpg

Chafariz da Sé. In: Archivo Pittoresco. 1866.09. Acervo RA

onde existia um segundo reservatório para levar água até ao fontanário localizado na Praça de São Bartolomeu.

Fonte da Praça Velha 02.jpg

Chafariz de S. Bartolomeu. Última remodelação, hoje instalada à entrada do Museu dos Transportes Urbanos

Alguns anos mais tarde, este mesmo reservatório acabaria por ser dotado com os encanamentos destinados a abastecer o vizinho Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra e outros institutos religiosos existentes na Alta citadina, como os colégios de Jesus, o da Sapiência e o da Estrela. De acordo com as informações recolhidas, nos anos de 1715-1858, julgamos que o depósito do fontanário do paço episcopal, e, provavelmente o da catedral, a Sé Velha, eram abastecidos durante o dia, sendo os depósitos dos colégios dos Jesuítas e dos Agostinhos durante o período noturno.

…. Terá sido construído no seguimento da carta régia outorgada por D. Sebastião em 7 de maio de 1573, no qual ordenava a construção do chafariz da Feira.

Largo da Feira.jpg

Fonte dos Bicos. Acervo RA

Tratar-se-ia, muito provavelmente, de uma ampliação ou reedificação material, pois, quer esta bica de água, quer a localizada junto da catedral de Santa Maria de Coimbra, já são mencionadas em datas anteriores.

No que diz respeito à composição arquitetónica do primitivo fontanário da Praça da Feira pouco ou nada sabemos. Teria, ao que parece, três bicas para o fornecimento de água, número que manteria ao longo da sua existência, mesmo após as obras de beneficiação de que foi alvo, em 1747 ou em 1864, a primeira para renovação do frontispício e a segunda para a colocação das armas da cidade.

Até à destruição do Fontanário dos Bicos, ocorrida durante a construção da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e do Instituto de Medicina Legal, nos finais da década de 1940, a água ainda era utilizada para regas e limpezas locais.

Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:

https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_%C3%81GUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS

 

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por Rodrigues Costa às 18:49

Sexta-feira, 18.04.25

Conversas Abertas: Assistência Social às Crianças e Adultos Pobres em Coimbra

É já na próxima 6.ª feira, pelas 18h00 que voltam a acontecer as Conversas Abertas.

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Desta vez o tema é: Assistência Social às Crianças e Adultos Pobres em Coimbra, dos séculos XVIII e XIX.

A palestrante é a Doutora Maria Antónia Lopes que tem como primeiras áreas de interesse e investigação, a História da Pobreza e políticas sociais e a História das Misericórdias.

Como é habitual as Conversas Abertas decorrem na Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra.

AUC. Fachada 2.png

AUC. Sala D. João III.jpg

A entrada é livre e após a apresentação do tema segue-se um período destinado às intervenções de quem participa.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 19:46

Quinta-feira, 03.04.25

Coimbra: Manuscritos jesuíticos escondidos na Sé Nova 2

Segunda e última entrada extraída da obra das Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, intitulada Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra.

Sé Nova. Retábulo da vida da virgem.JPGSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA

Sé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor daSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem, pormenor. Acervo RA

Sé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor daSé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor da predela. Acervo RA

 A origem do tesouro.

O tesouro deixado por António de Vasconcelos inclui as suas memórias pessoais e as memórias da Companhia, ameaçada de extinção. Para o salvar, o jesuíta teria subido ao altar da Coroação e Assunção da Virgem e ali depositado o conjunto, certamente na esperança de um dia regressar e poder reaver aquilo que era por todos os meios impedido de levar consigo.

…. as cartas reunidas no macete eram mais do que um objeto de devoção pessoal. Eram cartas com mais de duzentos anos, escritas por Santo Inácio, S. Francisco Xavier, e João de Polanco.

Além das cartas, o jesuíta conservou dois volumes manuscritos: um de controvérsia filosófica e teológica e outro do Padre António Vieira; e por fim uma bolsa de serapilheira contendo um conjunto de pequenos embrulhos bem fechados, cinco ao todo: um único embrulho de papel identificado com o monograma AV e quatro de pano, identificados com o nome de Ant. de Vasconcelos e com as designações “Apontam, e Nom.”; “Cartas mhs e alh”; “Matrim.”

