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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 07.05.24

Coimbra: Evolução do espaço urbano 1

Foi subscrito pelo Professor Doutor Pedro Dias o texto, publicado na revista Munda em novembro de 1981. Faremos a sua divulgação nesta entrada e na seguinte.

A evolução do espaço urbano de Coimbra é hoje bastante bem conhecida, porque dado não ter sido regular, se podem precisar com razoável rigor os seus limites em determinadas datas, nos momentos em que certos eventos a fizeram desenvolver ou a mutilaram.

O povoamento do morro da Alta atual justifica-se plenamente, por ser dominante ao último local até à costa onde era fácil atravessar o Mondego, em qualquer época do ano, dado que, a partir daqui o rio entrava na sua vasta planície aluvial por onde desbordava nas invernias. Assim, este ponto era de passagem quase obrigatória no trânsito entre o Norte e o Sul, pois também para montante, e devido às escarpas que cingiam o leito do Mondego, a viação era difícil. Era, pois, o morro onde a cidade veio a crescer de excecional valor estratégico, no campo militar, e também privilegiado para o florescimento de uma povoação, pois era uma encruzilhada, onde as trocas se poderiam fazer e onde os habitantes se poderiam ocupar a fornecer serviços aos passantes.

Os vestígios pré-históricos são raros, de qualquer modo, existem, o que prova a permanência do Homem no atual perímetro urbano, muitas dezenas de milhares de anos antes da nossa Era. Na margem Sul, para lá de Santa Clara, também, nas grutas dos Alqueves, deixou a marca da sua passagem, aí, na forma de espólio funerário. Pouco sabemos desses nossos remotos antepassados, exceto que, com a sua decisão de se fixarem, iniciaram a História da Cidade de Coimbra.

Mas é do período de dominação romana, já dos primeiros dois séculos da Era Cristã. que nos ficou o mais antigo testemunho material importante: o criptopórtico. Situa-se sob as construções do antigo Paço Episcopal, hoje o Museu Nacional de Machado de Castro, e é formado por duas galerias sobrepostas que serviam para suportar uma grande plataforma artificial na vertente, a fim de se construir o fórum. Aí era o centro da vida da civitas, que então se chamava Aeminium. Por aqui passava a grande via Olissipo-Bracara Augusta, a verdadeira espinha dorsal da viação peninsular ocidental. As invulgares dimensões deste criptopórtico são denunciadoras da importância desta cidade hispânica.

 

ForumRomanoDeCoimbra3.jpg

Museu Nacional Machado de Castro. Criptopórtico romano.  Imagem acedida emhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_de_Machado_de_Castro#/media/Ficheiro:ForumRomanoDeCoimbra3.jpg

Não é de aceitar que a área ocupada fosse multo grande. Certamente não ultrapassaria o perímetro que, mais tarde, as muralhas medievais haveriam de definir. O cemitério. ao lado do grande aqueduto, que o atual substitui no final do séc. XVI, prova o fim da urbe romana, na zona do castelo onzecentista. Na atual Baixa, é provável que também houvesse alguns núcleos de casas, e os Banhos Reais, que D. Afonso Henriques cedeu para a construção do Mosteiro de Santa Cruz, podiam ser umas termas ou um balneário romano.

Com a invasão germânica, a fácies de Coimbra/Aeminium teve, forçosamente, de se modificar. O brilho da civilização romana foi-se apagando, mas, mesmo assim, a cidade ganhou importância, relatlvamente a outros povoados que, décadas antes, a ultrapassavam em prestígio o valor económico e político. Em meados do séc. VI, o Bispo de Conimbriga muda-se para o morro mondeguino e a nova residência do Episcopus Conlmbrlgensls, a Imlnio visigoda. passa a chamar-se Coimbra, enquanto aquela cidade florescente, três léguas a Sul, desapareceria.

O que era a Coimbra do séc. VII? Ao certo não sabemos. Que era pequena e modesta não se duvida, mas suficientemente importante no panorama peninsular, para que quatro monarcas nela cunhassem suas moedas: Recaredo, Lluva, Slsebuto e Chintila.

Com as invasões muçulmanas de 711, a cidade seguiu o destino de todas as que se situavam a Sul das montanhas das Astúrias, e durante mais de três séculos foi islâmica, não obstante breves momentos de domínio de tropas cristãs, como aconteceu em 878. As marcas deixadas nas gentes e nos seus costumes foram profundas, mas no campo artístico os testemunhos dessa intensa colonização não chegaram até nós. Coimbra, pela sua posição geográfica foi o entreposto entre o Sul Islâmico e o Norte Cristão, tendo existido uma importante comunidade moçárabe, que levantou e melhorou os seus templos e que, mesmo depois da vinda para a terra portucalense dos senhores de linhagem franca, continuou a impor o seu modelo de vida, bem diferente do feudalismo de além Pirenéus. A cidade foi definitivamente reconquistada em 1064 pelas tropas de Fernando Magno, mas a reorganização de todo o vasto território e a defesa da linha do Mondego, ficou a cargo de um moçárabe de Tentúgal, o alvazil D. Sesnando, que nas prósperas cidades andaluzas passara os primeiros tempos da sua vida.

O mais antigo testemunho medievo do aspeto da cidade, ainda que vago, é dado pelo geógrafo ldrici, que nos confia que, no início do séc. XII, Coimbra estava «edificada sobre uma montanha, rodeada de boas muralhas, rasgadas por três portas e mui bem fortificada. Fica nas margens do Mondego, que corre a ocidente da cidade até ao mar e cuja foz é defendida pelo forte do Montemor. Sobre o rio existem moinhos. No território da cidade abundam vinhedos e hortas. Na parte que se estende até ao mar, do lado do poente. Existem campos cultivados onde criam gados. A população faz parte da comunidade cristã».

