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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 10.09.24

Coimbra: Descobertas arqueológicas no subsolo do edifício da Livraria Coimbra Editora

Uma notícia, não assinada, publicada na edição de 19 de dezembro de 2004 do jornal Público, referencia a existência, na cave da antiga livraria Coimbra Editora, de vestígios arqueológicos – um trecho do fosso que integrava o sistema defensivo da cidade, silos árabes entulhados de cerâmicas e de fragmentos de alcatruz cerâmico – que julgamos relevantes para todos quantos se interessam pelas coisas de Coimbra.

A esta notícia acrescem documentos que nos foram disponibilizados que referem a realização em 2004, de uma reunião nos Paços do Concelho que teve por objetivo «aferir/otimizar a melhor solução para o fosso», na qual foi autorizado «um corte de 0,80m paralelo à parede sul, ao nível da cave» e, ainda, «um rebaixamento do coroamento do fosso no máximo de 0,34m».

“Acordo/autorização” que permitiu que os vestígios então encontrados sumissem parcialmente e os que restavam fossem seriamente mutilados.

Vestígios mutilados que a Livraria em ordem aos quais a Livraria Coimbra Editora. Ld.ª criou condições mínimas para a sua visualização.

porta-da-barbaca Coimbra Editora.webp Porta da Barbacã e fachada lateral do prédio, ainda com letreiro da Coimbra Editora. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https

Coimbra Editora armazens.webpLogotipo da Coimbra Editora, colocado na frontaria das suas antigas instalações, na Rua do Arnado. Imagem acedida em: https://observador.pt/2020/09/22/coimbra-editora-cessa-atividade-ate-ao-fim-do-mes/

À declaração, no final de 2015, da insolvência da Coimbra Editora. Ld.ª, seguiu-se a compra do imóvel pela empresa Gomes & Góis, Ourives e Joalheiros que continuou a facilitar a visualização do que restava das descobertas feitas.

Coimbra Editora, Gois 2.jpg

Porta da Barbacã e fachada lateral do prédio, com letreiro da empresa Gomes & Góis. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https

Recentemente, o imóvel voltou a ser vendido agora, segundo parece, a uma empresa estrangeira da área da restauração. Atualmente o edifício está encerrado, não sendo conhecidas informações seguras quanto a futura utilização do mesmo.

Os factos referidos, levaram-nos a refletir sobre o assunto e a voltar a uma questão que, desde há longos anos, tenho procurado interessar Coimbra, a qual resumo colocando as seguintes interrogações.

Será que Coimbra não merece um núcleo museológico dotado das condições técnicas de exposição hoje disponíveis, destinado a dar a conhecer a história milenar da urbe?

Será que o edifício onde durante tantos anos esteve instalada a Livraria Coimbra Editora e que possui ainda, no seu subsolo, alguns vestígios arqueológicos ligados aos primórdios longínquos da existência do burgo não seria o local mais adequado para nele se instalar esse núcleo?

Será que a civitas irá assistir sem um arrepio a que, dos vestígios arqueológicos ali descobertos, nada mais reste do que um conjunto de documentos esquecidos nos arquivos?

Será que interessa a Coimbra que, num local tão nobre, seja dada prioridade à abertura de mais uma venda de pizas ou de “artesanato”?

É para esta reflexão que convoco todos os que amam Coimbra.

Texto do artigo

Livraria Coimbra Editora. Instituto Português de Arqueologia e o Instituto Português de Património Arquitetónico tem opiniões distintas quanto à conservação do achado.

 A remodelação da Livraria Coimbra Editora, implantada junto à Cerca e Portas de Almedina, em Coimbra, desvendou importantes tesouros do passado, mas um achado inédito – um fosso do sistema defensivo da cidade – ... Presumivelmente do período medieval, essa vala escavada na rocha, que ainda conserva uma profundidade de cerca de dois metros e meio, é um achado único em Coimbra. Embora apareça vagamente referenciada em documentos antigos, nunca tinha sido encontrada.

Para o IPA, sendo o fosso parte integrante do sistema defensivo de Coimbra, e encontrando-se este classificado como monumento nacional desde 1910, através da Cerca e das Portas de Almedina, deverá ser preservado e musealizado.

Mas o IPPAR, que tutela os monumentos nacionais, a 12 de novembro último deu parecer favorável à reformulação do projeto de arquitetura do dono do imóvel, autorizando o “desmonte de um trecho do fosso, salvaguardando o princípio da conservação pelo registo cientifico” … na prática, isso consistiria na destruição de uma parte significativa deste troço de fosso com a colocação no piso da cave de uma espécie de tampa amovível para que uma pequena parte pudesse ser observada...

Tesouros do passado

Além do troço do fosso, as obras de remodelação da livraria desvendaram no subsolo da cave outros tesouros do passado, considerados de grande importância para o conhecimento da ocupação da cidade de Coimbra.