Sé Nova, frontão.jpgSé Nova, frontão. Acervo RA

 Descrição do corpus

Descrevemos agora de forma sumária o conteúdo das cerca de 1000 páginas que constituem o corpus, agrupando-o em quatro secções distintas:

Documentos fundacionais: o macete de cartas atadas por cordel corresponde a um conjunto de documentos fundacionais de elevado poder simbólico. O interesse do investigador aumenta com a inscrição que se lê na face superior, sob o cordel: “Somente o Superior deve ter estas cartas em Coimbra” (Soli supri/õ[m]nes hae epistolae cohimbricaé). São cartas dos fundadores, na sua maioria enviadas de Roma pelo Governo central, por Santo Inácio de Loyola e por João de Polanco, seu assistente e secretário pessoal, mas também enviadas de Cochim, na índia, por S. Francisco Xavier, ou enviadas de Lisboa para Roma, como alguns textos de Dom João III. O monarca responsável pelo bom acolhimento da Companhia no reino antes mesmo da sua confirmação pela Sé Apostólica, escreve para diferentes destinatários, acerca do P. Luís Gonçalves da Câmara e das obras da Companhia de Jesus que em 1553 ele deveria representar em Roma.

De Santo Inácio conservam-se pelo menos sete cartas diferentes: duas dirigidas a Simão Rodrigues, de 1542 e 1545; a célebre carta sobre a obediência como” virtude mais necessária e mais especial que nenhuma outra na Companhia”, de 1552; e ainda quatro cartas do ano de 1555: uma dirigida ao P. João Nunes Barreto que fora nomeado patriarca da Etiópia; outra a D. João III, sobre assuntos relacionados com Dom Teodósio de Bragança; uma carta a Diogo de Mirão, provincial, sobre as relações entre o Patriarca eleito, o Provincial da índia e o Visitador [da Companhia] e as obrigações de obediência de cada um; e por fim uma carta dirigida ao P. Francisco [Boija?] e aos Provinciais e Reitores dos Colégios da Companhia de Jesus, em Espanha e Portugal.

…. Numa segunda secção, o volume de controvérsia filosófica e religiosa traz consigo o nome de Francisco Soares [Lusitano] e a data de 1652. Corresponde a um conjunto daquilo que se designava Conclusiones mas que também podia designar-se por theses, quaestiones, controuersiae, propositiones, ou no singular, dissertado ou disputado.

…. Como terceira secção temos um manuscrito da Clavis Prophetarum do P. António Vieira, que chegou até nós em excelente estado de conservação. Compõe-se de uma junção de seis cadernos cosidos, num total de 495 páginas de texto, para além de 11 páginas de índice e uma página de título.

…. A quarta e última secção corresponde aos documentos coevos da expulsão, nomeadamente um caderno de matéria hagiográfica e o espólio pessoal de António de Vasconcelos.

Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.

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por Rodrigues Costa às 17:11

Terça-feira, 01.04.25

Coimbra: Manuscritos jesuíticos escondidos na Sé Nova

As Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, investigadoras do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra publicaram um muito interessante trabalho intitulado Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra, sobre o achado de documentos jesuíticos escondidos na Sé Nova.

Desse trabalho destacamos o texto que ora se apresenta.

O Altar da Coroação, um esconderijo com mais de 250 anos.

Sé Nova, altar da Coroação 1.jpgSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA

Já ninguém imaginava que segredo algum pudesse subsistir nos espaços que outrora pertenceram aos religiosos exilados. A Fábrica da Sé Nova também não podia imaginar que a limpeza e restauro da sua talha dourada pudesse revelar bem mais do que o brilho original do ouro; mas ciente do elevado património que tem à sua guarda, o Cónego Sertório Baptista Martins, confiou a missão a uma equipa de profissionais. E eis que o Altar da Coroação e Assunção da Virgem, no transepto do lado do Evangelho (ou seja, à esquerda da Capela Mor), guardava um inesperado tesouro.

… A Técnica de restauro aspirava o interior das quatro colunas quando encontrou um objeto em forma de cunha, colocado no interior de uma das colunas do lado direito do altar.

Sé Nova anjos músicos.jpgSé Nova, colunas. Pormenor. Acervo RA

Na face posterior da coluna encontrava-se uma caixa de madeira, em forma de cunha, que continha um pequeno crucifixo de marfim envolvido em estopa de linho. Nessa mesma coluna (a coluna interior do lado direito do altar) encontrava-se ainda um saco cilíndrico, de pano branco muito escurecido pelo tempo. O seu interior guardava um grosso volume manuscrito e dentro dele um caderno de menor dimensão.

Surpreendida pelo sucedido, a Técnica que procedia à limpeza, a senhora Fernanda Monteiro Vouga, decidiu examinar as restantes colunas dos espaços congéneres da igreja, para se certificar de que nada ficava esquecido. E acabou por encontrar um novo conjunto. Na coluna interior, à esquerda do mesmo altar, encontravam-se mais dois objetos: um códice enrolado em cilindro (de modo a caber no interior da coluna) contendo um macete de cartas atadas por um cordel; e uma bolsa de serapilheira identificada pelo nome António de Vasconcelos, contendo vários embrulhos de pano (de 12-14 cm) cuidadosamente fechados a ponto de costura e identificados por fora; e ainda um último embrulho com o mesmo formato, mas em papel.

