Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
No passado dia 30 de dezembro sob o título “Ponte Medieval descoberta junto a Coimbra-B atrasa obra do Metrobus na zona” o Diário de Coimbra citando a empresa Infraestruturas de Portugal (IP), noticiou a descoberta de uma “ponte em arco de volta perfeita, em alvenaria de pedra calcária, datada provavelmente do período medieval”. Acrescentou ainda que o “achado arqueológico” vai obrigar a “alterações de projeto”, com os trabalhos previstos de adaptação do túnel de Coimbra-B … a serem “inevitavelmente afetados”.
A primeira constatação a extrair é a de que, até agora, a lei foi cumprida, pois os trabalhos foram suspensos, havendo intenção de rever o projeto da obra. Por certo, vai iniciar-se a indispensável investigação arqueológica que, assim o esperamos, permita a datação do achado.
Por seu lado o Presidente da Edilidade, na sua página https://www.facebook.com/vamoscoimbra, afirmou “A descoberta de uma ponte, provavelmente do período medieval, junto ao túnel de Coimbra-B é uma grande notícia. Coimbra tem um património fabuloso. Da última vez que foi encontrada, o mais certo é que a tenham ignorado e assobiado para o lado. Desta vez, que lhe saibamos dar destino digno. Ganhamos todos.”
Dos achados foi divulgada a seguinte fotografia.
A imagem documenta os referidos achados arqueológicos e evidencia a importância dos mesmos.
Vamos sintetizar, de forma sumária, a investigação histórica que conhecemos, relativa a este sítio arqueológico e às suas imediações.
. Por ali ou muito perto, necessariamente, terá passado não só o itinerário romano de Olissipo a Bracara Augusta, bem como a antiga “estrada real” que atravessando Coimbra seguia para norte
. Quer António Filipe Simões (1835-1884). na obra publicada em 1870, Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra, que já abordamos numa entrada publicada no blogue A’Cerca de Coimbra, no passado dia12 de dezembro, bem como Nelson Correia Borges na sua dissertação de doutoramento intitulada Arte Monástica em Lorvão, publicada em 1993, abordam as construções de pontes realizadas por mestre Zacarias no entorno da cidade, referindo este último que Quando os homens da Câmara de Coimbra souberam da sua presença enviaram uma representação a Primo [abade do Mosteiro de Lorvão], solicitando-lhe que ele cedesse mestre Zacarias «ut faciat nobis pontes ad nostros ribullos» [construir pontes nos nossos ribeiros]. O abade respondeu que sim, para mais adiante acrescentar que foram a «Alviaster», … dirgiram-se a «Coselias» e construíram outra; passaram «ad latera» Buzat e fizeram outra; finalmente vieram a Forma e edificaram a última. Este Autor refere ainda que o local das pontes – já que delas não resta vestígio – foi pacientemente identificado por A. Nogueira Gonçalves. Três delas integravam-se no caminho de Coimbra a Viseu: Ponte do Promotor («ad Coselias), Lagares «(in Alviaster) e Botão (ad latera Buzat)». Quanto à ponte e moinhos de Forma, de mais problemática identificação, deveria situar-se na Ribeira de Botão ou Fornos. A partir dos elementos mencionados, se a datação dos vestígios ora encontrados apontar para o século X, existe a possibilidade de sabermos não só quem encomendou a obra, mas também o nome do seu construtor.
. Contudo, tendo em conta o que António Moniz e Maria Celeste Moniz escrevem na sua publicação O Infante D. Pedro de Avis (1392-1449), construtor de modernidade, somos levados a equacionar uma datação posterior dos referidos achados que poderão ficar-se a dever à ação do Infante D. Pedro, como 1º duque de Coimbra, [que] promoveu o florescimento económico e a paz social no seu ducado. Da sua ação destacamos a construção de canais de irrigação nas terras do seu ducado, a partir do caudal do rio Mondego.