Sem dúvida que, durante os reinados dos nossos primeiros monarcas, a generalidade da população vivia dentro da cerca, onde ficava a alcáçova em que pousaram Afonso Henriques e os seus mais chegados descendentes, o castelo – o último reduto de todo o sistema defensivo – a Sé e o Paço dos Bispos, e as principais igrejas paroquiais.

Sé Velha. 1902.jpgSé Velha. 1902. Acervo RA

Mas no arrabalde, além muros, já começavam a despontar alguns pequenos núcleos de habitações, sobretudo junto dos templos que aí se levantavam: Santa Justa, S. Tiago e S. Bartolomeu. Em 1131 começou-se a construção do que viria a ser o mais importante mosteiro português, Santa Cruz. Nesse mesmo ano, e igualmente sob o patrocínio do príncipe D. Afonso Henriques, lançaram-se os fundamentos da grande ponte de pedra sobre o Mondego, cuja solidez desafiou séculos de enxurradas e de assoreamento.

Portagem. Ponte de pedra.jpgPonte de Pedra. Acervo RA

Tinha a cidade judiaria e mouraria, continuando a vida destas duas comunidades a processar-se sem grandes sobressaltos até ao final do séc. XV. O bairro judaico ficava na encosta, do lado de Santa Cruz, nas ribas de Corpus Chrlstl. No interior da cerca, uma grande via ligava a Porta de Almedina à Porta do Sol, junto ao castelo, passando pelo adro da Catedral e dividindo ao melo o espaço urbano intramuros. Outra, também de largo uso, fazia a comunicação entre a Porta de Belcouce, a mais próxima do rio, com o adro da Sé e com a Alcáçova.

No final da primeira dinastia a cidade estava já claramente dividida em almedina e arrabalde, cada zona com características muito distintas e bem definidas. Na nova zona além muralha – a Baixa atual – fervilhava o povo miúdo, os comerciantes e os artesãos, sobretudo em torno da Praça, balizada por duas igrejas paroquiais: a de S. Tiago e a de S. Bartolomeu. Nos becos e vias que dela saíam arruavam-se alguns mesteres, mantendo-se ainda em muitos casos a toponímia medieval. Na Alta, dentro dos muros, vivia o alto clero, os cónegos da Sé e outros beneficiados eclesiásticos, a nobreza local e os seus servidores, e também, evidentemente, algum povo.

 Dias, P. Evolução do Espaço Urbano em Coimbra. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2, pg. 5-11.

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por Rodrigues Costa às 11:00

Terça-feira, 18.10.22

Coimbra: Do castro primitivo à cidade de hoje 1

Com a presente entrada iniciamos a divulgação de uma interessante prova final da Licenciatura em Arquitetura, apresentada em 2017, por Carolina Conceição Ferreira, intitulada Coimbra aos pedaços: uma abordagem ao espaço urbano da cidade.

Coimbra aos pedaços, capa.png

Op. cit., capa

Coimbra implantou-se no monte a 90 metros de altura sobre um rio navegável – o Mondego.

A estrutura urbana teve início no período romano e o sistema principal para a formação do castro era simples: uma elevação, para maior controlo do restante território, um rio e a via Olissipo-Bracara Augusta, que estabelecia a comunicação terrestre com o restante território peninsular.

Estava, assim, iniciado o processo de conformação da polis com seus órgãos de poder residentes no Fórum.

A fixação inicial não demorou até extravasar os limites em direção à zona mais baixa, junto do rio e ao longo da via romana. As razões defensivas deixaram de fazer sentido e, passado o período das reconquistas e da fixação da nacionalidade, despoletaram outras vontades e outras dinâmicas para o desenvolvimento do castro inicial.

A vida urbana foi-se estabelecendo ao longo da via romana, por ser o sítio de passagem propício a trocas e a todas as atividades relacionais que a caracterizam. A pouco e pouco a aglomeração da edificação foi construindo a via que, mais tarde, passou à designação de rua. Foi o lugar privilegiado para a ação e prática da cidadania.

O limite imposto pela muralha assinalou o zoneamento de duas áreas urbanas distintas: a “alta” e a “baixa”. O desenvolvimento da cidade medieval, na parte baixa, caracterizou-se basicamente pela consolidação do núcleo arrabaldino, como uma área de intensa atividade mercantil e social.

Mais tarde chamada de Baixinha, esta zona prevalece o centro da cidade durante longo tempo, depois da cidade alta.

As marcas do tempo foram-se acumulando e persistiram, na memória, até aos nossos dias. A sua carga simbólica na cidade atual faz, deste núcleo, um centro cheio de referências históricas com características tipo-morfológicas que identificam o espaço urbano medieval. Foi o primeiro grande tema da expansão e crescimento da cidade.

Coimbra aos Pedaços, pg. 10.png

Fotografia aérea vertical da cidade com os núcleos destacados no território. Fonte: Fotografia aérea vertical. Agosto 2001. Socarto. in Coimbra Vista do Céu p.6. Original da METRO-MONDEGO SA.

 Uma segunda grande ação de expansão territorial marcou a história do século XIX, corresponde ao nascimento da urbanística como disciplina de planeamento urbano.

…. Em Coimbra, foi rasgada uma Avenida à imagem de boulevard parisiense ligando a parte baixa à parte alta da cidade e projetando-a a novas extensões de território englobando os restantes burgos periféricos no seu perímetro.