“Naquela cave conseguimos percorrer a história de Coimbra, desde o século VIII até à atualidade”, comentou Costa Santos. Aí foram descobertos antigos silos árabes entulhados com cerâmicas e moedas de várias épocas, e ainda fragmentos de alcatruz cerâmico que cronistas norte-africanos diziam existir no vale do rio Mondego.

Várias peças cerâmicas de uso doméstico, algumas delas do período árabe, foram recolhidas quase intactas, e os arqueólogos admitem que ainda será possível a reconstituição de outras através da colagem de fragmentos. Três dos quatro silos foram destruídos durante as obras, após o seu registo científico … O silo conservado, semi-incrustado numa parede do edifício, será futuramente convertido em suporte expositivo da livraria. Igualmente a parte de uma das torres das portas da cidade aí descoberta, que Costa Santos julga datadas do século XIII ou XIV, ficará visível aos utentes da livraria, em consequência das adaptações ao projeto original de remodelação.

Publico, jornal. 2004. Achados Arqueológicos em Livraria Opõem Entidades em Coimbra. Texto acedido em: http://jornal.publico/2004/12/19/LocalCentro/LC03.html

 

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por Rodrigues Costa às 10:17

Terça-feira, 02.04.24

Coimbra: Equipamentos litúrgicos primitivos da Sé Velha 1

Prosseguindo na divulgação de estudos sobre a Sé Velha primitiva, é hoje levado ao conhecimento dos nossos leitores, um trabalho da Doutora Joana Filipa Antunes, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património, daquela Instituição.

A Sé Velha de Coimbra é particularmente (re)conhecida pelo seu rosto medieval. Espécie de catedral fortaleza, a sua arquitetura e a história que ela conta, confirmam e alimenta o nosso imaginário em torno de um tempo em que as catedrais eram românicas e marcavam o território de um reino em construção.

Sé Velha 4.jpgSé Velha. In: Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com vistas Photograficas n.º 5. Lisboa. 1862

Pouco se sabe, contudo, sobre os equipamentos litúrgicos, os investimentos artísticos, o aspeto interior, a organização espacial e, no fundo, a paisagem visual da sé medieval.

…. Procurámos, então, reencontrar a “catedral habitada” … dos séculos medievais, ainda genericamente desconhecida. Dela sabemos hoje, em traços muito gerais, que contaria:

- Com três capelas principais, de estrutura arquitetónica perene e, portanto, sobreviventes até hoje: a capela-mor, dedicada à Virgem, a capela de São Pedro, ao Evangelho, e a capela de São Martinho (dedicada, desde o século XVI, ao Santíssimo Sacramento).

Sé Velha. Retábulo 04.jpgCapela mor, na atualidade. Acervo RA

 .... Com muitas outras capelas entretanto descaracterizadas ou desaparecidas, como a capela de Santa Clara e a capela de São Geraldo, cada uma na sua extremidade do transepto, ou a capela de Santa Maria Madalena, encostada à extremidade ocidental do coro, junto à porta do claustro ou, ainda os altares de Santa Maria, do Anjo, de São Sebastião, Santa Bárbara, São Nicolau e dos Santos Cosme Damião e que não pudemos ainda localizar com precisão mas que, a partir do século XVI, deixarão de ter existência física, canalizando-se as respetivas devoções (e imagens devocionais) para o retábulo-mor encomendado por D. Jorge de Almeida e, mais tarde, para altares menores.

- Com um coro central, ocupando dois tramos da nave central a partir do cruzeiro, dotado de uma porta ocidental encimada por um crucifixo, à maneira do que se erguia sobre o «leedoiro» do coro de Santiago de Compostela e onde a poderosa D. Vataça de Lascaris (f. 1336) se faz sepultar em monumento elevado e, nesta época, coberto com um pano com “signaes, figuras d’aguias e flores” …

 

Vataça, tumulo.jpg

Sé Velha, tumulo de D. Vataça.  Mestre Pero, 1336. Imagem acedida https://pt.wikipedia.org/wiki/Vata%C3%A7a_L%C3%A1scaris#/media/Ficheiro:Vata%C3%A7a.jpg

 - Com um cadeiral, encomendado em 1413, pintado e dourado, com o seu “almocarabez de ouro fino”, … numa solução formal cuja dimensão seria, muito provavelmente, impeditiva de uma vista ampla e desafogada da capela-mor a partir da entrada da igreja.

- Com um coro-alto, concluído em torno de 1477, ocupando os dois primeiros tramos da nave central, ao nível do trifório, e ostentando, no subcoro, um teto mudéjar de laçaria.

- Com numerosas tumulações, em campa rasa, em campas pintadas e em monumentos funerários esculpidos e dotados de jacente, dos quais nos chegaram, sobretudo, túmulos episcopais.