…. À medida que procedíamos no inventário, tornava-se cada vez mais clara a origem daquele pequeno tesouro. O recorte temporal dos documentos examinados dava-nos desde logo a sua chave: se os mais antigos remontam ao século XVI (a carta mais antiga é de Santo Inácio, escrita em 18 de Março de 1542), os textos mais recentes têm a data de Setembro de 1759, ou seja, são contemporâneos do decreto de expulsão dos Jesuítas (de 3 de Setembro de 1759) e dos acontecimentos que precederam a partida dos últimos jesuítas de Coimbra, no dia 24 de Outubro daquele ano. Ou seja, pouco antes da partida, um jesuíta teve a coragem de salvar da destruição um conjunto de documentos que considerava preciosos, na expectativa certamente de que um dia eles fossem resgatados por alguém que soubesse apreciá-los mais do que o poder persecutório instituído, ou, quem sabe, na esperança de um dia regressar a casa e de os recuperar.

Sé Nova vista aérea.jpgSé Nova. Fotografia aérea, inícios do século XX. Acervo RA

 A expulsão do Colégio de Coimbra

De acordo com o relato do Padre José Caeiro, o colégio de Coimbra foi cercado por soldados na noite que precedeu o dia 15 de Fevereiro de 1759. Os jesuítas tinham tomado conhecimento da Carta Régia que determinava o cerco, três dias antes. Desde a manhã de 15 de Fevereiro, quando entraram no Colégio as forças militares, até ao dia da partida dos últimos, os jesuítas viveram um rigoroso isolamento do exterior. Nenhuma notícia do que se passava no exterior podia chegar aos jesuítas. Não lhes era permitido receber cartas nem presentes. Quando em Julho foram autorizados a descer à cerca do colégio e demorar-se algum tempo nos quintais, a vigilância foi reforçada, bem como o número de sentinelas.

…. A ofensiva do cerco ia muito além do isolamento. A parte do edifício destinada às aulas foi totalmente ocupada pela infantaria, que nele praticava tudo quanto se faz habitualmente num quartel. Mas nem assim os estudos foram interrompidos.

…. Para reforçar o isolamento dos padres, estes eram cuidadosamente separados dos soldados, a fim de evitar qualquer fuga de informação. Cerraram-se portas com trancas de madeira, com cal e cimento. Uma vigilância especial foi reservada à igreja do Colégio - onde o tesouro seria escondido. Era aí que as entradas eram mais restritas e sumamente vigiadas …No dia 30 de Setembro os jesuítas tomaram conhecimento de que os mais velhos … partiriam nessa mesma noite …  Finalmente, no dia 24 de Outubro de 1759, também eles [os membros da comunidade, mais novos] foram forçados a partir do Colégio.

Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.

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por Rodrigues Costa às 11:50

Terça-feira, 18.03.25

Coimbra: Biblioteca Joanina

O investigador Pedro Miguel Ferrão publicou no Boletim da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, um interessante trabalho intitulado A Casa da Livraria da Universidade de Coimbra ao tempo de D. João V, no qual relembra o caminho que levou à construção da hoje tão conhecida e admirada Biblioteca Joanina.

No séc. XVIII, a biblioteca universitária conimbricense seria transferida para um novo edifício, construído de raiz por iniciativa de D. João V. Vários foram os motivos que contribuíram para a renovação da Casa da Livraria. Desde logo, as obras de remodelação da ala escolar dos Gerais – projetadas nos finais do séc. XVII e concluídas nos começos do século seguinte … os fundos bibliográficos encontravam-se acondicionados numa sala situada no átrio dos Gerais … Ao mexer na antiga construção arquitetónica, afetaram parte da estrutura desta sala, obrigando à transferência em 1705 dos livros para o piso superior, onde se encontrava localizado o cartório. Esta situação tornou-se insustentável, pelo que, em 1716, o novo reitor – D. Nuno da Silva Teles, o segundo deste nome – redige uma carta a D. João V esclarecendo que a Universidade não possuía instalações condignas para albergar os fundos bibliográficos.

…. A resposta do monarca – enviada a 31 de Outubro desse mesmo ano – confirma não só as pretensões do reitor, como autoriza ainda a construção de um edifício próprio no espaço universitário.

…. A escolha recairá numa parcela contígua à Capela de S. Miguel, local onde se encontravam as ruínas do antigo cárcere palatino de finais do séc. XIV, ao tempo de D. João I. Trata-se de um terreno desnivelado que prolongará o anterior terreiro universitário … o arranque da obra acontece … no dia 17 de Julho de 1717, concluída apenas em 1728. Durante os onze anos em que decorrerá este empreendimento, mestres-de-obras, canteiros, entalhadores, pintores, latoeiros, carpinteiros, marceneiros, vidraceiros e outros artífices vão conferindo forma a um projeto que se consubstancia numa das mais sumptuosas e elegantes arquiteturas do período barroco.