Esta ação urbanística foi grandiosa, na medida que introduziu elementos inovadores no projeto urbano - redes de saneamento, abastecimento e iluminação públicas – e conseguiu, numa grande extensão de terreno “vazio”, planear e regular toda a edificação e infraestruturação a longo prazo do território. O resultado visível revela uma estrutura sólida e funcional capaz de suportar as mudanças programáticas e morfológicas normais da cidade.

Coimbra aos pdaços. Fotografia vertical do Bairro

Fotografia vertical do Bairro de Santa Cruz em 1934. Arquivo Histórico das Forças Armadas.

Este modo de planeamento concilia o investimento público e privado, controlando e delimitando as formas edificadas de cada parcela. O desenho de projeto era utilizado em complemento com a regulamentação logística de atuação para aquele plano. O cenário urbano alterou-se radicalmente, abrindo a “cidade e os cidadãos a novas conceções políticas, sociais e estruturais.” Surgiram novas tipologias e novas relações espaciais para a vivência e organização urbana de Coimbra. O peso infraestrutural da Avenida Sá da Bandeira lançou as bases das novas formas de conexão espacial da cidade.

Noutra etapa, o Estado Novo, regime político vigente entre 1933 e 1974, marcou toda a cultura urbanística portuguesa do século XX. Caracterizou-se pelas suas políticas autoritárias e de acentuado controlo social e ideológico. Essas convicções deixaram marcas no território urbano e no desenho da cidade, acentuando a baixa densidade, o uso de tipologias unifamiliares, estruturas viárias hierarquizadas e regulamentação higienista.

A ação estratégica de urbanizar o território segundo planos e métodos uniformizadores, foi concretizada através de Planos Gerais de Urbanização para as várias cidades do país, utilizando-os para a expressão da ação e controlo do Estado sobre o espaço social.

Coimbra aos pedaços, pg. 42a.png

Antevisão da Avenida de Santa Cruz, construída à custa da demolição das construções localizadas entre as Ruas da Moeda e Bordalo Pinheiro, do desaparecimento de alguns largos medievais típicos e da destruição da Estação Nova de Caminhos-de-ferro. Fonte: Ante-projecto de urbanização da cidade de Coimbra. Étienne De Groer. 1948

… Foi o caso de Etienne De Gröer, urbanista parisiense, que elabora o plano para Coimbra e lança as bases orientadoras do processo de expansão urbana da atual cidade. Com palavras do urbanista é mostrada a intenção geral deste «Plano de Extensão e Embelezamento de Coimbra».

Ferreira, C.C. Coimbra aos pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves. 2007, acedido em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/13799.

 

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por Rodrigues Costa às 21:38

Terça-feira, 12.10.21

Coimbra: Aeminium. Coimbra, cidade há 2000 anos

Em Coimbra, na Sala da Cidade (antigo refeitório do Mosteiro de Santa Cruz), encontra-se patente, até ao próximo dia 6 de novembro, uma exposição temporária organizada pela Câmara Municipal de Coimbra e financiada pelo programa Centro 2020, intitulada Aeminium. Coimbra, cidade há 2000 anos. A mostra, com curadoria de Pedro C. Carvalho e de Ricardo Costeira da Silva, pode ser visitada de terça-feira a sábado entre as 13h00 e as 18h00.

Exp 1.jpg

Folha de sala da exposição, rosto

A Folha de sala, simples, mas bem conseguida, insere algumas imagens interessantes das quais nos permitimos destacar a das hipotéticas fases construtivas do fórum de Aeminium

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Folha de sala da exposição, imagem

E esta visão do criptopórtico.

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Folha de sala da exposição, imagem

A exposição vive, fundamentalmente, de fotografias relacionadas com o património arqueológico do Museu Nacional de Machado de Castro e complementa-a uma peça pertencente ao seu acervo e uma maquete do fórum de Aeminium (meados do séc. I d.C.).

Os textos que acompanham a apresentação, adequados e elucidativos, o arranjo e distribuição dos elementos gráficos, a iluminação e o esquema expográfico conduzem a uma relação intrínseca entre espaço-obra-espetador.

 

Não nos arrogamos em mais do que um simples estudioso da Cidade, mas, apesar disso, seja-nos permitido apor, relacionados com esta mostra, duas notas e um comentário.

O primeiro apontamento relaciona-se com a referência mais do que breve, quase diria insignificante, ao Arco Romano de Coimbra, cujos restos ainda são visíveis na conhecia gravura de Hoefnagel, datada de 1566.

Hoefnagel arco romano (3).JPGGravura de Hoefnagel, pormenor

Um dos textos que acompanham a exposição refere que um monumental arco honorifico, construído numa das entradas da Cidade, voltada ao rio, parece ter existido à rua da Estrela (junto ao antigo Governo Civil), tendo sido desmontado no século XIX. E fica-se por aqui!

Lamentamos a não referência aos trabalhos arqueológicos levados a cabo, em 2001, pelos arqueólogos municipais, bem como o estudo realizado em 2016 por Isabel Anjinho, com recurso à georreferenciação.

Os conhecimentos que se podem extrair tanto dos primeiros, como do segundo, deixam poucas dúvidas no que concerne à localização do arco, bem como às suas características arquitetónicas.

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Fotografia dos achados da Estrela, da autoria da Dr.ª Paula Cristina Viana França, que gentilmente a cedeu e datou (entre 17 e 31 de maio de 2001).

 

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Proposta de localização em planta, do arco romano sobre as cartas topográficas da cidade de Coimbra. Encontra-se a mais escuro o pilar cuja base terá sido encontrada na campanha arqueológica de 2001.