- Com panos, véus, cortinas, corrediças, das mais variadas cores e materiais, a comporem estruturas de capelas ou cenários efémeros, ocultarem imagens ou vesti-las de acordo com as muitas festas do calendário litúrgico.

 De todos estes espaços e equipamentos, aquele que maior atenção recebe nos dois primeiros séculos da catedral românica é, sem dúvida, a capela-mor. Espaço pequeno, não obstante a sua importância, foi sendo composto, dignificado, enobrecido e densamente preenchido nos séculos seguintes. E é a partir dele, portanto, que iniciaremos esta abordagem à Sé Velha medieval, focando-nos exclusiva e operativamente (embora não exaustivamente) nos objetos, equipamentos e imagens de que foi sendo acrescentado ao longo de quatro séculos.

Antunes, J. F. (Re)ver a Sé Velha de Coimbra: Equipamentos Litúrgicos da Capela-Mor Medieval (Séculos XII.XV). In: Actas. Congreso Internacional VIII Centenario Catedral de Burgos “El mundo de las Catedrales” celebrado en Burgos del 13 al 16 de junio de 2022. Edição Fundación VIII Centenario de la Catedral. Burgos 2021. Acedido em

https://www.academia.edu/91358706/_Re_ver_a_S%C3%A9_Velha_de_Coimbra_equipamentos_lit%C3%BArgicos_da_capela_mor_medieval_s%C3%A9culos_XII_XV_

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por Rodrigues Costa às 14:49

Quinta-feira, 28.03.24

Coimbra: Sé de Coimbra, os seus primórdios

Com a presente entrada chamamos a atenção dos leitores para um estudo, da autoria da Professora Doutora Maria do Rosário Barbosa Morujão, o qual nos permite conhecer como, nos seus tempos iniciais, se organizava a Sé de Coimbra.

Sé de Coimbra, os seus primórdios 1.jpgOp cit., capa.

Sé de Coimbra, os seus primórdios 2.jpg

 Pormenor do jacente do Bispo D. Tibúrcio (Sé Velha de Coimbra). Fotografia de Anísio Miguel de Sousa Saraiva .Op. cit., pormenor da capa

A obra que agora se dá à estampa tem como base a dissertação de doutoramento em História da Idade Média apresentada, em 2005, à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. O tema que aborda encontra-se claramente definido no seu próprio título: A Sé de Coimbra: a lnstituição e a Chancelaria (1080-1318). Com efeito, o objeto do estudo elaborado é a catedral conimbricense, ao longo de uma cronologia que se estende desde a restauração da diocese, após a reconquista definitiva da cidade, até ao final do episcopado de D. Estêvão Eanes Brochardo, falecido em 1318.

A data de início da investigação explica-se por si mesma: começa precisamente quando a diocese é restaurada, no ano em que encontramos provas de que o primeiro bispo, D. Paterno (1080-1087) já ocupava a cátedra conimbricense, dezasseis anos depois de ter sido escolhido para o cargo pelo rei Fernando Magno e pelo conde Sesnando, mas só tendo podido assumir funções depois de Afonso VI se ter tornado imperador da Hispânia.

Já a escolha do «terminus ad quem» é menos óbvia justificando-se pelo desejo de incluirmos na análise realizada os episcopados de dois chanceleres de D. Dinis, D. Pedro Martins (1296-1301) e D. Estêvão Eanes Brochardo (1303-1318). Efetivamente, pareceu-nos que a prática adquirida pelos prelados no serviço de escrivaninha do monarca se poderia refletir na organização da chancelaria da catedral. Assim se explica a data de 1318, e fica definida a amplitude desta abordagem no tempo longo, que nos permitiu acompanhar a história da diocese desde a sua restauração até à primeira década do século XIV ou seja, do tempo em que Coimbra, recém-conquistada era sede de um condado no limite meridional do mundo cristão peninsular, até quase ao final do reinado de D. Dinis, quando Portugal adquiriu as suas fronteiras definitivas.

Coimbra. Sé Velha, c. 1862.jpg

Antiga Sé de Coimbra em meados do séc. XIX. Acervo RA

…. [A] Primeira Parte, dedicada, como dissemos, ao estudo da Sé enquanto instituição, é composta por quatro capítulos. No primeiro, abordámos a restauração e a organização da diocese, traçando as linhas gerais da sua história desde os mais recuados tempos, analisando o processo de restauração que se seguiu à reconquista cristã, a integração de Coimbra na província bracarense e a definição das fronteiras do território diocesano.

No segundo capítulo, procedemos ao estudo dos bispos que Coimbra conheceu durante este período: ao todo contam-se dezoito prelados, cujas vidas, percursos e formas de atuação à frente da diocese procurámos reconstituir, no decurso de três períodos de características bem definidas, cuja existência se tornou evidente à medida que progredíamos na investigação.