….  Um dos enigmas que o edifício encerra reporta-se ao nome do arquiteto que o projetou … É provável que o autor do projeto seja o escultor francês Claude Laprade.

Fachada da Biblioteca Joanina. Op. cit., pg. 64.pnFachada da Biblioteca Joanina. Op. cit., pg. 64

…. Delineada tendo em consideração o desnível do terreno em que se implanta – com o acesso exterior sul a ser efetuado pelas escadas de Minerva, uma obra construída a partir de 1724 por Gaspar Ferreira – a Casa da Livraria projeta um sóbrio e sólido paralelepípedo, dividido em três andares. O primeiro integra as preexistências do séc. XIV com a função de depósito, enquanto o intermédio se destinava a albergar os gabinetes dos docentes, ao mesmo tempo que cumpria a função de suporte do andar nobre. Este abria-se sobre o pátio universitário, projetado para acondicionar o espólio bibliográfico e para a sua consulta pública.

A fachada sul é animada por duas séries de seis janelas pequenas de vão quadrangular, ao nível do piso intermédio e superior, sobrepujadas por igual número de altas janelas com arco de volta perfeita.

São rematadas por saliente cornija misulada e coroadas por pares de urnas ovadas. A face oeste é rasgada por três janelas cegas de vão semicircular, tendo outras mais pequenas e de formato retangular no seu alinhamento vertical. A fachada virada a norte é formada por quatro janelas e mantém-se original.

….  Na fachada principal sobressai o imponente portal traçando um arco de triunfo, apoiado em mísulas terminais bastante decoradas, e ladeado por dupla e grandiosa colunata jónica, sobrepujado pelo volumoso brasão de armas de D. João V.

Interior da Biblioteca Joanina. Op. cit. 65.pngInterior da Biblioteca Joanina. Op. cit. 65

…. O esquema do interior é simples: um comprido retângulo subdividido em três salas retangulares que comunicam entre si através de arcos de volta perfeita, repetindo a composição do portal nobre.

Esta sequência de arcos comunicantes vai traçar uma linha axial que nos conduz até à última sala, dirigida ao retrato de D. João V, pintura atribuída a Domenico Duprá (cerca de 1725).

…. Com efeito, na Casa da Livraria reside, de forma indelével, o espírito da esclarecida ação mecenática de D. João V – consagrado mais tarde na nomenclatura adotada que a passará a designar por Biblioteca Joanina –, lugar privilegiado em que a Arte, Cultura e Ciência se conjugam em perfeita harmonia. Autêntico Palácio do Saber, o seu aparatoso cenário traduz uma certa cosmovisão do Homem e da Cultura Barroca do séc. XVIII.

 Ferrão, P. M. A Casa da Livraria da Universidade de Coimbra ao tempo de D. João V. In: Boletim da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, vol. 46/47 (2015/2016), pg. 63-72. Acedido em https://impactum-journals.uc.pt/bbguc/issue/view/2184-7681_46_47/156

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por Rodrigues Costa às 10:56

Terça-feira, 21.01.25

Coimbra: Colégio dos Jerónimos, construção e transformações

Em 1549, a Ordem de S. Jerónimo adquirira um terreno junto ao castelo de Coimbra e da porta oriental da cidade para aí se construir um colégio universitário. Já desde 1535 que havia a intenção de se construir em Coimbra um colégio daquela ordem.

…. Ergueu-se o colégio sobre as muralhas da cidade, desde a Porta do Castelo, à qual ficou encostada a igreja, e continuou-se o dormitório para norte, em direção ao Colégio das Artes. Ainda hoje se reconhece bem delimitado o edifício com os seus cubelos de reforço da fachada oriental. O claustro é o elemento organizador da planta do colégio, ocupando uma posição central ladeado pela igreja a sul.  O desenho deste espaço é certamente da responsabilidade de Diogo de Castilho.

…. O claustro de S. Jerónimo, começado em 1565, foi o último de uma série que Diogo de Castilho desenhou para vários colégios de Coimbra.

 Col.10.jpg

Claustro de S. Jerónimo. Diogo de Castilho. 1565. Op. cit., pág.60.

…. O claustro não forma propriamente um quadrado. É de dois pisos e tem cerca de catorze metros no sentido norte-sul e doze no sentido este-oeste.