Perante o achado e as palavras do Senhor Presidente da Câmara, das quais destacamos a frase: Desta vez, que lhe saibamos dar destino digno, infiro que se terá iniciado o tempo de uma intervenção proativa do Município relativamente a esse “destino digno”.
Decorre daí a conclusão de que, a partir de agora, está em causa fazer-se a necessária reflexão sobre o destino a dar aos achados, até porque, por vezes, a política seguida em Coimbra decorre, face aos interesses empresariais e similares, por se esconder, se destruir, ou se cobrir, para, finalmente, se construir por cima.
Também acontece, por vezes, seguir-se o caminho da visão arqueológica que passa por se estudar, fotografar, desenhar, publicar e cobrir-se, a fim de proteger o que foi achado. Depois…esquece-se! Facilmente encontramos na Cidade exemplos do que afirmamos.
Devido à minha maneira de ser não gosto de invocar os conhecimentos que possuo, nem o caminho que percorri ao longo dos meus 82 anos de vida. Contudo, passe a imodéstia julgo ter alguma competência e experiência passíveis de me permitir ser capaz de opinar sobre a matéria.
Dentro deste contexto, penso poder esquematizar as soluções possíveis para a conservação e valorização patrimonial do achado arqueológico da seguinte forma.
Face à realidade e ao futuro da Cidade que somos, defendemos a musealização dos achados, musealização essa que pode, em nosso entender, ser conseguida de duas maneiras: criação de um núcleo museológico do Museu da Cidade ou, aquela que assumimos face à realidade existente, que terá de passar pela integração ajustada dos achados aos interesses estratégicos da Urbe e do projeto da obra a construir.
Esta solução permitiria ao visitante que, ao chegar a Coimbra vindo de qualquer parte do Mundo, se apercebesse estar a entrar numa Cidade histórica capaz de salvaguardar o seu património.
Deixamos aqui as nossas propostas.
Face à evidência, Senhor Presidente da Câmara, torna-se óbvio que o Município tem de se envolver na definição da solução a encontrar, a fim de o Executivo e de a Assembleia Municipal validarem essa efetiva participação.
Rodrigues Costa
É a igreja de S. Bartolomeu talvez a de mais antiga história na cidade. Já existia em 957, pois, em 2 de novembro desse ano, foi doada ao mosteiro de Lorvão pelo presbítero Samuel, por mando do presbítero Pedro, em risco de morrer. Antes tinha sido dedicada a S. Cristóvão. A doação incluía também a igreja de S. Cucufate, com todas as suas vinhas e hortas que se encontravam em redor. O grande chefe mouro Almançor conquistou e arrasou Coimbra em 987. A igreja de S. Bartolomeu não deve ter sido poupada, pois que a vemos novamente doada a Lorvão em 1109, o que indica reconstrução. A doação de 1 de janeiro de 1109 é feita pelo presbítero Aires e nela são citados os ornamentos, móveis e imóveis.
Estas primitivas igrejas, cujos vestígios arqueológicos se encontram sob o pavimento da atual, depois de escavações levadas a cabo em 1979 e 1980, mas nunca publicadas, tinham entrada para poente e não para o lado da praça. No século XVIII a igreja ameaçava ruir, pelo que em 5 de junho de 1755 se fez a trasladação do SS. e das imagens de Cristo e Nossa Senhora para o antigo Hospital Real, donde passaram para a Misericórdia, iniciando-se de imediato a demolição do velho edifício românico. A primeira pedra da igreja atual foi lançada em 16 de julho de 1756, sendo arquiteto Manuel Alves Macomboa.
Igreja de S. Bartolomeu, vista aérea
A planta do novo edifício é de grande simplicidade, articulando em retângulo a nave com a capela mor. Amplas janelas inundam e unificam o interior de uma luz homogénea, bem característica da época rococó em que se fez a reedificação.
Igreja de S. Bartolomeu, torre sineira
A fachada enobrece o topo da praça, com suas duas torres sineiras coroadas de fogaréus e cúpula bolbosa. No século XIX construíram a casa da esquina com a rua dos Esteireiros, que lhe rouba parte da monumentalidade. O portal é ladeado por colunas dóricas onde assenta uma varanda de balaústres em forma de vaso chinês, diferentes dos da balaustrada que une as duas torres.
