Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Sexta e última entrada dedicada à divulgação do livro de historiador brasileiro Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
Estabelecendo a vital ligação entre os dois lados do rio Mondego, a antiga ponte real foi durante séculos a principal entrada em Coimbra, integrando a via terrestre que ligava Lisboa ao Porto – não no trajeto conhecido através das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz –, mas sim através da íngreme Couraça de Lisboa.
Alguns autores defendem a tradição de que as primeiras pontes construídas sobre o Mondego tiveram, tal como no caso do aqueduto citadino, uma origem romana.
Fig. 4. Ponte da cidade de Coimbra (pormenor) | Civitates Orbis Terrarum, vol. V, 1598, pg. 235
Depositada no Museu Nacional Machado de Castro
Ponte Manuelina e vista de Santa Clara. 1860. Acervo RA
Entretanto, iniciada a formação do Reino de Portugal, consta que D. Afonso Henriques … mandara reconstruir a ponte no ano de 1132, seguida dos arranjos planeados por D. Sancho I, em 1210, e pelos seus sucessores ao longo de toda a Baixa Idade Média.
Estas sucessivas reconstruções ficar-se-iam a dever, sobretudo, devido aos danos provocados pela força das correntes, como se verifica numa carta enviada por D. João II ao conselho da cidade: “a ponte dessa cidade está muito danificada das cheias passadas e em mui grande perigo”
Com efeito, os autores mais fidedignos apontam para uma intervenção sabiamente estruturada durante o reinado de D. Manuel I, nos alvores do século XVI. Segundo o que as fontes documentais apontam, o monarca … ordenara aos mestres Boytac e Mateus, em Setembro de 1510, de promoverem os estudos necessários para o “corregimento da ponte” campanha seria efetivamente concluída nos três anos seguintes, pois, em 1513, a ponte estava aberta ao tráfego.
A estrutura ficava assim a dispor de vinte e quatro arcos, executados em pedra, provavelmente em calcário dolomítico da cidade, inclusive as guardas laterais, que na seção correspondente ao oitavo arco eram encimadas em cada um dos flancos pelas esferas armilares do monarca reinante. No extremo sul, já próximo da margem de Santa Clara, parte do troço da ponte fora alargado, com acessos a jusante e a montante, como se vê ainda nalgumas das gravuras antigas dedicadas a Coimbra.
A extremidade norte era rematada por um torreão-peagem, quadrangular, destinado à aplicação das taxas e impostos sobre quem entrava na cidade. No frontispício principal, sobre o arco de entrada, fora colocada uma lápide brasonada ladeada das esferas armilares, retirada para o Museu do Instituto de Coimbra e hoje depositada no Museu Nacional de Machado de Castro … sobre o referido padrão estaria a representação escultórica com a Virgem Maria, segurando Cristo Menino, que se encontra igualmente no principal museu da cidade, provavelmente ambos da autoria de Diogo Pires o Moço.
…. D. Filipe I de Portugal determinava, por carta régia, o lançamento da finta para se proceder à reconstrução da dita ponte e das margens envolventes onde aquela assentava. Muito provavelmente, as obras não teriam sido logo executadas, pois na correspondência epistolar trocada com o arcebispo de Braga, em 1586, o monarca salientara os estragos provocados pelos “grandes invernos do anno passado”.
A ponte quinhentista, reformada pela última vez naquela centúria pelo arquiteto régio Fillipo Terzi, teria outras obras de consolidação até ser substituída por uma nova em Maio de 1875, não devido ao assoreamento do leito do rio, mas sim às necessidades de permitir, com maior segurança, a passagem do trânsito rodoviário.
Setenta e nove anos depois, a estrutura de ferro assente em pilares de alvenaria ...
Ponte de ferro (finais dos anos 30). Acervo RA
... deu lugar à atual ponte, uma estrutura de betão armado, dotada de tabuleiro plano e assente em cinco pilares pendulares, com talha-mares elípticos … Erguida em local próximo da anterior, a nova ponte, desenhada pelo arquiteto Peres Fernandes.
Ponte de Betão, em construção
Pontes de Ferro e de Betão
Ponte de Santa Clara. Inaugurada em 1954
Curiosamente, em 1950, durante as sondagens geológicas realizadas no seguimento dos estudos de engenharia, seriam encontrados, a 14 metros de profundidade, nas proximidades da margem de Santa Clara, vestígios de uma escada executada em cantaria. Pertenceriam estes achados arqueológicos à ponte real manuelina como sugeriram os engenheiros responsáveis pela última obra?
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:
Quinta entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
Segundo o que a tradição consagrou, a Fonte da Manga deve o seu nome ao monarca D. João III, que refugiado, em 1527, na cidade do Mondego em virtude de surto pestífero desencadeado na capital, esboçou na manga do seu gibão o plano do fontanário que pretendia ver erguido no claustro nascente do complexo monástico.
Claustro da Manga, na atualidade.Acervo RA
Apesar desta origem lendária, elaborada em 1541 por Francisco de Mendanha (séc. XVI), este magnífico exemplar de arquitetura da água resultou da reorganização material operada no complexo crúzio por frei Brás de Braga em 1528, um ano após a estadia régia.
Claustro da Manga c. 1870. Acervo RA
Jardim da Manga. Autor desconhecido. Acervo RA
Reconstituição digital em 3D do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1834. 2022. In: Projeto S. Cruz. Acervo RA
…. Com “duzentos palmos de cõprido & quinze de largo”, o espaço claustral, um dos três existentes no mosteiro e em torno do qual se congregavam o dormitório, a enfermaria e as oficinas tipográficas monásticas quinhentistas, foi dotado de um templete de planta centralizada, com uma fonte de “agoa mu doce”, de formato circular no interior.