…. As galerias térreas são cobertas por abóbadas de meio-canhão, apoiadas numa mísula contínua e revestidas de caixotões … O segundo piso separa-se do de baixo por uma cimalha …. Observando o claustro anterior de S. Tomás, que ainda se preserva no interior do Palácio da Justiça, pode-se ter ideia do aspeto original do andar superior do claustro de S. Jerónimo …. preserva um ar de recolhimento conventual.

…. A igreja do Colégio ocupava o imponente volume que se ergue no extremo sul do edifício, profundamente alterado em finais do século passado.

Col. 11.jpg

Igreja de S. Jerónimo. Diogo de Castilho. 1565-? Axonometria. Op. cit., pág. 63.

Exteriormente conservam-se da igreja primitiva apenas os quatro cunhais e o cornijamento do alçado sul, alçado lateral da igreja …. À esquerda da antiga fachada resta também o arranque da torre da igreja …. Do espaço interior da igreja sobram apenas duas capelas laterais.

…. Por ocasião das obras de adaptação do Colégio de S. Jerónimo a hospital, o espaço da nave da igreja foi preenchido com dois andares intermédios.

…. A gravura do inglês Vivian, do Séc. XIX, mostra toda a extensão do alçado nascente do Colégio de S. Jerónimo com os cinco cubelos de reforço que ainda se mantêm ….

Col. 12.jpgEstampa … G. Vivian … Da esquerda para a direita, avista-se a Igreja de S. Jerónimo, junto ao Arco do Castelo, a torre que lhe ficava encostada e o grande edifício do Colégio de S. Jerónimo. Op. cit., pág. 64.

No extremo esquerdo da gravura pode-se ver a igreja de S. Jerónimo e a respetiva torre. Pouco acima da parte que resta da torre rasgavam-se as ventanas que deveriam ser uma em cada face.

…. Das estampas referidas pode-se constatar que a planta da igreja de S. Jerónimo é claramente inspirada na anterior igreja da Graça, de Diogo de Castilho, construída entre 1543 e 1555.

…. Sobre a entrada da nave da igreja de S. Jerónimo existia … um coro alto.

…. Do Colégio do Séc. XVI resta ainda praticamente todo o pavimento térreo da ala nascente, sobre a muralha. De sul para norte, a partir da igreja, existe a antiga sacristia ladeada por um pequeno oratório, ambas as salas com ligação ao claustro e com abóbadas revestidas de caixotões, perpendiculares àquele. Segue-se-lhes uma outra divisão, de abóbada longitudinal de sete tramos de quatro caixotões. Terminam esta parte do edifício o antigo refeitório, com teto em estuque pintado, do Séc. XVIII, e a antiga cozinha onde hoje se encontra um pequeno anfiteatro …. Do colégio original é também a sala abobadada … a norte do claustro, no rés-de-chão …. No rés-de-chão ficou um átrio, iluminado do exterior, mantendo-se os quatro grandes arcos e a galeria adjacente coberta por abóbadas de aresta.

…. Atualmente de três andares, a composição setecentista deveria resumir-se aos dois pisos inferiores. A porta de entrada é ladeada por duas colunas-hermes que suportam um frontão ondulado interrompido, em composição própria do reinado de D. João V.  Por cima ficam três portas-sacadas, correspondentes ao espaço de receção do primeiro andar, que ligava a escadaria às salas sobre o claustro e ao corredor central das celas, no lanço nascente. Toda esta zona é também, obviamente, obra do Séc. XVIII.  O átrio de entrada no rés-de-chão comunica diretamente com a escadaria monumental, à esquerda, e com o claustro, do lado oposto.

Col. 13.jpg

Colégio de S. Jerónimo. Escadaria monumental, da primeira metade do século XVIII, e arcaria da mesma época (?). Op. cit. pág., 65

Col. 16.jpg

Costa Simões.1890. Projeto completo para os HUC… Op. cit., pág. 134

…. Com a extinção das ordens religiosas, pelo célebre decreto de 1834, ficou o edifício abandonado, tendo sido entregue à Universidade no ano de 1836. Em 1848 foi destinado para hospital e mais serviço da Faculdade de Medicina.

 Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologias.

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por Rodrigues Costa às 19:54

Quinta-feira, 16.01.25

Coimbra: Colégio das Artes, construção e transformações

O Colégio das Artes … fora criado em 1547 com o objetivo de garantir a preparação para as disciplinas maiores que se lecionavam na Universidade.

…. As aulas começaram em 1548, provisoriamente instaladas nos Colégios de S. Miguel e de Todos-os-Santos, na Rua da Sofia.

…. Entregue à Companhia de Jesus em 1555 foi transferido para a Alta em 1565 de modo a integrar o complexo colegial jesuíta a erguer naquela parte da cidade.

… Menos de dois meses depois de ter sido instalado na Alta, já se lidava em preparativos remotos para a edificação do novo Colégio das Artes, que havia de erguer-se junto ao Colégio de Jesus.