O terceiro capítulo versou sobre a organização do cabido: a sua evolução ao longo dos séculos, desde o tempo em que os cónegos viviam em comunidade, em torno da Sé recém-restaurada, passando pelo processo de secularização ocorrido entre o século XII e as primeiras décadas de Duzentos, caracterizando-se, por fim, a estrutura da canónica tal como ficou definida pelos estatutos recebidos em 1229, que estabeleceram as suas bases para todo o restante período abrangido pela cronologia do nosso trabalho.

 Morujão, M.R. B. Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria (1080-1318). 2010. Coimbra, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Técnica.

 

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por Rodrigues Costa às 10:34

Quarta-feira, 20.03.24

Conversas Abertas:  O Mikveh da Baixa de Coimbra (c. 1364-1496) - contribuição da geo-arqueologia para o conhecimento da comunidade judaica medieval

É já, depois de amanhã, sexta-feira, 22 do corrente, às 18h00, na sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra que irá decorrer mais uma Conversa Aberta.

CA. 22.04.2024 f1.jpg

Desta vez o palestrante será o Professor Catedrático Doutor Pedro Proença e Cunha (Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra) que irá apresentar o tema O Mikveh da Baixa de Coimbra (c. 1364-1496) - contribuição da geo-arqueologia para o conhecimento da comunidade judaica medieval.

CA. 22.04.2024 c1.jpg

A entrada é livre e, como é uso neste ciclo de conferências, após a apresentação do tema segue-se um período aberto à participação dos participantes.

Agrademos a ajuda possível, na divulgação do evento. Obrigado.

Rodrigues Costa (Blogue A´Cerca de Coimbra)

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por Rodrigues Costa às 16:54

Sexta-feira, 15.03.24

Conversas Abertas: Mikveh em Coimbra, resultados da escavação arqueológica

É já – de hoje a oito dias, na 6.ª feira, dia 22 de março, às 18h00 – que no Arquivo da Universidade de Coimbra, as Conversas Abertas irão prosseguir, com uma palestra em que serão apresentados os resultados das escavações arqueológicas, realizadas no único vestígio construtivo conhecido, da desaparecida comunidade judaica de Coimbra, localizado na Rua Visconde da Luz.

Recordo que uma «mikveh» é um tanque onde é recolhida a água de uma nascente, que serve para a realização de uma cerimónia de purificação, por imersão em água, praticada na religião judaica.

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Cartaz da palestra

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Folha de sala a distribuir na palestra, 1

CA. 22.04.2024 f2.jpg

Folha de sala a distribuir na palestra, 2

 

A entrada é livre e após uma introdução do tema pelo palestrante seguir-se-á o habitual tempo de discussão com os assistentes.

Pedimos a ajuda de todos na divulgação deste evento.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 11:38

Quinta-feira, 22.02.24

Coimbra: Ressurgimento da Cidade em 1537 2

….Fora da muralha, na área da rua do Corpo de Deus, ficava a Judiaria. Junto dela tinha-se aberto, no tempo de D. Afonso Henriques, a Porta Nova.

Finalmente, por uma cumeada, a muralha seguia até reencontrar o castelo.

Na parte baixa, fora da muralha e até ao rio, ficava o arrabalde ou subúrbio, onde se erguiam, no tempo de D. Afonso III, as igrejas de S. Bartolomeu e de Santiago, e os mosteiros de Santa Cruz, Santa Justa e S. Domingos. O arrabalde não ultrapassaria, nessa época, senão ligeiramente, uma linha de água conhecida pelo nome de «runa». Ia desaguar no Mondego, e na foz ficava um porto fluvial que ainda aparece representado nas plantas da cidade do séc. XIX, com o nome de porto dos Oleiros. Os conventos de São Domingos e de Santa Justa ficavam para além da «runa». Junto de Santa Justa haveria já no séc. XII um núcleo de casas.

…. O povoamento do arrabalde foi-se adensando ao longo dos séculos XIII e XIV.

Nestes séculos foram várias as medidas régias para contrariar o despovoamento da almedina, mas, aparentemente, sem grande sucesso.

Em 10 de Fevereiro de 1269, D. Afonso III isentou de hoste e anúduva os que quisessem vir morar dentro de muros e tabelou as aposentadorias. Procurava o rei evitar que fidalgos e clérigos, vindos de fora, se aposentassem abusivamente nas moradas de quem vivia m almedina sem pagarem o alojamento e a alimentação (ou sem pagarem o justo preço).

Poucos dias antes, em 25 de Janeiro, o rei havia obtido do alcaide Vasco Afonso e dos alvazis da cidade, Domingos Peres e Rui Viegas, autorização para que se instalassem as feiras, açougues, fangas e alfândegas na almedina. Isso seria fator de dinamização da área intramuros, mas facilitaria também a cobrança de taxas e impostos.