A outra nota relaciona-se com a localização do Circo Máximo (Circus Maximus) que os curadores, embora com reserva, apontam como podendo ter ocupado a atual Praça do Comércio. Corroboro as suas dúvidas e acrescento que a localização do equipamento naquele local se afasta da normal paginação das cidades romanas; contudo, não se pode esquecer a topografia específica do espaço geográfico ocupado por Aeminium.

Antes do comentário que pretendo deixar aqui, permito-me colocar uma nota pessoal. Desde o tempo em que exerci as funções de Diretor do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra que venho a defender a existência de um Museu da Cidade, necessariamente polinucleado, mas que respondesse à necessidade de se conhecerem as raízes de Coimbra, a sua história e as personagens que a marcaram; em suma, dar-nos a entender a cidade de Coimbra, globalmente tão diversificada e rica, no seu todo.

Expressa esta declaração de interesses, questiono-me acerca do destino que vai ser dado ao material desta exposição depois da sua desmontagem, até porque nos parece que ele se poderia considerar um primeiro passo para a concretização do objetivo pelo qual nos batemos há largos anos. Julgo oportuno alertar para a necessidade de, na sequência desta mostra, se iniciar, de forma serena, objetiva, abrangente e participada, um debate capaz de conduzir à definição de um projeto museológico apto a dar uma resposta válida à concretização desse Museu da Cidade que muito viria enriquecer a urbe e que poderia tornar-se num polo de atração turística.

No que de mim depender, não me eximirei a dar o contributo possível.

Rodrigues Costa

 

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por Rodrigues Costa às 13:30

Terça-feira, 21.05.19

Coimbra: Mitra Episcopal 1

A Mitra Episcopal de Coimbra representa essencialmente o conjunto de bens patrimoniais que estavam destinados ao sustento e provisão do bispo de Coimbra.
A diocese de Coimbra teve sede, primitivamente, em Conímbriga, no período de romanização da Península Ibérica, depois em Emínio (Aeminium), durante o domínio dos Suevos, tendo sido nestes períodos sufragânea de Mérida e depois de Braga, e por fim ficou sedeada na cidade de Coimbra, enquanto diocese isenta.
Os limites geográficos do bispado ficaram definidos em 1253, pela bula Provisionis nostrae de Inocêncio IV, de 12 de Setembro, tendo sido retirados a Coimbra os territórios entre o rio Douro e Antuã que foram anexados ao bispado do Porto.

Inocêncio IV 03.jpg

Inocêncio IV

A área geográfica do bispado de Coimbra sofreu alterações com a criação do bispado de Leiria, pela bula Pro excellenti apostolicae sedis de Paulo III, de 22 de Maio de 1545, no reinado de D. João III, que ditou a saída de seis paróquias (Caranguejeira, Colmeias, Espite, S. Simão de Litém, Souto da Carpalhosa e Vermoil) da diocese de Coimbra que passaram a pertencer ao novo bispado.

Paulo III 01.jpg

Paulo III

Idêntica situação ocorreu aquando da criação da diocese de Aveiro, desmembrando localidades diversas do bispado de Coimbra, por breve de Clemente XIV de 12 de Abril de 1774.

Clemente XIV 01.jpg

Clemente XIV

Com a nova circunscrição diocesana ditada pela bula Gravissimum Christi de 30 de Setembro de 1881, na diocese de Coimbra foi integrada parte dos bispados de Leiria e Aveiro, que só voltaram a ser restaurados pelo papa Bento XV em 1918 (Leiria) e 1938 (Aveiro).

As doações patrimoniais à Sé de Coimbra são anteriores à fundação da nacionalidade. A necessidade de sustentação dos bispos, cónegos e mais prelados esteve na origem de várias doações, nomeadamente, a importante doação do Mosteiro da Vacariça, em 1094, por D. Raimundo e D. Urraca, e do mosteiro do Lorvão, em 1109, que apenas por sete anos esteve na posse da Mitra.

Raimundo de Borgonha 01.jpg

D. Raimundo

No entanto, as propriedades de Santa Comba Dão, Couto do Mosteiro, Midões, Vila Cova e parte da Pedrulha, que eram do dito mosteiro do Lorvão, mantiveram-se na sua posse.
Em 1082, o conde D. Henrique e D. Teresa doam à Sé de Coimbra os castelos de Coja e Arganil, altura em que os bispos de Coimbra passam a designar-se Senhores de Coja.


D. Henrique e D. Teresa. Iluminura da Genealogia d

D. Henrique e D. Teresa

A partir do reinado de D. Afonso V, o bispo de Coimbra passa a acumular o título de conde de Arganil, na sequência do reconhecimento da participação do bispo D. João Galvão nas campanhas do Norte de África (conquista de Tânger e Arzila), em 1471… concedeu também a este prelado, por provisão régia de 18 de Agosto de 1472, a vedoria mor das obras e alcaidaria-mor das comarcas da Beira e Ribacôa, razão pela qual se intitulava alcaide-mor de Avô.

Bandeira, A.M.L., Silva, A.M.D., Mendes, M.L.G. 2007. Mitra Episcopal de Coimbra: descrição arquivística e inventário do fundo documental. Acedido em 2019.04.29, em
https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/DIO_MitraEpiscopalCoimbra 

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por Rodrigues Costa às 09:02

Quinta-feira, 25.04.19

Coimbra : Gaius Sevius Lupus Aeminiensis, um arquiteto romano

Em 2015.08.28 publicámos uma entrada com o título “Coimbra: arquiteto romano natural da cidade”.
A entrada foi idealizada quando, no decurso de uma deslocação que fizemos a La Coruña, altura em que tivemos ocasião de visitar a Torre de Hércules.

