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Voltamos a debruçar-nos sobre um estudo da Professora Doutora Maria do Rosário Barbosa Morujão, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra este dedicado aos estatutos quinhentistas do cabido da Sé de Coimbra.
No Arquivo da Universidade de Coimbra, entre os pergaminhos provenientes da Sé da cidade, encontram-se dois pequenos cadernos em muito bom estado, contendo os estatutos do cabido da Sé de Coimbra aprovados em 1454 e, até hoje, inéditos. Um desses cadernos é o original das “constituçõoes novas” do cabido, lavrado pelo escrivão capitular Mendo Rodrigues e confirmado pelo vigário-geral Afonso Vicente, bacharel em Decretos, que com sua própria mão as autenticou. …
AUC, Pergaminhos, Móv. 7, Gav. 5, nº 1
Devemos começar por recordar que os estatutos são fontes de primeira importância para o conhecimento da organização e do funcionamento dos cabidos catedralícios.
…. Assim se passava em Coimbra. Desde a criação do cabido, logo após a restauração da diocese no final do século XI, vários textos reguladores da vida dos cónegos foram surgindo, até que em 1229 o legado pontifício João de Abbeville dotou o cabido de uma completa coleção estatutária que se manteve em vigor, na generalidade, até ao século XV. Mas ao longo dos tempos essas normas tinham recebido vários acrescentos e modificações, pelo que vigoravam então múltiplos documentos. O desejo de dotar o cabido de um único texto regulador foi, precisamente, o grande intuito que conduziu à elaboração da compilação estatutária de 1454.
…. Não foi, no entanto, por iniciativa episcopal que os estatutos que nos ocupam foram promulgados, mas sim por ação do cabido.
…. dado que os textos reguladores do funcionamento do cabido andavam “espargidos” por um livro de aniversários da Sé, onde eram “deficiis e trabalhosos de buscar e achar quando se ham mester”, o mestre-escola Lopo Afonso, o tesoureiro Vasco Eanes e o arcediago do Vouga João Eanes, reunidos com outros onze cónegos da catedral, decidiram proceder à compilação desses textos, e encarregaram de tal tarefa o vigário-geral, Afonso Vicente, acima referido, juntamente com os cónegos Vasco Fernandes e Álvaro Peres.
A 26 de Agosto, o trabalho concluído foi apresentado ao cabido, que leu, aprovou e jurou cumprir os novos estatutos. A 8 de Novembro, o mesmo voltou a ser feito, e determinou-se que, daí para o futuro, fossem lidos mensalmente em reunião capitular, “por todos o saberem e averem delles boa nembrança”.
A normativa aprovada versa variados assuntos, todos eles relacionados com aspetos concretos da vida capitular e por vezes respeitantes a problemas especialmente delicados, como era o caso da fuga dos cónegos às obrigações litúrgicas, o seu absentismo, ou a prática de concessão de benefícios em expectativa. De forma breve, olhemos as alíneas que compõem estes estatutos.
Surgem, em primeiro lugar, as regras sobre as presenças nas horas litúrgicas.
Seriam considerados presentes os beneficiados que chegassem antes de determinado momento dos ofícios, coincidente, em geral, com a oração do “Gloria Patri” (do primeiro ou do terceiro salmos ou do “Beati Immacullati”, consoante a cerimónia e a hora em causa). Aqueles que participassem nas horas mas faltassem às “estações” ou à “preciosa” seriam penalizados com a perda de um ponto.
Estipulavam-se também os múltiplos casos em que a sua ausência seria justificada e fixava-se o número de dias que era possível faltar aos ofícios sem penalização.
…. O capítulo seguinte diz respeito à proibição de concessão de benefícios em expectativa. Era então muito comum tal prática, que se considera “contra directo expreso” e da qual resultavam “grandes scandallos dissensooes e perigoos”. Por isso se interdita que se façam tais “prometimentos”.
Mudando de temática, passa-se a determinar que cada novo beneficiado pagasse uma capa de pano de ouro ou de seda, de valor diferente consoante a categoria do benefício recebido, a ser conservada no tesouro da catedral.
De seguida, regulamenta-se a forma de concessão de emprazamentos [ou alugueres] por parte do cabido: deveriam ser decididos por todos em conjunto, em reunião capitular, de modo a não haver favorecimentos por parte de ninguém. No mesmo contexto de evitar situações menos claras determina-se que graças e contratos sejam atribuídos através de uma votação por meio de favas brancas e negras, exigindo-se a unanimidade do corpo canonical, e estipula-se que o autor de uma proposta se ausentasse da reunião, de modo a permitir que os outros cónegos debatessem sem constrangimentos o assunto em causa.