….Pode ter havido protestos da população local ou dos mercadores que vinham à cidade, porque em 7 de Maio de 1273 D. Afonso III, dirigindo-se ao alcaide e alvazis, mandou que a feira semanal se fizesse «onde vos aprouver». Provavelmente, havia na cidade vários lugares onde se faziam os mercados de levante semanais. Terá sido contra esta imposição de um lugar único que a população se terá insurgido. Pretenderia manter a pluralidade dos mercados. Ignoramos se um deles já se realizava no espaço entre as igrejas de S. Tiago e de S. Bartolomeu (atual Praça Velha ou do Comércio).

D. Dinis, que residiu demoradamente em Coimbra, transferiu para aqui a Universidade que havia fundado em Lisboa e instalou-a junto dos Paços da Alcáçova. Fez também obras nos Paços.

JA, Ressurg, pg. 240.jpg

Paços de Coimbra após as obras do séc. XVI. Planta ao nível dos telhados. Op. cit., pg. 240

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Mosteiro de Santa Clara, com o paço e hospício isabelinos. Adaptação de desenho de António Vasconcelos. Op. cit., pg. 23

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Reconstituição planimétrica da cerca muçulmana do alcácer … ainda … o que ter existido nos sécs. XI e XII e a área construída por D. Dinis. Op. cit., pg. 235.

D. Afonso IV, enquanto Infante e herdeiro, teve em «Coimbra sua molher assento de sua caza». Já rei, escreveu, em 1338, que queria «fazer morada gram parte do ano na cidade de Coimbra ... foi acordado per todos … de nom star mays o dicto studo que na dicta cidade de Lisboa».

A decisão de transferir a Universidade de Coimbra para Lisboa foi revertida poucos anos depois: em 1354, D. Afonso IV voltou a instalá-la em Coimbra.

Em 1358, D. Pedro confirmou aos moradores da almedina os privilégios que por determinações régias tinham desde os tempos de D. Sancho II e mandou que os mercadores que viessem de fora fossem vender ao bairro escolar. Este bairro, cuja localização exata desconhecemos, foi coutado por D. Pedro. O rei definiu também os poderes da justiça civil municipal e da justiça universitária relativamente aos estudantes.

A Universidade manteve-se em Coimbra até ao tempo de D. Fernando, que a deslocou de novo para Lisboa em 1377. Talvez o mal-estar que haveria na cidade devido aos privilégios dos universitários e às tropelias dos estudantes tenha sido o motivo da transferência

O Rei Formoso concedeu isenções e privilégios aos que moravam na almedina e em 1377 instituiu uma feira franca que devia realizar-se, de 15 de Setembro a 15 de Outubro, «dentro na cerca da dicta cidade no cur[r]al dos nossos paaços e arredor deles se dentro nom couberem».

…. Do que temos dito transparece, por um lado, a preocupação dos reis quanto ao despovoamento da área intramuros – despovoamento que pretendiam contrariar – mas, ao mesmo tempo, a inelutável tendência para a fixação de uma parte substancial da população no arrabalde ou subúrbio – e a pressão que os moradores da parte baixa da cidade exerciam não ficarem excluídos ou menosprezados. No subúrbio iam-se estabelecendo cada vez mais, os ofícios mecânicos e o comércio. As ruas iam tomando nomes segundo as profissões: dos Tanoeiros, dos Caldeireiros, dos Pintadores, dos Peliteiros, da Louça ou dos Oleiros, da Moeda...

Não devemos, porém, contrapor o arrabalde à almedina como se nesta não houvesse artesãos e comerciantes. O nome de rua da Ferraria dado no séc. XIV à atual de Fernandes Tomás, ou da Çapataria à área do Pátio do Castilho, é prova de que na almedina também havia artesanato e comércio; e mais: que aqui havia igualmente algum arruamento de mesteres.

 Alarcão, J. Coimbra. O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira. 2022. Coimbra. Imprensa da Universidade.

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por Rodrigues Costa às 11:25

Terça-feira, 20.02.24

Coimbra: Ressurgimento da Cidade em 1537 1

O Professor Doutor Jorge de Alarcão publicou, em 2022, o livro O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira.

JA Ressurg capa.jpgOp. cit., capa

Trata-se de um trabalho de síntese dos estudos realizados sobre este tema, onde é apresentada a sua visão da evolução da cidade de Coimbra.

O livro é profusamente ilustrado quer com fotografias, quer com desenhos muito elucidativos e bem conseguidos. Acresce que se trata de uma obra de grande qualidade estética que se encontra dividida por 10 capítulos que abarcam não só o espaço construído adentro da muralha, bem como as áreas do antigo arrabalde.