Torre de Hércules na atualidade.jpg

Torre de Hércules na atualidade

Embora a sua origem se encontre envolta em lendas, sabe-se, com base nos achados de terra sigillata e de vasos de paredes finas encontrados em escavações, que a sua reconstrução pelos romanos, como farol de navegação, data dos anos 40 a 80 da nossa era, isto é, entre os reinados de Nero e de Vespasiano.
Esta original construção assenta numa base quadrangular e as suas quatro fachadas mostram grande austeridade.

Desenho localizado nun manuscrito de Cornide (Real

Desenho localizado num manuscrito de Cornide (Real Academia de Historia, Madrid)
In: https://www.coruna.gal/castroelvina/gl/detalle/torre-de-hercules/contenido/1453614280400?argIdioma=gl

A Torre de Hércules, na atualidade mede 55 metros, correspondendo 34 à construção romana e 21 à reforma dirigida em 1789 pelo arquiteto militar Eustáquio Giannini, com o fim de equipar o velho farol de uma nova lanterna a que, em 1806, foi acrescentado o fanal.
A Torre é o único farol romano ainda em funcionamento e que conserva uma parte importante da sua estrutura original, embora, devido às diversas intervenções esta se encontre oculta por um “forro externo” neoclássico.
A UNESCO, a 27 de junho de 2009 declarou, na cidade de Sevilha, a Torre de Hércules como Património da Humanidade.

Ara votiva.jpg

Ara votiva
In: https://www.coruna.gal/castroelvina/gl/galaicos-e-romanos/obxectos/detalle/torre-de-hercules/contenido/1453614280400

Ao lado da Torre de Hércules encontra-se uma ara votiva onde, de acordo com diversos autores, se pode ler

MARTI /
AUG[USTO] SACR[UM] /
C[AIUS] SEVIUS /
LUPUS /
ARCHITECTUS /
AEMINIENSIS /
LUSITANUS EX VO[TO]

Ou seja, “Consagrado a Marte Augusto. Caio Sévio Lupo, arquiteto de Aeminium (Coimbra) Lusitano em cumprimento de uma promessa”.
Do arquiteto Gaius Sevius Lupus, nada mais se sabe a não ser o nome e o lugar do seu nascimento; no entanto, alguns historiadores apontam-no como sendo o possível autor do criptopórtico que se encontra sob o Museu Nacional Machado de Castro.
Gaius Sevius Lupus, uma figura de Coimbra, entre tantas outras, a lembrar.

Escadas interiores da Torre de Hércules.jpg

Escadas interiores da Torre de Hércules
In: http://ridenroad.com/blog/wp-content/uploads/2016/02/escaleras-torre-hercules.jpg

Gaius Sevius Lupus, uma figura de Coimbra, entre tantas outras, a lembrar.

Gostaríamos de chamar a atenção para o site
https://www.youtube.com/watch?x-yt-ts=1422579428&x-yt-cl=85114404&v=SyK79YGTlQM 
onde se poderá ver um excelente trabalho onde é apresentada uma proposta explicativa da construção daquela obra.

Referências: as indicadas no texto e https://es.wikipedia.org/wiki/Torre_de_H%C3%A9rcules
http://www.torredeherculesacoruna.com/index.php?s=58&l=pt 

 

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por Rodrigues Costa às 09:09

Quinta-feira, 07.02.19

Coimbra: Evolução do Espaço Físico 2

No contexto ibérico, o sítio de Coimbra – cartograficamente assinalado com um caprichoso meandro do rio Mondego – é um módulo de importância nevrálgica entre o norte e o sul, o interior e o litoral. Já ao nível do território de transição entre o Baixo e o Alto Mondego, especificidades da colina que hoje designamos por «Alta» ou «Almedina» ditaram um precoce despontar do aglomerado que, desde logo, o processo de romanização fez florescer como cidade. Eram elas as características defensivas naturais, o domínio do Mondego, e dos vales nele concorrentes, a exposição ao rio pelos quadrantes mais favoráveis em termos solares, o fácil acesso fluvial ao mar e ao interior, os recursos aquíferos do subsolo, etc.

Réplica da pedra gravada do MNMC.jpg

Réplica da pedra gravada do MNMC, 395 ou 396 da era cristã

… Hoje estável e controlado, o rio foi de facto até há pouco menos de dois séculos um rebelde elemento de perturbação do quotidiano e [do] desenvolvimento urbanos de Coimbra. Correndo sobre um leito cujo perfil ainda não se encontrava estabilizado, o Mondego autoproduziu esse incontornável equilíbrio através de consecutivas, torrentosas e, por vezes, trágicas cheias, condicionando durante séculos – em especial durante a Idade Moderna –, todo o desenvolvimento urbanístico da «Baixa» da cidade e, por reflexo, o da própria «Alta». Em média, a cota do seu leito subiu até então 8 centímetros por década, destruindo e/ou açoreando diversos conjuntos edificados nas suas margens durante a Idade Média e, claro, a ponte instalada pelo menos desde a fundação da nacionalidade.

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620.jpg

Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620

…. Sabemos, por exemplo, que é a cerca de uma dezena de metros de profundidade que, sob o Largo da Portagem, jaz o pavimento de acesso à ponte primitiva.