As normas que se seguem referem-se ao pagamento de lutuosas [direito que era pago ao senhorio quando morria o arrendatário de um bem] pelos cónegos e beneficiados do cabido e à necessidade de entregar a prazo os bens deixados à catedral para aniversários e outras comemorações.
…. De seguida, são-nos dadas importantes informações acerca da chancelaria capitular, ao determinar que dois cónegos, designados pelo cabido, deviam ser os detentores das chaves do cartório, do dinheiro da chancelaria e dos selos da canónica. A eles cabia também arrecadar o dinheiro da chancelaria que não excedesse as três libras e abastecer esta instância de escrita com cera, fita e papel.
Depois, define-se a prioridade que cabia aos beneficiados capitulares na concessão de benefícios de apresentação do próprio cabido: porque “aquel que sente o trabalho deve sentir o premyo e o que he ellegido pera os carregos nom deve ser repulso do gualardom”, um benefício vago de apresentação capitular devia ser afecto a quem tivesse voz no cabido, por ordem hierárquica.
Terminam os estatutos com a indicação minuciosa dos dias e horas em que os beneficiados recebiam os vários bens da prebenda e de outras porções a que tinham direito, elucidando-nos deste modo sobre os momentos em que, ao longo do ano, recebiam pão, vinho, pescado e outros bens alimentares, todos eles discriminados com maior ou menor grau de pormenor.
No manuscrito foi ainda lavrada uma nova entrada a 15 de Novembro do mesmo ano de 1454, acrescentando duas determinações: uma relativa à necessidade de haver pelo menos o acordo de três partes do cabido para se decidir “filhar” [contratar] um oficial fora do habitual (físico, cirurgião, sangrador, barbeiro ou carpinteiro), a outra relativa à necessidade de o presidente do cabido combinar previamente com os respetivos membros que certos assuntos seriam tratados nas reuniões capitulares de modo a que a convocatória para estas pudesse ter efeito.
AUC, Pergaminhos, Móv. 7, Gav. 5, nº 2
…. Em 1457 Fevereiro, 22, Coimbra – O bispo de Silves D. Álvaro, legado pontifício, confirma os estatutos do cabido da Sé de Coimbra … (caderno em pergaminho composto por 13 fólios … conserva o selo do bispo de Silves pendente da lombada, redondo … feito de cera vermelha sobre cocho virgem).
Morujão, M.R.B. Os Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra de 1454. Acedido em: https://www.academia.edu/7172342/_Os_estatutos_do_cabido_da_S%C3%A9_de_Coimbra_de_1454_?auto=download&email_...
O imponente e austero cenóbio, rematado por torreões ao gosto do de Filipe Terzi, marca a paisagem da margem esquerda do Mondego.
…. A documentação relativa à construção do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova mostra de facto que, apesar da multiplicidade de arquitetos e engenheiros militares que sucederam a Frei Turriano, a Planta Universal e infraestruturas, tais como a “ (…) obra e canos de água (…) ”, são da sua autoria. (Silva 2000)
O seu exemplar do Livro III de Sebastiano Serlio, dedicado às Antiguidades, poderá estar na génese do desenho do claustro.
Fig.3 - Tercero y quarto libro de architettura, Sebastiano Serlio, tradução castelhana Francisco Villalpando, 1573. (fonte: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra,cota R-61-1). Op. cit., pg., não numerada.
Nele anota proporções de átrios, claustros, cortili e fóruns, cuja função e disposição é fundamental na organização das restantes dependências. Não seria, portanto, de estranhar que o claustro do Mosteiro Isabelino já estivesse delineado nas plantas originais, da sua autoria.
O interesse que mostra pelo emprego da gramática das ordens como enunciam …. A solução que mais tarde seria adotada no esquema compositivo do claustro encontra-se espelhada nessas recomendações serlianas, sobretudo no que concerne às estruturas porticadas, das quais salientamos:”se os arcos queremos hazer, há de ser sobre Pilastrones quadrados. Y demas de esto sobreponer o arrimar a ellos las columnas redondas para mas ornato”.
Modelo 3d do Claustro Serliano do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, antes da reforma barroca. Proposta do autor, (2017). Op. cit., pg., não numerada.
…. Apesar de ser o autor da Planta Universal, a documentação que se conhece da obra não refere que Turriano alguma vez a tenha dirigido ou visitado, muito menos a do claustro que se inicia 20 anos depois da sua morte.
Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, claustro. Acervo RA
Após Turriano abandonar o projeto, Mateus do Couto … é chamado para dirigir a obra no Mosteiro … continuará a trabalhar nas medições dos trabalhos efetuados no Mosteiro, sendo sucedido nos seus diversos cargos, pelo seu protegido, Manuel do Couto.
Esta inter-relação entre arquitetos e engenheiros-militar no projeto do Mosteiro irá refletir-se na obra que hoje podemos observar erguida. Apesar de se apresentar com uma feição resultante das reformas Joanina e Pombalina, muito ao estilo de Custodio Vieira e Carlos Mardel, pode-se verificar que os elementos estruturais são mais próximos da cultura arquitetónica militar de feição maneirista. As tipologias que observamos surgiram com as diversas reformas barrocas, resultantes da inadequação do modelo original, tendo parte da estrutura original sido alterada de forma a adaptar melhor o Mosteiro às necessidades das Clarissas.
Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Portais da igreja e convento. Acervo RA
Podemos apenas supor que as proporções e a cenografia do projeto do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, que muitas vezes se aproximam das empregues num Palácio da Fé, poderão estar relacionadas com a necessidade que os Bragança tinham de projetar uma imagem forte de patrocínio Régio.
Tavares, P., Salema, S. e Pereira, F. B. 2013. A Fundação do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coimbra. Propagandística política, tratadística arquitectónica e engenharia militar entre a Dinastia Filipina e a Dinastia de Bragança. Estudo realizado no âmbito do Programa Doutoral Heritas – Estudos de Património, acedido em:
file:///C:/Users/Administrador/Downloads/A_Fundacao_do_Mosteiro_de_Santa_Clara_a.pdf
Divulgamos um trabalho de investigação realizado por três doutorandos, abaixo referenciados, realizado no âmbito do Programa Doutoral Heritas, o qual teve como objetivo o estudo da fundação do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova.
O Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, embora sendo uma obra de vulto da Restauração, encontra-se parcamente estudado.
Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, fachada principal. Acervo RA
Esta obra promove a propagandística político-religiosa do Culto da Rainha Santa Isabel de Portugal, que a Casa de Bragança perpétua após os Habsburgo.
…. Na documentação relativa à construção do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova verifica-se que plantas originais e infraestruturas, são da autoria de Frei João Turriano.
…. O Mosteiro de Santa Clara-a-Nova é a última obra de vulto de arquitetura de Frei Turriano, “Esta imponente massa arquitetónica, que segue o modelo profano dos palácio-bloco do final da centúria antecedente, é obra importante de síntese entre o modelo «chão» da arquitetura religiosa e certos pressupostos eruditos da arquitetura aristocrática de sinal Herreriano, que pela sua expressiva ambiguidade de novo nos recorda o peso da engenharia militar em tais empresas.”
Claustro do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Acervo RA
…. Nos séculos XIII e XIV, promoviam-se na cristandade as relações entre nobreza, santidade e caridade, especialmente relacionadas com as Ordens Franciscanas … O culto da Rainha Santa Isabel nasce por vox populi, foi posteriormente cultivado pelos seus descendentes dinásticos.
Túmulo primitivo da Rainha Santa Isabel de Portugal. Acervo RA
Os fundadores da Dinastia de Avis tinham presente a sua importância, sobretudo em alturas de maior instabilidade política. A propaganda é de facto intensa no propósito de se legitimarem, como foi o caso da escolha do Convento de Santa Clara de Coimbra para as núpcias de D. Duarte I e Leonor de Aragão …. Também o Rei D. Manuel I irá utilizar a sua antepassada para reforçar a sua legitimidade, obtendo do Papa Leão X a beatificação a 15 de Abril de 1516, sendo o culto autorizado localmente.
A devoção da Casa de Avis à Rainha Santa Isabel é evidente na procissão solene que D. João III e Catarina de Áustria organizam ao túmulo a 20 de Janeiro 1554, coincidindo com o nascimento de D. Sebastião. Este augúrio impulsiona a propagação do culto por todo o reino, sendo este anuído pelo Papa Paulo IV em 1556, a pedido de D. João III … D. Catarina de Áustria durante a regência irá continuar a promover e divulgá-lo. Será sobre a sua influência que se funda a Confraria da Rainha Santa Isabel de Portugal.
…. Em 1640, na sequência de conflitos internos entre a coroa, nobreza, aristocracia e a burguesia cristã-nova, inicia-se a Restauração surgindo a necessidade de legitimação tanto ao nível interno como externo da Dinastia de Bragança … O Culto da Rainha Santa Isabel, cuja disseminação extra-peninsular já era evidente, passou também a integrar o programa político-religioso dos Bragança.
Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, entrada. Imagem acedida em: https://visitregiaodecoimbra.pt/wp-content/uploads/2022/12/mosteiro-sta-clara-a-nova.jpeg
Em 1649, D. João IV ordena que se lance e inscreva na primeira pedra da construção do novo Mosteiro de Santa Clara, na qual determina que se refira à Rainha Santa Isabel como “sua Avó e Senhora”.
João IV por Peter Paul Rubens (c. 1628) Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_IV_de_Portugal
Numa altura em que as obras nacionais eram condicionadas pelas despesas da Guerra da Restauração, a construção deste imponente cenóbio, estende-se durante os reinados dos próximos cinco monarcas, reflete o programa político-religioso deste culto.
Tavares, P., Salema, S. e Pereira, F. B. 2013. A Fundação do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coimbra. Propagandística política, tratadística arquitectónica e engenharia militar entre a Dinastia Filipina e a Dinastia de Bragança. Estudo realizado no âmbito do Programa Doutoral Heritas – Estudos de Património, acedido em:file:///C:/Users/Administrador/Downloads/A_Fundacao_do_Mosteiro_de_Santa_Clara_a.pdf
É já de amanhã a oito dias - 6.ª feira, dia 19 de abril -, que irão prosseguir na Sala D. João III, no Arquivo da Universidade de Coimbra, as Conversas Abertas.
A palestra da próxima semana tem por título Formas de Habitação na Coimbra Quinhentista.
Conversa Aberta19 de abril, 18h00. Folha de sala, pormenor
A palestrante será a Senhora Prof.ª Doutora Luísa Trindade, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Professora Doutora Luísa Trindade. Imagem acedida em: https://chsc.uc.pt/investigador/luisa-trindade/
Como sempre ocorre, a entrada é livre e após a apresentação do tema é aberto um período para a intervenção e debate com os demais participantes.
Conversa Aberta19 de abril, 18h00. Cartaz
Pedimos a ajuda de todos na divulgação deste evento. Obrigado,
Rodrigues Costa
É já, depois de amanhã, sexta-feira, 22 do corrente, às 18h00, na sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra que irá decorrer mais uma Conversa Aberta.
Desta vez o palestrante será o Professor Catedrático Doutor Pedro Proença e Cunha (Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra) que irá apresentar o tema O Mikveh da Baixa de Coimbra (c. 1364-1496) - contribuição da geo-arqueologia para o conhecimento da comunidade judaica medieval.
A entrada é livre e, como é uso neste ciclo de conferências, após a apresentação do tema segue-se um período aberto à participação dos participantes.
Agrademos a ajuda possível, na divulgação do evento. Obrigado.
Rodrigues Costa (Blogue A´Cerca de Coimbra)
O subúrbio sofreu considerável destruição em 1373, quando as tropas de Henrique II de Castela atacaram a cidade, no decurso das guerras que o rei castelhano sustentou contra D. Fernando. Os castelhanos não entraram na almedina (onde se encontrava D. Leonor Teles, que então deu à luz sua filha, D. Beatriz), mas roubaram e puseram fogo a casas no subúrbio.
…. O ataque castelhano levou D. Fernando a reforçar as muralhas da cidade e a construir uma barbacã. A Judiaria, que ficava fora das muralhas, mas muito perto delas, foi parcialmente abandonada e o rei reinstalou os Judeus numa «rua nova» que saía da rua Direita e ainda hoje conserva o nome.
Reconstituição do castelo de Coimbra. Op. cit., 170
O Infante D. Pedro recebeu de seu pai o ducado de Coimbra em 1415. Através da sua correspondência sabemos que se preocupou com obras em pontes e calçadas da região. Na cidade, talvez o projeto mais relevante do seu tempo tenha sido o de reforçar o abastecimento de água. A obra, todavia, não se concretizou devido à oposição do mosteiro de Santa Cruz.
…. Em 1443, D. Pedro instituiu em Coimbra um «Estudo Geral de todas as sciencias», mas esta nova Universidade foi um projeto gorado.
No tempo de D. Manuel (1495-1521) foram muitas as obras feitas na cidade por iniciativa régia. Reconstruiu-se a ponte, alteando-a. Renovaram-se os Paços da Alcáçova e o mosteiro de Santa Cruz. Quer nos Paços, quer em Santa Cruz, as obras prosseguiram no reinado de D. João III.
Reconstituição hipotética do rossio da Portagem no séc. XVI. Op. cit., pg. 31
Ainda no tempo de D. Manuel construíram-se, na Praça Velha, o Hospital Real e os açougues.