Igreja de S. Bartolomeu, capela-mor e retábulos laterais
O interior é sóbrio apenas se destacando as cantarias dos púlpitos, portas, janelas e arcos das capelas. O arco da capela-mor é em asa de cesto, sobre entablamento peraltado, assentando em pilastras mais cuidadas. O retábulo-mor domina todo o espaço, captando a atenção. Foi executado pelo notável entalhador de Coimbra João Ferreira Quaresma, contratado em 20 de dezembro de 1760, com a obrigação de consultar o arquiteto Gaspar Ferreira, para que ficasse como o de Santa Cruz. A fortíssima impressão causada pelo retábulo de Santa Cruz fez dele o pai de imensa prole que se estendeu de Coimbra a todas as Beiras, originado o estilo do rococó coimbrão. O mesmo João Ferreira Quaresma executou as cadeiras do coro e os arcazes da sacristia. O retábulo tem dois pares de colunas por banda, sobre alto embasamento. O coroamento, em frontão interrompido, de elaboradas formas, abriga glória solar ladeada de anjos com palmas. Marmoreados e dourados dão realce a todo o conjunto e emolduram a boca da tribuna, preenchida com uma tela de Pascoal Parente, representado o martírio de S. Bartolomeu.
Igreja de S. Bartolomeu, capela lateral
Os retábulos colaterais seguem o mesmo estilo, simplificado. Duas capelas laterais apresentam retábulos recuperados da igreja antiga. O do lado nascente é ainda maneirista, dos finais do século XVI, adaptado ao espaço. Conservou, além da estrutura, duas pequenas pinturas sobre tábua. A capela fronteira tem um retábulo de colunas salomónicas de finais do século XVII, época de D. Pedro II.
A igreja tem ainda no seu espólio belas sanefas de concheados, das melhores peças da cidade, feitas por Bento José Monteiro, mas certamente com desenho de Gaspar Ferreira. Salientam-se ainda outras pinturas de Pascoal Parente com Cristo crucificado e Anunciação.
Igreja de S. Bartolomeu, lustre e órgão
O templo é indissociável da praça onde se insere, outrora chamada praça de S. Bartolomeu. Nesta praça se fez durante séculos, até 1867, o mercado. Aqui se correram touros. Aqui se situou o paço dos tabeliães. Aqui funcionou a junta dos vinte e quatro dos mesteres e o paço do concelho. S. Bartolomeu é o patrono dos açougueiros e magarefes, cujos talhos estavam na praça e ruas confinantes, isto é, junto da igreja do seu santo padroeiro: principal justificação para a sua edificação neste local.
Nelson Correia Borges
Publicado em Correio de Coimbra, n.º 4761, de 7 de novembro de 2019, p. 8.
Razões topográficas exigiram a construção das igrejas medievais nos lugares em que se encontram.
O morro da primitiva cidade de Coimbra despega-se das outras colinas pelo colo dos Arcos do Jardim, donde partem os dois vales que o delimitam: o de Santa Cruz e o do Jardim Botânico. Saia um córrego médio do Marco da Feira, corria pela rua que depois tomou o nome de Rêgo-de-Água, depois, já mais volumoso e veloz na Rua das Covas, desfazia-se em espuma nas rochas do Quebra-Costas, e avançava já torrente pelo sítio onde será depois a Porta de Almedina, espraiando-se e depositando os materiais carregados na parte baixa da cidade, juntando-se aos aluviais do Mondego, que iam formando os diversos “arnados” que são o substrato do arrabalde antigo.
Planta da Cidade 1845
De facto, esta topografia é tão intrínseca que, nas grandes tempestades, a Natureza às vezes repõe o que o homem alterou. E assim aconteceu em 14 de Junho de 1411, em que foi tal a quantidade de água e o volume dos materiais transportados, que arrancou as portas chapeadas de ferro da cidade.