Se vamos tentar uma reconstituição de Coimbra tal como seria em 1537, quando D. João III transferiu para aqui a Universidade, parece-nos necessária uma história, posto que muito breve, de tempos anteriores, desde a década de 1130, isto é, desde o tempo em que D. Afonso Henriques fez da cidade a principal do reino. Será resumido e imperfeito o que diremos, ignorando acontecimentos memorandos, mas tentando dar rapidamente conta de como se foi organizando o espaço urbano, do séc. XII ao XVI. Se o nosso foco é a cidade de 1537, o que nessa data existia tinha um passado, mais longinco ou mais recente. Por mais recente entendemos o tempo de D. Manuel, em cujo reinado se fizeram notáveis obras.

A cidade de Coimbra teve uma época áurea desde essa década de 1130 até à de 1260, isto é, do reinado de D. Afonso Henriques ao de D. Afonso III.

Se pensarmos que nesse período de quase 150 anos se construíram todas as igrejas românicas da cidade (Sé, S. Pedro, S. João, S. Salvador, S. Cristóvão, S. Tiago, S. Bartolomeu), bem como os mosteiros de Santa Cruz, Santa Justa, Sant' Ana ou Celas da Ponte, S. Domingos e S. Francisco, teremos ideia de quão nobilitado se encontrava o burgo onde os primeiros reis residiram demoradamente. Ausentavam-se muito, é certo, porque a administração do território exigia itinerância e a guerra contra a moirama reclamava saídas, mas sempre os reis regressavam a Coimbra – e os Paços da Alcáçova foram sua principal residência.

Em 1270, D. Afonso III fixou-se em Lisboa e daí pouco saiu até 1279, ano da sua morte.

Nesta última data, já a almedina, isto é, a área intramuros, se ia despovoando, enquanto o arrabalde ou subúrbio, entre a muralha e o rio, crescia e se adensava.

São poucos os vestígios que hoje restam da muralha. Pode facilmente, porém, reconstituir-se-lhe o traçado.

JA Ressurg, pg. 12.jpgPlanta da cidade medieval nos meados do séc. XIII, com representação da muralha, dos principais arruamentos, das igrejas e dos mosteiros, da alcáçova, do paço episcopal e do castelo. Op. cit., pg. 12

Uma das portas principais, a do Sol, ficava junto do castelo, onde D. Afonso Henriques havia edificado a torre de menagem, e D. Sancho I construído, em 1198, uma torre pentagonal.

Da porta do Sol descia a muralha até à de Belcouce, ao fundo da atual couraça de Lisboa.  Nesse percurso ficava a porta da Traição ou de Genicoca. Abaixo desta, uma couraça (obra também, provavelmente, de D. Sancho I) arrancava da muralha direita ao rio e terminava numa porta que o desenho de Hoefnagel ainda representa. Quando, na década de 1980, se fizeram obras de saneamento na avenida Navarro, reconheceram-se vestígios dessa porta perto do restaurante D. Pedro (no número 58 da avenida).Coimbra. Hoefnagel. 1598.jpgGravura publicada em George BRAUN, «Civitatis orbis terrarum», vol. V, Colónia, 1598, a partir de desenho de Hoefnagel

Junto da porta de Belcouce ergueu D. Sancho I, em 1211, uma segunda torre pentagonal que ainda hoje se conserva.

Daqui, a muralha seguia à torre de Almedina e subia depois no sentido da rua do Corpo de Deus. No percurso entre a torre de D. Sancho e a de Almedina ainda se reconhecem hoje alguns torreões. A norte da torre de Almedina encontram-se duas torres: uma incorporada no paço de Sobre-Ribas e outra conhecida como torre d’Anto.

 Alarcão, J. Coimbra. O ressurgimento da cidade em 1537. Desenhos de José Luís Madeira. 2022. Coimbra. Imprensa da Universidade.

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por Rodrigues Costa às 11:32

Sexta-feira, 03.11.23

Coimbra: Os selos de roborar, nos documentos medievais.

A obra que vimos revelando aos nossos leitores encontra-se dividida em duas partes.

A primeira que corresponde à entrada anterior e às primeiras 20 páginas do livro, aborda a questão dos documentos fundacionais da Universidade portuguesa e o achamento do único documento conhecido que autentifica a sua fundação por D. Dinis.

Uma segunda parte que corresponde à presente entrada, procura descrever a génese e evolução dos selos que roborando um pergaminho lhe davam a força e a capacidade legal para imporem o que nele estava escrito.

O autor situa o início, grosso modo, desta prática no século X e que a mesma foi iniciada por autoridades eclesiásticas.

No que concerne a Portugal, diz, António de Vasconcelos.

Em Portugal parece que foi D. Sancho I quem introduziu este uso. Pelo menos é dele, e apenso a um documento do ano de 1189, o mais antigo dos selos pendentes de que nos dá conta D. António Caetano de Sousa, que o reproduz em gravura. Mais recentemente João Pedro Ribeiro, e por fim A. C. Teixeira de Aragão, também a ele se reportam, como sendo, entre os selos «certos» dosmonarcas portugueses, o mais antigo dos selos pendentes conhecidos.