No mesmo reinado, mas pelo bispo D. Jorge de Almeida, fizeram-se obras na Sé e no Paço Episcopal. Foi sob a égide deste bispo, na década de 1520, que se ergueu a famosa Porta Especiosa da Sé.
Sé Velha de Coimbra, Porta Especiosa. Acervo RA
A catedral foi forrada de azulejo hispano-árabes (dos quais hoje pouco resta) e enriquecida com o famoso retábulo flamengo da capela-mor.
Sé Velha de Coimbra, retábulo da capela-mor. Acervo RA
Vários particulares ergueram grandes moradias: o Paço de Sobre-Ribas, a casa do Conde de Cantanhede, a dos Alpoins e a dos Cunhas de Pombeiro. Portas e janelas manuelinas visíveis em muitas casas da cidade provam que foi grande a construção ou reconstrução de prédios particulares no tempo de D. Manuel.
…. Em 1537, D. João III transferiu a Universidade de Lisboa para Coimbra.
…. Pensava o rei na construção de um edifício novo para os estudos universitários.
…. Numa carta dirigida pela Universidade a D. João III, datada de 9 de Maio de 1537, lê-se que «ja nas cassas de dom Graçia dAlmeida Rector saõ feitas cadeiras e bancos em ordenãça em que cada hu dos lentes tem lidas suas prymeiras lições».
Como seria Coimbra em 1537?
A população da cidade talvez andasse entre 5000 e 5500 almas, vivendo intramuros pouco mais de um terço.
Para podermos imaginar a cidade de forma correta ou completa faltam-nos plantas, vistas panorâmicas, documentos escritos.
Plantas de edifícios e de arruamentos podem jazer, inéditas, nos arquivos. Recordaremos
… A vista panorâmica de Hoefnagel, desenhada em 1566 ou 1567, é de três décadas posterior à transferência da Universidade. Ainda assim, e apesar de ser algo fantasista a representação da cidade, não podemos ignorá-la.
Alarcão, J. Coimbra. O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira. 2022. Coimbra. Imprensa da Universidade.
….Fora da muralha, na área da rua do Corpo de Deus, ficava a Judiaria. Junto dela tinha-se aberto, no tempo de D. Afonso Henriques, a Porta Nova.
Finalmente, por uma cumeada, a muralha seguia até reencontrar o castelo.
Na parte baixa, fora da muralha e até ao rio, ficava o arrabalde ou subúrbio, onde se erguiam, no tempo de D. Afonso III, as igrejas de S. Bartolomeu e de Santiago, e os mosteiros de Santa Cruz, Santa Justa e S. Domingos. O arrabalde não ultrapassaria, nessa época, senão ligeiramente, uma linha de água conhecida pelo nome de «runa». Ia desaguar no Mondego, e na foz ficava um porto fluvial que ainda aparece representado nas plantas da cidade do séc. XIX, com o nome de porto dos Oleiros. Os conventos de São Domingos e de Santa Justa ficavam para além da «runa». Junto de Santa Justa haveria já no séc. XII um núcleo de casas.
…. O povoamento do arrabalde foi-se adensando ao longo dos séculos XIII e XIV.
Nestes séculos foram várias as medidas régias para contrariar o despovoamento da almedina, mas, aparentemente, sem grande sucesso.
Em 10 de Fevereiro de 1269, D. Afonso III isentou de hoste e anúduva os que quisessem vir morar dentro de muros e tabelou as aposentadorias. Procurava o rei evitar que fidalgos e clérigos, vindos de fora, se aposentassem abusivamente nas moradas de quem vivia m almedina sem pagarem o alojamento e a alimentação (ou sem pagarem o justo preço).
Poucos dias antes, em 25 de Janeiro, o rei havia obtido do alcaide Vasco Afonso e dos alvazis da cidade, Domingos Peres e Rui Viegas, autorização para que se instalassem as feiras, açougues, fangas e alfândegas na almedina. Isso seria fator de dinamização da área intramuros, mas facilitaria também a cobrança de taxas e impostos.
….Pode ter havido protestos da população local ou dos mercadores que vinham à cidade, porque em 7 de Maio de 1273 D. Afonso III, dirigindo-se ao alcaide e alvazis, mandou que a feira semanal se fizesse «onde vos aprouver». Provavelmente, havia na cidade vários lugares onde se faziam os mercados de levante semanais. Terá sido contra esta imposição de um lugar único que a população se terá insurgido. Pretenderia manter a pluralidade dos mercados. Ignoramos se um deles já se realizava no espaço entre as igrejas de S. Tiago e de S. Bartolomeu (atual Praça Velha ou do Comércio).