Illustris Ciutatis Conimbria.JPG

Illustris Ciutatis Conimbria in Lusitania. Georg Hoefnahel/Hogenbeerg, colorida por Braun, 1598

… Mas a influência da plasticidade global do suporte territorial na evolução morfológica da cidade torna-se particularmente relevante se melhor nos focarmos sobre a própria colina (…) tem ela uma expressão morfológica planimétrica algo em ferradura com abertura a poente (…) Continuando, inevitavelmente, a acentuar as principais características topográficas da colina, da dinâmica da dualidade habitante-invasor acabou por resultar do penúltimo dos casos da ocupação estranha – o do invasor islâmico nos últimos séculos do primeiro milénio – uma estrutura palatina sobre o extremo mais proeminente da tal virtual ferradura. Também então se reformava o perímetro defensivo que, de uma forma geral, consistia na linha definida pela intersecção entre as encostas de declives praticáveis e impossíveis. No fundo a muralha acabou por acentuar a já clara individualidade da colina, da cidade ou, se assim o quisermos, da «Almedina». Mas complementarmente também salvaguardou o aceso seguro às zonas baixa e ao rio.

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo

Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo de Coimbra

Protegendo a retaguarda e simultaneamente o acesso mais fácil ao topo pelo festo do Aqueduto [de S. Sebastião], implantou-se e desenvolveu-se também pela primeira dobragem do milénio o castelo, o qual em articulação com o palácio, clarificou o desenvolvimento daquele que ainda hoje é o principal eixo viário da «Alta», a Rua Larga.

Rossa, W. O Espaço de Coimbra. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 17-42.

 

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por Rodrigues Costa às 22:26

Quinta-feira, 22.02.18

Coimbra: Alexandre Herculano e a sua visão da cidade 1

Esta entrada, que reproduz um artigo publicado na revista O Panorama, carece de uma explicação.

O Panorama. Jornal litterário e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, foi publicado aos sábados, entre 1837 e 1868, estando a digitalização dos seus índices e das revistas disponível em:

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/OPanorama/OPanorama.htm.

O Panorama.jpg

 Folha do rosto de O Panorama

A maioria dos artigos ali publicados não são assinados, embora a sua paternidade seja comumente atribuída a Alexandre Herculano, a alma e o motor deste projeto.

Daí o título aposto à entrada, que reproduz na íntegra um texto ali publicado – cuja ortografia foi atualizada para facilitar a sua leitura – e que consideramos de uma grande beleza.

Importa sublinhar que se trata de uma síntese, escrita em 1836, onde se dá conta dos conhecimentos de então relacionados com a história de Coimbra e com a de alguns dos seus monumentos; os conhecimentos atuais relacionados com estas temáticas são muito mais aprofundados e desenvolvidos.

O artigo em causa insere uma gravura onde também se não vislumbra a assinatura do autor, mas cuja autoria poderá ser atribuída a Manuel Maria Bordalo Pinheiro ou a José Maria Baptista Coelho, porque foram estes dois artistas que, maioritariamente, colaboraram na revista.

O Panorama gravura de Coimbra.jpg

 Coimbra xilogravura de autor desconhecido. In O Panorama, n.º 51

 O Panorama esteve entre as primeiras publicações portuguesas que inseriram gravuras, a impropriamente chamada xilogravura, ou seja, a gravura aberta em blocos de madeira; mas utilizou a “xilogravura de fio”, também conhecida como madeira à veia ou madeira deitada, porque o bloco foi cortado longitudinalmente em relação ao caule da árvore e trabalhado com canivete ou goiva, procurando aproveitar as fibras rígidas e salientes. Posteriormente, noutras publicações, passou a ser utilizada a “xilografia de topo”, porque o bloco que vai ser utilizado se obtém cortando a madeira no sentido horizontal; esta trabalha-se com buris das mais variadas secções, semelhantes aos utilizados pelo gravador na chapa de metal.

 

Por último uma nota pessoal. Dos textos de Alexandre Herculano que tenho lido ressalta o pouco apreço do autor por Coimbra e, principalmente, pelo ensino que então se ministrava na Universidade. O texto ora apresentado vai, inequivocamente, nessa linha.

Apesar do profundo respeito pela figura maior que Herculano é, não posso esquecer que foi ele o responsável pela saída de Coimbra das duas cousas mais importantes que havia no convento [de Santa Cruz e que] eram a livraria e o sanctuario: as preciosidades d’um e d’outro foram levadas para a cidade do Porto.

 

COIMBRA

Depois de Braga é Coimbra, em nosso entender, a mais bem assentada cidade de Portugal; e até não sabemos se a vizinhança do Mondego lhe dá a primazia sobre a antiga capital do Minho. É verdade que as sendas [o nome de estradas não o merecem] que de várias partes conduzem a Braga, acompanhadas em quase toda a sua extensão de vales cultivados, de ribeiros deleitosos, de montes selvosos, de pequenas povoações, não contrastam com o painel que descobrimos ao aproximarmo-nos da cidade; enquanto as estradas que do Porto ou de Lisboa conduzem a Coimbra, comumente por brenhas cerradas, descampados inférteis, pinhais extensíssimos, mas sem majestade, e povoações pobres e derramadíssimas, preparam o caminhante com hábitos  de tristeza e de tédio, para contemplar a cena de Coimbra, que, semelhante a uma pirâmide esculpida, se levanta dominadora dos seus fresquíssimos e saudosos arredores, e do tranquilo Mondego, que se revolve mansamente a seus pés, como uma fita branca, lançada por meio de um tapete de verdura.

Da «Collimbria», «Conimbrica» ou «Conimbriga» dos romanos já não existem há seculos, senão umas gastas ruinas, no sitio chamado Condeixa velha, a duas léguas da moderna Coimbra. Esta, fundada por Ataces, segundo dizem, só data do tempo da dominação dos Alanos e Suevos. Da época da sua fundação pretendem alguns ainda sejam as armas atuais da cidade; mas semelhante crença tem todos os visos de fabulosa.