A primeira pedra foi lançada em 1568 … A reconstituição de Francisco Rodrigues é bastante esclarecedora: "A traça do colégio tinha sido anteriormente delineada. Havia de erguer-se perto do Colégio de Jesus naquela mesma elevação. Mas … quando já tinham começado as obras (1569), ainda se lhe introduziram outras alterações”. Dispôs-se de modo que a porta principal abrisse para um terreiro de 302 palmos

…. A construção do Colégio das Artes processava-se de modo efetivo já no ano de 1569 e em 1572 já se ensinava na vasta sala de atos e noutra mais pequena que se acabara. Em 1573, no entanto, cessava a obra do colégio por falta de dinheiro.

…. Só em 1611 se retomaram as obras, com dinheiro do orçamento da Universidade … Em 1616, apesar de ainda não estar completa a obra, foram iniciadas as aulas do novo edifício… O vão media na direção de norte a sul, cerca de quarenta metros, e de leste a oeste quarenta e quatro. Rodeavam-no interiormente nos quatro lados, varandas ou pórticos de colunas de pedra inteiriças, para os quais se iam abrindo por toda volta as aulas … Excediam às demais na vastidão a nobre aula de Teologia, capaz de receber muitos teólogos e doutores para as disputas, e a sala dos atos.

O conjunto de levantamentos efetuados por Elsden em 1772 inclui também uma planta do piso de entrada do Colégio das Artes.

Col. 8.jpgPlanta do piso superior do Colégio das Artes. Reconstituição correspondente à situação da gravura de 1732. Op. cit., pág. 49

Guilherme Elsden, 1772. Planta do piso térreo do Colégio das Artes. Op. cit., pág. 49

Nessa planta podem-se identificar claramente as duas grandes salas às quais se faz referência na descrição anterior, ambas no lanço norte do edifício. Do lado nascente tem-se a grande sala dos atos, com uma tribuna destinada aos lentes encostada à parede lateral. No lado poente existe uma sala identificada. Como capela, que serviria certamente como a aula de Teologia mencionada.

…. Em redor de uma quadra monumental – sem o carater claustral de um mosteiro – dispõem-se quatro lanços com salas de aulas racionalmente concebidas quanto à área, alçados, iluminação e higiene … O primeiro andar era ocupado pelas celas dos noviços.

…. as colunas toscanas que circundavam o pátio do Colégio das Artes suportavam um entablamento reto e não uma arcaria.

Inferiormente, as colunas assentavam em pedestais de cerca de um metro de altura, composição que hoje se mantém. Paradoxalmente, a situação atual apresenta uma arcaria em redor do claustro. Trata-se, contudo, de uma intervenção do início deste século derivada da adaptação do edifício ao Hospital da Universidade.

…. As intervenções apontadas são, no entanto, pouco profundas, reduzindo-se praticamente a dois lanços de escadas novos.

…. Exteriormente …. sobressaíam apenas no tratamento dos alçados, para além das aberturas factuais, os frontões rematados por pináculos que assinalavam os corredores das alas e a entrada principal do colégio no lanço sul. O lanço norte não era coroado por estes frontões dada a sua particularidade na estrutura formal do conjunto. Albergava as duas grandes salas do colégio e o sistema de acessos verticais que interligava os vários pisos: o andar superior das celas, o pavimento do claustro e das aulas e ainda os pisos subterrâneos que ligavam ao colégio de Jesus e às cozinhas e ao refeitório que serviam o complexo edificado da Companhia. No lanço nascente sobressaía na leitura exterior do edifício o corpo de uma capela que existia no piso superior, assente sobre a plataforma que cobria a cisterna do rés-de-chão. Atualmente não é percetível a existência da capela do exterior, uma vez que ficou completamente afogada pela massa edificada resultante das intervenções do princípio deste século. Ficou por isso sem iluminação direta. A sua cobertura erguia-se acima do telhado que corria sobre o lanço nascente, facto que salientava a sua presença na perceção geral do edifício. O plano da capela é retangular, abrindo-se nas paredes quatro janelas, agora sem luz direta. A capela-mor está demarcada por um arco de alvenaria sendo o teto formado por uma abóbada semicircular. Anteriormente à capela, conserva-se o pequeno átrio quadrado, com abóbada de aresta, à direita do qual se encontra a sacristia, situação que não corresponde à original, já que esta inicialmente ocupava o compartimento à esquerda. A porta da capela está datada de 1720.