D. Dinis, que residiu demoradamente em Coimbra, transferiu para aqui a Universidade que havia fundado em Lisboa e instalou-a junto dos Paços da Alcáçova. Fez também obras nos Paços.
Paços de Coimbra após as obras do séc. XVI. Planta ao nível dos telhados. Op. cit., pg. 240
Mosteiro de Santa Clara, com o paço e hospício isabelinos. Adaptação de desenho de António Vasconcelos. Op. cit., pg. 23
Reconstituição planimétrica da cerca muçulmana do alcácer … ainda … o que ter existido nos sécs. XI e XII e a área construída por D. Dinis. Op. cit., pg. 235.
D. Afonso IV, enquanto Infante e herdeiro, teve em «Coimbra sua molher assento de sua caza». Já rei, escreveu, em 1338, que queria «fazer morada gram parte do ano na cidade de Coimbra ... foi acordado per todos … de nom star mays o dicto studo que na dicta cidade de Lisboa».
A decisão de transferir a Universidade de Coimbra para Lisboa foi revertida poucos anos depois: em 1354, D. Afonso IV voltou a instalá-la em Coimbra.
Em 1358, D. Pedro confirmou aos moradores da almedina os privilégios que por determinações régias tinham desde os tempos de D. Sancho II e mandou que os mercadores que viessem de fora fossem vender ao bairro escolar. Este bairro, cuja localização exata desconhecemos, foi coutado por D. Pedro. O rei definiu também os poderes da justiça civil municipal e da justiça universitária relativamente aos estudantes.
A Universidade manteve-se em Coimbra até ao tempo de D. Fernando, que a deslocou de novo para Lisboa em 1377. Talvez o mal-estar que haveria na cidade devido aos privilégios dos universitários e às tropelias dos estudantes tenha sido o motivo da transferência
O Rei Formoso concedeu isenções e privilégios aos que moravam na almedina e em 1377 instituiu uma feira franca que devia realizar-se, de 15 de Setembro a 15 de Outubro, «dentro na cerca da dicta cidade no cur[r]al dos nossos paaços e arredor deles se dentro nom couberem».
…. Do que temos dito transparece, por um lado, a preocupação dos reis quanto ao despovoamento da área intramuros – despovoamento que pretendiam contrariar – mas, ao mesmo tempo, a inelutável tendência para a fixação de uma parte substancial da população no arrabalde ou subúrbio – e a pressão que os moradores da parte baixa da cidade exerciam não ficarem excluídos ou menosprezados. No subúrbio iam-se estabelecendo cada vez mais, os ofícios mecânicos e o comércio. As ruas iam tomando nomes segundo as profissões: dos Tanoeiros, dos Caldeireiros, dos Pintadores, dos Peliteiros, da Louça ou dos Oleiros, da Moeda...
Não devemos, porém, contrapor o arrabalde à almedina como se nesta não houvesse artesãos e comerciantes. O nome de rua da Ferraria dado no séc. XIV à atual de Fernandes Tomás, ou da Çapataria à área do Pátio do Castilho, é prova de que na almedina também havia artesanato e comércio; e mais: que aqui havia igualmente algum arruamento de mesteres.
Alarcão, J. Coimbra. O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira. 2022. Coimbra. Imprensa da Universidade.
O Professor Doutor Jorge de Alarcão publicou, em 2022, o livro O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira.
Op. cit., capa
Trata-se de um trabalho de síntese dos estudos realizados sobre este tema, onde é apresentada a sua visão da evolução da cidade de Coimbra.
O livro é profusamente ilustrado quer com fotografias, quer com desenhos muito elucidativos e bem conseguidos. Acresce que se trata de uma obra de grande qualidade estética que se encontra dividida por 10 capítulos que abarcam não só o espaço construído adentro da muralha, bem como as áreas do antigo arrabalde.
Se vamos tentar uma reconstituição de Coimbra tal como seria em 1537, quando D. João III transferiu para aqui a Universidade, parece-nos necessária uma história, posto que muito breve, de tempos anteriores, desde a década de 1130, isto é, desde o tempo em que D. Afonso Henriques fez da cidade a principal do reino. Será resumido e imperfeito o que diremos, ignorando acontecimentos memorandos, mas tentando dar rapidamente conta de como se foi organizando o espaço urbano, do séc. XII ao XVI. Se o nosso foco é a cidade de 1537, o que nessa data existia tinha um passado, mais longinco ou mais recente. Por mais recente entendemos o tempo de D. Manuel, em cujo reinado se fizeram notáveis obras.