Sobre as oito colunas coríntias, dispostas equilibradamente entre si, assenta a abóbada rematada por lanternim e dotada, no entablamento, por oito gárgulas, número que, entretanto, se duplica aos pares no topo de cada uma das escadas, perfazendo assim dezoito peças esculpidas segundo a temática do bestiário.
Elevada numa plataforma rodeada por tanques de água e hortos ajardinados, com limões, limas, cidras e outras frutas, por entre as quais surgem quatro panos de escadas de acesso, a estrutura principal está ligada por arcobotantes a quatro torreões circundantes, de formato cilíndrico e com estreitas frestas de iluminação de vidraças coloridas.
A descrição de 1541 revela ainda que os quatro oratórios estavam dotados de portas que “sam pontes leuadiças cõ que os religiosos se fechã quando orã”. Edificados como pequenos oratórios independentes e eremíticos, cada altar fora dotado com um baixo-relevo, em calcário de Ançã, representando quatro grandes santos eremitas da tradição cristã: São João Baptista no deserto; São Jerónimo penitente; São Paulo o eremita e Santo Antão tentado pelo demónio.
De acordo com a leitura iconológica realizada por Nelson Correia Borges (1942), o fontanário da Manga está imbuído de um forte simbolismo religioso associado com a Fonte da Vida – a fons vitae –, que jorra do centro do Universo para os quatro tanques, numa clara alusão aos quatro rios do Paraíso.
…. É, no entanto, muito curiosa a nota escrita pelo cronista quinhentista que considera a obra da “fonte artificiosa” como uma das “quatro marauilhas do mundo”, ainda que tenha sido causa de muitas enfermidades entre a comunidade monástica.
…. O projeto é atribuído ao arquiteto e escultor francês João de Ruão ativo em Coimbra desde 1518. Embora persistam algumas dúvidas quanto à autoria do projeto arquitetónico é seguro o envolvimento de Ruão e seus oficiais na execução dos quatro painéis retabulares dos oratórios, trabalho feito sob a influência das gravuras de Lucas de Leyde.
…. Recorrendo aos novos mecanismos da engenharia hidráulica moderna, a construção dos tanques e do sistema de canalização, a cargo de Pero de Évora (séc. XVI), Diogo Fernandes (séc. XVI) e Fernão Luís (séc. XVI).
…. Após a demolição do corpo norte do claustro, na posse da Câmara Municipal de Coimbra desde 1839, já no século XX, o Jardim de Manga ganhou acesso direto a partir da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, e, através de uma ampla escadaria, no extremo sul, da Rua Martins de Carvalho.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.researchgate.net/profile/Milton-Pacheco 2/publication/314821532_DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_AGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS/links/5dc1909a4585151435ec0330/DO-AQUEDUTO-DAS-FONTES-E-DAS-PONTES-A-ARQUITETURA-DA-AGUA-NA-COIMBRA-DE-QUINHENTOS.pdf...
Quarta entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
A irregularidade volumétrica do primitivo resulta de um conjunto de sucessivas construções e ampliações efetuadas ao longo de diversas épocas, desde o século XII aos inícios do século XX.
Em todo o conjunto edificado é possível verificar a expansão das áreas residenciais, a norte, para o flanco sul da área do criptopórtico, anteriormente ocupado pelas cavalariças, celeiros e outras dependências e sua cristalização sob as formas e fórmulas arquitetónicas responsáveis pela anulação das características medievais.
Assim, a inexistência de vestígios materiais do período manuelino no flanco sul do monumento aponta para que a construção das primeiras dependências residenciais neste setor sejam da responsabilidade de D. Afonso de Castelo Branco (c. 1522-1615), Não dispondo de nenhum documento que assinale a data exata de início da colossal campanha levada a cabo pelo prelado residencial sabemos seguramente o seu término através do dístico colocado no portal de entrada, no ano de 1592.
…. Entretanto, o erudito conimbricense Martins de Carvalho (1861-1921) sugere que as obras efetivadas sob a égide do grande prelado conimbricense tenham tido início em 1585, no ano em que entrou como bispo residencial na diocese de Coimbra.
…. Acreditamos, assim, que todo o processo construtivo no palácio da mitra, “com suas galarias, chafarizes, patios”, tenha começado efetivamente entre os finais de 1585 e os inícios do ano seguinte, com a realização dos acordos estabelecidos entre as diversas autoridades, a elaboração de projetos e a obtenção das mais variadas licenças junto da vereação … Será que podemos relacionar as avultadas somas de dinheiro doadas pelo prelado à vereação de Coimbra com a obra de encanamento de água do paço? Seriam somente doações ou também pagamentos uma vez que o prelado veio a adquirir o direito perpétuo de abastecimento de água ao Palácio Episcopal?
…. Mais tarde, a 10 de Setembro de 1611, D. Filipe II de Portugal (1578|1598-1621) despacharia um alvará … “não se poderá mudar o curso e cano desta água que ora vai ao pátio do dito bispo-conde por outra nenhuma parte diferente daquela por onde ora vai [pela rua do Rego d’Água]” … Ficava esta rua, chamada do Rego d’Água, entre os contíguos prédios de habitação e da antiga escola primária, ou seja, entre o Largo da Sé Nova e o Largo do Bispo.
Chafariz do Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra (hoje MNMC). Acervo RA
Chafariz do Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra (hoje MNMC), pormenor. Acervo RA
…. A cisterna do paço, identificada aquando das campanhas de arqueologia realizadas entre 1992 e 1997 … Abastecida por águas pluviais, ou manualmente, o depósito poderá ter sido reaproveitado durante as obras promovidas por D. Afonso de Castelo Branco quando dotou o edifício com água potável canalizada a partir da Fonte dos Bicos no Largo da Feira dos Estudantes.