Col. 9.jpg

Gravura de 1732. Pormenor com o Colégio das Artes, cuja construção foi iniciada em 1568. Op. cit., pág. 51

 

Na gravura de 1732, no entanto, a capela ainda não aparece representada, sendo possível identificar apenas a plataforma que cobre a cisterna. Provavelmente estaria ainda em construção na altura. Tendo em conta a decoração interior com azulejos e talha dourada, trata-se certamente de uma intervenção ainda da primeira metade do Séc. XVIII. O portal da face sul do colégio é também deste século, mais propriamente de 1715. Falta-lhe o remate superior que deveria ter contido o escudo nacional.

…. Em 1759, no reinado de D. José, foi proscrita a Companhia de Jesus e os jesuítas foram expulsos do país…  Em carta régia de 1760, mandava-se separar este edifício do que fora o Colégio da Companhia, o Colégio de Jesus. Ordenava-se obviamente a destruição do passadiço de ligação entre os dois colégios.

Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.

 

Tags: Coimbra sec. XVI, Coimbra séc. XVII, Coimbra séc. XVIII, Colégio das Artes, Colégio de S. Miguel, Colégio de Todos-os-Santos, Companhia de Jesus, Rua da Sofia, Francisco Rodrigues, Guilherme Elsden, D. José,

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:59

Terça-feira, 14.01.25

Coimbra: Colégio de Jesus, construção e transformações 2

A evolução da planta do Colégio de Jesus de Coimbra, desde o plano conhecido até à concretização do edifício segundo um esquema relativamente modificado, comprova a flexibilidade das soluções construídas dos estabelecimentos jesuítas, atendendo a situações concretas de implantação, orientação e disposição funcional.

Col. 4.jpg

Complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra. Anteprojeto, c. de 1568. Planta dos pisos térreos… Op. cit., pág., 18.

Col. 5.jpg

Complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra. Anteprojeto, c. de 1568. Planta dos pisos superiores... Op. cit., pág., 19.

…. Assim, o edifício seria atravessado, de face a face e em ambos os pisos, por longos corredores a eixo das alas, cuja largura era sensivelmente a das celas, e que permitiam uma fácil distribuição e circulação em todo o colégio. Exteriormente a sua localização era facilmente identificada através das janelas de maiores dimensões que os rematavam. No piso superior o pé-direito do corredor aumentava em relação ao do rés-de-chão, com as janelas de topo coroadas por um óculo e por um frontão simples rematados por pináculos.

…. As celas organizavam-se segundo as direções dos corredores e constituíam, elas próprias, o módulo, unidade mínima indivisível geradora de uma malha que estrutura todo o edifício. O módulo podia adaptar-se a várias funções sendo, sempre que necessário, agrupadas duas ou mais celas, para se obterem salas mais amplas.

As salas de maior capacidade que se abriam no colégio eram a das disputas, que se dizia também da matemática, a livraria, a capela e o refeitório. Estas duas últimas salas, formavam um corpo alongado que se estendia. a este do edifício em direção à encosta, no prolongamento da ala central poente-nascente, que ligava às cozinhas e respetivas oficinas, como se pode ver na referida gravura do Séc. XVIII. Paralelamente, mais a sul ao longo da fachada nascente, construiu-se um corpo de passagem que dava acesso do primeiro piso do Colégio de Jesus para o Colégio das Artes.

Col. 6.jpg

Reconstituição do piso superior do Colégio de Jesus de Coimbra.

Col. 8.jpg

Reconstituição do piso térreo do Colégio de Jesus de Coimbra.

…. A capela situava-se no primeiro andar por cima do acesso ao refeitório, que por sua vez, formava uma sala alongada de pé-direito duplo. Seria iluminado por grandes janelas no lado sul segundo a planta que se acrescentou ao material disponível (relativo ao volume principal do colégio) na realização deste trabalho. A sala das disputas e a livraria seriam provavelmente as duas grandes divisões da ala norte-sul por detrás da igreja, como se pode constatar pelas reconstituições e pelos levantamentos pombalinos já referidos. A biblioteca, de maiores dimensões, ficaria no primeiro andar, sendo-lhe inferior a sala das disputas, de metade do tamanho, ao nível do rés-de-chão.

A planta cruciforme do colégio definiu a abertura de três grandes pátios de serviço que desmassificavam a construção e permitiam a iluminação das divisões. Seria natural que fossem quatro, mas a colocação da igreja, desviada para o lado poente, comprometeu a existência de um quarto espaço. Assim, à esquerda da igreja e separada desta por um corredor, encontra-se a sacristia, de pé-direito duplo, abóbada semicircular e com uma janela na parte alta de cada topo. No alinhamento da sacristia existe ainda um pequeno pátio, embora bastante menor em área que os restantes. 

Col. 7.jpg

Claustro do Colégio de Jesus, construído entre 1732 e 1772. Op. cit., pág. 27

Enquanto os dois pátios mais a norte mantiveram o seu caracter, mesmo depois das intervenções pombalinas, o pátio a sul, que ladeava a igreja, terá sofrido alterações importantes ainda durante a primeira fase histórica do edifício. Na gravura já mencionada, pode-se constatar a existência de uma única arcaria, voltada a sul (no lado norte, portanto) na direção da entrada do edifício à qual o pátio estava associado.