A cidade de Coimbra teve uma época áurea desde essa década de 1130 até à de 1260, isto é, do reinado de D. Afonso Henriques ao de D. Afonso III.
Se pensarmos que nesse período de quase 150 anos se construíram todas as igrejas românicas da cidade (Sé, S. Pedro, S. João, S. Salvador, S. Cristóvão, S. Tiago, S. Bartolomeu), bem como os mosteiros de Santa Cruz, Santa Justa, Sant' Ana ou Celas da Ponte, S. Domingos e S. Francisco, teremos ideia de quão nobilitado se encontrava o burgo onde os primeiros reis residiram demoradamente. Ausentavam-se muito, é certo, porque a administração do território exigia itinerância e a guerra contra a moirama reclamava saídas, mas sempre os reis regressavam a Coimbra – e os Paços da Alcáçova foram sua principal residência.
Em 1270, D. Afonso III fixou-se em Lisboa e daí pouco saiu até 1279, ano da sua morte.
Nesta última data, já a almedina, isto é, a área intramuros, se ia despovoando, enquanto o arrabalde ou subúrbio, entre a muralha e o rio, crescia e se adensava.
São poucos os vestígios que hoje restam da muralha. Pode facilmente, porém, reconstituir-se-lhe o traçado.
Planta da cidade medieval nos meados do séc. XIII, com representação da muralha, dos principais arruamentos, das igrejas e dos mosteiros, da alcáçova, do paço episcopal e do castelo. Op. cit., pg. 12
Uma das portas principais, a do Sol, ficava junto do castelo, onde D. Afonso Henriques havia edificado a torre de menagem, e D. Sancho I construído, em 1198, uma torre pentagonal.
Da porta do Sol descia a muralha até à de Belcouce, ao fundo da atual couraça de Lisboa. Nesse percurso ficava a porta da Traição ou de Genicoca. Abaixo desta, uma couraça (obra também, provavelmente, de D. Sancho I) arrancava da muralha direita ao rio e terminava numa porta que o desenho de Hoefnagel ainda representa. Quando, na década de 1980, se fizeram obras de saneamento na avenida Navarro, reconheceram-se vestígios dessa porta perto do restaurante D. Pedro (no número 58 da avenida).Gravura publicada em George BRAUN, «Civitatis orbis terrarum», vol. V, Colónia, 1598, a partir de desenho de Hoefnagel
Junto da porta de Belcouce ergueu D. Sancho I, em 1211, uma segunda torre pentagonal que ainda hoje se conserva.
Daqui, a muralha seguia à torre de Almedina e subia depois no sentido da rua do Corpo de Deus. No percurso entre a torre de D. Sancho e a de Almedina ainda se reconhecem hoje alguns torreões. A norte da torre de Almedina encontram-se duas torres: uma incorporada no paço de Sobre-Ribas e outra conhecida como torre d’Anto.
Alarcão, J. Coimbra. O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira. 2022. Coimbra. Imprensa da Universidade.
A obra que vimos revelando aos nossos leitores encontra-se dividida em duas partes.
A primeira que corresponde à entrada anterior e às primeiras 20 páginas do livro, aborda a questão dos documentos fundacionais da Universidade portuguesa e o achamento do único documento conhecido que autentifica a sua fundação por D. Dinis.
Uma segunda parte que corresponde à presente entrada, procura descrever a génese e evolução dos selos que roborando um pergaminho lhe davam a força e a capacidade legal para imporem o que nele estava escrito.
O autor situa o início, grosso modo, desta prática no século X e que a mesma foi iniciada por autoridades eclesiásticas.
No que concerne a Portugal, diz, António de Vasconcelos.
Em Portugal parece que foi D. Sancho I quem introduziu este uso. Pelo menos é dele, e apenso a um documento do ano de 1189, o mais antigo dos selos pendentes de que nos dá conta D. António Caetano de Sousa, que o reproduz em gravura. Mais recentemente João Pedro Ribeiro, e por fim A. C. Teixeira de Aragão, também a ele se reportam, como sendo, entre os selos «certos» dosmonarcas portugueses, o mais antigo dos selos pendentes conhecidos.
Tem, como os seus coevos, a forma de amêndoa, com a ponta voltada para baixo.
…. Temos uma nítida reprodução deste selo nas coleções esfragísticas da Faculdade de Letras de Coimbra.