…. Quase um século mais tarde, entre 1672 e 1683, o chafariz erguido no pátio principal do Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra por D. Afonso de Castelo Branco seria substituído por um outro.
Chafariz do Museu Nacional Machado de Castro. Acedido em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https%3A%2F%2Fd2dzi65yjecjnt.cloudfront.net%2F141051...
Chafariz do Museu Nacional Machado de Castro, pormenor.
Erguido no pátio central, o fontanário apresenta tanque circular com coluna central dotada de dois pratos, de diferentes dimensões e ornamentados com quatro mascarões cada um, tendo no topo as armas episcopais do seu encomendante.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_%C3%81GUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS
Terceira entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco, Do aqueduto, das Fontes e das Pontes.
O Chafariz do Largo da Feira dos Estudantes, culminaria a conduta do aqueduto de São Sebastião … Embora as fontes documentais não permitam conhecer a data precisa para a sua construção julgamos que a mesma tenha sido edificada no seguimento da conclusão do reservatório para a água transportada pelo aqueduto, a qual surge como parte integrante.
Neste terreiro … foi então construído, entre 1570 e 1572, o depósito de água. Este não só veio a permitir o funcionamento do fontanário local – que a história viria a consagrar como Fonte dos Bicos devido aos motivos decorativos em ponta de diamante salientes que ornamentavam a sua frontaria principal –,
Fonte dos Bicos. Acervo RA
como garantiu o abastecimento de outros equipamentos aquíferos, como o Chafariz da Sé,
Chafariz da Sé. In: Archivo Pittoresco. 1866.09. Acervo RA
onde existia um segundo reservatório para levar água até ao fontanário localizado na Praça de São Bartolomeu.
Chafariz de S. Bartolomeu. Última remodelação, hoje instalada à entrada do Museu dos Transportes Urbanos
Alguns anos mais tarde, este mesmo reservatório acabaria por ser dotado com os encanamentos destinados a abastecer o vizinho Palácio da Mitra Episcopal de Coimbra e outros institutos religiosos existentes na Alta citadina, como os colégios de Jesus, o da Sapiência e o da Estrela. De acordo com as informações recolhidas, nos anos de 1715-1858, julgamos que o depósito do fontanário do paço episcopal, e, provavelmente o da catedral, a Sé Velha, eram abastecidos durante o dia, sendo os depósitos dos colégios dos Jesuítas e dos Agostinhos durante o período noturno.
…. Terá sido construído no seguimento da carta régia outorgada por D. Sebastião em 7 de maio de 1573, no qual ordenava a construção do chafariz da Feira.
Fonte dos Bicos. Acervo RA
Tratar-se-ia, muito provavelmente, de uma ampliação ou reedificação material, pois, quer esta bica de água, quer a localizada junto da catedral de Santa Maria de Coimbra, já são mencionadas em datas anteriores.
No que diz respeito à composição arquitetónica do primitivo fontanário da Praça da Feira pouco ou nada sabemos. Teria, ao que parece, três bicas para o fornecimento de água, número que manteria ao longo da sua existência, mesmo após as obras de beneficiação de que foi alvo, em 1747 ou em 1864, a primeira para renovação do frontispício e a segunda para a colocação das armas da cidade.
Até à destruição do Fontanário dos Bicos, ocorrida durante a construção da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e do Instituto de Medicina Legal, nos finais da década de 1940, a água ainda era utilizada para regas e limpezas locais.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em:
Esta segunda entrada dedicada à divulgação do livro de historiador Milton Pedro Dias Pacheco sobre o sistema de abastecimento de água a Coimbra, será abordada a história das Arcos do Jardim, ou Aqueduto de S. Sebastião.
Fig. 2. Aqueduto da cidade de Coimbra (pormenor). In: Civitates Orbis Terrarum, vol. V, 1598. Op. cit.pg. 220
Assumindo-se hoje como um dos marcos históricos mais emblemáticos da cidade, o mais antigo aqueduto de Coimbra, de duplo orago sebástico – pois foi reconstruído por ordem régia do monarca D. Sebastião (1554|1568-1578) e dedicado ao mártir romano São Sebastião –, tem as suas origens numa construção que remonta ao período da romanização do território que é hoje Portugal.
Aqueduto de S. Sebastião, arco principal. Gravura. Acervo RA
Esta estrutura de abastecimento de água potável à cidade, localizada entre a colina onde se erguia o desaparecido Colégio de Nossa Senhora da Conceição e o atual Convento de Santa Teresa e o Fontanário dos Bicos,
Fontanário dos Bicos, à esquerda. Acervo RA
no Largo da Feira dos Estudantes, em plena Alta Universitária, possui ainda um segundo orago, São Roque, santo que, com São Sebastião, assume o papel de especial protetor contra o flagelo da peste. A escolha destes dois santos patronos está intimamente ligada ao surto pestífero que grassou em Coimbra nos finais da década de 1560, período da construção do aqueduto.
…. Denominadas de fontes de el-Rei e da Rainha, as nascentes que iriam abastecer o centro da cidade com água potável estavam localizadas junto do quinhentista Colégio de Tomar, sobre o qual foi levantado o edifício da Penitenciária de Coimbra nos finais do século XIX, e, nas proximidades da estrada para Celas. Em local próximo encontrava-se ainda a denominada Fonte da Nogueira, atualmente no Jardim da Sereia que, por alvará régio lavrado em 4 de Abril de 1588 e mais tarde reconfirmado em 20 de Abril de 1736, deveria ser vistoriada anualmente pelos oficiais camarários.