Temos assim uma linha de córrego que separa em duas partes, a antiga Almedina. Seguia, este córrego, um traçado que se aproximava bastante de uma reta e que agora está cortada pelo ângulo sudoeste do embasamento romano do Museu Machado de Castro e depois esquina noroeste da Sé.
Do outro lado, o vale de Santa Cruz contorna a colina, com grande bacia de receção pluvial. O vale tinha uma corrente contínua de águas, riacho que antes do seu encanamento pelas obras de Santa Cruz, tinha pelo menos um pontão e cuja corrente movia moinhos em várias épocas.
Delimitava pois, esse ribeiro, do lado norte, o arrabalde com forma de triângulo, e com duas igrejas: São Bartolomeu e São Tiago.
Ora, quais as razões topográficas da existência de duas freguesias em tão pequeno arrabalde?
O córrego médio da parte alta da cidade, cavado, não pela ação de águas contínuas, mas sim das de género torrencial, tinha à porta de Almedina como que o seu canal de transporte. O cone de depósitos devia ocupar, na sua maior estreiteza o espaço sensivelmente entre a R. das Solas e a das Azeiteiras.
Assim, quando o homem começou a construir no arrabalde, essas águas torrenciais obrigaram a repartir o povoado em dois grupos populacionais, com duas igrejas que até eram de padroado diferente. Sabe-se da existência de São Bartolomeu no séc. X, na primeira reconquista, apesar dos restos mais antigos, até hoje encontrados, serem do séc. XII, do período afonsino. O edifício atual data do séc. XVIII.
Planta da Cidade 1845 Pormenor
Quanto à Igreja de São Tiago é do fim do XII, princípio do XIII, do reinado de D. Sancho. Sabe-se, no entanto, que houve uma construção anterior de que nada se conhece, sendo bastante provável que remonte à primeira reconquista.
Anjinho, I.M.M. 2006. Da legitimidade da correção do restauro efetuado na Igreja de S. Tiago em Coimbra. Acedido em 17.01.2017, em
No conspecto demográfico do País a cidade de Coimbra ocupava, em 1527, um lugar pouco destacado. Seis aglomerados, além da capital, eram populacionalmente superiores e um, Lagos, sensivelmente igual. No centro dominava. As populações «urbanas» de Leiria, Aveiro, Viseu, Guarda e Covilhã eram inferiores.
O censo atribui-lhe 1.329 vizinhos dos quais 120 são cónegos da Sé e clérigos beneficiados. Não foram tidos em conta o clero regular, as religiosas, nem a população flutuante.
Os números do censo poderiam ter sido um pouco maiores, mesmo sem considerar estas lacunas, se em 1525 a cidade, e talvez o arredor, não tivesse sido assolada por «um mal» epidémico debelado, ou quase, já nos fins de Agosto. Trezentas e setenta e três «almas» citadinas, na indicação dos vereadores, morreram … Dos «vizinhos» atribuídos à cidade coimbrã apenas 370, não considerando os eclesiásticos, viviam na Almedina. No Arrabalde, 839.
… foi no Arrabalde que se estendia, no século XVI, da Portagem em direção a Água de Maias, que se fixou a população extramuros.
A vinha, no século XII, e a vinha e o olival na centúria de Quinhentos, começavam à Porta do Castelo. Fora da Almedina e Arrabalde não havia propriamente moradores: na zona verde urbana apenas se ergueram alguns edifícios religiosos. Ainda em 1845, como se mostra numa carta topográfica, não havia casario nas circunvizinhanças da urbe, nem mesmo da Porta do Castelo ao Penedo da Saudade, com exceção do velho Arrabalde.
O Arrabalde, a «baixa», tinha já no século X pelo menos quatro igrejas (S. Bartolomeu, Santa Cristina, S. Cucufate e S. Vicente). Santa Justa foi construída no século XI. Santa Cruz e Santiago, na centúria seguinte.
Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume I. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 149 a 151
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.