…. Não era propriamente um claustro. Tratava-se de um pátio de receção e distribuição do edifício que dava seguimento à portaria e à entrada do colégio, assinalada exteriormente pelo pórtico-telheiro habitual nos colégios jesuítas.

 Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.

 

 

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por Rodrigues Costa às 09:56

Quinta-feira, 09.01.25

Coimbra: Colégio de Jesus, construção e transformações 1

O Doutor Rui Pedro Mexia Lobo que exerce a sua docência no Departamento em Arquitetura da FCTUC viu, o trabalho que hoje abordamos, ser escolhido como o de uma primeira série de publicações de Trabalhos Finais, considerados de excelente qualidade, desenvolvidos por alunos finalistas.

Citação que é, mais do que suficiente, para se aquilatar do interesse do mesmo.

Col. 1.jpg

Perspetiva 2 – 1780. [Visualização dos três Colégios estudados, nos finais do séc. XVIII]. Op. cit., pág. 199

Simão Rodrigues [um] dos fundadores da Companhia [de Jesus] fundava em 1542 o Colégio de Jesus em Coimbra para a preparação dos missionários do oriente.

A construção do Colégio de Jesus de Coimbra, também denominado das Onze Mil Virgens, foi iniciada em 1547 a partir de uma primeira planta desenhada por um arquiteto não identificado do rei D. João III. Esta planta seria modificada em 1560, sob a direção do mesmo arquiteto, de forma a acomodar-se melhor à boa ordem, disciplina e desafogo que exiria uma casa religiosa destinada a recolher duzentas pessoas.

No entanto, a primeira fase da construção não terá corrido com a celeridade certamente desejada. Com efeito, foi possível obter na Biblioteca Nacional de Paris, plantas dos dois pisos do Colégio de Jesus de Coimbra e da respetiva igreja, às quais se pode atribuir a data próxima de 1568 ou 1569, que diferem em alguns pontos importantes da disposição geral definitiva adotada na construção do colégio.

…. Atendendo à descrição do Pde. Francisco Rodrigues na sua História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, respeitante ao processo evolutivo da planta deste colégio, é possível fazer corresponder as plantas de Paris às alterações do esquema do Colégio das Artes efetuadas posteriormente ao início das obras do mesmo, no próprio ano de 1568 ou já em 1569.

Deste modo, ainda terá sido possível integrar a parte do Colégio de Jesus já levantada até essa data no esquema do edifício definitivo, o que leva a supor qua a sua construção estaria muito pouco adiantada na altura, ou seja, vinte anos depois de supostamente ter começado.

Erguendo-se o colégio nos terrenos cedidos pelo rei, sobre a vertente norte da Alta da cidade, os jesuítas tiraram máximo partido de uma posição aparentemente pouco favorável, voltando a sul as fachadas do colégio e da igreja de forma a fazerem frente para a cidade construída, definindo e limitando o antigo Largo da Feira.

Col. 2.jpgGravura de 1732 que mostra o complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra… Op. cit., pág. 20

…. A fachada da igreja, cujo corpo se insere no volume edificado do colégio, avança oito metros relativamente ao plano da frente principal do mesmo, voltada a sul. Esta disposição, em que a igreja assume um protagonismo conotado com a missão apostólica da congregação, representa uma evolução perante os planos originais em que a frente da igreja alinhava com a frente do colégio. A evolução mais significativa, contudo, prende-se com o desvio da axialidade da igreja. Enquanto que nas plantas de Paris o corpo da igreja é simétrico em relação ao edifício colegial, como seria natural … já na solução construída a igreja coloca-se em alinhamento diferente, chegando-se para o lado esquerdo da frente edificada do conjunto. Este desvio provocou uma série de alterações, de uma situação para a outra, na colocação funcional e dimensão relativa dos diversos pátios interiores que constituem o negativo "vazio" da estrutura “cheia” do edifício.

Col. 3.jpg

Fachada da Sé Nova, antiga Igreja do Colégio de Jesus, no enfiamento da Rua dos Loios. Op. cit., pág. 20

Esta deslocação só pode ser explicada pela necessidade de rematar o Largo da Feira, colocando-se a fachada da igreja (hoje Sé Nova) no prolongamento de duas antigas ruas que nele desembocavam. Tratava-se da mais tarde denominada Rua dos Loios, adjacente ao colégio homónimo, também frontal ao Largo, e da Rua do Marco da Feira, que vinha do Castelo.

 Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.

 

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por Rodrigues Costa às 10:26


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