Inicialmente com uma extensão de aproximadamente de um quilómetro, o aqueduto de São Sebastião, popularmente conhecido como Arcos do Jardim, é hoje constituído por apenas vinte e um arcos dispostos ao longo da Calçada Martim de Freitas e da Praça João Paulo II. Superando uma relativa depressão territorial, os arcos, uns semicirculares e outros abatidos, estão assentes em robustos pilares de faces externas dispostas em degrau que, por sua vez, suportam no topo o canal adutor. Este, coberto por abóbada de berço, só seria desativado no século XX, por volta do ano de 1942. Quanto ao aparelho construtivo podemos indicar a presença de alvenaria de pedra calcária, fixada com argamassa e reboco, recentemente beneficiado.
A partir do setor nascente do atual edifício do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, a estrutura aquífera continuaria o seu percurso subterraneamente até alcançar o Largo da Feira dos Estudantes, junto da concatedral.
Entretanto, nos finais da década de 1940, no seguimento da reorganização urbanística da Alta para a construção da Cidade Universitária de Coimbra, alguns dos arcos seriam destruídos para a abertura da atual rua do Arco da Traição, enquanto outros, junto ao Jardim Botânico, acabariam por ser desobstruídos do casario habitacional que havia sido edificado ao longo dos tempos.
Aqueduto de S. Sebastião. Arco principal, templete, imagem de S. Sebastião. Acervo RA
Aqueduto de S. Sebastião. Arco principal. templete, imagem de S. Roque. Acervo RA
…. A coroar o respetivo arco principal, sobre o canal adutor, ergue-se um pequeno templete, de planta trapezoidal, composto por colunas dóricas que suportam uma cúpula e lanternim superior. Em cada um dos flancos, cada um dotado com o respetivo nicho, encontra-se as esculturas dos oragos do aqueduto: a de São Sebastião disposta na face sul, e a de São Roque, na face norte.
Desconhecemos, no entanto, o nome do arquiteto responsável pelo projeto, assim como o dos mestres-de-obras que conduziram os diversos trabalhos construtivos. Embora sem grande consenso, surge, entre alguns autores, apenas um nome, o de Fillipo Terzi.
Pacheco, M. P.D. Do aqueduto, das Fontes e das Pontes: a Arquitetura da Água na Coimbra de Quinhentos. In: História Revista. Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-graduação em História, v. 18, n. 2, p. 217-245, jul. / dez. 2013. Goiânia (Br.). Acedido em: https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_%C3%81GUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS
Segunda e última entrada extraída da obra das Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, intitulada Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra.
Sé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA
Sé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem, pormenor. Acervo RA
Sé Nova. Retábulo da vida da Virgem, pormenor da predela. Acervo RA
A origem do tesouro.
O tesouro deixado por António de Vasconcelos inclui as suas memórias pessoais e as memórias da Companhia, ameaçada de extinção. Para o salvar, o jesuíta teria subido ao altar da Coroação e Assunção da Virgem e ali depositado o conjunto, certamente na esperança de um dia regressar e poder reaver aquilo que era por todos os meios impedido de levar consigo.
…. as cartas reunidas no macete eram mais do que um objeto de devoção pessoal. Eram cartas com mais de duzentos anos, escritas por Santo Inácio, S. Francisco Xavier, e João de Polanco.
Além das cartas, o jesuíta conservou dois volumes manuscritos: um de controvérsia filosófica e teológica e outro do Padre António Vieira; e por fim uma bolsa de serapilheira contendo um conjunto de pequenos embrulhos bem fechados, cinco ao todo: um único embrulho de papel identificado com o monograma AV e quatro de pano, identificados com o nome de Ant. de Vasconcelos e com as designações “Apontam, e Nom.”; “Cartas mhs e alh”; “Matrim.”
Sé Nova, frontão. Acervo RA
Descrição do corpus
Descrevemos agora de forma sumária o conteúdo das cerca de 1000 páginas que constituem o corpus, agrupando-o em quatro secções distintas:
Documentos fundacionais: o macete de cartas atadas por cordel corresponde a um conjunto de documentos fundacionais de elevado poder simbólico. O interesse do investigador aumenta com a inscrição que se lê na face superior, sob o cordel: “Somente o Superior deve ter estas cartas em Coimbra” (Soli supri/õ[m]nes hae epistolae cohimbricaé). São cartas dos fundadores, na sua maioria enviadas de Roma pelo Governo central, por Santo Inácio de Loyola e por João de Polanco, seu assistente e secretário pessoal, mas também enviadas de Cochim, na índia, por S. Francisco Xavier, ou enviadas de Lisboa para Roma, como alguns textos de Dom João III. O monarca responsável pelo bom acolhimento da Companhia no reino antes mesmo da sua confirmação pela Sé Apostólica, escreve para diferentes destinatários, acerca do P. Luís Gonçalves da Câmara e das obras da Companhia de Jesus que em 1553 ele deveria representar em Roma.
De Santo Inácio conservam-se pelo menos sete cartas diferentes: duas dirigidas a Simão Rodrigues, de 1542 e 1545; a célebre carta sobre a obediência como” virtude mais necessária e mais especial que nenhuma outra na Companhia”, de 1552; e ainda quatro cartas do ano de 1555: uma dirigida ao P. João Nunes Barreto que fora nomeado patriarca da Etiópia; outra a D. João III, sobre assuntos relacionados com Dom Teodósio de Bragança; uma carta a Diogo de Mirão, provincial, sobre as relações entre o Patriarca eleito, o Provincial da índia e o Visitador [da Companhia] e as obrigações de obediência de cada um; e por fim uma carta dirigida ao P. Francisco [Boija?] e aos Provinciais e Reitores dos Colégios da Companhia de Jesus, em Espanha e Portugal.