Tem, como os seus coevos, a forma de amêndoa, com a ponta voltada para baixo.

…. Temos uma nítida reprodução deste selo nas coleções esfragísticas da Faculdade de Letras de Coimbra.

… Em Portugal os reis Sancho I, Afonso II e Sancho II usaram selos de tipo «heráldico» [os selos de autoridade], cujo campo era preenchido pelo escudo nacional das quinas, sem bordadura de castelos, tendo na orla a inscrição. Nunca usaram «selo de majestade». Os restantes reis da primeira dinastia continuaram no mesmo uso, mas além daquele selo comum e usual, tiveram um outro, com uma face «heráldica», outra de «autoridade», que usavam raramente, num ou noutro diploma mais importante e distinto; excetua-se o rei D. Pedro I, que não consta jamais usasse selo de «autoridade» ou do «cavalo», como então se dizia.

Diploma Dionisiano,  p. 31.jpg

Selo de autoridade de D. Afonso IV, publicado por D. António Caetano de Sousa. Op. cit., pg. 31.

Diploma Dionisiano,  p. 35.jpg

Reprodução em gesso, existente no Museu Municipal do Porto do selo de autoridade de D. Dinis, do Arquivo Nacional parisiense.

Op. cit., Pg. 35

 Cumpre-me agradecer à Sr.ª Dr.ª Ana Maria Bandeira a disponibilização das imagens a seguir apresentadas, dos selos que considerou os mais bonitos da coleção que o Arquivo da Universidade de Coimbra possui.

- Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra

Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra. 14

Selo dos Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra. 1454-1457

Representa uma Anunciação da Virgem, podendo ver-se o Anjo da Anunciação do lado esquerdo. Datado de 1454-1457, autentifica os Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra elaborados durante o pontificado do Bispo D. Afonso Nogueira.

Selo de cera vermelha do Bispo de Silves, D. Álvaro, Legado a latere, que confirmou os referidos Estatutos em 1457; suspenso de cordão vermelho; formato circular.

Cabido da Sé de Coimbra (F); Coleção de Pergaminhos (Col). AUC-V-3.ª-Móv.7 – Gav. 5 – n.º 2

 

- Selo de carta de emprazamento. 1477

Selo de carta de emprazamento. 1477.jpg

Selo de carta de emprazamento. 1477, dezembro, 6. Cárquere (c. Resende, d. Viseu)

Carta de emprazamento em três vidas feita por D. Rui Vasques, prior do Mosteiro de Santa Maria de Cárquere, da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, a João de Sequeira, escudeiro do Conde de Penela e a sua mulher e um filho ou pessoa que um deles nomeasse. O prazo era formado por umas pesqueiras no rio Douro, pelas quais pagaria de foro seis lampreias ou, não havendo lampreias, pagaria seis pescadas frescas.

Selo do abade do Mosteiro, de cera castanha sobre cocho de cera branca, suspenso de cordão castanho e branco; formato circular.

Mosteiro de Santa Maria de Cárquere (F); Coleção de Pergaminhos (Col). AUC -IV-3.ª-Gav. 23A-n.º 19

 

- Selo da Ordem de Cristo. 1528

Selo da Ordem de Cristo. 1528.jpg

Selo de uma carta de D. João III. 1528, março, 2. Almeirim

 Carta de D. João III enviada ao corregedor das Ilhas dos Açores e aos juízes e oficiais da Ilha Terceira, contendo o privilégio de Couto da Quinta e Herdade de Porto da Cruz, dos Biscoitos, na Ilha Terceira. A pedido que lhe fora enviado pelo seu proprietário, Pedro Anes do Canto, fidalgo da Casa Real, o Rei envia uma proibição para que ninguém lá possa caçar, pois ali tinha o seu proprietário criação de pavões e galinhas da Guiné, desejando iniciar ainda a criação de coelhos, perdizes e outras aves.

Selo de cera vermelha em cocho de madeira; suspenso de cordão castanho e branco; formato circular.

Selo da Ordem de Cristo, a cujo Mestrado pertencia a Ilha Terceira, sendo o Rei o seu Mestre.

Coleção Martinho da Fonseca (COL); Miscelânea de Documentos, cx. XIX, n.º 67. AUC-VI-3.ª-1-3-14

 

Vasconcelos, A. O diploma dionisiano da fundação primitiva da Universidade portuguesa. (1 de março de 1290).1990, Arquivo da Universidade de Coimbra.

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:43

Sexta-feira, 19.05.23

Coimbra. Conversas Abertas. Castelo de Coimbra

É já na próxima 6.ª feira, dia 26 de maio, pelas 18:00, que irá decorrer no Arquivo da Universidade de Coimbra, na Sala D. João III, a penúltima das Conversas Abertas desta série, como sempre com entrada livre e aberta a participação de todos.