No tempo da invasão dos mouros, Coimbra, como todas as demais povoações de Portugal, caiu debaixo do jugo dos conquistadores. Seguiu-se a longa luta dos cristãos com os muçulmanos: no mesmo século Coimbra foi resgatada; mas no século seguinte tornou ao poder dos infiéis, até que em 1064 D. Fernando o Magno, rei de Castela e Leão, a conquistou pela última vez. Parece que os monges beneditinos de Lorvão, que tinham trato com os cristãos da cidade, ajudaram D. Fernando a levá-la de salto, entrando pela porta da traição. – Houve aqui grande estrago de mouros, e querem afirmar que o arco de Almedina é um monumento desta vitória, dando aquela palavra a significação de «porta do sangue»; mas nem esta é a verdadeira tradução do vocábulo arábico, nem por certo o arco que existe junto á igreja de S. João d’Almedina, é de tão remota antiguidade.

Divididas as conquistas de D. Fernando entre seus filhos, guerrearam uns com os outros por causa da herança paterna, pertencem essas guerras á historia de Espanha. Basta saber que no tempo de D. Afonso 6.º de Leão, neto do conquistador de Coimbra, a cidade foi entregue ao conde D. Henrique com o resto de Portugal, dado em dote da rainha D. Tareja, sua mulher. Desde este tempo até o de D, João 1.º Coimbra foi o principal assento da corte dos reis portugueses; porque a sua posição geográfica, a salubridade do clima, e a fertilidade do território lhe davam jus a semelhante primazia. Lisboa, entretanto, crescia em poder e riqueza, que lhe atraía o seu porto magnifico, propriíssimo para o trato de comércio, e nas cortes celebradas na mesma Coimbra, em tempo de D. João 1.º, os povos pediram a el-rei mudasse a residência da corte para a cidade do Tejo.

O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 121

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por Rodrigues Costa às 10:03

Quarta-feira, 30.11.16

Coimbra: a Baixinha 1

Da observação ao tecido urbano da Baixinha são detetados alguns padrões morfológicos das cidades medievais, formalizados segundo percursos, largos, praças e quarteirões irregulares... O seu aspeto formal reflete as dinâmicas do urbanismo medieval, onde o espaço sempre teve funções de encontro, de troca e de circulação de bens e ideias. O carácter multifuncional, dado na altura, contribuiu para que os elementos estruturadores do espaço fossem agregadores de todas as atividades sociais, económicas, políticas e religiosas da urbe. A rua e a praça eram por isso, os elementos principais do sistema, assumindo o carácter central e identificador para cidade.

O núcleo da Baixinha desenvolveu-se precisamente na borda Poente da colina em contacto direto com a via fluvial. O local estava inserido numa rede viária de comunicação terrestre, criada na altura de expansão e difusão do Império Romano, funcionando para que todo o tipo de informação, acontecimentos e bens materiais fossem difundidos pelo território peninsular. O poder relacional da via tornou-a no principal agente de divulgação e consolidação urbanas. Assim, a via litoral da Península Ibérica Oissipo-Bracara Augusta foi uma ferramenta do sistema urbano nacional, importantíssima para o processo de assentamento e aglomeração urbanística, pois funcionou como um canal de ligação e como ponto de encontro junto dos aglomerados e promoveu o suporte às relações urbanas. Neste sentido, a Baixinha, é o reflexo formal da aglomeração implantada em torno de uma via de passagem às portas de entrada da muralha da cidade propriamente dita.

O processo de fixação e estruturação do território não foi espontâneo nem casual, uma vez que obedeceu à lógica da implantação das Ordens e Comunidades religiosas e fixação das suas agregações em porções de terrenos delimitados por cercas. A regra de localização das capelas e igrejas foi ditada ao longo da via principal, aquela pela qual “todos” passavam, podendo assim fazer cumprir as suas obrigações de assistência no apoio aos peregrinos e de quem mais precisasse. Assim, o arrabalde passou a ser definido pela colocação de igrejas ao longo do eixo viário, direcionando todo o espaço urbano. Implantaram-se quatro templos: Santa Justa, S. Tiago, S. Bartolomeu e o convento Crúzio. Os conventos foram as grandes estruturas organizadoras do arrabalde, tendo a sua fundação gerado importantes aglomerações, dentro de novas circunscrições religiosas. O casario crescia de forma compacta em torno dessas igrejas paroquiais. Destes espaços abertos nasceu uma tipologia urbanística que vive ainda nos nossos dias: o terreiro e o adro sempre foram espaços ancestrais de encontro e troca na cidade medieval. Poder-se-á dizer que são um elemento espacial identificador da cultura citadina. Os aglomerados populacionais reuniam-se à volta de uma paróquia como suporte institucional e espiritual da vida em comunidade.

... Enquanto arrabalde, a zona da Baixinha era considerada um bairro fora de portas, pertencente ao subúrbio da povoação da cidade alta, fora dos limites administrativos, mas com forte vocação mercantil. Situado entre a calçada romana e o rio, a zona fixava todas as atividades relacionadas com o comércio. Os mercadores instalavam-se ao longo da via, fora do perímetro amuralhado, onde os produtos não estavam sujeitos a taxas e onde havia espaço mais amplo, mais barato e de maior acessibilidade. O percurso mais direto entre a ponte e a porta da cidade foi o ponto propício ao início do fluxo de atividade comercial, donde resultou a chamada Rua dos Francos. Era o local onde se cobravam os direitos de “portagem”, quando as mercadorias ficavam dentro da cidade, ou de “passagem” quando estas apenas transitavam dentro dela. Daí resultar a conformação de um “Largo da Portagem” com continuação da rua a que, hoje, designamos de Ferreira Borges. Durante toda a época medieval houve um progressivo desenvolvimento comercial da zona ribeirinha, potenciando a sua definição e consolidação urbana.