…. Numa segunda secção, o volume de controvérsia filosófica e religiosa traz consigo o nome de Francisco Soares [Lusitano] e a data de 1652. Corresponde a um conjunto daquilo que se designava Conclusiones mas que também podia designar-se por theses, quaestiones, controuersiae, propositiones, ou no singular, dissertado ou disputado.
…. Como terceira secção temos um manuscrito da Clavis Prophetarum do P. António Vieira, que chegou até nós em excelente estado de conservação. Compõe-se de uma junção de seis cadernos cosidos, num total de 495 páginas de texto, para além de 11 páginas de índice e uma página de título.
…. A quarta e última secção corresponde aos documentos coevos da expulsão, nomeadamente um caderno de matéria hagiográfica e o espólio pessoal de António de Vasconcelos.
Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.
As Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, investigadoras do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra publicaram um muito interessante trabalho intitulado Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra, sobre o achado de documentos jesuíticos escondidos na Sé Nova.
Desse trabalho destacamos o texto que ora se apresenta.
O Altar da Coroação, um esconderijo com mais de 250 anos.
Sé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA
Já ninguém imaginava que segredo algum pudesse subsistir nos espaços que outrora pertenceram aos religiosos exilados. A Fábrica da Sé Nova também não podia imaginar que a limpeza e restauro da sua talha dourada pudesse revelar bem mais do que o brilho original do ouro; mas ciente do elevado património que tem à sua guarda, o Cónego Sertório Baptista Martins, confiou a missão a uma equipa de profissionais. E eis que o Altar da Coroação e Assunção da Virgem, no transepto do lado do Evangelho (ou seja, à esquerda da Capela Mor), guardava um inesperado tesouro.
… A Técnica de restauro aspirava o interior das quatro colunas quando encontrou um objeto em forma de cunha, colocado no interior de uma das colunas do lado direito do altar.
Sé Nova, colunas. Pormenor. Acervo RA
Na face posterior da coluna encontrava-se uma caixa de madeira, em forma de cunha, que continha um pequeno crucifixo de marfim envolvido em estopa de linho. Nessa mesma coluna (a coluna interior do lado direito do altar) encontrava-se ainda um saco cilíndrico, de pano branco muito escurecido pelo tempo. O seu interior guardava um grosso volume manuscrito e dentro dele um caderno de menor dimensão.
Surpreendida pelo sucedido, a Técnica que procedia à limpeza, a senhora Fernanda Monteiro Vouga, decidiu examinar as restantes colunas dos espaços congéneres da igreja, para se certificar de que nada ficava esquecido. E acabou por encontrar um novo conjunto. Na coluna interior, à esquerda do mesmo altar, encontravam-se mais dois objetos: um códice enrolado em cilindro (de modo a caber no interior da coluna) contendo um macete de cartas atadas por um cordel; e uma bolsa de serapilheira identificada pelo nome António de Vasconcelos, contendo vários embrulhos de pano (de 12-14 cm) cuidadosamente fechados a ponto de costura e identificados por fora; e ainda um último embrulho com o mesmo formato, mas em papel.
…. À medida que procedíamos no inventário, tornava-se cada vez mais clara a origem daquele pequeno tesouro. O recorte temporal dos documentos examinados dava-nos desde logo a sua chave: se os mais antigos remontam ao século XVI (a carta mais antiga é de Santo Inácio, escrita em 18 de Março de 1542), os textos mais recentes têm a data de Setembro de 1759, ou seja, são contemporâneos do decreto de expulsão dos Jesuítas (de 3 de Setembro de 1759) e dos acontecimentos que precederam a partida dos últimos jesuítas de Coimbra, no dia 24 de Outubro daquele ano. Ou seja, pouco antes da partida, um jesuíta teve a coragem de salvar da destruição um conjunto de documentos que considerava preciosos, na expectativa certamente de que um dia eles fossem resgatados por alguém que soubesse apreciá-los mais do que o poder persecutório instituído, ou, quem sabe, na esperança de um dia regressar a casa e de os recuperar.
Sé Nova. Fotografia aérea, inícios do século XX. Acervo RA
A expulsão do Colégio de Coimbra
De acordo com o relato do Padre José Caeiro, o colégio de Coimbra foi cercado por soldados na noite que precedeu o dia 15 de Fevereiro de 1759. Os jesuítas tinham tomado conhecimento da Carta Régia que determinava o cerco, três dias antes. Desde a manhã de 15 de Fevereiro, quando entraram no Colégio as forças militares, até ao dia da partida dos últimos, os jesuítas viveram um rigoroso isolamento do exterior. Nenhuma notícia do que se passava no exterior podia chegar aos jesuítas. Não lhes era permitido receber cartas nem presentes. Quando em Julho foram autorizados a descer à cerca do colégio e demorar-se algum tempo nos quintais, a vigilância foi reforçada, bem como o número de sentinelas.
…. A ofensiva do cerco ia muito além do isolamento. A parte do edifício destinada às aulas foi totalmente ocupada pela infantaria, que nele praticava tudo quanto se faz habitualmente num quartel. Mas nem assim os estudos foram interrompidos.
…. Para reforçar o isolamento dos padres, estes eram cuidadosamente separados dos soldados, a fim de evitar qualquer fuga de informação. Cerraram-se portas com trancas de madeira, com cal e cimento. Uma vigilância especial foi reservada à igreja do Colégio - onde o tesouro seria escondido. Era aí que as entradas eram mais restritas e sumamente vigiadas …No dia 30 de Setembro os jesuítas tomaram conhecimento de que os mais velhos … partiriam nessa mesma noite … Finalmente, no dia 24 de Outubro de 1759, também eles [os membros da comunidade, mais novos] foram forçados a partir do Colégio.
Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.