A palestrante será a Arquiteta Isabel Anjinho, que vem realizando uma notável obra da investigação sobre o passado da nossa Cidade e que, desta vez, falará sobre o CASTELO DE COIMBRA.

CartazA3_26.05.2023 a.jpg

Além da exposição oral, as imagens em 3D permitirão conhecer o que era o castelo e como o mesmo se inseria na malha urbana de então.

Apresentamos a folha de sala que estará à disposição de todos os participantes.

CA. 2023.05.26. Isabel Anjimho folha de sala 1 a.j

 

 

CA. 2023.05.26. Isabel Anjimho folha de sala 2 a.j

Folha de sala

Participe e ajude na divulgação deste evento.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 12:04

Terça-feira, 03.05.22

Coimbra: Casa de Sobre Ribas 5

Acerca da Casa de Sub-ripas ainda há poucos anos alguns caturras teimavam a favor da lenda que pusera dentro das suas paredes a tragédia do D. Maria Telles — morta ás mãos do marido por intrigas da irmã rainha.

D._Leonor_Telles_de_Menezes.jpg

Rainha D. Leonor Teles, a origem da intriga. Imagem acedida em https://www.google.pt/search?q=leonor+teles 

assass├¡nio de D. Maria Teles, em Coimbra.jpgO resultado da intriga. Imagem acedida em http://invitaminerva45.blogspot.com/2017/07/estorias-curiosas-da-nossa-historia-2.html 

Isto, apesar de tal invenção estar claramente destruída desde 1871, com a publicação ou aproximação de certas datas históricas e documentos. Entre outros podem ver-se os artigos e cartas publicadas nos n.os 2526, 2527 e 2530 do Conimbricense daquele ano, por J. Martins de Carvalho, Miguel Osório, Senhor das Lágrimas, e Dr. Filipe Simões. Nem mesmo valeria a pena discutir o caso, se não estivéssemos num país onde quase toda a gente prefere seguir e repetir o que ouve a investigar e a refletir por conta própria.
Assim, sempre enfileiro aqui os argumentos que minaram a ingénua invenção.
Em primeiro lugar: da leitura da passagem de Fernão Lopes [Chronica de El-rei D. Fernando – Tomo IV da coleção de livros inéditos de história portuguesa.... pag. 350 a 354] invocada como fundamento da lenda — infere-se exatamente o contrário do que queriam aqueles caturras; pois o pai da nossa história muito positivamente indica como teatro da tragédia uma casa próxima á igreja de S. Bartolomeu — igreja situada no mesmo local onde existe a atual, constituída em 1756. Pertencia essa casa a um homem nobre, de nome Álvaro Fernandes de Carvalho.
— Depois: seguindo Fernão Lopes, também Frei Manuel dos Santos na «Monarchia Lusitana» refere o facto como passado na freguesia ou arrabalde de S. Bartolomeu.
— Há mais: porque é que António Coelho Gasco— escritor do século XVII, autor da Conquista, antiguidade e nobreza da mui insigne e Ínclita cidade de Coimbra —nada menciona do facto? Certamente por estarem já no seu tempo arrasadas ou irreconhecíveis as casas de Álvaro de Carvalho. Mas se a tragédia se tivesse dado na Casa de Sub-ripas ele aí tinha o teatro do crime — e não passaria em silêncio tão importante acontecimento.
— Ainda: nos pergaminhos e papéis do arquivo dos Perestrellos —proprietários históricos das casas de Sub-ripas até há poucos anos — nada apareceu, entre documentos referentes a estas casas, que desse o caso como acontecido nas suas moradas.
Não faço, nesta altura, pesar a circunstância de ver dado como acontecido numa casa quinhentista um facto pertencente ao século XIV; pois os defensores da lenda explicavam: que a casa existente fora levantada sobre as ruínas da casa ou torre do crime. Mas a isto responde-se: no século XVI, mercê de vida nacional mais pacífica e das novas condições da cidade, já podiam ser abandonadas partes da muralhas com as torres — como de resto o prova o documento da doação a João Vaz; enquanto que nos tempos precários — tão abrolhados de perigos o surpresas — do reinado de D. Fernando I não podia estar ainda desprezada a muralha de Coimbra, e convertidas as suas torres do vigia em aposentadorias de princesas.
Este argumento de boa razão fortalece os que nos fornecem os documentos.
Para mais — a lenda é de origem relativamente recente, e nenhum dos escritores que a adotaram o fez como historiador. Sorria-lhes á fantasia.
Mas não há remédio senão passar sem ela.
O interesse que nos merece a Casa de Sub-ripas em nada diminuirá, de resto, por termos afugentado dos seus desvãos e terraços o fantasma da linda e branca Maria Telles, imolada a golpes de bulhão, pelo filho da outra mísera e mesquinha numa madrugada de novembro de 1379.
Coimbra. 25 de março do 1906.
Manuel da Silva Gayo

Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.

 

 

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por Rodrigues Costa às 21:33


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