Ferreira, C. 2007. Coimbra aos Pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves, p. 27-29

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por Rodrigues Costa às 11:33

Quarta-feira, 30.03.16

Coimbra, venda de vinho 1

As vinhas cresciam no aro citadino … Do vinho colhido nos «olivais da cidade», precisamente na área até onde o guardador da cidade estendia a sua vigilância, os «piães» pagavam a oitava parte ao monarca.

Para vender este vinho – e certamente outro, proveniente dos direitos reais – estavam reservados três meses de relego, a começar em 2 de Novembro. Neste tempo nenhum vinho da cidade ou de fora podia ser vendido atabernado sem avença ou licença de quem superintendia neste direito real ou o trazia arrendado. O vinho de fora «de qualquer parte e sorte», podia livremente ser vendido mediante o tributo, a favor do relego, de um almude por carga maior e meio almude por carga menor, quando as partes contratantes não pudessem ou quisessem fazer avença.

O relego destinava-se exclusivamente a vender na cidade o vinho de el-Rei.

… Passados os três meses do relego, ou acabado de vender o vinho dos oitavos, «o povo e moradores da cidade» podiam livremente transacionar o seu. O que acontecia, por vezes, pouco tempo depois de aberta «a casa e adegua do relego»

… O relego régio excluía a venda do vinho dos cidadãos durante três meses. Mas os governadores da cidade, como proprietários, souberam criar um relego da cidade durante quatro meses, no tempo em que o vinho tinha boa venda, para os moradores «averem algum proveyto de suas novydades».

 

... Pela foz do Mondego exportava-se vinho, provavelmente, pelo menos na época romana … as vinhas estão referenciadas por Edrisi.

Nos meados do século XIV Coimbra exportava-o pelo porto de Buarcos.

 

… Uma parte do vinho gasto pela população citadina era fornecida pelos proprietários conimbricenses ou do termo, diretamente, ou através dos regatões. Mas estes tinham de ir buscar mais longe o que faltava para satisfazer a procura quotidiana. A tarefa aparece confiada … a barqueiros … O que não excluía o transporte por terra … Em 24 de Novembro de 1574, encontramos a Câmara a almotaçar o «vinho de regatia e o que vem de fora de carretos» … O vinho transportado pelo Mondego podia estar sujeito a fiscalização antes de ser metido na cidade … Em Maio de 1611 a Câmara determinou o registo das pipas transportadas nas barcas, rio abaixo, tanto dos obrigados à cidade como dos que compravam vinho na Beira e o traziam pelo rio.

… Algumas fontes dos princípios do século XVII mostram-nos que semelhantes fornecimentos, nesta época, eram praticados em regime de monopólio. Com efeito, em Dezembro de 1610, por exemplo, treze barqueiros, todos moradores na cidade, obrigam-se a vender vinho atabernado, durante um ano, aos preços assinalados no contrato. Mas só eles, além dos proprietários, vendeiros e estalajadeiros o podiam fazer … Em Julho de 1614 deparam-se-nos nove indivíduos, de que pelo menos oito são barqueiros, a assumirem compromisso de venderem apenas vinho «boom e de Lamego» em seis lojas.

 

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 292 a 295, 297 e 298

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por Rodrigues Costa às 11:07

Terça-feira, 01.03.16

Coimbra, origens 6

O traçado das ruas da cidade romana é indeterminável, pois os únicos edifícios romanos descobertos – o criptopórtico e a cave em frente da Sé Velha – são insuficientes para nos determinarem orientações.
A mediévica Porta do Sol era provavelmente, já no período romano, umas das entradas da cidade; ficava situada ao cimo da rampa natural que o aqueduto romano acompanhava. Do facto de quase todas as inscrições funerárias romanas de Coimbra terem sido achadas metidas nos muros do Castelo, ou nos panos da muralha entre este e a Couraça de Lisboa, V. Correia concluiu que o cemitério romano deveria ficar situado na encosta de S. Bento e do Jardim Botânico, isto é a poente da ladeira que subia até à Porta do Sol.
Desta entrada da cidade, divergiam muito possivelmente duas vias: uma delas, que na Coimbra moderna (mas anterior à demolição da Alta da cidade) era chamada Rua Larga, conduzia ao sítio que o edifício antigo da Universidade presentemente ocupa. Aqui, não pode deixar de ter existido um edifício romano importante, provavelmente publico … Outra via descia do sítio da Porta do Sol ao antigo Largo da Feira e daqui, pelo Rego de Água e Rua das Covas ou de Borges Carneiro, ao largo da Sé Velha. Se este era o principal arruamento da cidade romana no sentido leste-oeste, é tentador ver, na Rua de S. João ou de Sá de Miranda e na de S. Pedro, o eixo principal norte-sul. Nogueira Gonçalves, porém, considera esta última um corte artificial, talvez operado no século XVI.
Se o monumento romano à Estrela era um arco honorífico, devia marcar o início de uma rua da cidade. Esta seria a do Correio ou de Joaquim António de Aguiar, que António de Vasconcelos representa na sua planta de Coimbra no século XII. Na mesma planta, um outro arruamento, de antiguidade bem provável, é definido pelas ruas da Trindade, dos Grilos ou de Guilherme Moreira e da Ilha. Da antiguidade da Rua do Cabido, representada ainda na mesma planta, duvidamos algum tanto; inclinamo-nos mais a ver na Rua do Loureiro outra das principais vias antigas.
Tudo isto, porém, é conjetural.

Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 39 a 40

 

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por Rodrigues Costa às 10:31


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