A Doutora Maria Antónia Lopes, tem dedicado boa arte do seu trabalho de investigação ao estudo das Misericórdias em geral e da Misericórdia de Coimbra, em particular. Através desta entrada divulgamos um dos seus trabalhos, este intitulado A fundação da Misericórdia de Coimbra: condições e circunstâncias, do qual salientamos as seguintes passagens.
A fundação de misericórdias por todo o reino inseriu-se num “esforço da Coroa em organizar a assistência”. Trata-se, pois, de uma ação política.
…. O desejo do rei foi cumprido em Coimbra. Em carta de 12 de setembro de 1500, dirigida ao “juis, e vereadores, provedores e homens bons” de Coimbra, D. Manuel I congratula-se por terem já ordenado uma “Confraría da Misericordia” e, como pediam, concede-lhes por alvará do mesmo dia todos os privilégios outorgados à Misericórdia de Lisboa. A Misericórdia de Coimbra estava ereta. …. A Misericórdia de Coimbra foi, portanto, constituída, como quase todas, graças à devoção, à boa-vontade e aos interesses próprios de todos os envolvidos, entre os quais avultavam os das elites locais. De facto, ingressando numa Misericórdia conseguia-se ou patenteava-se prestígio pessoal e adquiriam-se privilégios civis e indulgências; mais tarde, com o seu enriquecimento, acesso fácil ao mercado de capitais ou ao arrendamento ou aforamento de terras, entre outras vantagens, não sendo a menor ser-se associado à imagem de personagem exemplar.
…. Em 1500, Coimbra ainda estava longe de atingir a dimensão e importância que viria a ter com a instalação definitiva da Universidade em 1537. Mas Coimbra era, como sempre fora, um importante ponto de passagem e de cruzamento de pessoas, bens e ideias, tanto no sentido Sul-Norte/Norte-Sul como na ligação entre o interior e o mar, em estrada rasgada pelo Mondego. Nesse último ano do século XV, a cidade de Coimbra albergava cinco a seis mil habitantes, sobretudo no Arrabalde (a Baixa), com a Almedina (a Alta) parcialmente em ruínas e rarefeita de população. O centro vital de Coimbra era, pois, a parte baixa, polarizada pelo mosteiro de Santa Cruz, que limitava a cidade a Norte, pois que a Rua da Sofia estava ainda por nascer, mas também com poder e força vital na sua bela Praça, rematada nos dois extremos pelas igrejas de S. Tiago a Norte e S. Bartolomeu a Sul (em edifício anterior ao atual). A colina era encimada pelos Paços Reais, mas, sem rei que os habitasse, nela pontificava o bispo e o cabido, na sua catedral fortaleza a meia encosta.
É a esta cidade, longe ainda de ocupar o terceiro lugar em honra e dimensão, que no fim do verão de 1500 chega o diploma consagrando legalmente a sua Misericórdia, após a fundação das de Lisboa, Lagos, Portel, Tavira, Évora, Montemor-o-Novo, Porto, Setúbal e, talvez, Santarém.
Muito provavelmente, nessa altura a Misericórdia estaria já a funcionar, mesmo que de forma incipiente, pelo menos há alguns meses, o que pode fazer remontar a sua fundação a 1499 ou inícios de 1500. E como tantas outras, nos seus primórdios, sobrava-lhe em ambição – e que ambição!, praticar a totalidade das obras de misericórdia entre toda a população carenciada da urbe – o que lhe faltava em recursos. Por isso os “principais” de Coimbra quiseram desde logo anexar as instituições existentes com as suas rendas, o que desagradou ao rei, que lhas nega perentoriamente.
…. Nascera, pois, a Misericórdia de Coimbra, cumprindo todos os requisitos legais, a 12 de setembro de 1500, mas ainda pobre, sem sede própria … escreve o autor anónimo do texto “Instituição da Misericordia de Coimbra, e Cathalogo dos Provedores, e Escrivaens, que até ao presente nella tem servido”, que acompanha o compromisso de 1620, na sua edição de 1747: “He tradicçaõ vulgar nesta Cidade, que primeyro se assentou esta Confraria na Sé della, dahi se passou para a Igreja de Santiago na casa que hoje serve de celeyro, aonde se diziaó as Missas, e mais obrigaçoens da Casa e se chamava a Capella da Misericordia”.
… Aprovou-se então, em 1546, um projeto absolutamente radical: erigir o templo da Misericórdia sobre a igreja S. Tiago. Construir uma igreja assente no teto de outra!, eis a solução encontrada pelos Irmãos, que não queriam abandonar o coração da cidade. E assim surgiu um santuário originalíssimo.
Igreja de S. Tiago. Acervo RA
Igreja da Misericórdia, entrada. In: Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, n.º 28
Aproveitando-se o desnível entre a Praça e os arruamentos orientais, virava a nova igreja da Misericórdia para a Rua de Coruche (atual Visconde da Luz), com porta encimada por belo frontão de João de Ruão, representando a Senhora do Manto ou Senhora da Misericórdia, a que se acedia por escadório. Mas a Misericórdia precisava de outros espaços: casa do despacho, cartório, armazéns, etc. Em 1589 ainda se iniciaram essas obras na Rua do Corpo de Deus, mas por dificuldades várias desistiu-se do projeto. Em 1605 aprovou-se a construção dessas dependências adossadas à igreja, sobre outra nave de S. Tiago. Cerca de cem anos depois, acrescentaram-se com a edificação do Recolhimento das Órfãs, já assente em terra e alinhando pela Rua de Coruche, e outro século volvido, instalava-se nas lojas desse imóvel a botica da Santa Casa.