… Em Portugal os reis Sancho I, Afonso II e Sancho II usaram selos de tipo «heráldico» [os selos de autoridade], cujo campo era preenchido pelo escudo nacional das quinas, sem bordadura de castelos, tendo na orla a inscrição. Nunca usaram «selo de majestade». Os restantes reis da primeira dinastia continuaram no mesmo uso, mas além daquele selo comum e usual, tiveram um outro, com uma face «heráldica», outra de «autoridade», que usavam raramente, num ou noutro diploma mais importante e distinto; excetua-se o rei D. Pedro I, que não consta jamais usasse selo de «autoridade» ou do «cavalo», como então se dizia.
Selo de autoridade de D. Afonso IV, publicado por D. António Caetano de Sousa. Op. cit., pg. 31.
Reprodução em gesso, existente no Museu Municipal do Porto do selo de autoridade de D. Dinis, do Arquivo Nacional parisiense.
Op. cit., Pg. 35
Cumpre-me agradecer à Sr.ª Dr.ª Ana Maria Bandeira a disponibilização das imagens a seguir apresentadas, dos selos que considerou os mais bonitos da coleção que o Arquivo da Universidade de Coimbra possui.
- Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra
Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra. 1454-1457
Representa uma Anunciação da Virgem, podendo ver-se o Anjo da Anunciação do lado esquerdo. Datado de 1454-1457, autentifica os Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra elaborados durante o pontificado do Bispo D. Afonso Nogueira.
Selo de cera vermelha do Bispo de Silves, D. Álvaro, Legado a latere, que confirmou os referidos Estatutos em 1457; suspenso de cordão vermelho; formato circular.
Cabido da Sé de Coimbra (F); Coleção de Pergaminhos (Col). AUC-V-3.ª-Móv.7 – Gav. 5 – n.º 2
- Selo de carta de emprazamento. 1477
Selo de carta de emprazamento. 1477, dezembro, 6. Cárquere (c. Resende, d. Viseu)
Carta de emprazamento em três vidas feita por D. Rui Vasques, prior do Mosteiro de Santa Maria de Cárquere, da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, a João de Sequeira, escudeiro do Conde de Penela e a sua mulher e um filho ou pessoa que um deles nomeasse. O prazo era formado por umas pesqueiras no rio Douro, pelas quais pagaria de foro seis lampreias ou, não havendo lampreias, pagaria seis pescadas frescas.
Selo do abade do Mosteiro, de cera castanha sobre cocho de cera branca, suspenso de cordão castanho e branco; formato circular.
Mosteiro de Santa Maria de Cárquere (F); Coleção de Pergaminhos (Col). AUC -IV-3.ª-Gav. 23A-n.º 19
- Selo da Ordem de Cristo. 1528
Selo de uma carta de D. João III. 1528, março, 2. Almeirim
Carta de D. João III enviada ao corregedor das Ilhas dos Açores e aos juízes e oficiais da Ilha Terceira, contendo o privilégio de Couto da Quinta e Herdade de Porto da Cruz, dos Biscoitos, na Ilha Terceira. A pedido que lhe fora enviado pelo seu proprietário, Pedro Anes do Canto, fidalgo da Casa Real, o Rei envia uma proibição para que ninguém lá possa caçar, pois ali tinha o seu proprietário criação de pavões e galinhas da Guiné, desejando iniciar ainda a criação de coelhos, perdizes e outras aves.
Selo de cera vermelha em cocho de madeira; suspenso de cordão castanho e branco; formato circular.
Selo da Ordem de Cristo, a cujo Mestrado pertencia a Ilha Terceira, sendo o Rei o seu Mestre.
Coleção Martinho da Fonseca (COL); Miscelânea de Documentos, cx. XIX, n.º 67. AUC-VI-3.ª-1-3-14
Vasconcelos, A. O diploma dionisiano da fundação primitiva da Universidade portuguesa. (1 de março de 1290).1990, Arquivo da Universidade de Coimbra.
É já na próxima 6.ª feira, dia 26 de maio, pelas 18:00, que irá decorrer no Arquivo da Universidade de Coimbra, na Sala D. João III, a penúltima das Conversas Abertas desta série, como sempre com entrada livre e aberta a participação de todos.
A palestrante será a Arquiteta Isabel Anjinho, que vem realizando uma notável obra da investigação sobre o passado da nossa Cidade e que, desta vez, falará sobre o CASTELO DE COIMBRA.
Além da exposição oral, as imagens em 3D permitirão conhecer o que era o castelo e como o mesmo se inseria na malha urbana de então.
Apresentamos a folha de sala que estará à disposição de todos os participantes.
Folha de sala
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Rodrigues Costa
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