O templo quinhentista da Misericórdia já não existe: inicialmente mutilado, tal como a cabeceira da igreja de S. Tiago e outros edifícios da Rua de Coruche quando esta foi alargada em meados do século XIX, veio a ser completamente destruído, em inícios do século XX.
Igreja de S. Tiago e da Misericórdia, restauro. In: Illustração Portuguesa.
…. A Misericórdia pontificou, pois, e durante trezentos anos, na Baixa coimbrã: com entrada pela Rua de Coruche, vizinha ao mosteiro de Santa Cruz, mas virando também para a Praça da Cidade, que dominava da sua altura, governou-se pelo estipulado no Compromisso de 1500.
Lopes, M. A. A fundação da Misericórdia de Coimbra: condições e circunstâncias” in Lopes, Maria Antónia (coord.), Livro de todallas liberdades da Sancta Confraria da Misericórdia da cidade de Coimbra. Estudos, facsimile e transcrição. Coordenação de Maria Antónia Lopes. 2016. Coimbra, Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, pp. 9-16.
Nesta entrada do blogue “A’Cerca de Coimbra” vamos relembrar um texto escrito por Sousa Viterbo em finais do século XIX, na Revista Archeologica onde se refere à história das grades que, no passado, separavam, na igreja de Santa Cruz, a zona do falso transepto [cruzeiro] ocupada pelos Cónegos Regrantes, do espaço destinado aos fiéis.
Imagem onde se podem ainda vislumbrar as grades. Acervo RA
Revista Archeologica. Imagem acedida em: https://archive.org/details/revistaarchaeolo03lisb/page/n5/mode/2up
Sousa Viterbo. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=Francisco-Marques-de-Sousa-Viterbo.png&cdnurl …
Deste interessante texto, respigamos o que segue.
Dignas de rivalizar com alguns destes trabalhos artísticos, de que se ufanam as catedrais espanholas,
Baeza. Reja del presbitério. In: Navascués Palacio, Pedro, Sarthou Carreres, Carlos.Catedrales de España, Madrid. Espasa-Calpe, 51984, pg. 43.
seriam porventura as grades monumentais, que, no venerando templo de Santa Cruz, separavam o cruzeiro do restante da igreja e as que vedavam os túmulos dos reis. Hoje já não as podemos contemplar, mas sabemos da sua existência por alguns documentos e referencias históricas, que mais ou menos diretamente lhes dizem respeito.
Citaremos em primeiro lugar o trecho de uma carta de 19 de março de 1522, em que Gregório Lourenço dá conta a D. João III do estado em que se achavam as obras que o seu antecessor, D. Manuel, mandara fazer no templo de Santa Cruz. Um dos itens da carta é do teor seguinte: «Item Senhor, mandou que fezessem huua grade de ferro grande que atravessa o corpo da egreja de xxv palmos d'alto com seu coroamento, e ao rredor das sepulturas dos rreix a cada hua sua grade de ferro, segundo forma dhum contrato e mostra que pera ysso se fez. Estam estas grades feitas e asentadas, e pago tudo o que montou na obra dos pillares e barras das ditas grades porque disto avia daver pagamento a rrazom de dous mill reis por quintal asy como fosse entregando ha obra. E do coroamento das ditas grades que lhe ade ser pago per avalliaçam nom tem rrecebidos mais de cinquoenta mill reis, que ouve dante mão quando começou a obra, que lhe am de ser descontados no fim de toda hobra segundo mais compridamenle vay em huua certidam que antonio fernandes mestre da dita obra diso levou pera amostrar a V. A. E nom se pode saber o que desta obra he devido atee o dito coroamento destas grades ser avalliado».
O trecho da carta de Gregório Lourenço é parcamente descritivo, mas, apesar disso, muito agradecido lhe devemos ficar por ter salvado, ainda que involuntariamente, o nome do artista que fabricou a obra, António Fernandes.
Como se sabe, D. Francisco de Mendanha, prior do mosteiro de S. Vicente de Lisboa (1540), escreveu uma descrição em italiano do templo de Santa Cruz, a qual D. João III ordenou se traduzisse em português, sendo impressa nos prelos deste último convento. De tão curioso opusculo cremos que não se conhece hoje nenhum exemplar, mas D. Nicolau de Santa Maria perpetuou-o, incluindo-o na sua «Chronica», prestando assim um serviço, literário e artístico, bastante apreciável. Mendanha não se esquece de falar das grades e dedica-lhe as seguintes linhas:
«Além d'este pulpito espaço de 20 palmos contra a Capella mór está a grande e vetusta grade de ferro, que atravessa toda a Egreja, ficando dentro o Cruzeiro, e tem de alto trinta palmos».
O epiteto vetusta sintetiza, para assim dizer, em toda a sua singeleza, a formosura da grade. Entre Mendanha e Gregorio Lourenço há, todavia, uma discrepância no que respeita às dimensões; Mendanha dá a grade 5 palmos mais alta. Outra diferença notamos ainda. O prior de S. Vicente diz que as grades dos túmulos eram de cinco palmos de alto, todas de pau preto e bronzeadas com ouro: Gregório Lourenço claramente especifica que eram de ferro. Coelho Gasco { classifica de sumptuosas as grades do cruzeiro e accrescenta que n'ellas havia um epitáfio, ou antes letreiro, latino, em letras de ouro, que rezava da seguinte forma: Hoc templum ab Alphonso Portuqaliae primo rege instructum ac tempore pene collapsum, Regno succesore &: actore Emmanuele restauraoerit. Anno Natalis Domini MDXX.»
Esta data 1520 refere-se por certo á época em que foi assentada a grade e colocado o seu despectivo letreiro. A igreja já estava reconstruída, como, além de outros documentos, o demonstra o epitáfio do bispo D. Pedro. falecido a 13 d'agosto de 1516.
No priorado de D. Acúrcio de Santo Agostinho (eleito em princípios de maio de 1590) as grades foram pintadas e douradas de novo. Diz o cronista «… e porque as grades de ferro do cruzeiro e capellas da mesma igreja estavão pouco lustrosas, as mandou alimpar, pintar e dourar em partes e particularmente mandou dourar as armas reaes e folhagens, em que as ditas grades se rematão e tem as do Cruzeiro trinta palmos de alto e as das capellas quinze tambem de alto, e ficarão depois de pintadas e douradas muy aprazíveis á vista».
Não sabemos até que época durassem as grades de Santa Cruz.
Das que circundavam os sepulcros temos informação de 1620. Ou haviam chegado a extrema ruína ou foram substituídas ineptamente por outras. Referindo-se ao governo de D. Miguel de Santo Agostinho, que foi eleito pela segunda vez em 30 de abril de 1618, escreve o cronista da ordem: «Nos ultimos mezes do seu triennio ornou o P. Prior geral as sepulturas dos primeiros Reys deste Reyno, que estão na capella mór de S. Cruz com grandes grades de pao santo, marchetadas de bronze dourado.»
Ao que ficou descrito acrescento que, tanto quanto julgo lembrar-me, ainda vi junto dos túmulos reias umas grades destinadas a impedir os visitantes de se acercarem. Contudo, já não me recordo das suas caraterísticas. Se algum leitor estiver na posse de qualquer informação sobre este assunto seria interessante que a transmitisse.
Viterbo, F.M.S. V. As grades de S. Cruz-Cruz de Coimbra. In: Revista Archeologica, II, n.º 4. Abril 1888. Texto acedido em:
A evolução da planta do Colégio de Jesus de Coimbra, desde o plano conhecido até à concretização do edifício segundo um esquema relativamente modificado, comprova a flexibilidade das soluções construídas dos estabelecimentos jesuítas, atendendo a situações concretas de implantação, orientação e disposição funcional.
Complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra. Anteprojeto, c. de 1568. Planta dos pisos térreos… Op. cit., pág., 18.
Complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra. Anteprojeto, c. de 1568. Planta dos pisos superiores... Op. cit., pág., 19.
…. Assim, o edifício seria atravessado, de face a face e em ambos os pisos, por longos corredores a eixo das alas, cuja largura era sensivelmente a das celas, e que permitiam uma fácil distribuição e circulação em todo o colégio. Exteriormente a sua localização era facilmente identificada através das janelas de maiores dimensões que os rematavam. No piso superior o pé-direito do corredor aumentava em relação ao do rés-de-chão, com as janelas de topo coroadas por um óculo e por um frontão simples rematados por pináculos.
…. As celas organizavam-se segundo as direções dos corredores e constituíam, elas próprias, o módulo, unidade mínima indivisível geradora de uma malha que estrutura todo o edifício. O módulo podia adaptar-se a várias funções sendo, sempre que necessário, agrupadas duas ou mais celas, para se obterem salas mais amplas.
As salas de maior capacidade que se abriam no colégio eram a das disputas, que se dizia também da matemática, a livraria, a capela e o refeitório. Estas duas últimas salas, formavam um corpo alongado que se estendia. a este do edifício em direção à encosta, no prolongamento da ala central poente-nascente, que ligava às cozinhas e respetivas oficinas, como se pode ver na referida gravura do Séc. XVIII. Paralelamente, mais a sul ao longo da fachada nascente, construiu-se um corpo de passagem que dava acesso do primeiro piso do Colégio de Jesus para o Colégio das Artes.
Reconstituição do piso superior do Colégio de Jesus de Coimbra.
Reconstituição do piso térreo do Colégio de Jesus de Coimbra.
…. A capela situava-se no primeiro andar por cima do acesso ao refeitório, que por sua vez, formava uma sala alongada de pé-direito duplo. Seria iluminado por grandes janelas no lado sul segundo a planta que se acrescentou ao material disponível (relativo ao volume principal do colégio) na realização deste trabalho. A sala das disputas e a livraria seriam provavelmente as duas grandes divisões da ala norte-sul por detrás da igreja, como se pode constatar pelas reconstituições e pelos levantamentos pombalinos já referidos. A biblioteca, de maiores dimensões, ficaria no primeiro andar, sendo-lhe inferior a sala das disputas, de metade do tamanho, ao nível do rés-de-chão.
A planta cruciforme do colégio definiu a abertura de três grandes pátios de serviço que desmassificavam a construção e permitiam a iluminação das divisões. Seria natural que fossem quatro, mas a colocação da igreja, desviada para o lado poente, comprometeu a existência de um quarto espaço. Assim, à esquerda da igreja e separada desta por um corredor, encontra-se a sacristia, de pé-direito duplo, abóbada semicircular e com uma janela na parte alta de cada topo. No alinhamento da sacristia existe ainda um pequeno pátio, embora bastante menor em área que os restantes.
Claustro do Colégio de Jesus, construído entre 1732 e 1772. Op. cit., pág. 27
Enquanto os dois pátios mais a norte mantiveram o seu caracter, mesmo depois das intervenções pombalinas, o pátio a sul, que ladeava a igreja, terá sofrido alterações importantes ainda durante a primeira fase histórica do edifício. Na gravura já mencionada, pode-se constatar a existência de uma única arcaria, voltada a sul (no lado norte, portanto) na direção da entrada do edifício à qual o pátio estava associado.
…. Não era propriamente um claustro. Tratava-se de um pátio de receção e distribuição do edifício que dava seguimento à portaria e à entrada do colégio, assinalada exteriormente pelo pórtico-telheiro habitual nos colégios jesuítas.
Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.